terça-feira, janeiro 17, 2006


No Lago do Breu Posted by Picasa
Partitura extraída de António Carrilho Rosado Marques, "Cantares de José Afonso. Acompanhamentos para viola. Guitarra Clássica", Évora, Edição do Autor, 1998, pág. 19. Na pág. 18 desta publicação figura a letra em transcrição exaustiva, tal qual é cantada pelo autor, com a visualização dos tercetos repetidos no final de cada estrofe como se fossem refrões.
A presente edição on line pretende assinalar condignamente no blog "guitarradecoimbra" a passagem dos 19 do falecimento do cantor-autor (23/02/1987), estando pensadas transcrições de outras obras em cujas gravações participou Octávio Sérgio. A pertinência da inclusão desta canção no espectro da Galáxia Sonora Coimbrã suscita-nos dúvidas, não nos parecendo ser uma daquelas obras de José Afonso emblemáticas da instauração do Movimento da Balada. Para retomar palavras de Rui Pato, "No Lago do Breu" será mais uma "canção de José Afonso" e menos um tema próximo do universo da CC.
Procurando contextualizar esta canção, anexamos à legenda uma memória assinada por José Anjos de Carvalho/António M. Nunes.

NO LAGO DO BREU
Música: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (1929-1987)
Letra: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (1929-1987)
Incipit: No Lago do Breu
Origem: Faro
Data: 1962

No Lago do Breu
Sem luzes no céu
Nem bom Deus
Que venha abrasar
Os ateus
No Lago do Breu

No Lago do Breu
A noite não vem
Sem sinais
Que fazem tremer
Os mortais
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P'ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu

No Lago do Breu
Os dedos da noite
Vão juntos
Par'amortalhar
Os defuntos
No Lago do Breu

No Lago do Breu
A Lua nasceu.
Mas ninguém
Pergunta quem vai
Ou quem vem
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P'ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu.

No Lago do Breu
Meninas perdidas
Eu sei
Mas só nestas vidas
Me achei
No Lago do Breu

Mas quem não for mau
Não vá
Que o céu não se compra

Não vejo razão
P'ra ser
Quem teme e não quer
Viver
Sem luzes no céu
Só mesmo como eu
No Lago do Breu

Canta-se cada estrofe seguida e bisa-se o terceto final, excepto na nº 2 que é cantada sem repetições. Na última estrofe o terceto final volta-se a cantar e a repetir "smorzando".
Informação Complementar:
Canção com uma espécie de refrão atípico que resulta da repetição do terceto final de cada estrofe (salvo na nº 2), em compasso 6/8 e tom de Mi menor, gravada por José Afonso, acompanhado à viola nylon por Rui Pato: EP Baladas de Coimbra, Porto, Rapsódia, EPF 5.182, Outubro de 1962, Lado 2, Faixa nº 3. A gravação decorreu em Coimbra, no antigo Convento de São Jorge, local onde os técnicos da editora montaram os dispositivos de captação sonora. A melodia é melancólica, remetendo para um estado de espírito depressivo vivido pelo autor na data da feitura da obra, conforme nos corroborou Rui Pato.
De acordo com declarações do próprio José Afonso, tratar-se-á de uma canção inspirada no repertório do cantor e compositor francês Georges Brassens (1921-1981), cujo título e letra interpelam a moral social vigente e a prática de frequência das casas de prostituição do Terreiro da Erva em Coimbra. cf. “Os cantares de José Afonso”, Lisboa, 1ª edição, 1968; idem, 2ª edição, Lisboa, Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, 1969, págs. 46-47: “Balada de inspiração Brassens, define simultaneamente um estado de espírito e uma autobiografia, uma crise de consciência (destruição do sentimento de remorso) e um meio social (os prostíbulos do “Terreiro da Erva” ou os seus sucedâneos mais ou menos bem iluminados” (sic). Até à entrada da década de 1960 era nestas casas que estudantes e jovens mancebos em dia de inspecção militar faziam a sua iniciação sexual. O local da feitura da composição foi Faro, cidade onde José Afonso então residia e trabalhava como professor.
A letra integral é de árdua transcrição, pois nas estrofes o autor oscila entre a sextilha (1ª, 2ª, 4ª, 5ª, 7ª) e os 11 versos (3ª, repetida na 6ª e na 8ª). Rui Pato mitiga a influência de Brassens, a qual se teria feito sentir mais tarde (nesta fase havia mais de Jacques Brel e de Léo Ferré e ainda não as “brassenzadas” do tipo “Eu tive o Diabo na mão”), recordando ter-se deslocado propositadamente a Faro para ensaiar com José Afonso (informes de 12/01/2006). Rui Pato passou um mês de férias no Verão/1962 com José Afonso em Faro. Foi nas deambulações em improvisada jangada à Ilha do Farol que José Afonso alicerçou os rudimentos desta canção. José Afonso começou pela letra e só depois improvisou os rudimentos da melodia. Rui Pato recorda-se bem dos trauteios nascentes junto ao areal da Ilha do Farol, com José Afonso tomado de amores pela futura companheira Zélia Maria Agostinho.
As estrofes assimétricas, alternando entre 6 e 11 versos, a longa debitação da letra, o “refrão” atípico, a ausência desse meso "refrão" atípico no final da 2ª estrofe, a obsidiante presença da viola nylon, tudo foi pensado para erigir o tema em obra de protesto contra o que era convencional cantar-se e gravar-se em Coimbra. Tendo forma, No Lago do Breu rejeita abertamente a fórmula estrófica dos temas mais convencionalmente clássicos da CC. Nada de repetições canónicas, nada mudanças de frase antecipadamente reconhecíveis, nada de langorosos ais. O autor escuda-se no efeito surpresa e com ele se torna um intérprete surpreendente. A interpretação vocal é feita com grande comedimento. O trabalho de acompanhamento é relativamente simples, pois José Afonso queria fazer alguns acordes na sua viola, embora soubesse antecipadamente que não conseguia seguir os dedos de Rui Pato. Fez-se a gravação com a viola de Rui Pato “meio desafinada” por forma a que José Afonso pudesse cantar e fazer no braço da sua viola os singelos acordes que sabia executar. Conforme se explicitou, a letra transcrita nesta memória corresponde rigorosamente ao texto cantado pelo autor, ordenação que por vezes não coincide em antologias de letras impressas. É o que contece com a compilação "Cantares de José Afonso", 2ª edição, Lisboa, Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, 1968, págs. 47-48, onde não consta a 4ª estrofe gravada em disco, e estando a 7ª indevidamente alinhada no lugar da 4ª.
A referida gravação veio a ser remasterizada no LP "Baladas e Fados de Coimbra2, EDISCO, EDL 18.020, ano de 1982, Face B, Faixa nº 3, fonograma omisso quanto ao ano da gravação, matriz original e instrumentista. Versão disponível em compact disc: CD "DR: JOSÉ AFONSO. OS VAMPIROS", Porto, Edisco, 1987, faixa nº 9, com omitindo das matrizes fonográficas originais. A letra, na edição em off-set das AAEE, de 1969, de “Cantares DE JOSÉ AFONSO” e em “JOSÉ AFONSO. Textos e Canções”, e na publicação Assírio e Alvim, de 1983, não está conforme os discos supra. O título nos discos é No Lago do Breu e, não, “Lago do Breu” como vem em Textos e Canções.
Este tema foi gravado também pelo cantor português activo em França Germano Rocha, em 1964, acompanhado à guitarra por Ernesto de Melo e Jorge Godinho e, à viola, por José Niza Mendes e Durval Moreirinhas (EP BLY 76153 e LP XBLY 86112, ambos da editora Barclay). A letra adoptada por Germano Rocha não corresponde à versão de José Afonso, e o título original aparece encurtado para “Lago do Breu”.
No site http://alfarrabio.um.geira.pt/zeca/cancoes/16.html, encontra-se uma transcrição incompleta da letra gravada por José Afonso, com título encurtado para “Lago do Breu” (cf. também o endereço http://www.aja.pt/discografia.htm, para as fontes fonográficas do autor conhecidas até ao ano de 2005, cujo rol está incompleto). A versão de das edições textuais impressas de 1968 e 1969 encontra-se no “Arquivo de Música de Língua Portuguesa”, da Universidade do Minho (http://natura.di.uminho.pt).
Este espécime foi gravado na Capela do Palácio de São Marcos da Reitoria da UC por Serra Leitão, no tom de Mi Menor, acompanhado pela formação José dos Santos Paulo/Octávio Sérgio (gg) e Aurélio Reis/Humberto Matias/José Tito Mackay (vv) no CD “15 anos depois… Antigos Tunos da Universidade de Coimbra”, Coimbra, ano de 2000, faixa nº 15. Neste registo, com introdução e arranjo de José dos Santos Paulo, o título sofreu adulteração para LARGO DO BREU (sic), sendo a identificação dos instrumentistas totalmente omissa.
A solfa desta canção encontra-se impressa na brochura do antigo sócio da TAUC António Carrilho Rosado Marques, “Cantares de José Afonso. Acompanhamentos para viola”, Évora, Edição do Autor, 1998, págs. 18-19.
Texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Octávio Sérgio, Prof. José dos Santos Paulo, Dr. Rui Pato

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