segunda-feira, outubro 16, 2006

A CAMINHO DA UNESCO COM "Una Furtiva Lagrima"

Una furtiva lagrima
Negli occhi suoi spuntò
...
(Trecho de "O Elixir do Amor", de Gaetano Donizetti (1832), na voz de Nemorino)

O Arquitecto Nuno Ribeiro Lopes e a Reitoria da UC ultimam os preparativos para o lançamento oficial do site que divulgará os objectivos e os conteúdos que sustentam a Candidatura da Universidade de Coimbra a Património da UNESCO.
Diferentemente das candidaturas clássicas apoiadas em núcleos históricos monumentais (caso de Angra de Heroísmo) e paisagens singulares (Douro Vinhateiro, Vinhedos Rústicos da Ilha do Pico), o projecto conimbricense é bastante mais abrangente, na medida em que força um alargamento do conceito de Património, conjugando o Paço das Escolas e a Alta (dimensão arquitectónica) com aspectos da Cultura Imaterial polarizados no Trajo Académico e na Canção de Coimbra.
A singularidade desta candidatura mereceu um apontamento de reportagem no telejornal da TVI, na noite de Domingo, dia 15 de Outubro de 2006. Para muitos antigos estudantes foi a oportunidade de mais um reencontro com a sua Alma Mater. Foi um momento comovente, povoado de imagens, sons e testemunhos prestados pelo Rector Magnificus Seabra Santos, Dr. Jorge Cravo (Canção de Coimbra), Presidente da Associação Académica de Coimbra, Presidente da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra, Dr. Jorge Gomes (formador na área da Guitarra de Coimbra) e Fernando Meireles (construtor de cordofones).
Além da dimensão de júbilo que atravessa esta candidatura, há nela uma mística comovida que não deixa de arrastar "Una furtiva lagrima".
Vale a pena relembrar, a propósito da comoção suscitada pelo canto de Nemorino e da manifestação de Arte que é a Canção de Coimbra, Vergílio Ferreira (1916-1996), escritor que bastamente celebrou e evocou a Guitarra de Coimbra e a Canção de Coimbra na sua volumosa obra literária (Cf. Jorge Costa Lopes, "A paixão da música segundo Vergílio Ferreira", in Das Artes e das Letras. Suplemento de O Primeiro de Janeiro", de 27 de Fevereiro de 2006, pp. 6-12). E Vergílio, honra lhe seja feita, neo-realista que era, não foi apenas um tímido cultor de guitarra e celebrante da CC através da palavra escrita. Detestava a expressão "Fado" aplicada ao contexto cultural conimbricense, preferindo falar em "baladas de Coimbra" (Cf. Vergílio Ferreira, "Do Fado e de outros valores da nossa cultura", in Vértice, Nº 96, Agosto de 1951, pp. 428-430).
Esquecido que andava, solicitei à Dra. Mariberta Carvalhal que me facultasse a citação e ditasse pelo telefone esse belíssimo texto impresso em "Conta Corrente". Aqui fica, ditado com voz outonal, pelas dez da matina de 2ª feira, 16 de Outubro de 2006:
"Maio, 6ª. Ontem à meia noite começaram "oficialmente" os festejos da Queima das Fitas em Coimbra com uma "Serenata Monumental" nas escadas da Sé Velha. Eu sabia e estava à espera na TV. E quando os primeiros acordes das guitarras encheram o espaço do Largo e da minha evocação, lembrei-me de telefonar para o Porto à Mariberta e chamar-lhe a atenção para o acontecimento. E ela disse-me:
-Estou a ouvir. E com uma lágrima no canto do olho.
E eu disse-lhe:
-Também eu. Isto é uma merda.
E desligámos logo para não cairmos telefonicamente nos braços um do outro. Foi uma serenata muito bela. Durou uma hora. O que não foi belo foi uma insónia que apanhei e durou muito mais tempo".
(Vergílio Ferreira, "Conta Corrente", Nova Série, I, Lisboa, Bertrand, 1989, p. 79)*
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* Mariberta Carvalhal, profusamente citada na obra de Vergílio Correia, neta paterna do escritor Álvaro Carvalhal, irmã do guitarrista António Carvalhal, foi colega de curso e amiga do escritor Vergílio Correia. Estreitaram relações quando Vergílio começou a preparar o manuscrito de "O Caminho fica Longe", texto que foi acompanhado e lido criticamente por Mariberta. A aproximação de Vergílio à sua colega Mariberta teve como pretexto uma troca de impressões sobre o valor de uns poemas que uma namoradita e colega de curso do escritor publicou num jornal de Alcobaça. Apesar de assinados com o nome de Maria Imaculada Rebelo, os ditos poemas eram da autoria de Mariberta Carvalhal, a quem Imaculada surripara um caderno manuscrito. Mais grave, num dos sonetos publicados em nome de Imaculada, Mariberta evocava a dolorosa morte de seu pai. Vergílio Ferreira fala muito veladamente de todas estas peripécies no livro "O Caminho fica Longe".
AMNunes

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