domingo, dezembro 24, 2006

REGRESSO À ESTRADA: Viagem ao Mundo das Casacas Académicas - O Institut de France (II)

1.

2.















3.

4.




5.



6.





Legenda: 1. Hélène Carrère d'Encausse, notável historiadora (sovietóloga, por excelência), secretária perpétua da Académie Française, lente jubilada do Collège de France (ao centro), e Pierre Messmer, chanceler do Institut, antigo Ministro da Defesa em governos do General De Gaulle (anos 60) e depois primeiro-ministro de Georges Pompidou - 1972-1974 (à dir.). 2. Pierre Messmer recebendo, na «rentrée» académica de 2004 (Outubro), o então primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin (ao centro) e o então Presidente do Senado Christian Poncelet (à dir.). 3. Os membros da Académie Française (2004). 4. Jean-François Revel (1924-2006), membro da Académie Française. 5. Entrada da Bibliothèque de l'Institut. 6. Um académico já devidamente ataviado, dando, por certo, os últimos retoques na intervenção que irá proferir.
Fontes (para este post e para o anterior):
Bibliografia (para este post e para o anterior): DAMIEN (André), Institut (L') de France, Paris, PUF, 1999 (coll. «Que sais-je ?», n.º 3454); Histoire des cinq académies, Paris, Perrin, 1995; MARÈS (Antoine), Institut (L') de France, Paris, Gallimard, 1985; Remise à M. Carlrichard Bruhl de son epée d'académicien, Paris, 1991.
Breve comentário: As circunstâncias bonapartísticas em que o Institut nasce e ganha a sua primeira forma explicam a precoce sensação da necessidade de um traje («costume», «tenue»), «farda», «uniforme», que diferençasse os «immortels» do "comum dos mortais". Um despacho de Napoleão Bonaparte de 13 de Maio de 1801 estabeleceu pela primeira vez um «habit» para os membros do Institut. O traje foi tomando forma ao longo de Oitocentos, cedo se tornando conhecido por habit vert, dada a importância do verde no conjunto. Olhando as imagens actuais, vemos que na realidade se trata de uma casaca azul-noite com debruado integral (incluindo os galões da calça e os canhões das mangas) em folheado na cor verde-dourado. Usa-se com colarinhos de cerimónia e laço branco. Compreendeu outrora uma capa na mesma cor da casaca, à qual se sobrepunha, apertando com um par de alamares; caiu em desuso aí de finais da década de 80 para cá. Em compensação, mantém-se a espada - hoje potencialmente uma obra de ourivesaria onde o gosto do académico e do artista que a conceber e executar bem podem deixar uma marca de individualidade (ficou célebre a de Jean Cocteau - 1889-1963 -, académico desde 1955) - e o chapéu bicorne. O habit vert associa-se frequentemente ao uso de condecorações. O conjunto mantém um inequívoco aspecto de primeiro século XIX.
E vou para uma questão final. O habit vert é considerado um «uniforme». E fala-se correntemente de fardas académicas; mas um dos historiadores citados (André DAMIEN) estabelece muito justamente a diferença em relação às togas de juízes, advogados e professores. E onde a diferença ? A resposta seria longa e requereria por certo mais amplas bases no domínio da História do Traje e da Sociologia do vestir. Mas creio que a diferença passa pela base normativa estrita de um traje como o do Institut de France (e da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de História - quando os tiveram - and so on). Face a esse «normativismo» de princípio, o utente não tem muita margem para a introdução de individualismos no trajar (ressalve-se o referido exemplo da espada). E não será essa, no fundo, uma característica de todos os uniformes ? Pensemos no universo militar; pensemos no universo da Função Pública (e mesmo de empresas privadas), quando qualquer porteiro ou «contínuo» dispunha de uma farda - normalmente azul-escura no Outono-Inverno, cinzenta-clara na Primavera-Verão, em qualquer dos casos com botões de metal amarelo, galões que poderiam indicar hierarquias e a usar com camisa branca e gravata preta -, ficando para pessoal técnico (v.g. laboratorial), para o pessoal auxiliar («serventes») e para auxiliares de limpeza a utilização de batas, de modelos também padronizados. Onde isto vai, na maior parte dos casos... O que hoje temos às vezes é o uso de fatos e tailleurs de modelo único, não raro - se a Empresa ou Serviço é do top - saídos do design de estilista de renome...
Pense-se agora em trajes de mestres universitários, de clérigos ou de homens de Leis. Pode haver também uma base normativa. Mas no uso concreto o gosto de cada um tem bem mais lata margem para se expressar, v.g., no uso ou não de chapéu, no uso ou não de gravata/laço branca(o), no uso ou não de luvas, no uso ou não de insígnias (doutorais ou de função) em momentos solenes, etc.
Se passarmos a um traje como, entre nós, a capa-e-batina estudantil, damo-nos conta de que ela não deixou de seguir a moda: da «loba» oitocentista e outras formas ainda muito marcadas pela origem eclesiástica, à sobrecasaca em que se transformou em Novecentos. Mas também, conforme os tempos e as modas, as bandas de cetim puderam ser simples ou de bico; a abotoadura simples ou de carcela; o colete - de que em princípio se proscreveu a versão «de cerimónia», i.e., com bandas; mas houve quem a usasse e até, nos anos 20, em cores outras que não o preto - não seria obrigatório se não se quisesse estar «na praxe»; a gravata pôde coexistir com o laço (conforme não só a maior ou menor "cerimónia" mas também o gosto pessoal); um certo tipo de gravata de malha de lã que periodicamente aparece / desaparece / reaparece teve bastante voga, por exemplo, nos anos 60; usou-se o traje com camisas de colarinho de ponta abotoada; a calça usou-se com e sem dobra, a cair direita, a estreitar e a alargar («boca de sino»); os sapatos com atacadores cederam o passo, em múltiplas ocasiões, a sapatos de pala, «mocassins», etc. (sem falar já de botas ou botins, que vários «Códigos da Praxe» explicitamente têm banido).
Creio que são circunstâncias como estas a distinguir a «casaca» de um académico do traje de um lente - ou de um escolar - de um Studium Generale; mas a questão será por certo mais longa e propiciatória de troca de pontos de vista. E, para tanto, um blog como este é terreno de eleição.
Post-Scriptum: Referi-me aí atrás ao General Charles de Gaulle (1890-1970), cuja fortíssima personalidade de militar, resistente e político - fundador da V República (1958) e seu primeiro Presidente (1959-1969) - é bem conhecida. Num dado momento da década de 60 o general esteve doente e teve que ser submetido a uma intervenção cirúrgica. Restabelecido, foi colocar flores no altar-mor da catedral de Notre Dame, perante Cristo crucificado. Tudo isto aconteceu mesmo. Agora começa a anedota: que deveria escrever no cartão que acompanhasse as flores ? Algo que, por certo, lhe não diminuísse o «status»... Após muito pensar, assentou na seguinte fórmula:
- Do Primeiro Homem da França à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade...
Armando Luís de Carvalho HOMEM

relojes web gratis