Em recente envio de documentos relativos aos estudantes de Medicina António Rodrigues de Oliveira e António Egas Moniz, o Dr. Afonso de Oliveira Sousa questionava se o poeta Gonçalves Cerejeira, autor do texto da récita dos quintanistas de 1898 ("Os Boémios"), seria o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira.
Na realidade são alunos distintos. O primeiro estudou na Faculdade de Direito da UC na década de 1890, colega que foi do guitarrista Manuel Mansilha e do Dr. Augusto Vilela Passos. O segundo estudou Teologia e História na crepuscular Faculdade de Teologia e na nova Faculdade de Letras, na passagem da primeira para a segunda década do século XX.
A fotografia que se apresenta veio publicada na revista BRANCO E NEGRO, 1º trimestre de 1898, p. 343, em cujas páginas constam retratos de estudantes como Manuel Mansilha, Alexandre Braga e Augusto Granjo.
Manuel Dias Gonçalves Cerejeira era natural de Vila Nova de Famalicão. Fez os estudos secundários no Liceu de Braga, onde ajudou a fundar uma associação de estudantes, no rescaldo dos acontecimentos do 31 de Janeiro. Homem de convicções republicanas e antijesuíticas, Gonçalves Cerejeira colaborou assiduamente em jornais estudantis bracarenses como A PÁTRIA, O CANTO ACADÉMICO e A ALMA NOVA (periódico antijesuítico, de que foi redactor). Radicado em Coimbra, dedicou-se ao jornalismo, à poesia e à crítica literária.
Coligiu, dos anos da juventude, "Canções Vermelhas", obra poética de veia decadentista que não chegou a editar. Publicou o poema lírico "Cinzas" e fundou o periódico literário CENÁCULO (1894-1895)*. Nos inícios de 1898 assinou o texto da récita de curso "Os Boémios", fez versos postos em música por Manuel Mansilha e preparava para edição "Alma Rebelde" e um livro de contos. Em Coimbra integrou a comissão académica que homenageou o republicano José Falcão e ajudou a editar uma versão popular da "Cartilha do Povo", colaborando ainda na publicação "Portugal". Durante os anos de Coimbra, Cerejeira escreveu no jornal "O Porvir" que se editava em Famalicão.
Gonçalves Cerejeira conviveu com os grandes vultos da CC do seu tempo, com destaque para o divo da guitarra Manuel Mansilha. De parceria com Mansilha (música), escreveu as coplas da "Serenata-Balada da Despedida do 5º Ano Teológico-Jurídico de 1897-1898" (Corações novos, almas em flor), editada no primeiro trimestre de 1898 pela Typographia e Litographya Minerva Central.
Agradecimentos: a fotocópia da citada página do "Branco e Negro" foi-nos enviada em 19/07/2001 pelo Dr. Manuel Mansilha. No meio dos documentos, quase todos relativos ao guitarrista Manuel Mansilha, vinha uma fotografia do "Curso do 5º Anno [Direito e Theologia] de 1897-1897", realizada por José Maria dos Santos. A fotocópia padece de manifesta falta de nitidez, embora nos pareça ver Gonçalves Cerejeira no meio do curso. Em havendo possibilidade, tentaremos esmiuçar esta fotografia com Alexandre Ramires.
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*Cf. Manuel Carvalho Prata, "Imprensa Estudantil", Volume I, Coimbra, Imprensa da UC, 2006, pp. 93-95.
AMNunes
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