O barbeiro foi seguramente umas das figuras mais "típicas" de todo o Portugal rural e urbano até meados do século XX. Nos meios provinciais, além de cortar o cabelo, os barbeiros eram queridos, necessários e temidos pelas suas afiadas línguas de prata. Quem queria saber as "novas" (=notícias e rumores) ia ao barbeiro da terra. Entre um cabelo e uma barba, tudo se conversava e tudo se sabia, das novidades de fora da terra, da política, dos padres, das beatas, dos filhos ilegítimos, dos homens supeitos de menor virilidade, dos bêbedos, dos ladrões, dos ociosos e de inventadas perdas de honra. No século XX, somavam a estas conversas o futebol. O mexerico e a maledicência nunca foram monopólio feminino, a não ser no plano das representações construídas sobre a mulher, também usando e abusando os homens de tais artes nas barbearias e nas célebres jogatinas dominicais havidas nas tascas.
Das várias funções outrora desempenhadas correntemente pelos barbeiros importa lembrar:
-aparo de barbas e tosquia de cabelos, fazendo o vinagre de aftershave;
-noticário oral;
-arrancamento de dentes a tratos de alicate, a sangue frio, com os padecentes agarrados de pés e mãos. Umas boas goladas de aguardente estancariam a sangueira;
-ensino de violão e de guitarra a jovens aprendizes;
-sangria domiciliária com toalha, bacia, navalha, lanceta, garrote e desinfectante (vinagre?);
-deitar sanguessugas ou "bichas" a pedido de clientes. No 1º quartel do século XX muitas tabuletas de barbeiro da zona histórica da cidade do Porto ainda anunciavam em letras gordas o deitar "vichas".
Os barbeiros de Coimbra não estavam confinados a arruamento durante o Antigo Regime como os oleiros, as padeiras e as azeiteiras. Porém, a carta corporativo-profissional de "examinação" era obrigatória. José Pinto Loureiro dá conta de uma carta de examinação passada a um barbeiro sangrador em 1571, e duas outras do ano de 1607: um para "barbear somente", outro para "desagalar e amolar" (Cf. "Coimbra no passado", Vol. II, 1964, p. 26).
Descrição: figurino da 1ª metade do século XIX, porventura da década de 1830, quando o velho calção pelo joelho foi gradualmente substituído nos meios urbanos pela calça comprida com atilho debaixo da planta do pé e braguilha de alçapão. A cartola alta e o capote remetem-nos para os inícios do século XIX, período anterior à governação Costa Cabral.
Reconstituição e foto: Doutor Nelson Correia Borges para o Grupo Folclórico de Coimbra
AMNunes
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