ESTÓRIAS À LENTE
I.
Aqui há uns cinquenta anos havia um lente de Direito – conhecido pelas suas respostas prontas – que morava perto do cemitério da Conchada. O número do telefone era quase igual: só diferia num dos algarismos. Resultado: volta-meia-volta davam-se telefonemas lá para casa, perguntando se era do cemitério. Normalmente isto acontecia de manhã – quando o lente se encontrava na Faculdade.
Mas um dia… por qualquer razão o Mestre não teve aulas e a dado passo toca o telefone bem perto dele, que atendeu:
- É do cemitério da Conchada ?
Resposta de imediato:
- Exactamente, fala do jazigo da Família Tal-tal-tal…
Mas um dia… por qualquer razão o Mestre não teve aulas e a dado passo toca o telefone bem perto dele, que atendeu:
- É do cemitério da Conchada ?
Resposta de imediato:
- Exactamente, fala do jazigo da Família Tal-tal-tal…
II.
O dito lente era suposto ser achacado de hemorróidas. E vejam, Senhores, esta espantosa cousa de um escolar arrancar a aprovação na prova oral à pala disso…
Pois é, um aluno foi à oral com nota baixa (qualquer coisa como um oito), isto tendo estudado manifestamente pouco. Mas lá teve a brilhante ideia que o safou. Senta-se no seu lugar de examinando, perante o lente e o Juiz-Desembargador que nesse tempo (e até à década de 70) soía presidir ao júri. E de imediato põe uma expressão de dor e executa movimentos no banco, como se o sofrimento derivasse de partes retro-posteriores. O Mestre ia começar a interrogar, mais eis que repara no pequeno 'espectáculo'. E pergunta:
- O Sr. sente-se bem, está incomodado ?
Ao que o aluno retorque:
- Não, não, Sr. Doutor, não é nada…
Começa o interrogatório, com o aluno a ir respondendo, mas sempre com os mesmos esgares e movimentos. O Mestre a dado momento suspende o interrogatório, dizendo:
- Não, não, tenha paciência mas o Sr. não está bem. De que é que se queixa ? Pode voltar cá mais logo ou num dos próximos dias...
- O Sr. Doutor desculpe – diz o aluno em voz quase inaudível – mas tenho andado com um problema de hemorróidas…
- Ó Homem, e não podia já ter dito ?! Eu bem sei o que isso é, isso é um tormento ! O que é que tem tomado ?
O aluno, devidamente informado sobre cremes, pomadas e supositórios, lá indicou uns fármacos.
- Isso não dá nada, que eu já experimentei. Faça um banho local morno ao deitar e depois aplique isto assim-assim [outro fármaco] durante uma semana, e deve melhorar.
Seguiram-se umas poucas perguntas ultra-acessíveis a que o aluno foi respondendo; posto o que, despachado com 11 e «votos de melhoras»…
III.
Aqui há uns 70 anos, um lente de Medicina Legal bem conhecido pelo seu inigualável sentido de humor, viu-se confrontado com uma turma mista de finalistas de Medicina (cadeira de Medicina Legal) e de Direito (Curso Jurídico de Medicina Legal), onde os segundos alegavam grande dificuldade de acompanhamento das aulas teóricas: o que sabiam sobre o corpo humano (e só sobre isso) tinha sido aprendido até ao 2.º Ciclo do Liceu. Abordado o Mestre no termo de uma aula, este solicitamente prometeu resolver o problema, e logo a partir da aula seguinte. Na dita, começou a prelecção como segue:
- Queixam-se os Srs. de Direito da dificuldade em acompanhar as minhas exposições teóricas, dizendo nomeadamente que eu uso muitos termos e expressões técnicas. Mas o problema resolve-se: doravante, quando eu usar algum desses termos técnicos, darei de imediato a tradução para linguagem vulgar, a bem da cabal compreensão dos Srs. de Direito. Ora hoje vou começar por lhes recordar alguns pontos básicos da função digestiva. Como os Srs. sabem, os alimentos entram pela boca, onde sofrem a acção da língua, dos dentes e da saliva (cuspo para os Srs. de Direito), depois passam para a faringe (garganta para os Srs. de Direito), daí para o esófago (canal das couves para os Srs. de Direito) e chegam então ao estômago (fole para os Srs. de Direito). Aí sofrem a acção de diversos agentes químicos, posto o que passam para os intestinos (tripas para os Srs. de Direito) e depois a parte assimilável pelo organismo é absorvida através da corrente sanguínea, a parte não assimilável é expulsa para o exterior sob a forma de f… (m… para os Srs. de Direito)…
- Queixam-se os Srs. de Direito da dificuldade em acompanhar as minhas exposições teóricas, dizendo nomeadamente que eu uso muitos termos e expressões técnicas. Mas o problema resolve-se: doravante, quando eu usar algum desses termos técnicos, darei de imediato a tradução para linguagem vulgar, a bem da cabal compreensão dos Srs. de Direito. Ora hoje vou começar por lhes recordar alguns pontos básicos da função digestiva. Como os Srs. sabem, os alimentos entram pela boca, onde sofrem a acção da língua, dos dentes e da saliva (cuspo para os Srs. de Direito), depois passam para a faringe (garganta para os Srs. de Direito), daí para o esófago (canal das couves para os Srs. de Direito) e chegam então ao estômago (fole para os Srs. de Direito). Aí sofrem a acção de diversos agentes químicos, posto o que passam para os intestinos (tripas para os Srs. de Direito) e depois a parte assimilável pelo organismo é absorvida através da corrente sanguínea, a parte não assimilável é expulsa para o exterior sob a forma de f… (m… para os Srs. de Direito)…
IV.
Um lente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UP fazia regularmente a visita da enfermaria do Serviço hospitalar que dirigia, acompanhado de Colegas mais jovens, Assistentes, Alunos e Enfermeiros. Verifica aqui, toma a temperatura além, corrige a medicação acolá… Um dia chega perto de um doente com um saco de gelo aplicado no abdómen. Palpando o saco, acha que este não está à temperatura devida. E diz de imediato:
- O Sr.ª Enfermeira, este gelo está quente !
Ao que um dos Assistentes retorque:
- Perdão, Sr. Professor, mas se está quente não é gelo !
- O Sr.ª Enfermeira, este gelo está quente !
Ao que um dos Assistentes retorque:
- Perdão, Sr. Professor, mas se está quente não é gelo !
Armando Luís de Carvalho HOMEM
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