domingo, abril 16, 2006


Afonso Vieira Posted by Picasa
Retrato do antigo estudante da Faculdade de Direito da UC, advogado de renome e pai do poeta Afonso Lopes Vieira. Afonso Xavier Lopes Vieira está na origem de uma das mais formidáveis falsificações da História da Canção de Coimbra, pois a partir de um seu testemunho oral, totalmente errado, gerou-se a convicção de que antes do ano de 1870 a guitarra não era conhecida em Coimbra e que só naquela data teria vindo de Lisboa um primeiro modelo com pá de madeira e cravelhas.
Afonso Vieira seria certamente um observador muitíssimo distraído em relação ao que se passava à sua volta nos anos em que frequentou a UC. Esta nefasta confusão, de efeitos tremendos no campo da investigação, é hoje invalidada com base em pesquisas de imprensa periódica local, relatos de memorialistas, anúncios relativos a oficinas de violaria, atribuição de prémios a violeiros distintos e repertório musical manuscrito. Prova-se, sem margem para qualquer dúvida, que a Guitarra Inglesa já era conhecida e tocada em Coimbra pelo menos desde a 2ª metade do século XVIII. Uma versão mais popular do referido cordofone era a "Guitarra-Cítara" ou "Guitarra-Bandurra", esta com ilharga mais baixa e pá de madeira e cravelhas, semelhante aos modelos vulgares usados em ambientes diversos dos salões. Exemplificam a nossa proposta as tocatas populares das Fogueiras de São João, bem como os peditórios nocturnos de confrarias para fins religiosos (cf. gravura de J. Taylor, de ca. 1827, reproduzida por António Brojo/António Portugal na pág. 7 da brochura da antologia "Tempo(s) de Coimbra"), e ainda contextos rústicos e fadísticos lisboetas.
Neste mesmo blog fomos publicando (com transcrição de Octávio Sérgio sobre manuscritos originais, sem que tenhamos esgotado as recolhas), diversas composições que se tocaram em Coimbra na Guitarra Inglesa desde o século XVIII. E mesmo que não fosse possível encontrar vestígios repertoriais manuscritos, restariam sempre composições de salão e das Fogueiras do São João como a famigerada "Giga de Coimbra". Só por manifesta carência de trabalhos de investigação se poderá continuar a palestrar indolentemente e a escrever que a guitarra não era conhecida/tocada/fabricada em Coimbra antes de 1870, ou que o modelo da Guitarra de Coimbra resulta única e exclusivamente de uma adaptação operada a partir da antiga Guitarra de Lisboa.
O erro avançado por Afonso Xavier Vieira a seu filho Afonso Lopes Vieira, e deste para Armando Leça, continua largamente por emendar, citado acriticamente de publicista para publicista:
-Armando LEÇA, "Música popular portuguesa", 2ª edição, Porto, Editorial Domingos Barreira, s/d, págs. 122-123 (1ª edição de 1945), primeira obra a consagrar publicamente o erro;
-Armando SIMÕES, "A Guitarra. Bosquejo histórico", Évora, Edição do Autor, 1974, págs. 112-114, erro reproduzido a partir de Armando Leça;
-Eduardo SUCENA, "Lisboa, o Fado e os fadistas", 1ª edição, Vega, 1994, pág. 85; idem, 2ª edição, Vega, 2002, pág. 85, erro reproduzido a partir de Armando Simões;
-Pedro Caldeira CABRAL, "A Guitarra Portuguesa", Alfragide, Ediclube, 1999, erro reproduzido a partir de Armando Simões (não obstante citar um substancial manuscrito de 1808 que lhe foi dado a conhecer pelo Prof. Doutor Manuel Morais, no qual constam peças de Manuel José Vidigal e Manuel Luís);
-Ruy Vieira NERY, "Para uma História do Fado", Lisboa, Público, 2004, pág. 112, erro reproduzido a partir de Armando Simões.
O primeiro investigador a rebater categoricamente este erro sistemático, baseado em pesquisas efectuadas na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Secção de Música, foi o lente de Música da Universidade de Évora, Manuel Morais, em "A Guitarra Portuguesa. Das suas origens setecentistas aos finais do século XIX" ("A Guitarra Portuguesa. Actas do Simpósio Internacional. Universidade de Évora, 7-9 de Setembro 2001", Lisboa, ESTAR, 2002, pág. 111).
Fotografia: Sousa Costa, "Grandes dramas judiciários", Porto, Editorial O Primeiro de Janeiro, 1944, pág. 349.
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