sábado, abril 15, 2006


O rapaz dos palitos Posted by Picasa
Aguarela realista de Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) publicada no "Álbum de Costumes Portugueses", Lisboa, David Corazzi, 1888, com o título "palitos e rocas". Menino oriundo de Lorvão (?), com trajo rústico de baeta constituído por calça comprida, colete, jaleco e gorro. Apregoa nas ruas de Lisboa as habituais colheres de pau, as rocas, as vassouras de palha e os palitos de salgueiro. Mas também fazia idênticos pregões nas ruas de Coimbra.
As gravuras e fotografias relativas a actividades populares produzidas entre o século XIX e a 1ª República, sem deixarem de apelar a uma leitura romântica para deleite das elites urbanas, não ocultavam o pé descalço, a mendicidade, a extrema pobreza, os rostos duros, o trabalho infantil, os andrajos e remendos. Os dias do ocultamento destas vestimentas menos douradas estavam ainda a considerável distância. Seria necessário esperar, dobrada a fronteira de 1930, a instauração do conceito de "trajo domingueiro" como única imagem recomendável do mundo rural. Com o processo de folclorização, afirmado pelo Estado Novo a partir da década de 1930, o "trajo domingueiro" tornou-se o único aceitável. Além de fardados de igual (jamais no mundo rural existiu só um trajo masculino/feminino e jamais a pessoas se vestiram todas por igual), os figurantes camponeses foram também calçados e trajados com roupa interior.
Excluindo um reduzido grupo de estudantes liceais e de ensino superior que beneficiava do estatuto de adolescente, tal conceito não existia socialmente nos meios rurais e urbanos. A partir dos 7 anos, feita a 1ª comunhão nos meios católicos praticantes, as meninas e os meninos deixavam de ser "inocentes" para serem convertidos em "homenzinhos" e "mulherzinhas". Passavam, sem ambiguidades a pré-adultos, aprendendo ofícios "honestos" e imitando os adultos em tarefas fisicamente violentas. Nalgumas zonas de Portugal, a palavra moço/moça servia, sem eufemismos nem ambiguidades, para designar indistintamente bebés, meninos, adolescentes e casadoiros.
O vendedor de palitos e os ardinas das ruas de Lisboa e Porto aparecem nos postais ilustrados tal qual se davam a ver. Palavra fácil, por vezes descalços, olhar de cão desconfiado, palavrão na ponta da língua, pedra no bolso para as guerras de rua. Cuspiam directamente para o chão, como a maioria dos portugueses dessa época e desdenhavam do alto burguês e do fidalgo que palitavam os dentes nos salões e escarravam nos lenços de bolso. "Guardar na algibeira o que os pobres botavam ao chão", ora essa!
AMNunes

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