quarta-feira, novembro 01, 2006


Textos de João de Deus postos em música
José Anjos de Carvalho
António Manuel Nunes

João de Deus Ramos (1830-1896) nasceu em São Bartolomeu de Messines, Algarve, e faleceu em Lisboa. Boémio indolente, poeta de veia popular e goliarda, João de Deus tocava viola toeira - diz Teófilo Braga que muito bem - e ficou famoso por dar serenatas onde tanto exaltava amores como invectivava lentes do seu desagrado. Alguns desses textos da mocidade estão coligidos no tomo 2 da sua obra poética e bem merecem uma redescoberta.

O reportório em voga no tempo de João de Deus estudante (1849-1860) era constituído por peças de salão muito cultivadas por José Dória, danças e cantares das Fogueiras de São João, reportório de estudantinas e peças goliardas.
Dos temas mais populares merecem referência o "Ladrão", o "Manuel Ceguinho", o "Ai Gabriel", o "Estalado" e a "Giga de Coimbra". No que se refere a cantigas goliardas e báquicos citamos"Torradinhas com Manteiga", "Duzentos Galegos", "Quitollis", "As Freiras de Santa Clara", "Na Venda", a "Maria Cachucha", o "Lundum da Figueira da Foz", o "Preto", "Ao Som da Banza Sebenta", "Diga Diga ai Diga ai Dó", "Tum Tum", "Oh Adro", "Ora Viva a Pândega" e o eterno cativo "Era o vinho meu bem era o vinho".
No que concerna aos espécimes mais usuais nas serenatas espontâneas, contavam-se "Noite Serena", "Fado Atroador", "Fado de Coimbra", "Moreninha", "Choradinho" e "Tricana d'Aldeia".

Diversos poemas de João de Deus foram musicados ainda em vida do poeta, outros post mortem. Nem sempre é possível descortinar com inteiro rigor os nomes dos compositores que se sentiram inspirados ao lerem João de Deus.
Seguidamente damos conta de um arrolamento de textos do poeta que foram musicados, ordenados de acordo com a fixação de títulos e anotações da edição João de Deus, "Campo de Flores", 9ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand, s/d. Segue-se, a título de complementaridade, uma remissão para dispersos do autor.

1 - O BEIJO (Beijo na face): música de H. Vargas, oitocentista, anterior à primeira edição dos poemas coordenada por Teófilo Braga em 1893. Desconhecemos a partitura, caso exista. Não nos foi possível apurar se a composição chegou a ser cultivada em contexto conimbricense. Tomo I, pp., 24-27, da edição citada;
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2 - AMORES, AMORES (Não sou eu tão tola): música de José Dória, feita quando João de Deus ainda residia em Coimbra. É um lundum e encontra-se recolhido no Cancioneiro de César das Neves. Tomo I, pp. 30-31, edição citada;
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3 - FOLHA CAÍDA (Árida palma): música do Prof. Doutor José Mesquita, gravada em disco de 1983 pelo próprio cantor no LP "Coimbra dos Poetas". Tomo I, pp. 34-35, edição citada;
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4 - AGORA (A luz que dá o teu rosto): música de Miguel Ângelo, oitocentista, anterior à primeira edição coordenada por Teófilo Braga. Desconhecemos a existência de eventual partitura. Tomo I, pp. 56-57, obra citada;
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5 - CANTIGAS (Quando vejo a minha amada): música de João Deus Filho, oitocentista, no título “Fado João de Deus”. Melodia impressa no Cancioneiro de César das Neves. Não existe gravação vocal conimbricense. Tomo I, pp. 74-76, op. cit.;
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6 - CANTIGAS (Quando vejo a minha amada): música do Prof. Doutor José Mesquita, no título "Cantiga Romântica", gravada pelo próprio no LP "Coimbra dos Poetas" (1983). Tomo I, pp. 74-76;
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7 - NO TÚMULO (Vai-se a tarde despedindo), música de autor desconhecido, provavelmente oitocentista. Peça gravada em 1929 por Artur Almeida d'Eça com o título “Campo de Flores”. Tomo I, pp. 121-122, op. cit.;
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8 - ADEUS (A ti que em astros desenhei os céus): música de C. Braga, oitocentista, anterior à recolha e coordenação de textos do poeta por Teófilo Braga (1893). Tudo indica tratar-se da canção impressa nos fascículos de melodias cantadas no começo do século XX por Manassés de Lacerda. Não dispomos de dados sobre o compositor, embora admitamos tratar-se de Carlos de Almeida Braga. Relativamente ao autor da música, faltam-nos dados sobre quem seria “C. Braga”. Não é garantido que fosse estudante de Coimbra. A sê-lo, Benjamim do Carmo Braga Júnior, aluno de Direito, oriundo do Brasil, colega do Pad-Zé, afigura-se-nos demasiado tardio quando cotejado com a data da edição da antologia poética de João de Deus. Como tal, colhe mais hipóteses como autor presuntivo Carlos de Almeida Braga, quintanista de Direito no ano lectivo de 1886-1887, co-autor da récita da despedida “A Fonte da Sensaboria”. Tomo I, pp. 228-229, p. cit.;
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9 - SAUDAÇÃO (Senhor, que assim cuidais): música de Alfredo Keil, oitocentista, feita para ser cantada como hino pelos alunos da Escola-Asilo dos Cegos El-Rei D. Luís. Tomo I, p. 362, op. cit.;
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10 – ESTUDAR COM QUEM NÃO SABE: música do próprio João de Deus, feita na década de 1850, para azucrinar um lente da sua embirração. Melodia perdida, aparece referida em Trindade Coelho, “In Illo Tempore”, 5ª edição, Lisboa, Portugália, pp. 209-210;
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11 – HINO DOS ESTUDANTES DO LICEU DE ÉVORA (Seja um céu, terra e mar, vale e serra!): quatro quadras decassilábicas, servindo uma delas de estribilho, musicadas em 1861 por Joaquim Sebastião Limpo Esquível. Esta poesia foi publicada no periódico “Scholastico Eborense”, Nº 5, 1º de Dezembro de 1861. Existe partitura no site do antigo Liceu de Évora. O “Hino” ainda é tocado pela Tuna do antigo Liceu de Évora, sendo ouvido de pé na abertura dos saraus. Menos antigo do que o Hino Académico de Coimbra (José Cristiano Medeiros, 1853), surgiu antes do Novo Hino Académico de Coimbra (Oh vós, que sois sempre nobres), música de A. X. S. M., letra de José Nunes da Ponte (formatura em Medicina em 1879);
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12 – SUSPIRO D’ALMA (Suspiro que nasce d’alma): música de Ângelo Vieira de Araújo feita na década de 1940, sobre letra de Almeida Garrett, com gravação de António de Almeida Santos. Esta melodia foi trauteada no filme “Capas Negras” (1947) por Amália Rodrigues, com uma quadra de João de Deus (A rosa que tu me deste), quadra essa que também se ouvia em vozes estudantis nas serenatas da Emissora Nacional;
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13 - AMORES; AMORES (Não sou tão tola): música de José Viana da Mota, editada na brochura "Cinco Canções Portuguezas. Canto e Piano", Lisboa, Sassetti, 1ª edição de 1895. Consultámos a 12ª edição, em fotocópia cedida pelo Sr. António Fernandes, do Grupo Folclórico do Porto;
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14 - LEMBRAS-ME (Se ao enlaçá-la no peito): música de António Rodrigues Viana, editada na brochura "Canções Portuguezas. IV Série. Versos de Poetas Portugueses", Edição do Autor, sem data;
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15 - AROMA E AVE (Eu digo, quando assoma): música de António Rodrigues Viana, editada na antologia "Canções Portuguezas. Versos escolhidos de poetas portuguezes", Belgique, Imprimerie de Musique des Flandres A. de Vestel, sem data (anterior a 1910);
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16 - A VIDA: música da Condessa de Proença-a-Velha, publicada em "Os Nossos Poetas. Melodias Portuguezas", Volume I, Lisboa, 1902. Não conseguimos localizar esta publicação que vem citada pela própria autora no Volume II, editado em 1934;
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17 - NOITE SERENA (Vem meu anjo que eu não posso): música de José Dória, feita na década de 1850, impressa no Cancioneiro de César das Neves. Embora tendo letra própria, esta melodia na sua versão vulgar chegou a incorporar uma quadra solta de João de Deus (Nestas águas do Mondego/Se pode a gente mirar...).

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