MERCADO MUNICIPAL D. PEDRO V – A SUA HISTÓRIA
[texto da autoria do Dr. Carlos Santarém Andrade, contida no suplemento do nº. 739 do "Jornal de Coimbra", de 15 de Novembro de 2001, extraído do endereço «http://www.mercadosdecoimbra.com/»]
Coimbra tinha, na primeira metade do século XIX, três mercados que satisfaziam as necessidades alimentares dos seus habitantes: um, com raízes seculares, na Praça de S. Bartolomeu (hoje oficialmente denominada Praça do Comércio, e igualmente conhecida por Praça Velha); o mercado de Sansão, em frente da fachada principal do Mosteiro de Santa Cruz e da sua Igreja (actual Praça 8 de Maio) e ainda um mercado semanal às terças-feiras no antigo Largo da feira, frente à Sé Nova, reminiscência da chamada Feira dos Estudantes, instituída no século XVI por D. João III, para a comunidade da Universidade, após a sua transferência definitiva para a cidade.
Algum tempo depois da extinção do Mosteiro, ocorrida em 1834, resolveu a Câmara, em 13 de Junho de 1840, que as vendedeiras de cereais de Sansão passassem para o então denominado Pátio de Santa Cruz, situado no local que é hoje o início da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, entre a actual fachada lateral dos Paços do Concelho e o edifício fronteiro, onde se encontra instalada a PSP. Este último estava ligado à esquina do mosteiro, que a sede da edilidade veio substituir, por um edifício que mais tarde foi demolido, sendo a entrada para o pátio feita através de um arco nele existente.
A troca não teria agradado às vendedeira de Sansão, tendo as de milho solicitado a sua permanência no anterior local, o que não foi permitido. Igualmente as vendedeiras de plantas, que continuavam em Sansão, viriam a pedir, mais tarde, em 1851, também sem êxito, para não serem transferidas para o Pátio.
Não tardaria muito que o edifício de ligação fosse demolido, facto ocorrido em 1856, tornando assim mais amplo e visível o novo local de venda.
Pouco depois, em 6 de Maio de 1857, nova alteração surgiu, com a mudança do mercado dos cereais para a antiga horta do mosteiro, pertença da Câmara, e que se localizava onde está o actual mercado, continuando a existir a velha praça de S. Bartolomeu. Procurando desenvolve o novo local, a edilidade impõe que os vendedores de milho que viessem de fora da cidade fossem obrigados a ir vender ao mercado da horta, atendendo também a uma reclamação para que aquele cereal não fosse transaccionado em S. Bartolomeu. As condições não seriam, obviamente, as melhores, tendo sido autorizadas as galinheiras a mudarem-se para o pátio, em frente aos gigantes, ainda hoje existentes, que sustentam as abóbadas do antigo refeitório do mosteiro. O regresso ao pátio foi, no entanto, negado às vendedeiras de cereais, que fizeram uma petição nesse sentido.
Era, ao tempo, consensual a necessidade de construção de um mercado, pois a velha praça instalada em S. Bartolomeu não satisfazia as condições mínimas, uma vez que o local era acanhado para o efeito, além de ser apenas um “sítio” onde se realizava diariamente, sem quaisquer estruturas permanentes, e com todos os inconvenientes para o trânsito e asseio do espaço, além de não comportar todos os vendedores, que, de há muito, ocupavam também o Largo de Sansão.
Mas se havia consenso em relação à construção de um mercado, as opiniões dividiam-se quanto à sua localização.
Alvitravam-se dois locais: a Horta de Santa Cruz e a Sota, velha Baixa Coimbrã. Surge assim, em 1858, solicitado pela Câmara, um projecto da autoria do inglês Hardy Hislop, que indicava como mais oneroso aquele a construir na Sota, no valor de 100.000$000 reis, enquanto que o da Horta ficaria em 70.000$000 reis. De qualquer forma, a debilidade das finanças municipais não suportava, então, os montantes apontados, pelo que o projecto ficaria adiado.
Mais tarde, em 1864, de novo surgiu a premência da construção, tendo, nesse ano, a Câmara solicitado às suas congéneres de Lisboa e Porto plantas dos seus mercados.
A questão do local mantinha-se, sendo decidido pela Câmara da presidência do Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, em 5 de Janeiro de 1866, perante as plantas dos dois projectos, escolher o terreno da Horta de Santa Cruz, em detrimento da Sota. Para o efeito, foi deliberado obter um empréstimo de 13.000$000 reis, muito aquém dos orçamentos que, anos antes, eram indicados.
A Câmara argumentava a favor da localização escolhida, com o facto de a Horta de Santa Cruz ser propriedade da edilidade, o que faria com que o custo do empreendimento fosse menor, em contraste com a Sota, que implicaria o alteamento do local, vítima de cheias periódicas, além do elevado montante das expropriações a fazer para a edificação do novo mercado.
Contra o local designado (logo, a favor da Sota) eram apontadas fortes razões. Em primeiro lugar, a situação. A Horta de Santa Cruz estava longe de tudo (não nos esqueçamos que na época não existiam a actual Avenida Sá da Bandeira, a Praça da República e todas as ruas que nela convergem, constituindo todas essas artérias a antiga Quinta de Santa Cruz, então propriedade particular); o Bairro de Montarroio era então um pequeno aglomerado; o acesso à Alta era feito por um apertado caminho que ia dar à Rua do Colégio Novo. E a própria comunicação com a Baixa fazia-se por uma estreita ligação, que só mais tarde viria a ser alargada com a demolição do lanço norte do Claustro da Manga e do arco que o ligava ao edifício que é hoje a Escola Jaime Cortesão. Igualmente estava em oposição ao projecto o comércio da cidade, quase todo concentrado na Baixa, que via assim desaparecer um lugar de atracção ao público para a sua actividade.
É, pois, com uma forte contestação, que a escolha da localização é acolhida. Logo, a Associação Comercial de Coimbra, que, em representação dirigida à Câmara, se manifesta contra a opção, embora não indicando local, apontando as desvantagens da situação do projectado mercado.
Por outro lado, eram também várias as vozes que se erguiam a favor da Horta de Santa Cruz, como é o caso dos 912 munícipes que apoiaram, em abaixo-assinado, a decisão camarária. A esses responderam 1.501 cidadãos com uma representação entregue na Câmara, defendendo a construção na Sota. As dúvidas levantadas sobre a veracidade de todas estas assinaturas provocou um verdadeiro vendaval na cidade, em que vieram à baila acusações de falseamento dos cálculos do valor dos prédios a expropriar na Sota, o exagero das medições necessárias para o efeito e o consequente empolamento do custo do mercado a construir aí. E, como não podia deixar de ser, as paixões políticas exacerbadas que a questão fizera levantar. O alvoroço estava em todo o lado, como nos dá conta O Conimbricense de 11 de Abril de 1866, relembrando período exaltados da história coimbrã, então na memória de todos:
“Reina grande agitação na cidade, por causa do projecto camarário na Horta de Santa Cruz. Projectam-se meetings e novas representações e, por toda a parte e nos diversos grupos, que se vêm reunindo na Calçada e na Praça, não se fala de outra coisa. Estaremos em véspera de algum acontecimento extraordinário? O aspecto do bairro baixo de Coimbra faz lembrar a estrudada de 1854, a questão do perdão d’acto de 1864 e a mudança do Conselho Superior em 1859. Este negócio está-se tornando gravíssimo. Cumpre aos poderes públicos usar de toda a prudência e moderação”.
A Imprensa noticiosa de Coimbra, constituída por O Conimbricense, O Tribuno Popular e O País opunha-se unanimemente à localização decidida, tendo o último sido extremamente duro nas críticas, chegando mesmo à acusação pessoal ao presidente e à sua honorabilidade, questão que chegaria ais tribunais.
O problema ultrapassaria as fronteiras da Cidade, apresentando o comércio de Coimbra ao Governo uma petição, em 29 de Abril de 1866, requerendo a vinda de um engenheiro da confiança governamental, para proceder, imparcialmente, à escolha do local, e uma outra, na mesma data, endereçada à Câmara dos Deputados, solicitando o adiamento da aprovação do empréstimo necessário para a construção do novo mercado.
E na Câmara dos Deputados a proposta de lei, apresentada pelo Ministro do reino, seria discutida com veemência nas sessões de 29 e 30 de Maio e 4 de Junho de 1866, com exaltadas argumentações de lado a lado, em que, mais uma vez, foram evidentes as motivações políticas dos intervenientes. Acabou, finalmente, por ser aprovado o empréstimo, que permitiria avançar com a edificação da obra.
Comentando a decisão do Parlamento, cujas actas transcreveu, conclui O Conimbricense de 16 de Junho de 1866: “E desta forma terminou em a Câmara Alta a discussão do empréstimo para a construção do novo mercado nesta cidade. Não foram felizes os defensores, mas venceram, em número. Está pois consumada a autorização do desperdício. Veremos ao menos se haverá mais bom senso na execução dele”.
Obtida a aprovação superior para o empréstimo, iniciam-se em Outubro de 1866 as obras, com a escavação de 3.695 metros cúbicos de terras, para nivelamento dos terrenos, que a própria Câmara viria a deliberar fazer por sua conta.
As obras não seriam isentas de críticas e acusações graves, como as feitas por O País ao Dr. Pereira Jardim, em 2 de Maio de 1867: “Há tempos deu (o residente da Câmara) por arrematação (!) uma porção de cantaria para o célebre mercado a um seu compadre, por muito mais do que outros se prestavam a fazer o mesmo serviço, e o que é ainda mais revoltante, apresentou na praça condições que depois particularmente escusou, com que beneficiou aquele seu compadre em mais de 400$000 reis, em prejuízo do município. Que tal é a honradez de S. Exª.!”.
Atingido na sua honra e dignidade, vem o Dr. Pereira Jardim justificar-se perante a opinião pública, através da Imprensa, repudiando vivamente as acusações, deliberando no dia seguinte a Câmara levar à barra do tribunal o director do jornal.
As obras prosseguiam entretanto, sendo em 21 de Outubro de 1867 aprovado o regulamento, data em que se decidiu dar ao novo empreendimento o nome de Mercado D. Pedro V, homenageando assim o falecido monarca, que contava em Coimbra, que diversas vezes visitara, grandes simpatias, como aliás em todo o país. No mesmo dia resolveu-se marcar para o dia 17 de Novembro a inauguração e “fazer festejos e convites”. E, de facto, no dia 17 de Novembro de 1867, era, finalmente, inaugurado o novo mercado que tanta polémica levantara. Numa tradição que vem de longe, os últimos dias foram de intensa azáfama, bem provada pelo facto de, no dia 6 de Dezembro, a Câmara ter autorizado que se pagasse o vinho e a aguardente aos operários que tinham trabalhado durante a noite, na véspera da inauguração.
Como é natural, dadas as circunstâncias, o acontecimento não provocou grandes entusiasmos na Imprensa, e O Conimbricense de 19 de Novembro dedicava-lhe apenas estas secas linhas: “Nova Praça – No domingo, 17 do corrente, abriu-se pela primeira vez ao uso público, a nova Praça de D. Pedro V, no local da antiga Horta de Santa Cruz”.
O novo mercado seria contemplado com um candeeiro a gás, a que em breve se juntariam mais quatro, mas as barracas tinham falta de licitantes, tanto mais que constava ir a Câmara abrir um novo mercado de peixe, no Largo das Ameias, assunto que provocaria um incidente, várias vezes repetido, entre o vice-presidente e um dos vereadores.
O magro orçamento com que fora contemplado, não permitira dotar a cidade com o mercado necessário, e logo em 1872 temos notícias de reparações, sendo no ano seguinte adjudicada a fundição de colunas de ferro para os alpendres.
A hipótese da mudança da venda do peixe para o Largo das Ameias surge de novo com acuidade naquele ano de 1872. Nesse sentido, a Associação Comercial faz à Câmara uma representação, que é contrariada por um grande número de conimbricenses, que em petição se manifestam contra o facto, argumentando, entre outras razões, com a falta de condições do Largo e a dispersão que provocaria, acrescentando ainda contra a localização, a circunstância de estar eminente a construção do ramal de caminhos de ferro, cuja estação terminal aí iria ser erigida.
No ano de 1882 é apresentada na sessão de 23 de Agosto uma proposta do Barão de Matosinhos, em que este solicita a concessão de um ascensor para acesso à Alta, construído a expensas suas. O referido ascensor, que facilitaria o acesso do público, ligaria o local junto à Fonte Nova até à Couraça dos Apóstolos. A ideia de então não iria avante, mas veio a ser concretizada nos nossos dias, quase 120 anos depois, com a construção do actual elevador.
As beneficiações lá se iam fazendo, como acontece em Abril de 1883, em que se adquirem lousas no Porto para os telhados das barracas, resolvendo a Câmara, em 6 de Fevereiro de 1884, mandar levantar plantas para o alargamento do mercado. Se o alargamento não se efectivou, pelo menos em Fevereiro de 1885 eram cobertos mais alguns lugares de venda e, chegados a Fevereiro de 1887, depara-se-nos o pedido feito ao Engº. Adolfo Loureiro para elaborar um plano para a conclusão do mercado.
Os acessos da Baixa são em 1888 facilitados com o alargamento, já atrás referido, da então denominada Rua do Mercado, com a demolição das construções que fechavam pelo lado norte o Claustro da Manga, e do chamado Arco do Correio, que lhe ficava adossado, e que permitiria mostrar o Jardim, tal como hoje acontece.
Até ao fim do século XIX, foi o mercado alvo de pontuais reparações, cobertura de barracas, ou instalação de esgotos, não passando de meras intenções a construção de um novo mercado. Assim, encontramos na Imprensa da época ecos dessa necessidade cada vez mais premente, continuando a dividirem-se as opiniões entre o local onde se encontrava e a Sota.
Mais concretamente, em 21 de Setembro de 1893, é apresentada em sessão da Câmara Municipal, uma proposta para a construção e exploração de um novo mercado, por João Evangelista da Silva Saturnino, de Lisboa. O local escolhido seria ao fundo da Rua das Solas (hoje Adelino Veiga), seguindo pela Rua da Madalena (actualmente, em parte, a Avenida Fernão de Magalhães). O projecto, que, mais uma vez, provocou divergência de opiniões, não viria a concretizar-se.
Posteriormente, em 4 de Janeiro de 1894, de novo é abordada, em reunião da Câmara, a questão, ganhando mais consistência com a apresentação de um novo projecto, a efectivar nos Largos da Sota e do Romal, em sessão de 24 de Dezembro de 1896. No entanto, não iria avante, vindo a ser arquivado, até nova resolução, na reunião de 17 de Fevereiro de 1898. No ano seguinte, mais precisamente em 12 de Janeiro de 1899, viria a ser tomada a tão útil e necessária decisão de mandar vedar o recinto do mercado.
No princípio do século XX prosseguem as habituais reparações, mas um novo impulso iria ser dado com a elaboração do plano de um pavilhão para a venda de peixe, decisão tomada em 23 de Janeiro de 1902. Para o efeito, é nomeada uma comissão em 5 de Junho desse ano, a fim de analisar o projecto, da autoria do Arqº Silva Pinto. Orçamentado em 10 contos, iria sofrer algumas alterações, sendo aprovado pelo Ministro do Reino em Outubro de 1903, iniciando-se as obras em 1905. Depois de alguns contratempos, viria a estar pronto em 1907, tendo um regulamento próprio. O Mercado do Peixe foi um significativo melhoramento para as condições do mercado, constituindo um interessante exemplar da arquitectura do ferro e vidro.
Dera-se, entretanto, um facto que não poder ser dissociado da história do Mercado D. Pedro V. A chamada "Lei do Selo" agravava substancialmente os impostos, atingindo particularmente as vendedeiras do mercado, na generalidade de fracos recursos económicos. A aplicação de multas leva as padeiras de boroa das Carvalhosas, logo secundadas pelas vendedeiras de hortaliças e outras, a manifestarem-se ruidosamente no dia 11 de Março de 1903, frente aos Paços do Concelho e nas principais artérias da Baixa. Coimbra ficou em verdadeiro estado de sítio, prosseguindo os tumultos nos dias seguintes, tendo o comércio fechado, bem como as fábricas e oficinas, movimentando-se milhares de pessoas, o que originou a vinda para a cidade de diversas forças militares. O acontecimento, que ficou conhecido como a "Revolta do Grelo", viria a ter trágicas consequências, provocando mortos e feridos entre a população, sendo uma das mais violentas manifestações a que Coimbra assistiu. A própria Universidade e o Liceu foram encerrados, tendo a Academia manifestado inequivocamente a sua solidariedade para com as vítimas da brutal repressão. E, na própria Câmara, na sessão de 14 de Março, em reunião extraordinária, os edis resolveram solicitar a revisão da lei que estivera na origem dos acontecimentos, pedindo ao presidente, Dr. Dias da Silva, ausente em Lisboa, para interceder junto ao governo, de modo a apaziguar os ânimos, para que a cidade retomasse a normalidade. E na sessão seguinte, em 20 de Março, o presidente relatou as suas diligências, tendo sido atendidas as reivindicações e suspenso o imposto que originara o conflito, reconhecendo-se que fora a sua criação e "mais ainda, o modo descaroável por que se pretendeu fazer a sua arrecadação, as causas principais, senão únicas, dos tumultos ultimamente levantados no concelho".
Os acessos ao mercado seriam facilitados com a construção de uma nova rua, em 1904, que ficaria a ligar o cimo da Rua Martins de Carvalho com o largo em frente da entrada principal, e que viria mais tarde a denominar-se Rua Pedro Cardoso. Para a sua abertura foi necessário proceder a algumas demolições, entre as quais a da Capela da Senhora do Carmo, pertencente à Santa Casa da Misericórdia.
Dois anos mais tarde, em 1906, é construído em frente ao pavilhão do peixe um posto de inspecção destinado à análise dos produtos aí vendidos, e que se manteria até 1939, ano em que é demolido, passando a inspecção a fazer-se dentro do próprio pavilhão.
Encarregado pela Câmara de elaborar um novo projecto, o Arqº Silva Pinto apresenta um interessantíssimo estudo, feito em 1908, de um novo mercado, que é aprovado na sessão camarária de 11 de Fevereiro de 1909. Concebido segundo os cânones arquitectónicos do início do século XX, com estruturas de ferro e vasta aplicação de vidro (de que o Edifício Chiado, em Coimbra, é um significativo exemplo), não viria a ter execução, talvez pelo elevado montante do seu custo (60.021$000 reis). A ser edificado, constituiria hoje, sem dúvida, um dos mais curiosos exemplares da chamada arquitectura do ferro, tão representativa de uma época.
Em 1911 as "impróprias vedações de madeira" seriam substituídas por muros de pedra e cal, sendo, igualmente, nesse ano, transferida para dento do recinto a Fonte da Madalena, até então, como hoje de novo, adossada ao muro da actual Escola Jaime Cortesão.
Como era natural, o mercado era um mundo vivo, onde se desenrolavam os mais variados acontecimentos. A tradicional presença de soldados, apreciando "a paisagem", leva a que, em 10 de Abril de 1913, se oficie ao General Comandante da 5ª Divisão para mandar policiar o local, a fim de evitar que os militares importunassem as pessoas. E, como exemplos de que as coisas não corriam sempre pelo melhor, vemos em 1915 uma vendedeira ser impedida de ali entrar durante 15 dias, por ter proferido palavras ofensivas da moral pública, ou uma outra que sofre, em 1917, uma suspensão de 30 dias por incitar à greve. O pedido de policiamento era frequente, mas surgem também incidentes entre os próprios fiscais e as forças policiais, por estas autuarem vendedores sem dar conhecimento àqueles.
E as pequenas obras continuavam a ser feitas, como aconteceu em 1912, em que, a pedido das vendedeiras de sardinha, foram construídas bancas de mármore no pavilhão do peixe, ou a necessidade que houve de restaurar, em 1922, as coberturas que tinham desabado. Igualmente, o pavilhão do peixe apresentava sinais de ruína, sendo em 1923 colocada uma rede de resguardo na sua cúpula, "a fim de evitar que o rapazio partisse os vidros".
A situação das condições do mercado tornava-se insustentável. A cidade expandira-se na zona em que se inseria, a população e as suas necessidades aumentavam progressivamente, não correspondendo o espaço, minimamente, às exigências. E, ao longo dos anos, a Imprensa reflecte a precaridade das instalações, como podemos ler na Gazeta de Coimbra, de 4 de Abril de 1914: "O mostrengo que hoje ainda ali se encontra, não deve continuar por mais tempo, para brio e lustre dos que dirigem os negócios do município conimbricense e para bom crédito e honra da cidade"; ou, no mesmo jornal, em 27 de Janeiro de 1915: "É necessário que desapareça essa nojenta coisa que aí está com o nome de mercado!"
Quanto ao jornal A Província, por sua vez, escrevia, em 6 de Julho de 1917: "Os pardieiros que para aí estão, fazendo de mercado, são uma verdadeira miséria imprópria da terceira cidade do país e envergonhariam a mais humilde aldeia sertaneja". E acrescenta, depois de preconizar uma nova localização: "Não concordamos com a reconstrução dele no local onde actualmente se encontra. Isso seria um erro irreparável". Alvitrando a edificação de um novo mercado na Rua da Sofia e Terreiro da Erva, refere que a "Avenida Sá da Bandeira, hoje a avenida mais elegante de Coimbra, estender-se-ia até ao edifício dos Correios, ornado de belos jardins e ladeado sempre de elegantes construções".
A Gazeta de Coimbra que, em 17 de Julho desse ano, já se contentava "em ver um elegante, cómodo e amplo mercado, no local onde está", continua em 21 de Janeiro de 1919, depois de se referir ao mau estado da área: "Não há, absolutamente, no nosso mercado, cuidados higiénicos de espécie alguma, não só na exposição dos comestíveis à venda, como, até, no seu acondicionamento e mostruário ao público comprador". Mas não eram só as condições que mereciam reparo: "Coíba-se rigorosamente a falta de decoro na linguagem dos vendedores, verdadeiramente desbragada, muitas das vezes, como pode presenciar-se diariamente. Por dá cá aquela palha, pela simples discordância de oferta de preços, é às vezes um dilúvio de pragas e insultos baixos e soezes, que cai o Carmo e a Trindade".
Era, pois, imperiosa, a solução do problema. E, em 9 de Junho de 1923, é nomeada em sessão de Câmara uma comissão para estudar a sua construção, "pois o Mercado D. Pedro V não satisfaz as exigências da cidade, não só pelo seu aspecto miserável, como pelas suas condições higiénicas, como ainda pela sua pequena capacidade", sendo na reunião de 26 de Novembro discutida a memória sobre o projecto de um novo mercado, tendo-se deliberado melhorar o existente, em detrimento da construção de um novo no Terreiro da Erva.
Em 18 de Setembro de 1924, a vereação toma conhecimento do ante-projecto, cujo relatório elaborado pela comissão nomeada para o efeito é transcrito na acta do Senado de 24 de Novembro, sendo o estudo do Engº. Abel Urbano. Nele se previa o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, ao tempo uma estreita artéria, alargamento que seria feito à custa do recuo da superfície do mercado, que avançaria para o lado contrário, com o aproveitamento da barreira confinante com a Rua da Fonte Nova em patamares e uma escada de ligação, bem como a construção de novos pavilhões. Para a sua concretização, deliberou-se em 10 de Dezembro contrair um empréstimo de 2.000.000$00. O projecto definitivo foi concluído pela Companhia Construtora de Cimento, de Lisboa, em 1925, implicando o desaparecimento total das estruturas então existentes, e a construção de dois pisos, tendo o seu exterior interessantes pormenores arquitectónicos.
A abertura do concurso é anunciada na sessão de 26 de Março de 1925, e concretizada no mês seguinte. No entanto, fica deserto, relatando a Gazeta de Coimbra, no dia 15 de Outubro: "Por falta de concorrentes ao concurso aberto pela Câmara para a construção do novo mercado está inteiramente posta de parte a ideia da actual Comissão Municipal resolver este assunto", para acrescentar: "O mercado que aí temos é bom que desapareça o mais depressa possível, pois está longe de corresponder às necessidades de Coimbra. É mesmo o que mais nos envergonha, tão mesquinho é".
Por sua vez, O Despertar, escrevia, em 15 de Dezembro: "A actual Câmara procurou resolver o problema da construção de um novo mercado. Decidiu-se que ele fosse reedificado no mesmo local onde actualmente se encontram os pardieiros que, para vergonha nossa, servem de mercado. Feitos os estudos necessários, pôs a concurso a construção, mas sem resultado algum". E apresenta o motivo: "Os concorrentes não apareceram, pela simples razão de que ninguém se dispôs a sacrificar elevados capitais numa empresa sem garantias de espécie alguma". Continuando, preconiza a localização ideal na Rua da Sofia, entre a Travessa do Terreiro da Erva e a Rua do Carmo, enaltecendo as vantagens, incluindo as financeiras, e defendendo igualmente o prolongamento da Avenida Sá da Bandeira até aos Correios, o que seria "um admirável melhoramento".
Procedera-se, entretanto, no ano de 1924, à mudança da Fonte Nova para junto do mercado, encostada ao muro da rua que tem o seu nome. Até então, encontrava-se no início da Avenida Sá da Bandeira, no local onde seria construído o prédio em que viria a funcionar o posto das Caixas de Previdência.
Afastada, então, a hipótese da reconstrução do velho mercado D. Pedro V, vem, em Janeiro de 1926, um vereador, Álvaro da Costa Morais, submeter à apreciação da Câmara, a proposta da criação de dois mercados, para substituição do antigo: um, no Terreiro da Erva, com frente para a Rua da Sofia, e um outro ao fundo das Escadas do Liceu, em parte do local hoje ocupado pelas instalações académicas, junto à Praça da República. Esta ideia não seria aprovada, como nos conta a Gazeta de Coimbra de 15 de Maio desse ano, que nos informa sobre o parecer da Comissão de Obras e de Finanças acerca do assunto. Embora louvando o interesse demonstrado pelo vereador, era de opinião de que não se justificava ainda a existência de dois mercados, manifestando-se igualmente contra a construção no Terreiro da Erva, por ser excêntrico e implicar grandes verbas para as expropriações a fazer para a sua edificação. O mesmo jornal, em 22 de Maio, noticia ter sido abandonada definitivamente a ideia de aí ser construído um mercado.
O facto de não terem aparecido concorrentes para a reconstrução do mercado, não iria impedir a Câmara de prosseguir as diligências necessárias para a solução do problema, embora em moldes diferentes dos pensados. E, de acordo com os objectivos, é aprovada, em 14 de Outubro de 1926, uma proposta do presidente para contrair um empréstimo destinado a esse fim, sendo sancionado, na semana seguinte, o orçamento para o efeito.
E, em 26 de Junho de 1927, a Gazeta de Coimbra anuncia um novo projecto, da autoria do Engº Abel Urbano, sendo presidente o Dr. Mário de Almeida. Embora advogando não ser o melhor local, falando uma vez mais no prolongamento da Avenida Sá da Bandeira, o articulista declara não querer "entrar no número da grande família dos empatas", tanto mais que eram alegadas razões de ordem económica e financeira. E destaca o mais importante: "Faça-se o novo mercado, que é o que se quer e de que urgentemente precisa esta cidade, para se livrar dessa tremenda vergonha que aí temos".
Para a concretização do projecto, a Câmara delega, em 13 de Outubro, no seu presidente, poderes para a obtenção de um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos. Mais uma vez, a Associação Comercial de Coimbra, vem perante a Câmara, em 8 de Dezembro de 1927, através do seu presidente, pedir para que o mercado não seja aí reconstruído, apontando como alternativa o Terreiro da Erva. No entanto, a Câmara manteve a sua decisão, que era contrariada por grande parte das forças vivas, sobretudo comerciantes, "grupos de conimbricenses", secundados pela então preponderante Comissão de Defesa e Propaganda de Coimbra, e com vastos apoios da Imprensa local, argumentando-se com o facto de a Rua da Sofia vir a ser extraordinariamente valorizada com a construção do mercado, que iria trazer grande vida àquela artéria, que assim se transformaria numa grande rua comercial. E, é claro, o costumado argumento do prolongamento da Avenida Sá da Bandeira. É curioso assinalar que, tendo sido destruído por um violento incêndio, em 1 de Janeiro de 1926, o edifício dos Correios, houve quem advogasse mesmo a sua não reconstrução, e o prolongamento da Avenida até ao Jardim da Manga, que nela seria integrada. E não terá sido alheio ao eventual desaparecimento do mercado o facto de o actual edifício dos Correios, inaugurado em 1939, ter a sua frontaria virada para o mercado, e não para a Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, que lhe daria uma maior evidência e uma perspectiva mais rica do que aquela que viria a ter.
O que é certo é que as obras de remodelação iriam avançar. Não a reconstrução total idealizada em 1925, mas a possível, como nos dá conta o Presidente da Câmara, Dr. Mário de Almeida, em entrevista à Gazeta de Coimbra, publicada em 27 de Março de 1928. Nela, o edil explica a dificuldade da obtenção de empréstimos, tanto mais que outros empreendimentos vultuosos estavam em execução, o que levava então "a pôr de parte a ideia de construir por agora o novo mercado, limitando-nos, por isso, a fazer no actual os arranjos e as modificações que a estética, a higiene e a necessidade impõem, até que melhores tempos surjam, e se possa resolver definitivamente o problema", concluindo a entrevista, à pergunta se vencera a corrente que preconizava reparações e modificações, ou a que advogava uma nova construção: "Vence sempre a força das circunstâncias".
Iniciam-se então os trabalhos de remodelação, que iriam prolongar-se por vários anos. "Principiaram já as obras de transformação do mercado", -noticiava a Gazeta de Coimbra, em 5 de Abril de 1928 -, "andando-se a terraplanar o terreno para os tabuleiros que vão ser feitos na encosta para venda de hortaliças, frutas e flores", relatando no dia 21 o seu prosseguimento, com a construção dos tabuleiros no declive e a abertura de uma porta ao cimo da Rua Martins de Carvalho, para acesso ao mercado dos moradores da Alta, comentando mais adiante: "A Câmara está realizando uma excelente obra e oxalá que ela corresponda ao que se torna preciso". E o mesmo jornal acrescenta, no dia 26: "Estão sendo demolidas as barracas (da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes), para alargamento desta, a fim de poder ser assente a 2ª via da linha eléctrica".
Ainda a Gazeta de Coimbra, escrevia em 25 de Agosto de 1928: "As obras que se estão fazendo no mercado são mais importantes do que se supõe", continuando: "Desaparecerão todas as tendas, barracas e alpendres que ali há. Será feita uma marquise sobre o mercado e outra sobre o recinto reservado à fruta e hortaliça na encosta da barreira, fazendo uma entrada para o mercado pelo lado do Colégio Novo". E faz uma sugestão: "No muro de vedação do mercado do lado da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, ficavam muito bem painéis históricos de azulejo". E em 9 de Outubro, comenta o mesmo jornal, descrevendo as obras: "Ficará quase um mercado novo", formulando um desejo: "Oxalá estejam prontas antes do Inverno". Infelizmente tal não aconteceu, e no dia 27 de Dezembro, a Gazeta noticiava a paragem das obras, lamentando as péssimas condições de comodidade do espaço, e o facto de a chuva e o frio fustigarem quer os vendedores, quer os clientes.
A demora das obras fora, em parte, motivada por algumas modificações no projecto, passando a ser dirigidas, em Julho de 1929, pelo Arqº Joaquim Carvalho da Câmara e Silva, sendo no mês seguinte adjudicada a execução de barracas. Era agora presidente da Câmara João dos Santos Jacob. E os trabalhos avançavam, embora sem a celeridade desejada, como noticia, uma vez mais, a Gazeta de Coimbra, em 9 de Setembro: "Acham-se quase concluídas as barracas da venda de carne de carneiro, que ficam muito decentes e em elevado número. Os trabalhos de transformação vão decorrendo, mas, infelizmente, sem aquela actividade que todos desejam para ver desaparecer de uma vez para sempre aquela vergonha"; e em 17 de Dezembro o mesmo jornal anunciava: "Foram já postas a funcionar as barracas para venda de carneiro, miudezas, etc".
Desapareciam assim as decrépitas barracas que tantas críticas tinham merecido ao longo dos anos. Numa crónica com ironia e humor, a Gazeta de Coimbra de 4 de Janeiro de 1930, sob o título O mais atroz atentado de todos os tempos, "lamentava" o destruição das velhas barracas do mercado, verdadeiros monumentos da antiguidade, por onde tinham passado e vivido personalidades como Adão e Eva, Moisés, Viriato, Afonso Henriques e outras figuras históricas.
E, durante o ano de 1930, continuam as obras, com a construção de um portão de ferro, uma nova cobertura do pavilhão do peixe e a abertura de mais um pavilhão. O espaço era agora mais funcional e condigno. Do facto nos dá conta O Despertar, em 15 de Novembro de 1930: "Os melhoramentos com que ultimamente foi beneficiado o nosso mercado, vieram provar que as vereações municipais, querendo, muito podem fazer em benefício desta terra". Recordando um passado recente, continuava: "Toda a cidade protestava contra o chiqueiro que para aí existia com o pomposo nome de Mercado D. Pedro V, todos viam nele um escárnio ao progresso da cidade, um chavascal horrendo, onde se expunham à venda, na mais asquerosa promiscuidade, frutas e hortaliças, legumes e carnes verdes, flores e roupa velha". Era agora bem diferente o que se deparava aos frequentadores: "As suas novas instalações percorrem-se com agrado, destacando-se nelas as elegantes barracas que servem para a venda de caça, frutas e flores, cuja beleza e excelente qualidade até têm um melhor realce e frescura".
Faltava, porém, algo ainda: "Se a Câmara consegue ampliar o modelo dessas barracas a todo o mercado, regularizando convenientemente o seu pavimento, pode ficar certa de que leva a efeito uma das melhores obras que nos últimos tempos se têm realizado em Coimbra". E era isso que a Câmara iria procurar concretizar, avançando para a construção do pavilhão central, feito em betão, cujos trabalhos se iniciaram em 1932, continuando no ano seguinte. O novo pavilhão viria a ser um importante benefício, relevante não só para a nova fisionomia do mercado, mas sobretudo pela acentuada melhoria das condições oferecidas quer aos vendedores, quer ao numeroso público que aí afluía.
Entretanto, em 1932, é deferido o requerimento para a construção dum quiosque junto à entrada do mercado, cuja autorização foi dada com a cláusula de nele não se poder vender vinho. Tratava-se do depois denominado "Bar D. Pedro V", que resistiu até aos nossos dias, sendo uma referência complementar do próprio mercado.
Tempos depois, é colocado, dentro do espaço do mercado, um pequeno oratório com uma imagem de Santo António, oferta da Ordem Terceira, que para o local foi levada em procissão saída da Igreja do Carmo, e junto ao qual, flores e velas acesas, testemunhavam a afeição pelo popular taumaturgo.
No entanto, as obras de beneficiação com que o mercado fora contemplado, não afastavam a velha questão da construção de um novo noutro local da Baixa, e a demolição do antigo, com a consequente extensão da Avenida Sá da Bandeira. Tal ideia é defendida em sessão da Câmara, num projecto de melhoramento da cidade, apresentado em 23 de Novembro de 1933, pelo vereador Daniel Pedroso Baptista. Na sequência, um outro vereador, o Dr. Sousa Machado, propõe e é acordado, em 1 de Fevereiro de 1934, que não se façam mais obras, sendo aprovado, em 14 de Março seguinte, um novo plano de urbanização, que preconizava que fosse determinado, para o efeito, um novo local.
Foi esta questão uma constante na vida do velho mercado, que periodicamente se equacionou, até aos nossos dias, surgindo com maior premência quando se anunciavam obras de maior vulto. Os exemplos são vários, como vemos em 22 de Julho de 1943, em que a Câmara deliberou expropriar uma casa que ameaçava ruína no Adro de Santa Justa (junto ao Terreiro da Erva), destinando-se a área à implantação de um novo mercado, ou em 18 de Novembro de 1948, com a aprovação, por unanimidade da vereação, da proposta do presidente para ser estudado um novo local. No mesmo sentido apontava o Anteprojecto de Urbanização, Embelezamento e Extensão da Cidade de Coimbra, elaborado por Etienne de Gröer, nesse mesmo ano, sendo de semelhante orientação o recomendado pelo vereador José Filipe, na sessão de 22 de Setembro de 1955, para "que se não façam grandes investimentos no mercado, visto o mesmo estar condenado".
Também a Imprensa, ciclicamente, se referia ao facto. Sirva de exemplo o título de um artigo do Diário de Coimbra, de 22 de Setembro de 1955, que resume o conteúdo: "Justificar-se-á o dinheiro que se está gastando no Mercado D. Pedro V, ante a imperiosa necessidade do prolongamento da Avenida até aos Correios e a demolição desse anti-higiénico e inestético aglomerado que constitui o actual recinto onde a população vai abastecer-se?"
O certo é que o velho mercado a tudo ia resistindo, com a merecida fama de ser uma praça farta, com produtos cuja excelência era comummente reconhecida, desde as frutas e legumes dos férteis campos do Mondego, ao peixe que diariamente aí chegava vindo da Figueira da Foz, ou das carnes que, em tempos longe da peste suína africana ou da doença das vacas loucas, satisfaziam as necessidades dos seus inúmeros compradores. E na azáfama do dia-a-dia não faltavam os episódios mais ou menos pitorescos, como aconteceu pelas dez e meia do dia 27 de Setembro de 1935, em que no pavilhão do peixe se gerou um verdadeiro motim, "fazendo as vendedeiras, acompanhadas pelo público, grande algazarra, e dirigindo chufas a um casal que àquela hora por ali passava". A razão é acrescentada na acta da Câmara de 3 de Outubro seguinte, que especifica "que o burburinho foi motivado por o referido casal, especialmente a mulher, se apresentar com um vestido que parecia bom demais para a sua condição". Não é precisa muita imaginação para recriar a cena... E também as relações entre as vendedeiras não seriam sempre as melhores, como o prova o requerimento feito à edilidade, em 15 de Julho de 1937, pela arrendatária de uma barraca, que pedia para que uma sua vizinha fosse transferida para outro local, por se lhe tornar incómoda tal vizinhança. A deliberação de indeferir o solicitado dificilmente contribuiu para melhorar as relações entre as vendedeiras desavindas.
Apesar da decisão, já referida, de não continuar as obras, e que de novo foi reforçada em 20 de Janeiro de 1938, o certo é que as reparações não podiam deixar de ser feitas, como acontece em 1942, em que a cobertura do pavilhão do peixe teve de ser escorada, por ameaçar desabar, ou, no ano seguinte, com o arranjo das escadas.
A construção, em 1948, do novo edifício da Caixa Geral de Depósitos, que implicou a saída de vários comerciantes das casas então destruídas, leva a Câmara a estudar o aproveitamento dos terrenos existentes entre o mercado e a Rua Martins de Carvalho, para o seu realojamento, sendo o projecto concluído no ano seguinte.
Periodicamente surgem novas reparações, sendo sobretudo frequentes as executadas na cobertura do pavilhão do peixe, e em 1955 algumas obras de vulto se realizaram, destacando-se entre elas a construção de um novo pavilhão de fruta.
Mas todos os arranjos eram remendos que em breve se mostravam insuficientes para as necessidades crescentes de uma população que se expandia e para a melhoria das condições cada vez mais exigida. O velho sonho de um mercado construído de raíz, num outro lugar mais desafogado, era uma miragem cada vez mais difícil de concretizar, tanto mais que os possíveis locais para o efeito iam sendo progressivamente urbanizados. E o Mercado do Calhabé, inaugurado em 1942, pela sua exiguidade, não contribuíra significativamente para atenuar a pressão que se fazia sentir no mercado principal.
Impunha-se, pois, uma completa remodelação do Mercado D. Pedro V.
Nesse sentido, é apreciado na sessão camarária de 11 de Fevereiro de 1965, um projecto da autoria do Arqº Alberto Pessoa, há muito em estudo, que previa o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, com construção em altura, e que reduzia a zona de terreno ocupado de 7.500 para 3.100 metros quadrados. O certo é que o projecto, como vários outros, não passaria do papel, continuando as pequenas reparações, os leves arranjos, que só momentaneamente solucionavam os problemas. E, na própria Câmara Municipal, em sessão de 25 de Março de 1969, um vereador, António Nunes da Costa, faz duros comentários ao estado de degradação do mercado, chamando para o facto a atenção do presidente.
A situação arrastava-se, sem que uma solução definitiva fosse encontrada. Nas actas das sessões camarárias, em 1972, encontramos um retrato das carências e insuficiências do velho espaço. E é o próprio presidente, Engº Araújo Vieira, que, em 29 de Setembro, nos dá conta da situação. Depois de se referir à desactualização e envelhecimento dos mercados de D. Pedro V e do Calhabé, acrescenta que "o afluxo do público, que ocorre àqueles mercados, sobretudo ao primeiro, faz com que aumentasse a oferta de produtos que se avolumam nos lugares de venda, em quantidades industriais". De novo, em 13 de Outubro, após referir os reparos da Imprensa, apontando faltas e deficiências, continua: "Embora a comercialização dos produtos se faça assim há dezenas de anos, hoje não são toleráveis a comercialização praticada nem o tipo de instalações utilizadas. Os conceitos de higiene a respeitar, a forma de limpeza a impor e os tipos de instalações a utilizar para os produtos comercializados, obrigam a Câmara a tomar medidas enérgicas, rápidas e eficientes. Não se pode admitir a falta de higiene no mercado, tolerar instalações inadequadas à concepção de limpeza e asseio, nem fazer do chão o vazadouro dos produtos deteriorados, cascas de frutos ou de restos de produtos alimentícios. Não se pode tolerar barracas improvisadas nos locais de passagem do público, somente porque são pontos estratégicos de venda, deixando vazios os lugares próprios".
E preconiza que o local se destine apenas a produtos alimentares, com exclusão de tecidos, lãs ou confecções, dando conta de terem sido distribuídos vários recipientes de lixo e anunciando a remodelação do piso, para permitir uma lavagem eficiente e rápida, prosseguindo: "Não iremos fazer grandes obras, mas apenas as necessárias para tornar o Mercado D. Pedro V limpo, bem arrumado e higiénico", concluindo irem ser construídas bancadas para que os produtores pudessem expor os seus produtos, tão do agrado do público, em condições higiénicas e asseadas. E, na sequência destas medidas, e com o aplauso da União de Grémios dos Lojistas, é proibida a venda de artigos que não sejam de alimentação, não sendo renovadas as respectivas licenças para o ano de 1973. Neste ano é igualmente deliberado que o mercado passe a fechar as suas portas às 15 horas, e a partir de 1974 passaria também a estar encerrado aos domingos.
Entretanto, lá se iam fazendo as reparações absolutamente necessárias, até que, em 2 de Junho de 1976, foi presente à vereação presidida pelo Dr. Carrington da Costa mais um ante-projecto, tendo a comissão respectiva deliberado submetê-lo à apreciação do vogal Engº Santos Moreira e do Gabinete de Urbanização. No entanto, conforme a informação do vereador Dr. Armando Gonçalves, em 10 de Março de 1977, as obras não poderiam avançar sem ser conhecida a localização do futuro mercado abastecedor. E em Maio de 1978 foi presente à sessão o estudo, sendo remetido aos Serviços Técnico-Especiais, para ser concretizado com a celeridade possível. Continuando a procurar-se minimizar as deficientes condições do mercado, é adjudicada em 26 de Junho de 1979 a cobertura do pavilhão da hortaliça e salsicharia, recebendo um ano depois a cobertura do pavilhão do peixe mais uma das suas repetidas reparações.
Chegados a 1982, o estado da velha praça suscita ao director do Centro de Saúde Distrital um ofício-exposição que envia à Câmara Municipal, documento analisado na sessão de 13 de Setembro, em que se alertava para que a edilidade atentasse "muito seriamente na transformação, remodelação ou melhor localização do Mercado D. Pedro V, cuja degradação se vem a verificar desde há anos". O presidente, Engº Santos Moreira, historiou os vários estudos que, de há muito tempo, vinham sendo feitos com esse objectivo, tendo prometido fazer as diligências necessárias para que a remodelação fosse um facto, devendo ser inscrita, no orçamento do ano seguinte, uma verba para o efeito.
Nesse ano de 1983, o vereador Viterbo Correia apresenta uma proposta, aprovada em sessão camarária, para que fosse contactado o Arqº Alberto Pessoa para efectuar um eventual projecto para o Mercado D. Pedro V. Dessa proposta constava ainda a imediata cobertura do recinto das hortaliças e a construção de um bar de apoio. E, com efeito, o pavilhão referido foi coberto nesse ano, sendo o último melhoramento significativo, iniciando-se igualmente o processo do café-bar, concluído em 1986.
O mesmo vereador iria propor em 1984 que fosse efectuado um estudo de remodelação e criação de mercados, trabalho entregue à Empresa Geral de Fomento, que o concluiria no ano seguinte, e de que constava não só a remodelação dos mercados existentes, mas também a criação de novos, nomeadamente em Santa Clara e Montes Claros.
Era então presidente da Câmara o Dr. Mendes Silva, que entre 1984 e 1986 viria a proceder a significativas alterações na zona envolvente do mercado. Foi o caso da colocação de painéis de azulejo, com reproduções de monumentos da cidade, da autoria de Amílcar Martins, no muro da cerca da Escola Jaime Cortesão, da construção duma escadaria no local em que se erguera a Torre de Santa Cruz, para onde foi transferida a Fonte Nova, o ajardinamento do espaço em frente do pavilhão do peixe, com a colocação de uma taça de água e o desaparecimento do abrigo dos transportes colectivos aí existente.
Não passaria muito tempo sem que o problema do mercado surgisse de novo. E Viterbo Correia dá a conhecer um concurso público de ideias, constituindo-se uma comissão que, em Outubro de l988, viria a debruçar-se sobre a remodelação total do mercado, bem como o da construção de um novo na área de S. José. No que diz respeito ao Mercado D. Pedro V, aberto o concurso respectivo, foi aprovado em 1989 pela Câmara o projecto da empresa ETAGE, de Matosinhos, com desenho do Arqº Luís Miranda, que previa a construção de vários pisos, dois dos quais subterrâneos, para estacionamento, tendo, para além do mercado propriamente dito, espaço para restaurante, sala de exposições, um posto de turismo e um auditório, sendo contemplado o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes. O processo iria prolongar-se durante vários anos, sendo, na presidência do Dr. Manuel Machado, reactivado pelo vereador Dr. Santos Cardoso. A conjuntura económica, a dificuldade de financiamento e o aparecimento das grandes superfícies comerciais contribuiriam para que, mais uma vez, o projecto de remodelação e a construção de um outro na área de S. José viessem a ser abandonados.
Mas o mercado continuava a ser uma preocupação constante. No seguimento da campanha "Um Violino no Mercado", a associação Pró-Urbe, em conjunto com uma Comissão de Comerciantes do Mercado, vinha a público, em Maio de 1997, alvitrar algumas propostas para revitalizar o espaço, quer no aspecto arquitectónico, quer no aspecto comercial, e mesmo através de actividades lúdicas e culturais, como local de vivência privilegiado da cidade.
Tornava-se, pois, imperiosa a necessidade da solução do problema. E, como resultado de estudos prévios, é apresentado, em 19 de Março de 1999, um plano de intervenção para a remodelação do Mercado D. Pedro V. Após uma introdução do presidente, Dr. Manuel Machado, o vereador Dr. Henrique Fernandes expôs o novo projecto, delineado pela Arqª Teresa Freitas e coordenado pelo Engº João Garcia. O empreendimento previa a demolição do muro da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, o recuo da superfície do mercado, estabelecimentos para o exterior, a construção de dois pisos e parques de estacionamentos subterrâneos, conservando-se apenas a estrutura existente do pavilhão do peixe.
Analisado e aprovado o projecto de execução, viria em Novembro desse ano a ser posto a concurso público, sendo adjudicada a construção à firma Soares da Costa. As obras, sob a supervisão do Engº António Constantino, iniciaram-se em Outubro de 2000, tendo sido o mercado, nessa data, transferido provisoriamente para o edifício da antiga Fábrica Triunfo, na Rua dos Oleiros.
Entretanto, em 8 de Junho de 1997, chegara ao fim dos seus dias uma testemunha que, ao longo de muitos anos, assistira às diversas transformações por que passara o mercado, à animação das vendedeiras, ao vivo colorido das multidões, aos pregões gritados, ao bulício do dia-a-dia renovado em sucessivas gerações. Era o frondoso ulmeiro que, junto ao portão, parecia saudar todos os que, ao longo de tantos anos, transpuseram os degraus da entrada. Atacado pela grafiose, mostraria que, de facto, as árvores morrem de pé. Os milhares de pardais que, ao cair da noite, num ensurdecedor chilrear procuravam o aconchego dos seus ramos, teriam que procurar outra guarida. Terminava, assim, o seu longo percurso protector, defendendo da chuva ou da inclemência do calor, companheiro mudo das conversas descontraídas dos frequentadores do quiosque que também abrigava, e que, durante muito tempo, poupara aos olhos dos passantes o espectáculo menos digno das barracas da encosta que os seus longos ramos escondiam.
E o velho ulmeiro não veria já, em Outubro de 2000, fecharem-se pela última vez as portas do mais que centenário mercado. Não veria também as potentes máquinas arrancarem as coberturas, derrubarem os muros, destruírem os alicerces, esventrarem as fundações. E não veria, igualmente, surgir o novo mercado que, concretizando o projecto municipal, transformou o espaço num funcional e moderno local de comércio, num enquadramento que valoriza a área e os edifícios circundantes, atractivo e de acordo com as actuais exigências, pronto a receber de novo os vendedores e o ruidoso e colorido formigueiro humano tão característico, ontem como hoje, do Mercado D. Pedro V.
[texto da autoria do Dr. Carlos Santarém Andrade, contida no suplemento do nº. 739 do "Jornal de Coimbra", de 15 de Novembro de 2001, extraído do endereço «http://www.mercadosdecoimbra.com/»]
Coimbra tinha, na primeira metade do século XIX, três mercados que satisfaziam as necessidades alimentares dos seus habitantes: um, com raízes seculares, na Praça de S. Bartolomeu (hoje oficialmente denominada Praça do Comércio, e igualmente conhecida por Praça Velha); o mercado de Sansão, em frente da fachada principal do Mosteiro de Santa Cruz e da sua Igreja (actual Praça 8 de Maio) e ainda um mercado semanal às terças-feiras no antigo Largo da feira, frente à Sé Nova, reminiscência da chamada Feira dos Estudantes, instituída no século XVI por D. João III, para a comunidade da Universidade, após a sua transferência definitiva para a cidade.
Algum tempo depois da extinção do Mosteiro, ocorrida em 1834, resolveu a Câmara, em 13 de Junho de 1840, que as vendedeiras de cereais de Sansão passassem para o então denominado Pátio de Santa Cruz, situado no local que é hoje o início da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, entre a actual fachada lateral dos Paços do Concelho e o edifício fronteiro, onde se encontra instalada a PSP. Este último estava ligado à esquina do mosteiro, que a sede da edilidade veio substituir, por um edifício que mais tarde foi demolido, sendo a entrada para o pátio feita através de um arco nele existente.
A troca não teria agradado às vendedeira de Sansão, tendo as de milho solicitado a sua permanência no anterior local, o que não foi permitido. Igualmente as vendedeiras de plantas, que continuavam em Sansão, viriam a pedir, mais tarde, em 1851, também sem êxito, para não serem transferidas para o Pátio.
Não tardaria muito que o edifício de ligação fosse demolido, facto ocorrido em 1856, tornando assim mais amplo e visível o novo local de venda.
Pouco depois, em 6 de Maio de 1857, nova alteração surgiu, com a mudança do mercado dos cereais para a antiga horta do mosteiro, pertença da Câmara, e que se localizava onde está o actual mercado, continuando a existir a velha praça de S. Bartolomeu. Procurando desenvolve o novo local, a edilidade impõe que os vendedores de milho que viessem de fora da cidade fossem obrigados a ir vender ao mercado da horta, atendendo também a uma reclamação para que aquele cereal não fosse transaccionado em S. Bartolomeu. As condições não seriam, obviamente, as melhores, tendo sido autorizadas as galinheiras a mudarem-se para o pátio, em frente aos gigantes, ainda hoje existentes, que sustentam as abóbadas do antigo refeitório do mosteiro. O regresso ao pátio foi, no entanto, negado às vendedeiras de cereais, que fizeram uma petição nesse sentido.
Era, ao tempo, consensual a necessidade de construção de um mercado, pois a velha praça instalada em S. Bartolomeu não satisfazia as condições mínimas, uma vez que o local era acanhado para o efeito, além de ser apenas um “sítio” onde se realizava diariamente, sem quaisquer estruturas permanentes, e com todos os inconvenientes para o trânsito e asseio do espaço, além de não comportar todos os vendedores, que, de há muito, ocupavam também o Largo de Sansão.
Mas se havia consenso em relação à construção de um mercado, as opiniões dividiam-se quanto à sua localização.
Alvitravam-se dois locais: a Horta de Santa Cruz e a Sota, velha Baixa Coimbrã. Surge assim, em 1858, solicitado pela Câmara, um projecto da autoria do inglês Hardy Hislop, que indicava como mais oneroso aquele a construir na Sota, no valor de 100.000$000 reis, enquanto que o da Horta ficaria em 70.000$000 reis. De qualquer forma, a debilidade das finanças municipais não suportava, então, os montantes apontados, pelo que o projecto ficaria adiado.
Mais tarde, em 1864, de novo surgiu a premência da construção, tendo, nesse ano, a Câmara solicitado às suas congéneres de Lisboa e Porto plantas dos seus mercados.
A questão do local mantinha-se, sendo decidido pela Câmara da presidência do Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, em 5 de Janeiro de 1866, perante as plantas dos dois projectos, escolher o terreno da Horta de Santa Cruz, em detrimento da Sota. Para o efeito, foi deliberado obter um empréstimo de 13.000$000 reis, muito aquém dos orçamentos que, anos antes, eram indicados.
A Câmara argumentava a favor da localização escolhida, com o facto de a Horta de Santa Cruz ser propriedade da edilidade, o que faria com que o custo do empreendimento fosse menor, em contraste com a Sota, que implicaria o alteamento do local, vítima de cheias periódicas, além do elevado montante das expropriações a fazer para a edificação do novo mercado.
Contra o local designado (logo, a favor da Sota) eram apontadas fortes razões. Em primeiro lugar, a situação. A Horta de Santa Cruz estava longe de tudo (não nos esqueçamos que na época não existiam a actual Avenida Sá da Bandeira, a Praça da República e todas as ruas que nela convergem, constituindo todas essas artérias a antiga Quinta de Santa Cruz, então propriedade particular); o Bairro de Montarroio era então um pequeno aglomerado; o acesso à Alta era feito por um apertado caminho que ia dar à Rua do Colégio Novo. E a própria comunicação com a Baixa fazia-se por uma estreita ligação, que só mais tarde viria a ser alargada com a demolição do lanço norte do Claustro da Manga e do arco que o ligava ao edifício que é hoje a Escola Jaime Cortesão. Igualmente estava em oposição ao projecto o comércio da cidade, quase todo concentrado na Baixa, que via assim desaparecer um lugar de atracção ao público para a sua actividade.
É, pois, com uma forte contestação, que a escolha da localização é acolhida. Logo, a Associação Comercial de Coimbra, que, em representação dirigida à Câmara, se manifesta contra a opção, embora não indicando local, apontando as desvantagens da situação do projectado mercado.
Por outro lado, eram também várias as vozes que se erguiam a favor da Horta de Santa Cruz, como é o caso dos 912 munícipes que apoiaram, em abaixo-assinado, a decisão camarária. A esses responderam 1.501 cidadãos com uma representação entregue na Câmara, defendendo a construção na Sota. As dúvidas levantadas sobre a veracidade de todas estas assinaturas provocou um verdadeiro vendaval na cidade, em que vieram à baila acusações de falseamento dos cálculos do valor dos prédios a expropriar na Sota, o exagero das medições necessárias para o efeito e o consequente empolamento do custo do mercado a construir aí. E, como não podia deixar de ser, as paixões políticas exacerbadas que a questão fizera levantar. O alvoroço estava em todo o lado, como nos dá conta O Conimbricense de 11 de Abril de 1866, relembrando período exaltados da história coimbrã, então na memória de todos:
“Reina grande agitação na cidade, por causa do projecto camarário na Horta de Santa Cruz. Projectam-se meetings e novas representações e, por toda a parte e nos diversos grupos, que se vêm reunindo na Calçada e na Praça, não se fala de outra coisa. Estaremos em véspera de algum acontecimento extraordinário? O aspecto do bairro baixo de Coimbra faz lembrar a estrudada de 1854, a questão do perdão d’acto de 1864 e a mudança do Conselho Superior em 1859. Este negócio está-se tornando gravíssimo. Cumpre aos poderes públicos usar de toda a prudência e moderação”.
A Imprensa noticiosa de Coimbra, constituída por O Conimbricense, O Tribuno Popular e O País opunha-se unanimemente à localização decidida, tendo o último sido extremamente duro nas críticas, chegando mesmo à acusação pessoal ao presidente e à sua honorabilidade, questão que chegaria ais tribunais.
O problema ultrapassaria as fronteiras da Cidade, apresentando o comércio de Coimbra ao Governo uma petição, em 29 de Abril de 1866, requerendo a vinda de um engenheiro da confiança governamental, para proceder, imparcialmente, à escolha do local, e uma outra, na mesma data, endereçada à Câmara dos Deputados, solicitando o adiamento da aprovação do empréstimo necessário para a construção do novo mercado.
E na Câmara dos Deputados a proposta de lei, apresentada pelo Ministro do reino, seria discutida com veemência nas sessões de 29 e 30 de Maio e 4 de Junho de 1866, com exaltadas argumentações de lado a lado, em que, mais uma vez, foram evidentes as motivações políticas dos intervenientes. Acabou, finalmente, por ser aprovado o empréstimo, que permitiria avançar com a edificação da obra.
Comentando a decisão do Parlamento, cujas actas transcreveu, conclui O Conimbricense de 16 de Junho de 1866: “E desta forma terminou em a Câmara Alta a discussão do empréstimo para a construção do novo mercado nesta cidade. Não foram felizes os defensores, mas venceram, em número. Está pois consumada a autorização do desperdício. Veremos ao menos se haverá mais bom senso na execução dele”.
Obtida a aprovação superior para o empréstimo, iniciam-se em Outubro de 1866 as obras, com a escavação de 3.695 metros cúbicos de terras, para nivelamento dos terrenos, que a própria Câmara viria a deliberar fazer por sua conta.
As obras não seriam isentas de críticas e acusações graves, como as feitas por O País ao Dr. Pereira Jardim, em 2 de Maio de 1867: “Há tempos deu (o residente da Câmara) por arrematação (!) uma porção de cantaria para o célebre mercado a um seu compadre, por muito mais do que outros se prestavam a fazer o mesmo serviço, e o que é ainda mais revoltante, apresentou na praça condições que depois particularmente escusou, com que beneficiou aquele seu compadre em mais de 400$000 reis, em prejuízo do município. Que tal é a honradez de S. Exª.!”.
Atingido na sua honra e dignidade, vem o Dr. Pereira Jardim justificar-se perante a opinião pública, através da Imprensa, repudiando vivamente as acusações, deliberando no dia seguinte a Câmara levar à barra do tribunal o director do jornal.
As obras prosseguiam entretanto, sendo em 21 de Outubro de 1867 aprovado o regulamento, data em que se decidiu dar ao novo empreendimento o nome de Mercado D. Pedro V, homenageando assim o falecido monarca, que contava em Coimbra, que diversas vezes visitara, grandes simpatias, como aliás em todo o país. No mesmo dia resolveu-se marcar para o dia 17 de Novembro a inauguração e “fazer festejos e convites”. E, de facto, no dia 17 de Novembro de 1867, era, finalmente, inaugurado o novo mercado que tanta polémica levantara. Numa tradição que vem de longe, os últimos dias foram de intensa azáfama, bem provada pelo facto de, no dia 6 de Dezembro, a Câmara ter autorizado que se pagasse o vinho e a aguardente aos operários que tinham trabalhado durante a noite, na véspera da inauguração.
Como é natural, dadas as circunstâncias, o acontecimento não provocou grandes entusiasmos na Imprensa, e O Conimbricense de 19 de Novembro dedicava-lhe apenas estas secas linhas: “Nova Praça – No domingo, 17 do corrente, abriu-se pela primeira vez ao uso público, a nova Praça de D. Pedro V, no local da antiga Horta de Santa Cruz”.
O novo mercado seria contemplado com um candeeiro a gás, a que em breve se juntariam mais quatro, mas as barracas tinham falta de licitantes, tanto mais que constava ir a Câmara abrir um novo mercado de peixe, no Largo das Ameias, assunto que provocaria um incidente, várias vezes repetido, entre o vice-presidente e um dos vereadores.
O magro orçamento com que fora contemplado, não permitira dotar a cidade com o mercado necessário, e logo em 1872 temos notícias de reparações, sendo no ano seguinte adjudicada a fundição de colunas de ferro para os alpendres.
A hipótese da mudança da venda do peixe para o Largo das Ameias surge de novo com acuidade naquele ano de 1872. Nesse sentido, a Associação Comercial faz à Câmara uma representação, que é contrariada por um grande número de conimbricenses, que em petição se manifestam contra o facto, argumentando, entre outras razões, com a falta de condições do Largo e a dispersão que provocaria, acrescentando ainda contra a localização, a circunstância de estar eminente a construção do ramal de caminhos de ferro, cuja estação terminal aí iria ser erigida.
No ano de 1882 é apresentada na sessão de 23 de Agosto uma proposta do Barão de Matosinhos, em que este solicita a concessão de um ascensor para acesso à Alta, construído a expensas suas. O referido ascensor, que facilitaria o acesso do público, ligaria o local junto à Fonte Nova até à Couraça dos Apóstolos. A ideia de então não iria avante, mas veio a ser concretizada nos nossos dias, quase 120 anos depois, com a construção do actual elevador.
As beneficiações lá se iam fazendo, como acontece em Abril de 1883, em que se adquirem lousas no Porto para os telhados das barracas, resolvendo a Câmara, em 6 de Fevereiro de 1884, mandar levantar plantas para o alargamento do mercado. Se o alargamento não se efectivou, pelo menos em Fevereiro de 1885 eram cobertos mais alguns lugares de venda e, chegados a Fevereiro de 1887, depara-se-nos o pedido feito ao Engº. Adolfo Loureiro para elaborar um plano para a conclusão do mercado.
Os acessos da Baixa são em 1888 facilitados com o alargamento, já atrás referido, da então denominada Rua do Mercado, com a demolição das construções que fechavam pelo lado norte o Claustro da Manga, e do chamado Arco do Correio, que lhe ficava adossado, e que permitiria mostrar o Jardim, tal como hoje acontece.
Até ao fim do século XIX, foi o mercado alvo de pontuais reparações, cobertura de barracas, ou instalação de esgotos, não passando de meras intenções a construção de um novo mercado. Assim, encontramos na Imprensa da época ecos dessa necessidade cada vez mais premente, continuando a dividirem-se as opiniões entre o local onde se encontrava e a Sota.
Mais concretamente, em 21 de Setembro de 1893, é apresentada em sessão da Câmara Municipal, uma proposta para a construção e exploração de um novo mercado, por João Evangelista da Silva Saturnino, de Lisboa. O local escolhido seria ao fundo da Rua das Solas (hoje Adelino Veiga), seguindo pela Rua da Madalena (actualmente, em parte, a Avenida Fernão de Magalhães). O projecto, que, mais uma vez, provocou divergência de opiniões, não viria a concretizar-se.
Posteriormente, em 4 de Janeiro de 1894, de novo é abordada, em reunião da Câmara, a questão, ganhando mais consistência com a apresentação de um novo projecto, a efectivar nos Largos da Sota e do Romal, em sessão de 24 de Dezembro de 1896. No entanto, não iria avante, vindo a ser arquivado, até nova resolução, na reunião de 17 de Fevereiro de 1898. No ano seguinte, mais precisamente em 12 de Janeiro de 1899, viria a ser tomada a tão útil e necessária decisão de mandar vedar o recinto do mercado.
No princípio do século XX prosseguem as habituais reparações, mas um novo impulso iria ser dado com a elaboração do plano de um pavilhão para a venda de peixe, decisão tomada em 23 de Janeiro de 1902. Para o efeito, é nomeada uma comissão em 5 de Junho desse ano, a fim de analisar o projecto, da autoria do Arqº Silva Pinto. Orçamentado em 10 contos, iria sofrer algumas alterações, sendo aprovado pelo Ministro do Reino em Outubro de 1903, iniciando-se as obras em 1905. Depois de alguns contratempos, viria a estar pronto em 1907, tendo um regulamento próprio. O Mercado do Peixe foi um significativo melhoramento para as condições do mercado, constituindo um interessante exemplar da arquitectura do ferro e vidro.
Dera-se, entretanto, um facto que não poder ser dissociado da história do Mercado D. Pedro V. A chamada "Lei do Selo" agravava substancialmente os impostos, atingindo particularmente as vendedeiras do mercado, na generalidade de fracos recursos económicos. A aplicação de multas leva as padeiras de boroa das Carvalhosas, logo secundadas pelas vendedeiras de hortaliças e outras, a manifestarem-se ruidosamente no dia 11 de Março de 1903, frente aos Paços do Concelho e nas principais artérias da Baixa. Coimbra ficou em verdadeiro estado de sítio, prosseguindo os tumultos nos dias seguintes, tendo o comércio fechado, bem como as fábricas e oficinas, movimentando-se milhares de pessoas, o que originou a vinda para a cidade de diversas forças militares. O acontecimento, que ficou conhecido como a "Revolta do Grelo", viria a ter trágicas consequências, provocando mortos e feridos entre a população, sendo uma das mais violentas manifestações a que Coimbra assistiu. A própria Universidade e o Liceu foram encerrados, tendo a Academia manifestado inequivocamente a sua solidariedade para com as vítimas da brutal repressão. E, na própria Câmara, na sessão de 14 de Março, em reunião extraordinária, os edis resolveram solicitar a revisão da lei que estivera na origem dos acontecimentos, pedindo ao presidente, Dr. Dias da Silva, ausente em Lisboa, para interceder junto ao governo, de modo a apaziguar os ânimos, para que a cidade retomasse a normalidade. E na sessão seguinte, em 20 de Março, o presidente relatou as suas diligências, tendo sido atendidas as reivindicações e suspenso o imposto que originara o conflito, reconhecendo-se que fora a sua criação e "mais ainda, o modo descaroável por que se pretendeu fazer a sua arrecadação, as causas principais, senão únicas, dos tumultos ultimamente levantados no concelho".
Os acessos ao mercado seriam facilitados com a construção de uma nova rua, em 1904, que ficaria a ligar o cimo da Rua Martins de Carvalho com o largo em frente da entrada principal, e que viria mais tarde a denominar-se Rua Pedro Cardoso. Para a sua abertura foi necessário proceder a algumas demolições, entre as quais a da Capela da Senhora do Carmo, pertencente à Santa Casa da Misericórdia.
Dois anos mais tarde, em 1906, é construído em frente ao pavilhão do peixe um posto de inspecção destinado à análise dos produtos aí vendidos, e que se manteria até 1939, ano em que é demolido, passando a inspecção a fazer-se dentro do próprio pavilhão.
Encarregado pela Câmara de elaborar um novo projecto, o Arqº Silva Pinto apresenta um interessantíssimo estudo, feito em 1908, de um novo mercado, que é aprovado na sessão camarária de 11 de Fevereiro de 1909. Concebido segundo os cânones arquitectónicos do início do século XX, com estruturas de ferro e vasta aplicação de vidro (de que o Edifício Chiado, em Coimbra, é um significativo exemplo), não viria a ter execução, talvez pelo elevado montante do seu custo (60.021$000 reis). A ser edificado, constituiria hoje, sem dúvida, um dos mais curiosos exemplares da chamada arquitectura do ferro, tão representativa de uma época.
Em 1911 as "impróprias vedações de madeira" seriam substituídas por muros de pedra e cal, sendo, igualmente, nesse ano, transferida para dento do recinto a Fonte da Madalena, até então, como hoje de novo, adossada ao muro da actual Escola Jaime Cortesão.
Como era natural, o mercado era um mundo vivo, onde se desenrolavam os mais variados acontecimentos. A tradicional presença de soldados, apreciando "a paisagem", leva a que, em 10 de Abril de 1913, se oficie ao General Comandante da 5ª Divisão para mandar policiar o local, a fim de evitar que os militares importunassem as pessoas. E, como exemplos de que as coisas não corriam sempre pelo melhor, vemos em 1915 uma vendedeira ser impedida de ali entrar durante 15 dias, por ter proferido palavras ofensivas da moral pública, ou uma outra que sofre, em 1917, uma suspensão de 30 dias por incitar à greve. O pedido de policiamento era frequente, mas surgem também incidentes entre os próprios fiscais e as forças policiais, por estas autuarem vendedores sem dar conhecimento àqueles.
E as pequenas obras continuavam a ser feitas, como aconteceu em 1912, em que, a pedido das vendedeiras de sardinha, foram construídas bancas de mármore no pavilhão do peixe, ou a necessidade que houve de restaurar, em 1922, as coberturas que tinham desabado. Igualmente, o pavilhão do peixe apresentava sinais de ruína, sendo em 1923 colocada uma rede de resguardo na sua cúpula, "a fim de evitar que o rapazio partisse os vidros".
A situação das condições do mercado tornava-se insustentável. A cidade expandira-se na zona em que se inseria, a população e as suas necessidades aumentavam progressivamente, não correspondendo o espaço, minimamente, às exigências. E, ao longo dos anos, a Imprensa reflecte a precaridade das instalações, como podemos ler na Gazeta de Coimbra, de 4 de Abril de 1914: "O mostrengo que hoje ainda ali se encontra, não deve continuar por mais tempo, para brio e lustre dos que dirigem os negócios do município conimbricense e para bom crédito e honra da cidade"; ou, no mesmo jornal, em 27 de Janeiro de 1915: "É necessário que desapareça essa nojenta coisa que aí está com o nome de mercado!"
Quanto ao jornal A Província, por sua vez, escrevia, em 6 de Julho de 1917: "Os pardieiros que para aí estão, fazendo de mercado, são uma verdadeira miséria imprópria da terceira cidade do país e envergonhariam a mais humilde aldeia sertaneja". E acrescenta, depois de preconizar uma nova localização: "Não concordamos com a reconstrução dele no local onde actualmente se encontra. Isso seria um erro irreparável". Alvitrando a edificação de um novo mercado na Rua da Sofia e Terreiro da Erva, refere que a "Avenida Sá da Bandeira, hoje a avenida mais elegante de Coimbra, estender-se-ia até ao edifício dos Correios, ornado de belos jardins e ladeado sempre de elegantes construções".
A Gazeta de Coimbra que, em 17 de Julho desse ano, já se contentava "em ver um elegante, cómodo e amplo mercado, no local onde está", continua em 21 de Janeiro de 1919, depois de se referir ao mau estado da área: "Não há, absolutamente, no nosso mercado, cuidados higiénicos de espécie alguma, não só na exposição dos comestíveis à venda, como, até, no seu acondicionamento e mostruário ao público comprador". Mas não eram só as condições que mereciam reparo: "Coíba-se rigorosamente a falta de decoro na linguagem dos vendedores, verdadeiramente desbragada, muitas das vezes, como pode presenciar-se diariamente. Por dá cá aquela palha, pela simples discordância de oferta de preços, é às vezes um dilúvio de pragas e insultos baixos e soezes, que cai o Carmo e a Trindade".
Era, pois, imperiosa, a solução do problema. E, em 9 de Junho de 1923, é nomeada em sessão de Câmara uma comissão para estudar a sua construção, "pois o Mercado D. Pedro V não satisfaz as exigências da cidade, não só pelo seu aspecto miserável, como pelas suas condições higiénicas, como ainda pela sua pequena capacidade", sendo na reunião de 26 de Novembro discutida a memória sobre o projecto de um novo mercado, tendo-se deliberado melhorar o existente, em detrimento da construção de um novo no Terreiro da Erva.
Em 18 de Setembro de 1924, a vereação toma conhecimento do ante-projecto, cujo relatório elaborado pela comissão nomeada para o efeito é transcrito na acta do Senado de 24 de Novembro, sendo o estudo do Engº. Abel Urbano. Nele se previa o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, ao tempo uma estreita artéria, alargamento que seria feito à custa do recuo da superfície do mercado, que avançaria para o lado contrário, com o aproveitamento da barreira confinante com a Rua da Fonte Nova em patamares e uma escada de ligação, bem como a construção de novos pavilhões. Para a sua concretização, deliberou-se em 10 de Dezembro contrair um empréstimo de 2.000.000$00. O projecto definitivo foi concluído pela Companhia Construtora de Cimento, de Lisboa, em 1925, implicando o desaparecimento total das estruturas então existentes, e a construção de dois pisos, tendo o seu exterior interessantes pormenores arquitectónicos.
A abertura do concurso é anunciada na sessão de 26 de Março de 1925, e concretizada no mês seguinte. No entanto, fica deserto, relatando a Gazeta de Coimbra, no dia 15 de Outubro: "Por falta de concorrentes ao concurso aberto pela Câmara para a construção do novo mercado está inteiramente posta de parte a ideia da actual Comissão Municipal resolver este assunto", para acrescentar: "O mercado que aí temos é bom que desapareça o mais depressa possível, pois está longe de corresponder às necessidades de Coimbra. É mesmo o que mais nos envergonha, tão mesquinho é".
Por sua vez, O Despertar, escrevia, em 15 de Dezembro: "A actual Câmara procurou resolver o problema da construção de um novo mercado. Decidiu-se que ele fosse reedificado no mesmo local onde actualmente se encontram os pardieiros que, para vergonha nossa, servem de mercado. Feitos os estudos necessários, pôs a concurso a construção, mas sem resultado algum". E apresenta o motivo: "Os concorrentes não apareceram, pela simples razão de que ninguém se dispôs a sacrificar elevados capitais numa empresa sem garantias de espécie alguma". Continuando, preconiza a localização ideal na Rua da Sofia, entre a Travessa do Terreiro da Erva e a Rua do Carmo, enaltecendo as vantagens, incluindo as financeiras, e defendendo igualmente o prolongamento da Avenida Sá da Bandeira até aos Correios, o que seria "um admirável melhoramento".
Procedera-se, entretanto, no ano de 1924, à mudança da Fonte Nova para junto do mercado, encostada ao muro da rua que tem o seu nome. Até então, encontrava-se no início da Avenida Sá da Bandeira, no local onde seria construído o prédio em que viria a funcionar o posto das Caixas de Previdência.
Afastada, então, a hipótese da reconstrução do velho mercado D. Pedro V, vem, em Janeiro de 1926, um vereador, Álvaro da Costa Morais, submeter à apreciação da Câmara, a proposta da criação de dois mercados, para substituição do antigo: um, no Terreiro da Erva, com frente para a Rua da Sofia, e um outro ao fundo das Escadas do Liceu, em parte do local hoje ocupado pelas instalações académicas, junto à Praça da República. Esta ideia não seria aprovada, como nos conta a Gazeta de Coimbra de 15 de Maio desse ano, que nos informa sobre o parecer da Comissão de Obras e de Finanças acerca do assunto. Embora louvando o interesse demonstrado pelo vereador, era de opinião de que não se justificava ainda a existência de dois mercados, manifestando-se igualmente contra a construção no Terreiro da Erva, por ser excêntrico e implicar grandes verbas para as expropriações a fazer para a sua edificação. O mesmo jornal, em 22 de Maio, noticia ter sido abandonada definitivamente a ideia de aí ser construído um mercado.
O facto de não terem aparecido concorrentes para a reconstrução do mercado, não iria impedir a Câmara de prosseguir as diligências necessárias para a solução do problema, embora em moldes diferentes dos pensados. E, de acordo com os objectivos, é aprovada, em 14 de Outubro de 1926, uma proposta do presidente para contrair um empréstimo destinado a esse fim, sendo sancionado, na semana seguinte, o orçamento para o efeito.
E, em 26 de Junho de 1927, a Gazeta de Coimbra anuncia um novo projecto, da autoria do Engº Abel Urbano, sendo presidente o Dr. Mário de Almeida. Embora advogando não ser o melhor local, falando uma vez mais no prolongamento da Avenida Sá da Bandeira, o articulista declara não querer "entrar no número da grande família dos empatas", tanto mais que eram alegadas razões de ordem económica e financeira. E destaca o mais importante: "Faça-se o novo mercado, que é o que se quer e de que urgentemente precisa esta cidade, para se livrar dessa tremenda vergonha que aí temos".
Para a concretização do projecto, a Câmara delega, em 13 de Outubro, no seu presidente, poderes para a obtenção de um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos. Mais uma vez, a Associação Comercial de Coimbra, vem perante a Câmara, em 8 de Dezembro de 1927, através do seu presidente, pedir para que o mercado não seja aí reconstruído, apontando como alternativa o Terreiro da Erva. No entanto, a Câmara manteve a sua decisão, que era contrariada por grande parte das forças vivas, sobretudo comerciantes, "grupos de conimbricenses", secundados pela então preponderante Comissão de Defesa e Propaganda de Coimbra, e com vastos apoios da Imprensa local, argumentando-se com o facto de a Rua da Sofia vir a ser extraordinariamente valorizada com a construção do mercado, que iria trazer grande vida àquela artéria, que assim se transformaria numa grande rua comercial. E, é claro, o costumado argumento do prolongamento da Avenida Sá da Bandeira. É curioso assinalar que, tendo sido destruído por um violento incêndio, em 1 de Janeiro de 1926, o edifício dos Correios, houve quem advogasse mesmo a sua não reconstrução, e o prolongamento da Avenida até ao Jardim da Manga, que nela seria integrada. E não terá sido alheio ao eventual desaparecimento do mercado o facto de o actual edifício dos Correios, inaugurado em 1939, ter a sua frontaria virada para o mercado, e não para a Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, que lhe daria uma maior evidência e uma perspectiva mais rica do que aquela que viria a ter.
O que é certo é que as obras de remodelação iriam avançar. Não a reconstrução total idealizada em 1925, mas a possível, como nos dá conta o Presidente da Câmara, Dr. Mário de Almeida, em entrevista à Gazeta de Coimbra, publicada em 27 de Março de 1928. Nela, o edil explica a dificuldade da obtenção de empréstimos, tanto mais que outros empreendimentos vultuosos estavam em execução, o que levava então "a pôr de parte a ideia de construir por agora o novo mercado, limitando-nos, por isso, a fazer no actual os arranjos e as modificações que a estética, a higiene e a necessidade impõem, até que melhores tempos surjam, e se possa resolver definitivamente o problema", concluindo a entrevista, à pergunta se vencera a corrente que preconizava reparações e modificações, ou a que advogava uma nova construção: "Vence sempre a força das circunstâncias".
Iniciam-se então os trabalhos de remodelação, que iriam prolongar-se por vários anos. "Principiaram já as obras de transformação do mercado", -noticiava a Gazeta de Coimbra, em 5 de Abril de 1928 -, "andando-se a terraplanar o terreno para os tabuleiros que vão ser feitos na encosta para venda de hortaliças, frutas e flores", relatando no dia 21 o seu prosseguimento, com a construção dos tabuleiros no declive e a abertura de uma porta ao cimo da Rua Martins de Carvalho, para acesso ao mercado dos moradores da Alta, comentando mais adiante: "A Câmara está realizando uma excelente obra e oxalá que ela corresponda ao que se torna preciso". E o mesmo jornal acrescenta, no dia 26: "Estão sendo demolidas as barracas (da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes), para alargamento desta, a fim de poder ser assente a 2ª via da linha eléctrica".
Ainda a Gazeta de Coimbra, escrevia em 25 de Agosto de 1928: "As obras que se estão fazendo no mercado são mais importantes do que se supõe", continuando: "Desaparecerão todas as tendas, barracas e alpendres que ali há. Será feita uma marquise sobre o mercado e outra sobre o recinto reservado à fruta e hortaliça na encosta da barreira, fazendo uma entrada para o mercado pelo lado do Colégio Novo". E faz uma sugestão: "No muro de vedação do mercado do lado da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, ficavam muito bem painéis históricos de azulejo". E em 9 de Outubro, comenta o mesmo jornal, descrevendo as obras: "Ficará quase um mercado novo", formulando um desejo: "Oxalá estejam prontas antes do Inverno". Infelizmente tal não aconteceu, e no dia 27 de Dezembro, a Gazeta noticiava a paragem das obras, lamentando as péssimas condições de comodidade do espaço, e o facto de a chuva e o frio fustigarem quer os vendedores, quer os clientes.
A demora das obras fora, em parte, motivada por algumas modificações no projecto, passando a ser dirigidas, em Julho de 1929, pelo Arqº Joaquim Carvalho da Câmara e Silva, sendo no mês seguinte adjudicada a execução de barracas. Era agora presidente da Câmara João dos Santos Jacob. E os trabalhos avançavam, embora sem a celeridade desejada, como noticia, uma vez mais, a Gazeta de Coimbra, em 9 de Setembro: "Acham-se quase concluídas as barracas da venda de carne de carneiro, que ficam muito decentes e em elevado número. Os trabalhos de transformação vão decorrendo, mas, infelizmente, sem aquela actividade que todos desejam para ver desaparecer de uma vez para sempre aquela vergonha"; e em 17 de Dezembro o mesmo jornal anunciava: "Foram já postas a funcionar as barracas para venda de carneiro, miudezas, etc".
Desapareciam assim as decrépitas barracas que tantas críticas tinham merecido ao longo dos anos. Numa crónica com ironia e humor, a Gazeta de Coimbra de 4 de Janeiro de 1930, sob o título O mais atroz atentado de todos os tempos, "lamentava" o destruição das velhas barracas do mercado, verdadeiros monumentos da antiguidade, por onde tinham passado e vivido personalidades como Adão e Eva, Moisés, Viriato, Afonso Henriques e outras figuras históricas.
E, durante o ano de 1930, continuam as obras, com a construção de um portão de ferro, uma nova cobertura do pavilhão do peixe e a abertura de mais um pavilhão. O espaço era agora mais funcional e condigno. Do facto nos dá conta O Despertar, em 15 de Novembro de 1930: "Os melhoramentos com que ultimamente foi beneficiado o nosso mercado, vieram provar que as vereações municipais, querendo, muito podem fazer em benefício desta terra". Recordando um passado recente, continuava: "Toda a cidade protestava contra o chiqueiro que para aí existia com o pomposo nome de Mercado D. Pedro V, todos viam nele um escárnio ao progresso da cidade, um chavascal horrendo, onde se expunham à venda, na mais asquerosa promiscuidade, frutas e hortaliças, legumes e carnes verdes, flores e roupa velha". Era agora bem diferente o que se deparava aos frequentadores: "As suas novas instalações percorrem-se com agrado, destacando-se nelas as elegantes barracas que servem para a venda de caça, frutas e flores, cuja beleza e excelente qualidade até têm um melhor realce e frescura".
Faltava, porém, algo ainda: "Se a Câmara consegue ampliar o modelo dessas barracas a todo o mercado, regularizando convenientemente o seu pavimento, pode ficar certa de que leva a efeito uma das melhores obras que nos últimos tempos se têm realizado em Coimbra". E era isso que a Câmara iria procurar concretizar, avançando para a construção do pavilhão central, feito em betão, cujos trabalhos se iniciaram em 1932, continuando no ano seguinte. O novo pavilhão viria a ser um importante benefício, relevante não só para a nova fisionomia do mercado, mas sobretudo pela acentuada melhoria das condições oferecidas quer aos vendedores, quer ao numeroso público que aí afluía.
Entretanto, em 1932, é deferido o requerimento para a construção dum quiosque junto à entrada do mercado, cuja autorização foi dada com a cláusula de nele não se poder vender vinho. Tratava-se do depois denominado "Bar D. Pedro V", que resistiu até aos nossos dias, sendo uma referência complementar do próprio mercado.
Tempos depois, é colocado, dentro do espaço do mercado, um pequeno oratório com uma imagem de Santo António, oferta da Ordem Terceira, que para o local foi levada em procissão saída da Igreja do Carmo, e junto ao qual, flores e velas acesas, testemunhavam a afeição pelo popular taumaturgo.
No entanto, as obras de beneficiação com que o mercado fora contemplado, não afastavam a velha questão da construção de um novo noutro local da Baixa, e a demolição do antigo, com a consequente extensão da Avenida Sá da Bandeira. Tal ideia é defendida em sessão da Câmara, num projecto de melhoramento da cidade, apresentado em 23 de Novembro de 1933, pelo vereador Daniel Pedroso Baptista. Na sequência, um outro vereador, o Dr. Sousa Machado, propõe e é acordado, em 1 de Fevereiro de 1934, que não se façam mais obras, sendo aprovado, em 14 de Março seguinte, um novo plano de urbanização, que preconizava que fosse determinado, para o efeito, um novo local.
Foi esta questão uma constante na vida do velho mercado, que periodicamente se equacionou, até aos nossos dias, surgindo com maior premência quando se anunciavam obras de maior vulto. Os exemplos são vários, como vemos em 22 de Julho de 1943, em que a Câmara deliberou expropriar uma casa que ameaçava ruína no Adro de Santa Justa (junto ao Terreiro da Erva), destinando-se a área à implantação de um novo mercado, ou em 18 de Novembro de 1948, com a aprovação, por unanimidade da vereação, da proposta do presidente para ser estudado um novo local. No mesmo sentido apontava o Anteprojecto de Urbanização, Embelezamento e Extensão da Cidade de Coimbra, elaborado por Etienne de Gröer, nesse mesmo ano, sendo de semelhante orientação o recomendado pelo vereador José Filipe, na sessão de 22 de Setembro de 1955, para "que se não façam grandes investimentos no mercado, visto o mesmo estar condenado".
Também a Imprensa, ciclicamente, se referia ao facto. Sirva de exemplo o título de um artigo do Diário de Coimbra, de 22 de Setembro de 1955, que resume o conteúdo: "Justificar-se-á o dinheiro que se está gastando no Mercado D. Pedro V, ante a imperiosa necessidade do prolongamento da Avenida até aos Correios e a demolição desse anti-higiénico e inestético aglomerado que constitui o actual recinto onde a população vai abastecer-se?"
O certo é que o velho mercado a tudo ia resistindo, com a merecida fama de ser uma praça farta, com produtos cuja excelência era comummente reconhecida, desde as frutas e legumes dos férteis campos do Mondego, ao peixe que diariamente aí chegava vindo da Figueira da Foz, ou das carnes que, em tempos longe da peste suína africana ou da doença das vacas loucas, satisfaziam as necessidades dos seus inúmeros compradores. E na azáfama do dia-a-dia não faltavam os episódios mais ou menos pitorescos, como aconteceu pelas dez e meia do dia 27 de Setembro de 1935, em que no pavilhão do peixe se gerou um verdadeiro motim, "fazendo as vendedeiras, acompanhadas pelo público, grande algazarra, e dirigindo chufas a um casal que àquela hora por ali passava". A razão é acrescentada na acta da Câmara de 3 de Outubro seguinte, que especifica "que o burburinho foi motivado por o referido casal, especialmente a mulher, se apresentar com um vestido que parecia bom demais para a sua condição". Não é precisa muita imaginação para recriar a cena... E também as relações entre as vendedeiras não seriam sempre as melhores, como o prova o requerimento feito à edilidade, em 15 de Julho de 1937, pela arrendatária de uma barraca, que pedia para que uma sua vizinha fosse transferida para outro local, por se lhe tornar incómoda tal vizinhança. A deliberação de indeferir o solicitado dificilmente contribuiu para melhorar as relações entre as vendedeiras desavindas.
Apesar da decisão, já referida, de não continuar as obras, e que de novo foi reforçada em 20 de Janeiro de 1938, o certo é que as reparações não podiam deixar de ser feitas, como acontece em 1942, em que a cobertura do pavilhão do peixe teve de ser escorada, por ameaçar desabar, ou, no ano seguinte, com o arranjo das escadas.
A construção, em 1948, do novo edifício da Caixa Geral de Depósitos, que implicou a saída de vários comerciantes das casas então destruídas, leva a Câmara a estudar o aproveitamento dos terrenos existentes entre o mercado e a Rua Martins de Carvalho, para o seu realojamento, sendo o projecto concluído no ano seguinte.
Periodicamente surgem novas reparações, sendo sobretudo frequentes as executadas na cobertura do pavilhão do peixe, e em 1955 algumas obras de vulto se realizaram, destacando-se entre elas a construção de um novo pavilhão de fruta.
Mas todos os arranjos eram remendos que em breve se mostravam insuficientes para as necessidades crescentes de uma população que se expandia e para a melhoria das condições cada vez mais exigida. O velho sonho de um mercado construído de raíz, num outro lugar mais desafogado, era uma miragem cada vez mais difícil de concretizar, tanto mais que os possíveis locais para o efeito iam sendo progressivamente urbanizados. E o Mercado do Calhabé, inaugurado em 1942, pela sua exiguidade, não contribuíra significativamente para atenuar a pressão que se fazia sentir no mercado principal.
Impunha-se, pois, uma completa remodelação do Mercado D. Pedro V.
Nesse sentido, é apreciado na sessão camarária de 11 de Fevereiro de 1965, um projecto da autoria do Arqº Alberto Pessoa, há muito em estudo, que previa o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, com construção em altura, e que reduzia a zona de terreno ocupado de 7.500 para 3.100 metros quadrados. O certo é que o projecto, como vários outros, não passaria do papel, continuando as pequenas reparações, os leves arranjos, que só momentaneamente solucionavam os problemas. E, na própria Câmara Municipal, em sessão de 25 de Março de 1969, um vereador, António Nunes da Costa, faz duros comentários ao estado de degradação do mercado, chamando para o facto a atenção do presidente.
A situação arrastava-se, sem que uma solução definitiva fosse encontrada. Nas actas das sessões camarárias, em 1972, encontramos um retrato das carências e insuficiências do velho espaço. E é o próprio presidente, Engº Araújo Vieira, que, em 29 de Setembro, nos dá conta da situação. Depois de se referir à desactualização e envelhecimento dos mercados de D. Pedro V e do Calhabé, acrescenta que "o afluxo do público, que ocorre àqueles mercados, sobretudo ao primeiro, faz com que aumentasse a oferta de produtos que se avolumam nos lugares de venda, em quantidades industriais". De novo, em 13 de Outubro, após referir os reparos da Imprensa, apontando faltas e deficiências, continua: "Embora a comercialização dos produtos se faça assim há dezenas de anos, hoje não são toleráveis a comercialização praticada nem o tipo de instalações utilizadas. Os conceitos de higiene a respeitar, a forma de limpeza a impor e os tipos de instalações a utilizar para os produtos comercializados, obrigam a Câmara a tomar medidas enérgicas, rápidas e eficientes. Não se pode admitir a falta de higiene no mercado, tolerar instalações inadequadas à concepção de limpeza e asseio, nem fazer do chão o vazadouro dos produtos deteriorados, cascas de frutos ou de restos de produtos alimentícios. Não se pode tolerar barracas improvisadas nos locais de passagem do público, somente porque são pontos estratégicos de venda, deixando vazios os lugares próprios".
E preconiza que o local se destine apenas a produtos alimentares, com exclusão de tecidos, lãs ou confecções, dando conta de terem sido distribuídos vários recipientes de lixo e anunciando a remodelação do piso, para permitir uma lavagem eficiente e rápida, prosseguindo: "Não iremos fazer grandes obras, mas apenas as necessárias para tornar o Mercado D. Pedro V limpo, bem arrumado e higiénico", concluindo irem ser construídas bancadas para que os produtores pudessem expor os seus produtos, tão do agrado do público, em condições higiénicas e asseadas. E, na sequência destas medidas, e com o aplauso da União de Grémios dos Lojistas, é proibida a venda de artigos que não sejam de alimentação, não sendo renovadas as respectivas licenças para o ano de 1973. Neste ano é igualmente deliberado que o mercado passe a fechar as suas portas às 15 horas, e a partir de 1974 passaria também a estar encerrado aos domingos.
Entretanto, lá se iam fazendo as reparações absolutamente necessárias, até que, em 2 de Junho de 1976, foi presente à vereação presidida pelo Dr. Carrington da Costa mais um ante-projecto, tendo a comissão respectiva deliberado submetê-lo à apreciação do vogal Engº Santos Moreira e do Gabinete de Urbanização. No entanto, conforme a informação do vereador Dr. Armando Gonçalves, em 10 de Março de 1977, as obras não poderiam avançar sem ser conhecida a localização do futuro mercado abastecedor. E em Maio de 1978 foi presente à sessão o estudo, sendo remetido aos Serviços Técnico-Especiais, para ser concretizado com a celeridade possível. Continuando a procurar-se minimizar as deficientes condições do mercado, é adjudicada em 26 de Junho de 1979 a cobertura do pavilhão da hortaliça e salsicharia, recebendo um ano depois a cobertura do pavilhão do peixe mais uma das suas repetidas reparações.
Chegados a 1982, o estado da velha praça suscita ao director do Centro de Saúde Distrital um ofício-exposição que envia à Câmara Municipal, documento analisado na sessão de 13 de Setembro, em que se alertava para que a edilidade atentasse "muito seriamente na transformação, remodelação ou melhor localização do Mercado D. Pedro V, cuja degradação se vem a verificar desde há anos". O presidente, Engº Santos Moreira, historiou os vários estudos que, de há muito tempo, vinham sendo feitos com esse objectivo, tendo prometido fazer as diligências necessárias para que a remodelação fosse um facto, devendo ser inscrita, no orçamento do ano seguinte, uma verba para o efeito.
Nesse ano de 1983, o vereador Viterbo Correia apresenta uma proposta, aprovada em sessão camarária, para que fosse contactado o Arqº Alberto Pessoa para efectuar um eventual projecto para o Mercado D. Pedro V. Dessa proposta constava ainda a imediata cobertura do recinto das hortaliças e a construção de um bar de apoio. E, com efeito, o pavilhão referido foi coberto nesse ano, sendo o último melhoramento significativo, iniciando-se igualmente o processo do café-bar, concluído em 1986.
O mesmo vereador iria propor em 1984 que fosse efectuado um estudo de remodelação e criação de mercados, trabalho entregue à Empresa Geral de Fomento, que o concluiria no ano seguinte, e de que constava não só a remodelação dos mercados existentes, mas também a criação de novos, nomeadamente em Santa Clara e Montes Claros.
Era então presidente da Câmara o Dr. Mendes Silva, que entre 1984 e 1986 viria a proceder a significativas alterações na zona envolvente do mercado. Foi o caso da colocação de painéis de azulejo, com reproduções de monumentos da cidade, da autoria de Amílcar Martins, no muro da cerca da Escola Jaime Cortesão, da construção duma escadaria no local em que se erguera a Torre de Santa Cruz, para onde foi transferida a Fonte Nova, o ajardinamento do espaço em frente do pavilhão do peixe, com a colocação de uma taça de água e o desaparecimento do abrigo dos transportes colectivos aí existente.
Não passaria muito tempo sem que o problema do mercado surgisse de novo. E Viterbo Correia dá a conhecer um concurso público de ideias, constituindo-se uma comissão que, em Outubro de l988, viria a debruçar-se sobre a remodelação total do mercado, bem como o da construção de um novo na área de S. José. No que diz respeito ao Mercado D. Pedro V, aberto o concurso respectivo, foi aprovado em 1989 pela Câmara o projecto da empresa ETAGE, de Matosinhos, com desenho do Arqº Luís Miranda, que previa a construção de vários pisos, dois dos quais subterrâneos, para estacionamento, tendo, para além do mercado propriamente dito, espaço para restaurante, sala de exposições, um posto de turismo e um auditório, sendo contemplado o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes. O processo iria prolongar-se durante vários anos, sendo, na presidência do Dr. Manuel Machado, reactivado pelo vereador Dr. Santos Cardoso. A conjuntura económica, a dificuldade de financiamento e o aparecimento das grandes superfícies comerciais contribuiriam para que, mais uma vez, o projecto de remodelação e a construção de um outro na área de S. José viessem a ser abandonados.
Mas o mercado continuava a ser uma preocupação constante. No seguimento da campanha "Um Violino no Mercado", a associação Pró-Urbe, em conjunto com uma Comissão de Comerciantes do Mercado, vinha a público, em Maio de 1997, alvitrar algumas propostas para revitalizar o espaço, quer no aspecto arquitectónico, quer no aspecto comercial, e mesmo através de actividades lúdicas e culturais, como local de vivência privilegiado da cidade.
Tornava-se, pois, imperiosa a necessidade da solução do problema. E, como resultado de estudos prévios, é apresentado, em 19 de Março de 1999, um plano de intervenção para a remodelação do Mercado D. Pedro V. Após uma introdução do presidente, Dr. Manuel Machado, o vereador Dr. Henrique Fernandes expôs o novo projecto, delineado pela Arqª Teresa Freitas e coordenado pelo Engº João Garcia. O empreendimento previa a demolição do muro da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, o recuo da superfície do mercado, estabelecimentos para o exterior, a construção de dois pisos e parques de estacionamentos subterrâneos, conservando-se apenas a estrutura existente do pavilhão do peixe.
Analisado e aprovado o projecto de execução, viria em Novembro desse ano a ser posto a concurso público, sendo adjudicada a construção à firma Soares da Costa. As obras, sob a supervisão do Engº António Constantino, iniciaram-se em Outubro de 2000, tendo sido o mercado, nessa data, transferido provisoriamente para o edifício da antiga Fábrica Triunfo, na Rua dos Oleiros.
Entretanto, em 8 de Junho de 1997, chegara ao fim dos seus dias uma testemunha que, ao longo de muitos anos, assistira às diversas transformações por que passara o mercado, à animação das vendedeiras, ao vivo colorido das multidões, aos pregões gritados, ao bulício do dia-a-dia renovado em sucessivas gerações. Era o frondoso ulmeiro que, junto ao portão, parecia saudar todos os que, ao longo de tantos anos, transpuseram os degraus da entrada. Atacado pela grafiose, mostraria que, de facto, as árvores morrem de pé. Os milhares de pardais que, ao cair da noite, num ensurdecedor chilrear procuravam o aconchego dos seus ramos, teriam que procurar outra guarida. Terminava, assim, o seu longo percurso protector, defendendo da chuva ou da inclemência do calor, companheiro mudo das conversas descontraídas dos frequentadores do quiosque que também abrigava, e que, durante muito tempo, poupara aos olhos dos passantes o espectáculo menos digno das barracas da encosta que os seus longos ramos escondiam.
E o velho ulmeiro não veria já, em Outubro de 2000, fecharem-se pela última vez as portas do mais que centenário mercado. Não veria também as potentes máquinas arrancarem as coberturas, derrubarem os muros, destruírem os alicerces, esventrarem as fundações. E não veria, igualmente, surgir o novo mercado que, concretizando o projecto municipal, transformou o espaço num funcional e moderno local de comércio, num enquadramento que valoriza a área e os edifícios circundantes, atractivo e de acordo com as actuais exigências, pronto a receber de novo os vendedores e o ruidoso e colorido formigueiro humano tão característico, ontem como hoje, do Mercado D. Pedro V.
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