Fados Populares
Aspecto do CD "Fados Velhos. Ronda dos Quatro Caminhos", Lisboa, Movieplay, MOV 30.359, ano de 1998, remasterização do LP "Fados Velhos", Contradança, LP87-01, ano de 1987. A formação era então constituída por João Cavadinhas (violão, Viola Braguesa, voz solo), Daniel Completo (violão e coros), António Prata (viola de arame, concertina, violino, coros), António Silva Lopes (guizos, voz solo) e Fátima Valido (voz, banjo, cavaquinho, flauta). Os Ronda apresentaram um curioso e insólito projecto de reconstituição de espécimes rotulados de "fados" pelo povo, de parceria com uma ou outra melodia sentimental. O trabalho era baseado, no essencial, nas já muito extensas recolhas de José Alberto Sardinha e também nas gravações realizadas nos Açores pelo Prof. do Conservatório Nacional Artur Santos.
Temos assim fados populares, alguns dos quais coreográficos, acompanhados primacialmente pela viola de arame (Braguesa), cuja proveniência remete o auditor para a Beira Alta (Fadinho), Minho (Siga a Rusga), Douro Litoral (Fado Batido) e Açores (Fado da Povoação, Fado Velho). Depois, há assinalar dois espécimes sentimentais ligados à Ilha Terceira (Pezinho e Fado do Estudante), ambos oitocentistas, sendo o Fado do Estudante aclimatado a partir da respectiva estrófica conimbricense e o Pezinho uma moda valseada com estranha proximidade às "puxadas" que os serenateiros da tempo da Toeira dedilhavam em Coimbra. A fechar a amostra, indiquemos uma versão vulgar da coimbrã Jovens Sereias, recolhida nos arredores de Coimbra (Canção de Coimbra) e o magnífico instrumental de viola de arame Valsinha (em bom rigor é a "Sapateia Valseada", recolhida em 1960 pelo Prof. Artur Santos na Ilha de São Miguel, com toques de Viola da Terra por Manuel Moniz Pimentel e Emundo Pimentel. Cf. reedição "O Folclore Musical nas Ilhas dos Açores. Ilha de São Miguel. Antologia Sonora. Campanha de 1960", Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2001, cd nº 1, faixa nº 25).
"Fados Velhos" é documento único no contexto em que foi produzido. Os autores do projecto talvez pudessem ter ido um pouco mais longe na selecção da amostragem:
- omitiram os fados coreográficos do Ribatejo, da Estremadura e da Beira Litoral;
-poderiam ter diversificado as violas de arame utilizadas, indo um pouco além da Braguesa;
-poderiam ter sido mais rigorosos na indicação dos locais onde foram efectuadas as recolhas, pois o genérico e seco "Beira Alta", "Douro Litoral", não facilita a investigação;
-poderiam ser mais precisos quanto à inclusão de certos temas que até talvez sejam rotulados de fados, mas não são de modo algum fados. No entanto, temos de reconhecer a máxima honestidade dos Ronda quando escreveram na memória de apresentação "Para não enveredarmos nestas linhas por caminhos que não são os nossos, diríamos resumidamente que este é um disco de canções tradicionais às quais o povo chama fados e, outras, que talvez também se pudessem chamar fados." Mais claro do que isto...
O disco trazia as letras dos temas cantados e um breve texto de apresentação. Parcos em palavras, os membros dos Ronda afloravam muito ao de leve questões inabituais e provocatórias sobre as origens, classificação e dispersão geográfica do Fado, suscitadas a partir dos encontros e conversas havidas com José Alberto Sardinha.
Parece que finalmente, 19 anos volvidos, José Alberto Sardinha se prepara para nos brindar com algumas respostas nada canónicas.
AMNunes
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