sábado, março 25, 2006


Barbosa de Magalhães (1) Posted by Picasa
O 2º Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. José Maria Vilhena de Barbosa Magalhães (1879-1959), antigo Ministro da Justiça da 1ª República e lente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, discursa de pé na tribuna do Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, na cerimónia solene do Primeiro Centenário da Fundação do STJ, realizada em 14 de Outubro de 1933.
Esta fotografia foi divulgada no meu livro "Sob o Olhar de Témis. Quadros da História do Supremo Tribunal de Justiça", Lisboa, Edição do STJ, 2000, pág. 104. Repare-se que António de Oliveira Salazar representa o governo, ocupando a cadeira de espaldar alto do Presidente (também ele lente de Direito sem doutoramento). O Ministro da Justiça, Manuel Rodrigues Júnior, enverga fato civil de cerimónia (doutor e lente por Coimbra, nesta data já passara a lente da Faculdade de Direito de Lisboa).
De pé, Barbosa de Magalhães profere o discurso solene da Ordem dos Advogados. Diplomado em Direito por Coimbra, mas sem qualquer doutoramento, Magalhães fora nomeado em 1914 "Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa" após "concurso de provas públicas". A prova terá constado de um exame escrito (com parte oral?) sobre pontos de matéria de Direito tirados à sorte perante um júri, sendo de alguma forma equivalente às provas escritas de admissão a certos cargos públicos que hoje em dia se continuam a realizar. Magalhães enverga Borla e Capelo vermelhos, segundo o figurino tradicional da UC. Quanto ao Hábito Talar, não há sinal algum de Capa nem de Batina. Sob o Capelo insinuam-se as linhas verticais e a manga larga da Toga de Advogado (e não da Beca da antiga Escola Médico-Cirúrgica). Com o vestuário descrito se fez Magalhães retratar a óleo para a Galeria dos Retratos dos Bastonários da Ordem dos Advogados.
Relativamente à biografia e habilitações de BM veja-se:
-CARLOS, Adelino da Palma - "Elogio histórico do Dr. José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães", Lisboa, 1960;
-LAMY, Alberto Sousa - "A Ordem dos Advogados Portugueses. História, órgãos, funções", Lisboa, Ordem dos Advogados, 1984.
Agradecimentos: à Sra. Dra. Isabel Cambezes e ao Sr. Dr. Duarte Catalão que a nosso pedido andaram a vasculhar os arquivos e Biblioteca da Ordem dos Advogados
Já que estamos com a mão na massa: sentado na ala extrema direita da tribuna (nem de propósito), logo a seguir a BM, de Hábito Talar e Borla e Capelo, alinha António Faria Carneiro Pacheco (Santo Tirso, 1887; Estoril, 1957), então Vice-Reitor da Universidade de Lisboa (1931-1936) e lente da sua Faculdade de Direito (1922-1957). Pacheco fizera o curso de Direito e o doutoramento em Coimbra, tendo sido colega de Oliveira Salazar. Apoiante do sidonismo e do 28 de Maio de 1926, devotado admirador e colaborador de Salazar, Pacheco integrou a Comissão Executiva da União Nacional, foi deputado nas legislaturas de 1934 e 1938, Ministro da Educação Nacional (1936-1940), embaixador no Vaticano (1940-1946) e em Madrid (1946-1954).
Enquanto Ministro da Educação Nacional (e não da Instrução, à maneira republicana) promoveu a intensa fascização das escolas. A ele se deve a tristemente célebre Lei de 1 de Abril de 1936 (Lei da Remodelação do Ministério da Instrução Pública), que além de pretender controlar cultural e ideologicamente discentes e docentes (terá a actual Ministra relido a Base II?), estabelecia apertado controlo sobre o professorado (Bases III, IV e V), impunha o manual escolar único (Bases IX e X, também relida pela actual Ministra e respectivo séquito?) e fazia instalar nas salas de aula das escolas primárias o Crucifixo (Base XIII) como "símbolo da educação cristã determinada pela Constituição" (de 1933, entenda-se).
D. Eurico Dias Nogueira, arcebispo jubilado de Braga e antigo estudante de Coimbra, o presidente da CM de VNGaia, o Prof. João César das Neves, diversos jornalistas entre os quais se eriçou Francisco S. Cabral, alguns opinion-makers e docentes universitários ligados a instituições confessionais, não leram, ou fizeram de conta que não conheciam, a lei de 1936 quando em Novembro/Dezembro de 2005 esquentaram a "Questão dos Crucifixos" com falsos argumentos cujo fim último pretendia branquear a história do século XX.
Contrariando os argumentos falaciosos dos opinion-makers, importa clarificar:
a) na legítima luta pela retirada dos crucifixos das escolas públicas não se pretendiam praticar quaisquer actos iconoclastas que visassem ferir a religião Católica;
b) é totalmente abusivo comparar a necessidade de retirada desses símbolos das escolas públicas com eventuais actos de vandalismo a praticar em todos os espaços onde figurassem símbolos católicos anteriores à Lei de Separação de 1911 (falou-se de museus, igrejas, cemitérios, capelinhas, alminhas...);
c) os crucifixos ainda existentes em alguns edifícios de escolas primárias edificadas antes de 1974 não simbolizam 800 anos de História de Portugal num amistoso braço dado entre "trono" e "altar". Esse é precisamente o argumento fascista usado por Salazar na letra da "Constituição de 1933" e por Carneiro Pacheco na letra da lei da reforma educativa de 1936. Os crucifixos ainda existentes nas antigas escolas primárias são apenas um símbolo remanescente de um acto fascista que escapou ao processo de democratização operado a partir de 1974.
Manter esses crucifixos não significa respeitar a cultura portuguesa multissecular, nem as crenças dos portugueses (melhor, a crença). Significa tão só louvar uma lei totalitária que impunha às escolas, aos professores e às crianças indefesas, uma religião única (a Católica) e o culto do chefe (o retrato dos chefes nas mesmas salas e paredes). Não nos admiremos com estas e outras confusões, pois em recente intervenção parlamentar (governo de Durão Barroso) uma voz feminina, pelos vistos Secretária de Estado da Educação, não se coibiu de afirmar que considerava a religião Católica sinónimo de religião escolar;
d) não andaremos longe da verdade se dissermos que os crucifixos permaneceram após 1974 esmagadoramente em escolas implantadas em meios geo-culturais de um "Portugal profundo", dominado pela ruralidade e pelo catolicismo, com a conivência de conservadoras professoras do ensino primário, contínuas e inspectores;
e) perante um tão estranho acto que ofende o laicismo de Estado e a liberdade de crenças positivada na Constituição de 1976, importa perguntar se os sucessivos inspectores que ao longo de 30 anos foram passando por essas escolas não viram os crucifixos salazaristas? Era impossível não os verem, escarrapachados por cima dos quadros, bem a meio das paredes das salas de aula. Francamente senhores inspectores, para mais tendo os zelosos técnicos uma alínea dos seus relatórios expressamente dedicada às instalações escolares... além do mais, é bem conhecido o empenho que os senhores inspectores tiveram em mandar retirar das salas de aulas os estrados, com grave prejuízo da visualização do quadro, da projecção natural da voz dos docentes e do controlo disciplinar. Empenharam-se nos estrados, fizeram ouvidos de mercador aos crucifixos e às mazelas dos edifícios.
Graças a estas cúmplices piscadelas de olhos, amostra significativa de docentes ultra-conservadores tem vindo a promover "missas de Páscoa" em polivalentes de EB2,3, enquanto em creches e primárias, educadoras e professoras ensinam afoitamente cânticos católicos para receber bispos diocesanos expressamente convidados para abençoarem crianças. Zelosos presidentes de escolas conhecemos que não foram sem assinar ordens de serviço de actividades extra-curriculares, quais sejam missas pascais, às quais deveriam os directores de turma acompanhar obrigatoriamente os seus alunos;
f) na vergonhosa e desonesta "Questão dos Crucifixos" seria de esperar uma palavra da Assembleia da República, do Presidente da República (refiro-me a Jorge Sampaio) e até um "despacho interno" do Ministério da Educação (desta feita, o Secretário de Estado, tão prolixo em "despachos" que lembram diplomas da "outra senhora", optou por não despachar). Contrariamente ao que pretendia o Sr. presidente da CM de VNGaia, quando falava em 800 anos de catolicismo em Portugal e invocava a hipótese de um tão perigoso quanto místico "respeito" pelas "tradições locais" capaz de forjar decisões locais de pais/vereadores/alunos, importa lembrar que não há discussão possível perante símbolos de Estado bem definidos. O desinvestimento do Estado nos seus símbolos oficiais não significa conferir a edis de duvidoso bom senso a possibilidade de transformarem os recintos escolares públicos em coutada de caça de partidos, dos clubes de futebol da sua afeição, ou em grotesca imitação das kitsches cabines dos camionistas portugueses de longo curso.
A República Portuguesa tem como símbolos, além do Hino Nacional e da Bandeira, o Escudo (escudo que aliás contém símbolos cristãos). Como tal, os símbolos da República Portuguesa a admitir nas escolas públicas (paredes, eventualmente salas. Encontram-se em uso a Bandeira e o Selo) só podem ser a Bandeira, o Escudo heráldico de Portugal ou (digo eu) a tão esquecida Alegoria Feminina da República Portuguesa. Porquê afinal este desprezo do Estado pela sua própria representação feminina? Mas, num país onde deputados fazem greves por causa da preservação da suposta tradição regional de um queijo de bola que afinal é oriundo da Holanda, o que se não dirá e escreverá sobre os símbolos da República?! Stultus multa stultorum, já dizia a Bíblia!
As tradições locais não prevalecem sobre os símbolos do Estado, nem podem ferir gravemente as liberdades e garantias dos cidadãos, sendo que as tradições locais se prestam a comportar execrandas afirmações de xenofobia, de machismo, além de descarada veneração a "chefes" locais, sejam eles "calistos elóis", "conselheiros acácios" ou quejandos. Quando o governo de António Guterres veio abrir excepções à realização das touradas de morte em Barrancos, não teve plena consciência dos demónios que se escondiam na bem portuguesa "caixa de Pandora". O que não faltam no Portugal regional são particularismos, alguns tenebrosos e boçais, à espreita de um regresso ou de consagração pública. E nesse "Portugal no seu pior", quantos políticos trauliteiros não espreitam o momento em que canalizarão em proveito próprio tradições "bárbaras", facilmente tomadas por boas práticas culturais em contextos regionais onde não existe reflexividade crítica sobre o ser e o estar? Perdida a noção do ridículo, relativizados os valores civilizacionais, fechados os horizontes, o hediondo seria facilmente tomado por boa prática (os professores sabem bem quem foi e o que fez Hitler). À conta das "belas" tradições locais, a população de Soalhães acusou uma mulher de bruxa e queimou-a na fogueira, isto pela década de 1930, em hediondo ritual de atraso civilizacional que motivou Bernardo Santareno a escrever "O Crime da Aldeia Velha".
Toda esta polémica dos "Crucifixos" diz muito sobre a desonestidade e malformação de certa classe política à moda dos "cabrais", da estranha amnésia e descaramento da velha direita, do incomensurável poder que as instituições católicas voltaram a conquistar em Portugal e do inquietante silêncio em que os intelectuais de esquerda foram mergulhando (campanha presidencial de Dez./2005-Jan./2006). Quantas mordomias, caros amigos dos sixties. Razão a Daniel Cohn-Bendit quando veio declarar que "nem tudo o que dissemos era para levar a sério".
Os senhores presidentes de câmaras e directores de colégios que vieram pregar publicamente a cruzada dos crucifixos poderão evidentemente colocá-los nos seus salões nobres e gabinetes directoriais. Sonharão alguns deles que bem poderiam conferir posse e juramento de fidelidade aos professores nos seus próprios gabinetes, em reabilitação do tenebroso Decreto-Lei Nº 27.003, de 14/09/1936 (afinal só foi abolido pelo Decreto-Lei Nº 49.397, de 24/11/1969)?
Se há um responsável pelo lamentável e ofensivo (para nós docentes defensores do laicismo de Estado e da liberdade religiosa) equívoco dos crucifixos, esse responsável é o próprio Ministério da Educação. Fingindo que não via os crucifixos nas salas das escolas públicas durante 30 anos, negligenciando a colocação dos símbolos da República Portuguesa democrática, o Ministério da Educação abriu ele mesmo as portas a perigosos entendimentos difusos. Se o Estado não tem símbolos, se o Estado não zela pelos seus próprios símbolos, então qualquer "calisto elói" pode fazer entrar nas escolas públicas a bandeira do seu partido, a túnica da sua igreja, o cachecol do seu clube de futebol, o retrato daquele vereador que ofertou caixotes de espumante e queijos de bola para a feirinha de São Martinho, a santinha que ornará o átrio ou... o caracol de borracha multicolor onde piedosamente se lê "Deus abençoe esta casa"! Convenhamos que tudo isto, ostensivamente praticado e exibido nas escolas, é muito diferente do crucifixo ou da medalhinha que o aluno crente leva discretamente num colar ou numa pulseira. Razão tem o Ministério da Educação francês que, pecando embora por algum excesso de zelo quando defende a neutralidade dos símbolos religiosos, coloca em primeiro plano a civilização republicana e humanista.
Ao excesso de simbologia fascista de ontem (1936-1974 são muitos anos de inculcação ideológica) sucederam 30 anos de desleixo e de vazio simbólico. Construídas largas centenas de edifícios escolares após 1974 (arquitectura reles a das EB 2,3 que marcou os ministérios Roberto Carneiro e Marçal Grilo na década de 1990), onde estão os símbolos da República Portuguesa democrática nas escolas públicas? Onde está a reforma da própria designação do Ministério?
Desde a governação Marçal Grilo/Ana Benavente que se assiste a uma descarada acção ministerial de desacreditação do modelo institucional de escola pública (bem como dos professores formados nas universidades), com a correlativa louvaminhança às escolas privadas, cujo ponto alto foi atingido em declarações públicas de David Justino.
Lamentavelmente, muitas escolas públicas assemelham-se mais a degradadas gasolineiras do Texas, a desolados apeadeiros de aldeia e a inenarráveis centros de saúde terceiro-mundistas, que também vemos em muito Portugal velho, do que a modernas escolas europeias. Nesta matéria, temos de reconhecer que as escolas primárias públicas, bem como as de 2º e de 3º ciclos, não estão em condições de competir arquitectonicamente com as creches e colégios particulares. Relativamente ao 1º ciclo (antiga primária), excluindo meia de dúzia de municípios com boa obra feita, a gestão do parque escolar por intermédio dos executivos municipais configura um crime grave de negligência. No geral, persistem os edifícios herdados do Estado Novo com o mesmo campo de terra batida (o larguinho de aldeia), as mesmas salas de aula, as mesmas retretes. Decorridos 40 a 50 anos após a empreitada de construção, as únicas benfeitorias visíveis são a ligação dos edifícios à rede de electricidade e a existência de um computador num dos acanhados cantos das salas.
A explosão demográfica que se viveu sobretudo no litoral, a consagração dos direitos das crianças, o estilo de vida da sociedade de consumo, nada disto se fez acompanhar de um programa geral de construções em busca de cores e de formas tão emblemáticas do imaginário infantil. "Alice no país das maravilhas" não chegou nunca ao acanhado mundo do parque escolar português. Não há cantinas, não há bibliotecas, não há ludotecas, não há auditórios, não há palcos, não há parques de diversões, não há berçários, não há actividades extracurriculares que satisfaçam os pais mais exigentes. São os mesmos edifícos do deposto regime, de salas austeras, de mobiliário pobretanas, concebidos para um tempo em que as crianças eram sujeitas ao trabalho infantil, sobreviviam mal alimentadas, sorviam goladas de óleo de fígado de bacalhau, caminhavam horas a pé para chegar à escola, não tinham um brinquedo nem uma guloseima e levavam sovas de cana e palmatória.
Uma criança portuguesa de uma família burguesa remediada tem actualmente mais conforto em casa do que na sua creche pública ou na sua escolinha estatal. As áreas de serviço das auto-estradas e os centros comerciais são sítios bem mais atractivos do que as escolas públicas. Além da penúria dos espaços, não há carrinhas destinadas a assegurar transportes escolares, falham as cantinas e dormitórios, é impossível garantir uma piscina semanal ou uma sessão de artes marciais. Nesta matéria, creches, externatos e colégios particulares, levarão sempre a melhor sobre as escolas públicas. As mais valias pagam-se no particular, exactamente como se pagam as consultas médicas nas clínicas privadas.
Admira que Daniel Sampaio, sempre tão solícito em aconselhar os professores (ou trabalhadores camaleões? O termo convirá à equipa ministerial visto prestar-se a confusão com "camelos") a fazerem de tudo com muita "alegria no trabalho", não tenha ainda escrito sobre esta matéria.
Muitos dos sapientes técnicos de psicologia educacional e de ciências da educação que se esfalfam no aconselhamento aos ministros da educação são fãs de um novo modelo de profissão agora em voga: anteontem manequim, ontem hospedeira, hoje actriz de telenovelas, de manhã na metereologia, à tarde num concurso débil, à noite numa jetessetada ou numa botoxada (e se aparecer mais alguma coisinha...).
Estes técnicos lá sabem de sua banha da cobra. Como que a dar-lhes razão, os alunos portugueses compram muitas revistas de quiosque onde esses mutantes de sucesso são frequente motivo de capa. Nelas não costumam figurar professores, nem nas capas, nem nas páginas interiores, sendo certo e sabido que os professores "à la mode" dão aulas, são directores de turma, fazem matrículas, entrevistam pais, elaboram perfis sócio-familiares dos alunos, avaliam, ministram formação cívica, projecto, estudo acompanhado, apoio pedagógico, asseguram salas de estudo e bibliotecas, fazem de psicólogos, de assistentes sociais e terapeutas familiares, participam em milhentas reuniões, redigem actas e relatórios, frequentam acções de formação e... esfregarão urinóis no dia em que um qualquer "calisto elói" lhes enviar o competente "despacho" para encher horário (quantas escolas não tresandam a urina por falta de funcionárias? Como garantir a higiene mínima em escolas destinadas a 400 anos, a abarrotar com 800 alunos, mas mantendo os mesmos funcionários? Assim se contabiliza o fedor da poupança ministerial).
O que é preciso é ocupar esses malandros que não trabalham oito horas diárias, faltam que se fartam e, ainda por cima, recebem subsídio de férias e 13º mês! É dinheiro a mais para tanto camaleão. Se perguntarmos aos "filhos de Ana Banavente" (esses mesmos que foram amestrados a vociferar contra os "professores estilo liceu") se são professores, estes sentir-se-ão insultados. Professores?! "Professor é o seu tio! Eu participo em reuniões, dou sala de estudo, organizo a Feira de São Martinho, programo visitas de estudo, voto notas de alunos em risco de chumbarem, atendo os pais, telefono à comissão de protecção de menores, planifico competências, asseguro a biblioteca, projecto dvs, enfeito mesas para o jantar de Natal, substituo professores faltosos com palavras cruzadas e forca, detesto os colegas que dão negativas, vou dizendo uns palavrões na sala dos profes, o meu portugês é sofrível, e odeio esses colegas que são sindicalizados e fazem greves."
Se é que pode servir-nos de consolo, também sabemos que muitos desses técnicos encartados em pedagogia fizeram os seus doutoramentos "em Boston" (há que faça trocadilho), sarcástica maneira de dizer à portuguesa para os que quase se diplomaram por correspondência.
Os senhores edis, preocupados com aquilo a que chamam ofensas à religião, deveriam prestar mais atenção ao estado vergonhoso a que chegaram os edifícios das escolas primárias da sua directa gestão financeira. Os pais e as crianças, além de terem de aguentar com esses barracos velhos de terceiro mundo, ainda são obrigados ao pagamento de resmas de papel para a fotocopiadora, de uma taxa para o toner, de um tanto para o papel higiénico e de mais uns euros para os detergentes destinados à limpeza. Ai daquela associação de pais que não saiba assentar um vidro partido numa janela, remendar o cano do lavatório ou substituir a fechadura emperrada! Bem pode enviar ofícios "vox clamantis"! As criancinhas podem ser amorosas, mas não votam!
Esta é que é a verdadeira escola primária pública, dita "gratuita". Não há "choque tecnológico" que lhe valha, se lembrarmos o estado de choque em que o Ministério tem trazido os seus agentes. Não bastava ter de levar com os edifícios frios, exíguos, antiquados, quantos deles a funcionar em barracões pré-fabricados, mais a paga do papel higiénico, do papel de fotocópias e do desinfectante das sanitas. Ter de levar com os crucifixos de Salazar pela cabeça abaixo é demais. Deixamos esse mimo para a titular da pasta, com o mesmo amor com que nos aconselha o milagreiro "choque tecnológico". Aí sim, estariam optimizadas todas as "competências" da boa ensinança: forno crematório em Souselas para despachar aos 66 anos os inúteis, incompetentes e preguiçosos professores (tanto adubo, tanta ecologia. A ideia veio da Alemanha) e cadeira eléctrica nas escolas. Que seja uma por cada escola, e que venham depressinha, pois há muito por onde electrocutar.
Oliveira Salazar bem pode rebolar-se de riso, ele que leu Le Bon e conhecia os portugueses do Portugal velho. A Constituição de 1933 foi revogada mas os símbolos católicos ficaram para durar nas escolas primárias (perdão, de "1º ciclo". Eu sou dos que ainda dizem "liceu"), nas capelas dos hospitais públicos, nos quartéis militares públicos, nas capelas das cadeias públicas. O que se segue na estulta viagem desta nave dos loucos? O retorno do juramento de honra sobre a Bíblia (não é da tradição? afinal só foi abolido em 1910)? "Morreu o rei, viva o rei"!
AMNunes

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