Uma Guitarra de Artur Paredes para Afonso de Sousa
Por Afonso de Oliveira Sousa
Caro Dr. António Nunes:
Esta vai ser longa. Servirá para eu desocupar o espírito (também eu estou com problemas familiares - doenças ) e tudo o que nos ocupe, fora desse área, serve de lenitivo. Como o Sr. é um "recolhedor " de pequenas "estórias", com que vai preenchendo a História, para a compreender e melhor contar, aqui vai a que diz respeito à 1.ª guitarra "parediana" do meu Pai: havia na Marinha Grande um industrial de grande valia pelos seus conhecimentos técnicos. Quando havia problemas nos fornos das diversas Firmas vidreiras, todos o chamavam, para os resolver. Esse Senhor, de nome Acácio Morais, era um homem de grande sensibilidade artística, que adorava tudo o que se prendesse com a Guitarra de Coimbra. Tinha uma grande casa na Vila de S. Pedro de Moel, debruçada sobre o mar e o seu grande sonho era um dia (ou uma noite) conseguir nela reunir o Artur Paredes, o Arménio Silva e o meu Pai para uma grande noite de guitarradas. Contactou o meu Pai, sabendo que ele era o único capaz de arrastar o Artur Paredes até ao rincão de Afonso Lopes Vieira. Mas o meu Pai, embora amigo, recusou: a guitarra "toeira" com que tocava, estava impraticável: as escalas estavam "sumidas", as cordas não esticavam devidamente, havia uma "racha", etc. O Senhor Acácio Morais, embora contristado, não desistiu. E que fez ele? Foi a Lisboa, direito `a casa do Artur Paredes. E com o ar de Empresário decidido que era, atacou fundo: "Senhor Artur Paredes, sei que o Senhor não se desfaz das suas queridas guitarras. Mas há um Amigo seu, a quem devo favores, que gostaria muito de ter uma guitarra sua, para recordação de velhos companheirismos. Peço-lhe por tudo que me faculte a sua guitarra mais querida. E que de seguida, vá ao Grácio mandar fazer a mais inovadora que tenha em mente ". O Artur Paredes, certamente desconfiando de quem era a pessoa para quem se destinava a guitarra, acedeu. Entregou ao Senhor Acácio Morais a guitarra de estimação. Foi a correr ao Grácio para ele lhe fazer uma nova, ainda mais inovadora e em Leiria, o Senhor Acácio apresentou-se ao meu Pai com a guitarra nas mãos, intimando: Dr. Afonso de Sousa, tem aqui uma guitarra digna dos seus méritos e já não tem desculpas. No próximo Sábado tem de estar na minha casa de S. Pedro de Moel. Já dei ordens ao meu motorista para ir a Lisboa buscar o Artur Paredes e o Arménio Silva (nesse tempo ainda o Carlos Paredes não tinha autorização para acompanhar o seu divino Pai). E assim se fez um Sarau à beira mar, perante dezenas de convidados, que foi dos mais belos a que pude assistir, em criança. Em conclusão: a 1.ª guitarra "parediana" do meu Pai foi assim conseguida. Ainda cá está. É como o violoncelo da Guilhermina Suggia. Degrada-se porque ninguém ousa tocar...
(texto enviado pelo Dr. Afonso de Oliveira Sousa em 16/07/2006. Filho do Dr. Afonso de Sousa (1906-1993), advogado em Leiria, Afonso de Oliveira Sousa está profundamente ligado às memórias afectivas de Coimbra. Desde a meninice testemunhou memórias, contactos e visitas de agentes da Galáxia Sonora Coimbrã. Completou os estudos liceais em Coimbra e fez o curso de Direito na UC. É um assíduo leitor do Blog "guitarradecoimbra")
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