domingo, fevereiro 26, 2006

Na cave dos "Cágados"

Não, não estranhem o título. Os "Cágados" eram uma das Repúblicas de Estudantes de Coimbra. Em edifício velhinho, alquebrado, perto do famoso escadório do "Quebra-Costas"!
Passei lá momentos atribulados de prática praxista, que hoje me parecem ridículos mas também esfusiantes de imaginação, embora um tanto aberrante! Saber-se-á porquê já adiante!
No meu ano de caloiro - lá nas calendas de Março - fui mobilizado, com outros inditosos colegas, para um ritual jurídico-atabalhoado. Fui indigitado para ser submetido a julgamento dos doutores...
Na tarde aprazada compareci, de capa e batina, na dita República. Juntei-me aos restantes acusados e em grupo conduziram-nos ao tribunal das instalações republicanas: a cave dos Paços da República dos "Cágados"!
Espaço quadrangular, esquálido pelo tempo e poeira acumulada. Ao centro um penico de esmalte, cheio de água (quero crer que era só água!): o banco dos réus! Circundando as paredes, mais bancos ( verdadeiros) onde se acomodou a assistência pronta para orgasmar de gozo com o desenrolar das 'audiências'! Numa parede (de topo) uma mesa com uma caveira encimada por duas velas acesas, que constituíam a única fonte de luminosidade do local! Atrás dela, três cadeiras para os doutos juízes e para o oficial de diligências.
Todos os doutores e assistentes traçavam as capas de modo a cobrir o rosto, apenas deixando ver os olhos, o que tornava o cenário numa visão fantasmagórica algo aterradora e intimidante. O silêncio reinava, para ajudar a compôr o distanciamento para o réu que, nú da cintura para baixo, era intimado a sentar-se no 'respectivo banco'. E como era desagradável a sensação térmica causada pelo contacto com o líquido do penico esmaltado!... Só quem teve o cú e os 'triciclos' lá metidos, avaliará.
Todos a postos, ribombou a voz do promotor de justiça a acusação que me imputou:
"O caloiro é acusado de fazer titilações no clitóris de uma vaca, causando graves danos morais à mesma!" - "Se tinha e o que tinha a alegar em minha defesa," - continuou o insigne jurisconsulto!
Aqui, lembro-me apenas de esbatidos comentários que adiantei para minha ilibação: " Que a vaca se tinha provocantemente metido comigo, que me tinha excitado com maneios despudorados, mostrado as mamas, que..." etc e etc, e mais do mesmo.
Rondavam, enquanto eu falava, os mais diversos tipos de reacções: risos, mofas, insultos, ameaças, pedidos de condenação, incitações várias, enfim, o que acudia à cabeça dos doutores, que apenas queriam passar um bom bocado, à custa da caloirada alarve e espantada.
Recordo perfeitamente que fui condenado. (Todos os réus foram). A pena não podia ser mais incómoda: " Pelos actos provados, o oficial de justiça cumprirá a ordenação tribunalícia: cortar os botões das calças, breguilha incluída". O que implicou que, de regresso a minha casa (longe dali), sem cinto e sem botões, tive mesmo que assegurar a compostura apertando-me como podia, maldizendo a porra de sentença que me tinha sido destinada. E a pensar que os doutores bem poderiam ir chatear macacos ou empregar melhor o tempo de uns e outros...
Agora mudei um pouco de opinião: a história do penico não é nada simpática, é certo; mas, concedo que à parte da humilhação, a estrutura mental de cada um sofria um abanão, talvez positivo... Afinal, palhaçadas é o que mais por aí se vê: ou não? Há que habituar-se a elas, à falta de poder de resolução das coisas! Possivelmente era o que aqueles "Cágados" queriam fazer: habituar o pessoal às palhaçadas Salazarentas da época...
José Paracana (Do Blog Artenosatos)

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