terça-feira, dezembro 13, 2005

RELAÇÃO DO ESPÓLIO FONOGRÁFICO DO CANTOR ALMEIDA D’EÇA
Por José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

I – Notas Biográficas
Artur Maria Santos de Moura Coutinho Almeida d’Eça nasceu em Lisboa, no dia 03 de Setembro de 1902, tendo falecido no Porto a 29 de Junho de 1958. Após ter frequentado o Liceu de Leiria, matriculou-se na Faculdade de Ciências da UC no ano lectivo de 1921-1922, instituição que frequentou pelo menos até cerca de 1933, sem concluir o respectivo curso. Foi funcionário dos Caminhos de Ferro.
Almeida d’Eça destacou-se como solista do naipe dos barítonos do Orfeon Elias de Aguiar na década de 1920 e, inclusive, Director daquele coral, tendo participado na digressão do Orfeon a Paris, realizada em Junho de 1924 sob a regência do Dr. António Avelino Joyce (1886-1964), e, como Delegado do Orfeon, na visita a Valladolid, Bilbau, Santander e S. Sebastian. De assinalar que há um solo cantado por Almeida d’Eça num dos dois discos de 78 rpm gravados pelo Orfeon Académico de Coimbra, na 2ª parte da rapsódia Cantares da Nossa Terra, de António Joyce (Disco His Master’s Voice, E.Q. 71, master 7-69277). Almeida d’Eça foi ainda sócio do Fado Académico de Coimbra, agremiação fundada em 1930, tendo pertencido aos respectivos órgãos directivos em 1933.
Almeida d’Eça gravou em finais de 1929, para a POLYDOR, pelo menos cinco discos de 78 rpm, acompanhado exclusivamente em Guitarra de Coimbra de 17 trastos por Albano de Noronha e Afonso de Sousa. Porém, tudo nos leva a crer que tenham sido gravados, e editados, mais dois discos (eventualmente três), salvo se algum desses dois discos não entrou no circuito comercial, tal como aconteceu em muitos outros casos no final da década de 20.
Com base em depoimentos de Afonso de Sousa, sabemos que existe pelo menos mais um disco, onde figura uma composição intitulada “Pequenina”, gravada por Almeida d’Eça, cujas música e letra seriam de sua autoria, reminiscência dum idílio leiriense que depois se esvaneceu. Ainda segundo Afonso de Sousa existiria também um disco de Almeida d’Eça com o Fado Rezende. Só não sabemos se estas duas composições pertencem ou não ao mesmo disco e respectivos números de catálogo. Confrontando o material sonoro disponível, admitimos que Afonso de Sousa possa ter feito alguma confusão ao designar por “FADO REZENDE” (Ao morrer os olhos dizem) o tema “ FADO” (Eu tenho tanto cuidado), gravado por Almeida d’Eça, o qual tem também música de Alexandre Rezende (cuja melodia é igual a INQUIETAÇÃO na gravação E. Bettencourt). De facto, Afonso de Sousa não guardou na sua fonoteca pessoal exemplares completos de todos os discos que gravou em 1929 com Almeida d’Eça.
Os outros dois temas que Almeida d’Eça teria gravado seriam “OS POBREZINHOS” (ou o “FADO DOS POBREZINHOS”), e o “Fado das Andorinhas”, composição esta cuja autoria, música e letra, Alberto Sousa Lamy erradamente atribui a Almeida d’Eça, tal como também lhe atribui erradamente a autoria da canção “NOSSA SENHORA DE VAGOS” (Cf. “A Academia de Coimbra. 1537-1990”, Lisboa, Rei dos Livros, 1990, pág. 734). Admitimos que o tema gravado por Almeida d’Eça seja o “Fado das Andorinhas” (Porque os meus olhos se apartem), de Paradela de Oliveira (disco His Master’s Voice, E.Q. 174, gravado em 1928), ou então, o “Fado das Andorinhas” (Vai alta a noite e a Lua), gravado no “estilo Manassés de Lacerda” por António Ferreira em 1910 (disco Zonophone, X 52467 e disco Gramophone, 3-62343).
Postas as coisas nestes termos e tendo em conta o material sonoro disponível, se Afonso de Sousa, ao referir-se ao “FADO REZENDE”, tinha em mente o disco de Almeida d’Eça P 42138, que contém o tema de Alexandre Rezende intitulado “FADO” (Eu tenho tanto cuidado), cuja melodia é como se disse igual a “INQUIETAÇÃO” (Quanto mais foges de mim), gravado por Edmundo Bettencourt, então a designação dada por Afonso de Sousa ao disco P 42183 não foi apropriada e pode induzir-nos em erro.
Se, pelo contrário, Afonso de Sousa não se referia ao disco P 42138 mas concretamente ao vulgar “FADO REZENDE” (Ao morrer os olhos dizem), então o barítono Almeida d’Eça teria gravado ainda mais um disco desconhecido e, em vez de dois possíveis discos omissos, seriam eventualmente três, num total de seis peças:
-“PEQUENINA”, cuja música e letra desconhecemos;
-“FADO REZENDE” (Ao morrer os olhos dizem), não se sabendo se gravou a letra vulgar ou outra mais ao gosto do cantor;
-“OS POBREZINHOS”, ou o “FADO DOS POBREZINHOS”, cuja música e letra não temos a certeza de conhecer;
-“FADO DAS ANDORINHAS”, cuja música e letra seriam uma das duas anteriormente indicadas;
-TÍTULO DESCONHECIDO, que tem como incipit “Dizem que o bem se conhece”, desconhecendo-se inteiramente mais dados sobre esta obra;
-TÍTULO DESCONHECIDO, obra a considerar nos perdidos e achados caso faltem três discos no total das gravações de Almeida d’Eça;
A serem efectivamente três os discos em falta, o número de catálogo que se nos afigura mais provável para um terceiro disco desaparecido será POLYDOR P 42141 e, em caso negativo, opinamos que seria o POLYDOR P 42125.

II - DISCOGRAFIA

Disco Polydor, P 42127
42127 – Fado do Mar (As ilusões que me perseguem)
42128 – Eterna Canção (Olho as nuvens doiradas pelos ares)

Disco Polydor, P 42129
42129 – (dados desconhecidos)
42130 – (dados desconhecidos)

Disco Polydor, P 42131
42131 – Fado das Penas (Já fui lavar ao Mondego)
42132 – Velho Tema (Quando passaste a meu lado)

Disco Polydor, P 42133
42133 – (dados desconhecidos)
42134 – (dados desconhecidos)

Disco Polydor, P 42135
42135 – Campo de Flores (Vai-se a tarde despedindo)
42136 – Desalento (Quando eu morrer, rosas brancas)

Disco Polydor, P 42137
42137 – Raparigas (Prender cedo o coração)=Fado Serenata (Saudades, ai as saudades)
42138 – Fado (Eu tenho tanto cuidado)=Inquietação (Quanto mais foges de mim)

Disco Polydor, P 42139
42139 – Nossa Senhora de Vagos (Nossa Senhora de Vagos)
42140 – Adeus a Coimbra (Coimbra da Rainha Santa)


III – LETRAS CANTADAS

FADO DO MAR (As ilusões que me perseguem)
Música: D. José Pais de Almeida e Silva (1899-1968)
Letra: 1ª e 2ª quadras populares
Edição musical: Desconhecemos a sua existência

I
As ilusões que me perseguem
No mar me fazem lembrar
As ondas, quanto mais crescem
Espumam mais ao quebrar.

II
As ilusões que me perseguem
Nesta praia à beira-mar
São tal e qual como as ondas,
Na praia vão acabar.

Informação complementar:
Composição musical estrófica da 1ª metade de década de 1920. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e bisa-se. Tema gravado por Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra, e só à guitarra, por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42.127, master 42127); no disco indicam-se as autorias e os nomes dos instrumentistas. Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil. Matriz recuperada a partir de um exemplar pertencente à colecção do guitarrista António Carvalhal.

ETERNA CANÇÃO (Olho as nuvens doiradas pelos ares)
Música: António Rodrigues Viana (1868-1951)
Letra: Júlio Dantas (1876-1962)
Edição musical: inserta em Canções Portuguesas, de António Viana

Olho as nuvens doiradas pelos ares,
Breves como a ventura que perdi...
Olho estrelas dos céus, ondas dos mares,
E só te vejo a ti!...

II
Oiço os campos, onde a água é um lamento,
E a voz d’oiro das aves, canta e ri...
Oiço uivar os pinhais, gemer o vento,
E só te escuto a ti!...

III
Tudo, nuvens, estrelas, céu profundo,
Tudo se me turvou quando te vi...
E, não hás-de ser tu todo o meu mundo,
Se eu só te adoro a ti!...

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se o último verso. Canção de inícios do século XX, gravada por Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra, e só à guitarra, por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42.127, master 42128). No disco indicam-se as autorias e os nomes dos instrumentistas. No entanto, verifica-se confusão na etiqueta pois o nome indicado para o letrista é o Conde de Monsaraz, quando a correcta autoria pertence a Júlio Dantas. Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
A letra e música encontram-se insertas em “Canções Portuguezas, Dr. António Viana”, Impremerie de Musique des Flandres, A. De Vestel, Grand (Belgique), propriedade registada do autor, edição musical do 1º quartel do século XX. A letra manuscrita encontra-se num postal reproduzido na obra “Portugal Século XX – 1910-1920 – Crónica de Imagens”, de Joaquim Vieira, edição do Circulo de Leitores, 1999, pág. 153. Esta canção, hoje esquecida, foi recuperada a partir de um disco existente na colação particular do guitarrista António Carvalhal.

FADO DAS PENAS (Já fui lavar ao Mondego)
Música: José da Silva Ramos
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de Lucas Junot (1902-1968)
Edição musical: desconhecemos a sua existência

I
Já fui lavar ao Mondego
As penas das minhas mágoas…
Tão negras eram as penas
Que deixei negras as águas.

II
Mondego – Rio da mágoa...
Onde a mágoa é água santa,
Onde a Santa deita rosas
Tão formosas, a quem canta.

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Tema gravado por Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42131, master 42131). Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
No disco vem a indicação da música ser do Dr. Silva Ramos e a letra ser popular. Contudo a 2ª quadra «Mondego, rio da mágoa» é do Dr. Lucas Junot, extraída do poemeto “Recordando”, dedicado por Lucas Junot a sua irmã Lucília (“Cantos Outonais”, edição póstuma, Santos, 1977, págs. 18 e 19). A 1ª copla, com poucas modificações foi posteriormente incorporada por Carlos Figueiredo na obra “O Sol anda lá no Céu”.
Não confundir esta composição com “Fado das Minhas Penas”, melodia de Fernando Machado Soares gravada por António Sutil Roque.

VELHO TEMA (Quando passaste a meu lado)
Música: autor desconhecido
Letra: autor desconhecido
Edição musical: Desconhecemos a sua existência

I
Quando passaste a meu lado,
Teu olhar foi disfarçado,
Puseste os olhos no chão;
Eu sei que tu tens amores
E sofres as mesmas penas
Que eu tenho no coração.

II
Quando passei a teu lado,
Meu olhar foi desprezado,
Teu sorriso contrafeito;
Fiquei sabendo, afinal,
Que sofres do mesmo mal
Que eu trago dentro do peito.

Informação complementar:
Composição musical estrófica em sextilhas, proveniente do século XIX (?). Canta-se o 1º terceto, repete-se, canta-se o 2º e repete-se. Tema gravado por Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (disco Polydor, P 42131, master 42132). No disco vem a indicação da música e da letra serem populares, menção que se nos afigura mais do que duvidosa. A letra nada tem de “popular”, e o mesmo se poderá dizer da melodia, apontando quer uma quer outra para as cançonetas de salão em voga no Período Romântico.
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.

CAMPO DE FLORES (Vai-se a tarde despedindo)
Música: autor desconhecido
Letra: João de Deus Ramos (1854)
Edição musical: Desconhecemos a sua existência

I
Vai-se a tarde despedindo,
Vai fugindo,
Vai levando a luz do céu…
Vem-se a noite aproximando,
Desdobrando,
Desdobrando o negro véu.

II
Horas são. Desce ó mistério,
Vulto aéreo,
Mistério do meu amor!
Desce, desce aérea sombra,
Já não me assombra
Teu fantasma encantador.

Informação complementar:
Composição musical estrófica em sextilhas. Canta-se o 1º terceto, repete-se, canta-se o 2º e bisa-se. Canção do Período Romântico oitocentista gravado por Artur Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42135, master P 42135). No disco vêm as indicações de música “popular” e de letra feita pelo poeta e serenateiro João de Deus Ramos (1830-1896).
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil. Desconhecemos se mais alguém gravou esta composição. Almeida D’Eça não respeita inteiramente a letra original da 2ª estrofe, letra essa que na nossa transcrição obedece à versão original. Eça interpreta a 1ª e a 2ª estrofes do poema “NO TÚMULO”, escrito no ano de 1854 em Faro e dedicado por João de Deus a seu irmão José Espírito Santo. Ao todo, o poema comportava sete sextilhas. Embora sem indicações sobre o autor da melodia, não será de afastar a hipótese de ter sido alinhavada pelo próprio João de Deus na fase coimbrã.

DESALENTO (Quando eu morrer, rosas brancas)
Música: Afonso de Sousa (1906-1993)
Letra: Afonso de Sousa
Edição musical: Desconhecemos a sua existência.

I
Quando eu morrer, rosas brancas
Para mim ninguém as corte!
Quem as não teve na vida,
De que lhe servem na morte?

II
Se eu morrer deixa o caminho
Que à minha campa conduz!
Não quero ver o remorso
A chorar juntinho à cruz!

Informação complementar:
Composição musical estrófica feita por Afonso de Sousa em finais de 1928. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se o 1º.
Espécime gravado pela primeira vez por Artur Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42135, master P 42136).
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil, nem recuperada pelos cantores de Coimbra.
A letra que se transcreve corresponde ao original de Afonso de Sousa, assim como o título (Cf. livro de memórias de Afonso de Sousa, “Ronda pelo Passado”, Coimbra Editora, 1989, pág. 56), assim figurando na respectiva matriz fonográfica. A letra, de teor mórbido e cemiterial, não sendo contraditória com a personalidade do autor, afasta-se um pouco da boa disposição e do optimismo que lhe eram habitualmente reconhecidos. “DESALENTO” costuma ocorrer na discografia mais vulgar confundido com uma melodia diferente, cuja letra tem semelhanças, “ROSAS BRANCAS”. Em “Rosas Brancas”, cuja autoria oscila entre o de “popular”, “D. R.”, “Afonso de Sousa”, “Manuel Raposo Marques” e “Armando do Carmo Goes”, interpreta-se como 1ª copla a 1ª de Afonso de Sousa, mas estropiada. E a título de 2ª, esta igualmente mórbida, cuja autoria desconhecemos:

Quando eu morrer, nem sequer,
Na campa, uma cruz erguida!
Para calvário já basta
A cruz que levo na vida!

“Rosas Brancas”, cronologicamente posterior a “Desalento”, tem como autor presuntivo mais forte Armando do Carmo Goes, que teria composto o tema em meados da década de 1930. A Afonso de Sousa se fica a dever a confusão entre as duas composições distintas, quando em “O Canto e a Guitarra”, pág. 16, escreve que o seu “Desalento” foi gravado na década de 1960 por António Bernardino. Ora a composição gravada por António Bernardino não é “Desalento” mas sim “Rosas Brancas”. Em comum as duas melodias apenas partilham uma quadra de Afonso de Sousa.
Compact discs mais conhecidos onde ocorrem as confusões autorais:
CD Almeida Santos – Coimbra no Outono da Voz, edição de Março de 2002;
CD Fernando Machado Soares, Philips, 383-108-2, compilação de gravações de 1986 e 1988;
CD Nº 30/Clássicos da Renascença, Movieplay, MOV 30.030, editado em 2000 (canta António Bernardino);
CD Frederico Vinagre – Eternos Fados de Coimbra, Metro-Som, CD 101, editado em 2000;
CD Fados de Coimbra – Nº 45/O Melhor dos Melhores, Movieplay, MM 37.045, editado em 1994 (António Bernardino);
CD Fados e Baladas de Coimbra – Coimbra tem mais encanto, Vidisco, 11.80.1304, editado em 1991 (J. Tavares Fortuna);
CD A nossa Selecção de Fados, Baladas e Guitarradas de Coimbra, Discossete, 1172-2, disco 1, editado em 1997 (Grupo de Fados da Universidade do Porto).
CD “Coimbra de Sempre”, Lisboa, Discossete, CD 971000, ano de 1993, faixa nº 9. Canta Raul Dinis acompanhado por António Ralha/Jorge Gomes (gg) e Manuel Dourado (v). Indica-se como título “Desalento”, mas a gravação corresponde a “Rosas Brancas”.
CD “Balada das Capas Negras”, Espacial 3200097, ano de 1995, faixa nº 4. Canta João Robalo, acompanhado por Fernando Monteiro/António Lopes (gg) e Nuno Figueiredo/Luís Santos (vv).

RAPARIGAS (Prender cedo o coração)
(FADO SERENATA)
Música: popular
Letra: 1ª e 2ª quadra populares
Edição musical: Desconhecemos a sua existência

I
Prender cedo o coração,
Ir atrás do sentimento,
Traz muita desilusão
Raparigas do meu tempo.

II
Raparigas, raparigas,
Maganas dos meus desejos,
Dai-me beijos por cantigas
Que eu dou cantigas por beijos.

Informação complementar:
Composição musical estrófica singela, muito antiga, seguramente oriunda das décadas de 1840-1850. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e bisa-se.
Espécime gravado por Artur Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado exclusivamente à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (disco Polydor, P 42137, master 42137). No disco vem a indicação de a música e a letra serem populares e, como título, apenas e só “RAPARIGAS” mas o designativo que se vulgarizou foi o de “Fado das Raparigas”.
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
A actriz Adelina Fernandes terá aprendido esta melodia com António Menano, e dela efectuou uma gravação na década de 20, só com acompanhamento de guitarras, disco ODEON, 136273, Og 543, sob o título FADO DAS RAPARIGAS. Canta três quadras, a primeira das quais é esta segunda, “Raparigas, raparigas”. Segue-se uma outra também popular:

Saudades, tenho saudades
Quem me dera não as ter
Só quem tem saudades sabe
O que elas fazem sofrer.”

E finaliza com uma conhecida quadra do antigo estudante João Maria da Silva de Lebre e Lima (Porto, 1889; México, 1959) que António Menano integrara em “Fado do Choupal”:

O Choupal anda, coitado,
Num triste desassossego
Por ter morrido afogado
Um rouxinol no Mondego.

A mesma melodia foi gravada no decurso dos anos 20 por António Menano, com o título de “FADO SERENATA” e a seguinte letra popular:

Saudades, ai as saudades,
Quem me dera não as ter!
(Ai) Só quem tem saudades sabe
O que elas fazem sofrer.

Tenho tantas saudades
Como folhas tem o trigo;
(Ai) Não as conto a ninguém,
Todas consumo comigo.

António Menano gravou esta melodia em Paris, no mês de Maio de 1927 (Discos ODEON, 136.812 e A136.812 - Og 584), acompanhado à guitarra de Coimbra em afinação natural por Flávio Rodrigues da Silva, e em violão aço por Augusto da Silva Louro. Matriz disponível em vinil (Album de Fados de Coimbra – António Menano, Vol. I, disco 1, EMI-VC 2605983, editado em 1985) e em cassete; também em compact disc: Heritage HT CD 31, da Interstate Music, editado em 1995; Arquivos do Fado/Tradisom, Vol. V, TRAD 012, editado em 1995; CD António Menano – Fados, EMI-VC 7243 8 34618 2 0, editado em 1995
A versão Menano veio a ser gravada por Fernando Rolim, com o título adulterado para SAUDADES AI Ó SAUDADES, e a seguinte letra: “Saudades, ai ó saudades,/Quem me dera não as ter…/Só quem tem saudades sabe/O que elas fazem sofrer”.; “Raparigas, raparigas,/Maganas dos meus desejos,/Dai-me beijos por cantigas/Que eu dou cantigas por beijos”. Gravado em 1960 por Fernando Rolim, acompanhado por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Mário de Castro (EP Música de Portugal, Parlophone, LMEP 1029).
A versão Adelina Fernandes veio a ser gravada, sob o título “Raparigas”, por Janita Salomé, em 1980, acompanhado à guitarra por Octávio Sérgio e Pedro Caldeira Cabral, e à viola, por Durval Moreirinhas. O LP da editora Orfeu resultante da gravação foi reeditado em compact disc em 1993 (CD Janita Salomé – Melro, Movieplay, MP 13.001, editado em 1993); nele figura erradamente a indicação de a música e a letra serem de António Menano. As quadras cantadas por Janita Salomé são as duas primeiras do disco de Adelina Fernandes.
Alcides Cruz, do Grupo de Fados e Canção Sons de Coimbra, interpreta uma versão banal da matriz Adelina Fernandes/Fernando Rolim/Janita Salomé, no CD “Recordações”, Pombal, Discotoni, CD. 131, ano de 2002, faixa nº 9, acompanhado por Francisco Dias/José dos Santos Paulo (gg) e Victor Morgado (v). Como autorias referem-se “popular/António Menano”, não se percebendo se o que se pretende atribuir a Menano é a letra ou música. Em todo o caso, letra e música já existiam antes de António Menano nascer.

FADO (Eu tenho tanto cuidado).
Música: Alexandre de Rezende
Letra: Armando do Carmo Goes
Edição musical: Desconhecemos a sua existência.

I
Eu tenho tanto cuidado
Em guardar o teu amor
Que nem sei se é pecado
Guardá-lo mais e melhor.

II
Deixa-me olhar os teus olhos
Que são a vida dos meus,
Nesta vida só de abrolhos
Nos teus olhos vejo o céu.

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se o 4º verso. Tema gravado por Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado exclusivamente à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (disco Polydor, P. 42137, master P 42137). O disco traz a indicação de ser música de Alexandre de Rezende e a letra de Armando Goes.
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
Vários cantores de Coimbra gravaram esta melodia de Alexandre de Rezende, cujos títulos e respectiva letra variam de uns para outros.
Exemplos mais conhecidos:
C. 1920-25, Fado da Mágoa (A minha tristeza é tanta), gravado por José Carvalho de Oliveira;
Em 1926, Fado de Coimbra N.º 4 (Ceifeira que andas à calma), gravado por António Marques Batoque;
Em 1927, Um Fado de Coimbra (És linda, mas... foras feia), gravado por José Paradela de Oliveira;
Em 1928, Fado dos Namorados (Não digas não, dize sim), gravado por António Paulo Menano;
Em 1928, Inquietação (Quanto mais foges de mim), gravado por Edmundo Alberto Bettencourt;
Em 1929, Fado (Eu tenho tanto cuidado), gravado por Artur Almeida d’Eça;
Em 1981, Inquietação (És linda… se foras feia), gravado por José Afonso.

NOSSA SENHORA DE VAGOS (Nossa Senhora de Vagos)
Música: D. José Pais de Almeida e Silva
Letra: 1ª e 2ª quadras populares
Edição musical: Desconhecemos a sua existência.

I
Nossa Senhora de Vagos
Capelinha à beira-mar,
Tende dó dos navegantes
Que vão p’ró mar a pescar.

II
Ficam em terra, Senhora,
Muitas almas a rezar;
Nossa Senhora de Vagos
Fazei que voltem do mar.

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Cada verso canta-se e bisa-se seguidamente.
Tema gravado pela primeira vez por Artur Almeida d’Eça, em 1929, acompanhado exclusivamente à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42139, master P 42139). Esta canção pertencia ao repertório do Orfeon de Vagos, que D. José Pais fundou e regeu. Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
Tema gravado por José Mesquita, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe Roxo Ferreira (Álbum Tempo(s) de Coimbra, Movimagens, 2603833, editado em 1984). Disponível em compact disc:
CD Álbum Tempo(s) de Coimbra, EMI-VC 0777 7 99607 2 9, editado em 1992 e 1995.
No dito álbum vem incorrectamente a indicação de a música e a letra serem da autoria de Artur Almeida d’Eça, erro que é frequentemente cometido, atribuindo-se a autoria da música e da letra ao cantor que primeiro gravou. José Mesquita estropia a 1ª quadra.

ADEUS A COIMBRA (Coimbra da Rainha Santa)
Música: D. José Pais de Almeida e Silva
Letra: 1ª e 2ª quadras populares
Edição musical: Desconhecemos a sua existência.

I
Coimbra da Rainha Santa,
De Santa Clara e Choupal…
Coimbra que o povo canta,
Coração de Portugal.

II
Coimbra dos dois Penedos
Saudade e Meditação,
Partindo, levar-te-ei,
Coimbra, no coração

Informação complementar:
Composição musical estrófica. Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Tema gravado pela primeira vez por Artur Almeida d’Eça, em 1929 acompanhado exclusivamente à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco Polydor, P 42139, master P42140).
Até à presente data, a referida gravação ainda não foi vertida em compact disc, nem em vinil.
Desconhecemos se mais alguém gravou esta composição.
A música e a letra desta composição nada têm a ver com “Adeus a Coimbra” (Quando em noites de luar), música e letra de Edmundo Bettencourt, divulgado por Augusto Camacho Vieira. Também não deve confundir-se com um solo de guitarra, com o mesmo título, gravado na década de 1920 por José Parente (“Adeus Coimbra”, 78 rpm His Master’s Voice E. Q. 162, gravado em Lisboa, a 19/10/1928, com violão aço por Abel Negrão).

IV – DISCOS PERDIDOS

FADO DAS ANDORINHAS
O “Fado das Andorinhas”, de Paradela de Oliveira anda erradamente atribuído a Almeida d’Eça na discografia coimbrã. Infelizmente não conseguimos apurar se efectivamente Almeida gravou ou não esta composição. Com este título, mas obedecendo a cronologias, letras e melodias diversas, conhecemos duas obras distintas, das quais damos notícia:

A – FADO DAS ANDORINHAS
Música: atribuível a Manassés de Lacerda Ferreira Botelho
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de José Nunes da Ponte; 3ª quadra popular; 4ª quadra de autor desconhecido
Incipit: Vai alta a noite, e a lua
Origem: Porto?
Data: ca. 1904-1906

(Ai2) Vai alta a noite, e a Lua
Brilha no céu de safira;
Quem tem amores não dorme
Mais que a guitarra prefira.

(Ai2) Amor é um sonho que mata,
Sorriso que desfalece,
Madeixa que se desata,
Perfume que se esvaece.

(Ai2) Todas as noites, criança,
Vou sentar-me à tua porta
Desfolhar goivos na campa
Duma esp’rança já morta.

(Ai2) Guitarra, guitarra bela,
Eu venho chorar contigo;
Sinto mais suave o pranto
Quando alguém chora comigo.

Canta-se o 1º dístico, repete-se e canta-se o 2º, sem o repetir.
Informação complementar:
Serenata gravada pelo tenor António Ferreira, em 1910, na cidade do Porto (Disco de 78 rpm Zonophone, X-52467, disco que custava 100 réis em 1911). “Fado das Andorinhas”, em compasso 4/4 e tom de Fá Maior deve pertencer ao ciclo das derradeiras composições de Manassés, não constando em nenhuma das três séries do seu repertório impresso. A 3ª copla pertencia ao “Fado Novo Mouzão”, da autoria do fadista e guitarrista portuense António Mouzão.

B - FADO DAS ANDORINHAS
Música: José Paradela de Oliveira, dedicada “Ao Dr. Paulo de Sá”
Letra: José Paradela de Oliveira e João Carlos Celestino Pereira Gomes
Incipit: Porque os meus olhos se apartem
Origem: Coimbra
Data: ca. 1926-1927

Porque os meus olhos se apartem
Dos teus, não lhes queiras mal
Que as andorinhas que partem
Voltam ao mesmo beiral.

Eu hei-de voltar um dia...
Eu sou como as andorinhas,
Se as tuas saudades forem
Bater à porta das minhas...

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição editada pela casa Sassetti & Cª. Rua do Carmo 56, Lisboa, com capa de Stuart de Carvalhais. A dita edição é dedicada pelo autor a Paulo de Sá, guitarrista e compositor que havia acompanhado Paradela ao Brasil no Verão de 1925.
Paradela de Oliveira gravou a primeira versão deste tema em Lisboa, 28 de Outubro de 1928, acompanhado por Francisco da Silveira Morais/António Dias, no His Master’s Voice EQ 174. Desta matriz correu nos EUA o fonograma Victor 33010. Seguiu-se o cantor António Sutil Roque em 1958, indicando erradamente como autor Artur Almeida d’Eça. Em meados de Outubro de 1960 Paradela de Oliveira gravou a versão definitiva em Madrid (algo modificada em relação à primitiva), acompanhado à guitarra por João Bagão e José Amaral e à viola por Arménio Silva (EP PHILIPS, 431 901 PE de 45 rpm, sob o título “Saudades de Coimbra Nº 1”). No disco constam as autorias. Reeditado em Angola pela Lusolanda; também em LP: Fontana, 6482 003, produção da Phonogram.
Face aos dados apresentados, impõe-se rever a tentativa de datação apresentada em “Canção de Coimbra. Testemunhos vivos”, Coimbra, DGAAC, 2002, pág. 21, uma vez que esta canção remonta seguramente à 2ª metade da década de 1920 e não aos anos quarenta, conforme pareciam indiciar os poucos dados então disponíveis.
Este tema tem sido cantado e gravado por variados cantores, uns de Coimbra outros não, nem sempre respeitando integralmente a melodia cantada por Paradela de Oliveira.
Gravações disponíveis de outros cantores:
- CD Fernando Machado Soares, Philips, 838 108-2, compilação de gravações de 1986 e 1988, remasterização do LP Fernando Machado Soares. Coimbra Tem mais Encanto, Philips 830 371-1, ano de 1986, Lado B, faixa nº 4, com Fontes Rocha/Durval Moreirinhas, e atribuição errada a Artur Almeida d’Eça;
- LP 10 Anos ... uma Serenata, pelo Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra, Porto, Edisco/GFC 001, ano de 1988, face A, faixa nº 3. Canta Luís Catario, acompanhado por João Moura e José Santos. Remissão errada para Artur Almeida d’Eça.
- CD Alma Mater – Grupo de Fados de Coimbra, Secção de Fado/AAC, CD-SF-005, editado em 1995 (canta Carlos Pedro, com Pedro Anastácio/Nuno Cadete/António Paulo, e remissão correcta para José Paradela de Oliveira);
- CD Fados e Guitarradas de Coimbra, Movieplay, MOV. 30.332/B, editado em 1996 (Sutil Roque a partir da matriz de 1958);
- Col. Um Século de Fado/Ediclube, CD Nº 3/Coimbra, EMI 7243 5 20637 2 7, de 1999 (Sutil Roque, com o Coimbra Quintet, e remissão errada de autoria para Artur Almeida d’Eça);
- CD Frederico Vinagre – Eternos Fados de Coimbra, Metro-Som, CD 101, editado em 2000;
- CD Biografia do Fado de Coimbra, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724353097721, ano de 2002, faixa nº 11: canta António Sutil Roque, acompanhado por António Portugal/Jorge Godinho e Manuel Pepe/Levy Baptista;
- CD Coimbra d’ontem... Coimbra d’hoje, Coimbra, Aeminum Records, AE 003, ano de 2001, faixa nº 4: canta José Miranda. Identificação incompleta de autorias, acrescida da inversão da ordem das quadras.

FADO DOS POBREZINHOS
Desconhecemos quem possa eventualmente possuir este disco. Sem qualquer prova minimamente segura, admitimos que a composição gravada por Almeida d’Eça em 1929 seja a mesma registada mais ou menos na mesma altura pelo cantor activo no Porto (?) Ferreira de Lemos. Mas, trata-se apenas de uma hipótese, sujeita a cotejo documental quando se oferecer o ensejo de ouvir a gravação protagonizada por Almeida D’Eça. A título de curiosidade, anexamos o verbete de inventariação do tema gravado por Ferreira de Lemos:

OS POBREZINHOS
Música: Ferreira de Lemos
Letra: popular
Incipit: Cerejas frescas, vermelhas

Cerejas frescas, vermelhas,
Suspensas pelos caminhos,
Sois os brincos das orelhas
Das filhas dos pobrezinhos.

A pobre da doentinha
Passa as noites a tossir;
Ó morte vem depressinha
Que a doente quer dormir.

Composição musical estrófica.
Informação complementar:
Tema gravado provavelmente no Porto, em Fevereiro de 1928, por Ferreira de Lemos, com acompanhamento de guitarra e violão (Disco Columbia, J 857, master 273). No disco, o título vem seguido da indicação Fado em Ré Menor, entre parêntesis, estando omissos os nomes dos instrumentistas.

PEQUENINA
O disco encontra-se inacessível. Desconhecemos qualquer reprodução fonográfica posterior à gravação de 1929 que possa fazer luz sobre o título, a melodia e a letra. De acordo com Afonso de Sousa, música e letra são do próprio Almeida d’Eça. Admitindo, sem quaisquer provas, que Afonso de Sousa se possa ter enganado, referiremos a título complementar uma canção de António Viana, exactamente com o mesmo título, cuja letra se transcreve:

PEQUENINA
Música: António Rodrigues Viana
Letra: Álvaro de Castelões

Sou pequenina! A cereja
É pequenina também.
E no entanto como é linda
E que sabor que ela tem!

Deus pôs nas coisas pequenas
O seu cuidado maior.
Vede a violeta!... onde há rosa
Que tenha cheiro melhor?

Bem pequenina é a abelha
E faz os favos de mel…
Só pintou anjos meninos
O pincel de Rafael.

E até o amor que dos deuses
É quem tem maior poder
Quis ficar do meu tamanho
Para mais encantos ter.

Esta canção encontra-se impressa na “2ª Série. Canções Portuguezas. António Vianna”, Lisboa, Sasssetti, sem data, com capa de Stuart Carvalhais. A edição saiu na década de 1920, sendo bem conhecida de Almeida d’Eça, cantor que possuía os fascículos musicais de Viana.

FADO REZENDE
Não dispomos e provas seguras quanto à existência da gravação deste tema por Almeida d’Eça. Na ausência de elementos concretos, entendemos ser útil agregar a este inventário o respectivo verbete.

Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes
Letra: Manuel Fernandes Laranjeira
Incipit: Ao morrer, os olhos dizem
Origem: Coimbra
Data: ca. 1912-1913

Ao morrer, os olhos dizem:
- «Pára Morte e espera aí!
Vida não vás tão depressa
Que eu inda te não vivi...»

E a Vida vai-se e a Morte
É que responde em vez dela:
- «Mas que culpa tem a vida
De que não saibam vivê-la?»

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
As primeiras gravações conhecidas deste espécime em vozes coimbrãs deste datam dos últimos anos da década de 1920 (Lucas Junot, Paradela de Oliveira).
A letra supra é a gravada em Maio/1927, em Londres, por Lucas Junot, acompanhado à guitarra de Coimbra em afinação natural por si próprio e em violão de cordas de aço pelo profissional do Fado de Lisboa Abel Negrão (disco Columbia, 8104 – P 194, de 78 rpm). No disco, Alexandre de Rezende figura como autor da música, sendo a ficha técnica omissa em relação ao texto poético.
Com a mesma letra, mas sob o título “Fado da Vida”, também foi gravado nesse mesmo ano de 1927 por José Paradela de Oliveira, acompanhado à guitarra em afinação natural por Francisco da Silveira Morais e no violão aço por António Lopes Dias (disco His Master’s Voice 7-62171 EQ 85, de 78 rpm), No disco não vem qualquer indicação de autorias, nem de quem faz o acompanhamento.
A letra que se apresenta é ligeiramente diferente da versão original, escrita por Manuel Laranjeira no album da Exmª. Snrª. D. Sophia Isménia Quaresma, sob o título «O último diálogo», (in Comigo – Versos dum solitário, Porto, 1912) e que é a seguinte:

Ao morrer, os olhos dizem E a Vida passa, e a Morte
sempre o mesmo: – « Espera aí! é que responde em vez dela:
Vida, não vás tão depressa, – «Mas que culpa tem a vida
que ainda te não vivi...» de não saberem vive-la?»

Manuel Fernandes Laranjeira nasceu em Vergada, Santa Maria da Feira, no ano de 1877 e suicidou-se em Espinho, corria o ano de 1912. Médico diplomado pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto, afirmou-se como poeta mórbido e decadentista, marcado pela sífilis, tédio e pessimismo finissecular oitocentista. Ao longo do século XX julgou-se que a letra de Fado Rezende fosse do autor da música, ideia aliás reforçada por uma carta remetida em 1964 por seu filho a Divaldo Gaspar de Freitas (Cf. Emudecem rouxinóis do Mondego, São Paulo, 1972, págs. 28-29). Segundo testemunho de Fernando Rolim (Maio de 2003), os cantores conimbricenses da década de 1950 acreditavam que o poema fora composto por desconhecido e atormentado jovem estudante que morrera tuberculoso. Pesquisas levadas a cabo por José Anjos de Carvalho nos finais da década de 1990 revelaram que o poema foi publicado em 1912, sendo da autoria do médico decadentista Manuel Fernandes Laranjeiro.
Gravado, sob o título Ao Morrer os Olhos Dizem, em 1967 por António Bernardino, acompanhado em 1ª guitarra de Coimbra por António Portugal, em 2ª guitarra por Francisco Martins e, à viola nylon por Jorge Moutinho (Discos Orfeu, PQB 350 e ATEP 6184, ambos de 45 rpm); no primeiro vem a indicação de “Traditional” e, no segundo, a indicação de D.R. (Direitos Reservados). Também em long play, (LP Noites de Coimbra, Orfeu, SB 1022 e LP Noites de Coimbra, Orfeu, ST 107); nestes discos vem igualmente a indicação «D.R.».
Gravado novamente por António Bernardino, em 1983, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe Roxo Ferreira (Album Tempo(s) de Coimbra, disco 2, editado em 1984); no album consta erradamente a indicação de a letra ser também de Alexandre Rezende . Disponível em compact disc: album Tempo(s) de Coimbra, disco 1, EMI 0777 7 99608 2 8, editado em 1992, nele se mantendo o mesmo erro quanto à autoria da letra. A letra cantada por António Bernardino é a mesma em ambas as gravações e difere ligeiramente, no 1º dístico da 2ª quadra, da versão gravada na década de 1920.
Fernando Machado Soares gravou esta melodia em 1988, acompanhado à guitarra por José Fontes Rocha e, à viola, por Durval Moreirinhas (LP Serenata, Philips, 836 816-1); a letra que canta é a da versão de 1967 de António Bernardino e subsiste o erro cometido no Album Tempo(s) de Coimbra, atribuindo indevidamente também a letra a Alexandre Rezende. Disponível em compact disc: CD Fernando Machado Soares, Philips, 838 108-2, sem data.
Fado Rezende foi também gravado em 1929 por Lília Brandão, no 78 rpm Columbia 1113X.

TÍTULO DESCONHECIDO
Música: ?
Letra: ?

Dizem que o bem se conhece
Só quando a gente o perdeu:
– Triste de quem o não perde
(Ai2) Porque nunca o conheceu.

Nasce o Sol sempre à direita
De quem se vira prò Norte:
– Cá pra mim sempre é sol-posto
(Ai2) Do lado da boa-sorte.

Tivemos notícia desta canção estrófica através de uma cópia facultada em cassete pelo Dr. Augusto Camacho Vieira. É comprovadamente a voz inconfundível de Almeida d’Eça a cantar, acompanhado nas guitarras por Albano de Noronha e Afonso de Sousa. O disco que continha esta gravação pertencia ao Dr. Pinto Lobo, antigo estudante da UC, que habitou na República Palácio da Loucura e foi Director da Biblioteca de Castelo Branco. Contactados os herdeiros do falecido Dr. Pinto Lobo, a sua viúva, Dra. Odete Pinto Lobo, informou-nos que o disco foi entretanto ofertado a amigos da família, sem possibilidade de recuperação para efeitos de estudo/reprodução.

AGRADECIMENTOS: ajudaram a fazer e a enriquecer este trabalho (em diferentes tempos e circunstâncias) Dr. Augusto Camacho Vieira, Dr. Afonso de Sousa, Dr. Divaldo Gaspar de Freitas, Dra. Odete Pinto Lobo, Dra. Mariberta Carvalhal (espólio de António Carvalhal), Dr. Aurélio Reis, Dr. Octávio Sérgio e Dr. Artur Ribeiro (Museu Académico).
Tendo em conta as omissões expressamente indicadas neste inventário, solicitamos aos “amigos da Canção de Coimbra” e aos leitores do Blog “guitarradecoimbra” a amabilidade de nos enviarem quaisquer novos elementos que possam ajudar a enriquecer e complementar este texto.

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