quinta-feira, outubro 26, 2006


Dissertação do CaloiroPosted by Picasa
Apesar da evidente má qualidade da imagem, não deixamos de a publicar, considerando a sua manifesta raridade. A fotografia mostra um caloiro a discursar sobre um mocho, no Pátio do Paço das Escolas, perante um grupo de "doutores".
Esta antiquíssima praxe, que ainda hoje se faz (?), designava-se por ORAÇÃO DO CALOIRO.
A Oração do Caloiro era feita no dia da chegada a Coimbra, nos pontos nevrálgicos de entrada na cidade (estrada de Lisboa, estrada da Beira, Largo da Portagem, estrada no Norte, República, Pátio das Escolas, etc.). Um veterano dava ao caloiro o "ponto" ou o tema sobre o qual teria obrigatoriamente de dissertar em tom burlesco, pomposo, de crítica social, por forma a convencer os "doutores" presentes. Como se pode observar na fotografia, o novato costumava dissertar sobre um banco ou "tribuna" improvisada em tom inflamado e gestual cómico.
A Oração do Caloiro configurava uma paródia a aspectos da vida cultural e religiosa da UC, tendo-se estendido a partir do século XIX à prática política:
-sátira à estrutura, contéudo e gestual dos solenes sermões pregados nos púlpitos por padres católicos em dias de grandes solenidades;
-paródia à dissertação de doutoramento apresentada e defendida pelos lentes candidatos a doutores na UC. Esta paródia ocorria mais frequentemente num ritual caído em desuso na passagem do século XIX para o século XX, o "Grau", no qual o caloiro era examinado e doutorado com um "penico";
-caçoada ao teor humanístico da cultura universitária que na invocação dos modelos greco-romanos citava os grandes oradores Demóstenes (383-322 AC) e Marco Túlio Cícero (106-43 AC), como exemplos a imitar na cátedra, no tribunal e no parlamento;
-crítica ao tom solene e por vezes gongórico observado anulamente na Sala dos Capelos, na Oração de Sapiência que coroava a Abertura Solene da UC;
-gozação da grande retórica parlamentar consagrada a partir da Revolução Liberal de 1820 por deputados saídos dos bancos da UC como José Estêvão, António Cândido e Afonso Costa.
A Oração do Caloiro, ou discurso do caloiro, revela pontos de sintonia com os "sermões" pregados pelas irmandades populares de São Martinho (11 de Novembro), Festas Nicolinas, Irmandade dos Cornos (Festas de S. Marcos, 25 de Abril) e leitura de Testamentos ligados à Serração da Velha, Queima do Judas e Enterro do Bacalhau.
Fonte: fotografia do Museu Académico, publicada por Artur Ribeiro, "Repúblicas de Coimbra", Coimbra, Edição do Diário de Coimbra, 2004, p. 93. Aqui fica uma palavra de agradecimento ao autor.
AMNunes

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