sábado, julho 15, 2006


"Fados e Baladas de Coimbra"Posted by Picasa
Ilustração do artista Fernando Guerreiro, impressa no interior do livreto do CD "Fados e Baladas de Coimbra", Lisboa, Colecção O FADO DO PÚBLICO, disco nº 7, 1ª edição de 2 de Junho de 2004, numa acção conjunta da CORDA SECA/PÚBLICO (2ª edição desde Maio de 2006). Os textos de apresentação foram repartidos entre António de Almeida Santos e José Miguel Júdice.
Em crónica recente, intitulado "Fados com Açúcar", questionei vigorosamente a acuidade e pertinência da inclusão deste cd, bem como do dedicado a Carlos Paredes, nesta colecção sonora, que viu a luz do dia completada com textos do Prof. Ruy Vieira Nery. Verdade seja dita e reafirmada, continuo a não vislumbrar a menor pertinência entre a linha editorial geral que presidiu à colecção e os fonogramas aqui expostos.
Excluindo trechos do "Fado Hylario Moderno", o disco não incorpora qualquer amostragem apta a confirmar as alegadas parentelas oitocentistas entre o FADO e o vulgarmente chamado "Fado de Coimbra". Uma tal amostragem, para revestir um mínimo de seriedade de credibilidade, teria de incluir temas reconstituídos com vocalizações e instrumentos de época, centrados nos seguintes segmentos ilustrativos: a) exemplares de fados narrativos em modo menor, com letra estruturada em décimas, com acontece em melodias do tipo "Jorge e Juliana"; b) fados corridos, de que é exemplo o tantas vezes gravado "Fado Corrido de Coimbra"; c) fados instrumentais para solo de guitarra como o "Fado em Dó", de Borges de Sousa; d) amostras do fado coreográfico Beirão, tão presente em recolhas folclóricas; e) canções fadográficas como o "Fado do Fim", de Paradela de Oliveira.
A produção do Fado (de Lisboa) gira, desde os alvores da década de 1930, em torno de estruturas específicas da Indústria de Bens Culturais de Entretenimento. Esta indústria, além de não se compadecer com amadorismos, não só não está obrigada a respeitar a vernaculidade de um Bem Cultural, como pode mesmo reinventar a sua própria versão de acontecimentos, bens e produtos. Há uma Canção de Coimbra tradicionalmente produzida em Coimbra, cujos mitemas, formas de apresentação e construções temático-sonoras não coincidem com o chamado "Fado de Coimbra" fabricado em sede de casas de fado.
A reinvenção de "tradições" para fins de entretenimento de públicos massificados não ocorre apenas em contexto do chamado "Fado de Coimbra" concebido e apresentado pelas casas de fados actuantes na Região de Lisboa.
Muitos espectáculos da Brodway ficcionam estórias, de modo a galvenizarem o grande público. É bem conhecida a história da família austríaca Von Trap, reciclada pela Brodway e consagrada como versão "oficiosa" pelo realizador Robert Wise, da 20 th Century Fox, no filme "Música no Coração" (1965). A diferença entre os contos infantis dos Irmãos Grimm e Charles Perrault no que respeita às versões Disney "Branca de Neve os Sete Anões" (1937), "Cinderela" (1950) e "A Bela Adormecida" (1955) é flagrante. Os contos foram reescritos e adaptados ao estilo de vida americano, há anacronismos primários em termos de cenários, de guarda-roupa e de bandas sonoras. Como seriam estes contos se abordados por realizadores europeus?
Outro exemplo prende-se com as incursões virtuais dos estúdios de Hollywood a grandes temas da história do Egipto, de Israel e de Roma. As misérias da caracterização de estúdio, as imprecisões dos cenários, a total falta de realismo face ao quotidiano, o guarda-roupa anacrónico e muito "fashion", as manipulações ideológicas da história, constituem assuntos abordados por Jean-Loup Bourget in "L'Histoire au Cinéma. Le passé retrouvé", Paris, Gallimard, 1992. Um dos anacronismos mais célebres de Hollywood foi justamente a inclusão de camelos na película "A Terra dos Faraós" (1956).
Na lógica da indústria de bens culturais destinados às massas, o "parecer" importa muito mais do que o "ser". Na lógica da sociedade de consumo pouco interessa que o produto apresentado seja um autêntico "simulacro" (Jean Baudrillard, "A sociedade de consumo", Lisboa, Edições 70, 1991; idem, "Simulacros e Simulações", Lisboa, Relógio d'Água, 1991).
Terá o artista Fernando Guerreiro compreendido um pouco daquilo que foi e vai sendo a Canção de Coimbra, quando assinou ilustrações do tipo Brodway/Parque Mayer/Disney, com estudantes de capa em pose de teatro de revista e ostensivas Guitarras de Fado (de Lisboa)?
AMNunes

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