Retrato do futuro Cardeal Doutor D. Manuel Gonçalves Cerejeira (Famalicão, 29/11/1888; Lisboa, 01/08/1977), estudante com a pasta de quintanista em Teologia no ano de 1912. Cerejeira, certamente parente do poeta Manuel Dias Gonçalves Cerejeira, estudou no Seminário-Liceu de Guimarães (1899-1904), Liceu Alexandre Herculano do Porto (1905) e Seminário Conciliar de Braga (1906-1909).
Em finais de 1909 matriculou-se na Faculdade de Teologia da UC, curso que viria a terminar em 1912 (estando já extinta a dita instituição). Em 1911 frequentou cadeiras de Direito e no ano de 1912 iniciou História na jovem Faculdade de Letras, onde foi aluno de António de Oliveira Guimarães, Aristides de Amorim Girão, Ferrand Pimentel de Almeida, Providência e Costa, António de Vasconcelos e Carolina Micaellis. Terminado curso, foi nomeado assistente da Faculdade de Letras (História Medieval), por Decreto de 11/11/1916. Em 30/01/1918 defendeu o seu doutoramento em Ciências Históricas e Geográficas com uma tese sobre "O Renascimento em Portugal. Clenardo".
Militante católico, D. Manuel Gonçalves Cerejeira abandonou a docência na UC em 1929, passando a desempenhar funções de Cardeal Patriarca de Lisboa. Na sua juventude académica dedicou-se ao jornalismo de combate cristão, sendo autor de artigos dispersos no jornal do CADC, o "Imparcial".
De MGC não se conhecem ligações ao universo da CC. Possuindo ilustração musical e sólida formação estética, MGC não emitiu publicamente opinião que nos permita formular juízo crítico sobre o que pensaria da CC. Tendo estudado em Coimbra num tempo em que a CC era considerada uma espécie de fado regionalizado que se concretizava atrás de serenatas espontâneas e saraus estudantis (1909-1916), é possível que MGC olhasse a CC como "um mal inevitável" que contribuía para a formação da personalidade dos estudantes, ou como um "cancro" social com alguns requintes de superioridade cultural em relação às práticas "bas fond" lisboetas. Mas isto são conjecturas, pese embora baseadas no pensamento dominante na época. O conservadorismo religioso e político de MGC não deve ser utilizado para substimar a largueza de horizontes que o fazia aceitar os modernismos artísticos da primeira metade do século XX, mesmo depois de o Papa Pio XI ter esgrimido em 1932 contra a arte moderna. Contrariando as visões mais tradicionalistas que na década de 1930 arremetiam contra o modernismo/vanguardismo na arte e na arquitectura, MGC defendeu o projecto da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, assinado pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro em Lisboa (1934-1938).
Vejamos um episódio: pelo Decreto de 22/04/1967 a Faculdade de Filosofia de Braga foi integrada na nascente Universidade Católica Portuguesa. Seguiu-se, em Braga, uma cerimónia solene que contou com a presença de altas individualidades, entre as quais figurava MGC. Manuel Branquinho foi convidado a actuar nessa cerimónia, estando "Samaritana" interdita na Emissora Nacional e na Rádio Renascença. Uma das peças interpretadas por Branquinho foi precisamente "Samaritana". No fim da actuação, temendo incorrer em desagrado, Manuel Branquinho abeirou-se de MGC, perguntou se "Sua Eminência" tinha apreciado o espectáculo e tentou forjar uma desculpa esfarrapada para o facto de ter cantado "Samaritana". Muito placidamente, MGC respondeu a Manuel Branquinho com esta frase lapidar: "Toda a arte é emanação da Divina Providência".
Fonte: fotografia editada em Padre Moreira das Neves, "O Cardeal Cerejeira Patriarca de Lisboa", Lisboa, Edições Pro Domo, 1948, p. 163.
AMNunes
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