quinta-feira, março 01, 2007

Chorei!

Perfeitamente presente, no espírito, o momento em que recebi a triste notícia da morte do nosso Zeca Afonso!
Morava em Aradas, ao tempo, e foi no sótão que eu usava para ouvir música e trabalhar.
Estava a ouvir rádio, o que nem era tão habitual como isso! O locutor de serviço anunciava que o Zeca tinha falecido! Chorei, como nunca havia chorado por pessoa que não era da família! Muito! Não que seja eu um durão! Mas a figura amiga do Zé Afonso, que eu tive o gosto de conhecer pessoalmente, de com ele falar, ocupava/ocupa no meu cofre de memórias o gavetão mais sumptuoso, mais apreciado!
Habituado desde os tempos de Coimbra a venerar a sua coragem, a sua arte, a sua luta anti-fascista, para mim e para milhões, o Zé Afonso será um histórico Português que não mais verá desvanecida a merecida memória de cidadão honesto e honrado; de pessoa dotada de um sentido musical invulgar com uma capacidade poética acima da média! Trauteei, desde sempre, todas as suas composições. Vibrei com cada um dos discos que editou. Animei, atabalhoado, muitas tertúlias com as suas composições!
Na guerra colonial, foi com o Zeca, com a sua musa e o seu exemplo, que consegui levar de vencida a terrível e podre situação de antagonismo perante indivíduos que compreendia e respeitava: os guerrilheiros, que "construíam o seu país", como ele escreveu e cantou numa das suas trovas!
Para ele o dinheiro era um acessório, e bem que poderia ter vivido muito mais rico, materialmente, do que viveu.
Em Aveiro, onde vivo e onde ele nasceu, a Câmara que sempre foi CDS até há 8 anos atrás, nunca lhe deu sequer nome a uma rua! Há hoje, por mor do PS, uma placa na 'Baixa de Stº António' mas sem dignidade, sem genica, sem significado nem beleza! Resta a consolação de saber que o Presidente da Câmara centrista que lhe negou a evocação, já ninguém o recorda. E quando morrer, lá irá o dito para o tal caixote dos vulgares... Ao contrário do nosso Zeca, que perdurará ad secula seculorum!
Já depois do 25 de Abril, certa manhã encontrei-me com ele casualmente:vínhamos os dois no comboio para Lisboa, a partir do norte. E na plataforma, a caminho da saída - seriam umas dez e trinta, meti conversa. Fomos seguindo para a porta, até que ele me perguntou: "Tens aí dinheiro? É que venho de uma sessão de canto livre, em Amares, e aqueles mariolas esqueceram-se de me dar alguma coisa. E eu ainda não tomei o pequeno-almoço!"... Palavras para quê? O Zeca era um dos seres que ultrapassa a concepção mais complexa que possamos conceber! Para ele, o que importava mesmo era o seu semelhante oprimido e explorado! Ele, a quem tantos exploraram, na sua imensa despreocupação com os bens materiais deste mundo...
- "Canta sempre para nós, oh Zeca, que é sangue e seiva a tua voz!" disse o Zé Mário. Eu subscrevo. Todos os de boa vontade o farão, também!
Do Blog artenosatos, de José Paracana.

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