Ainda a expressão “Fado Académico”:
notas complementares a um “comment” de João Paulo Sousa
Caro Dr. João Paulo Sousa:
O seu último “comment” ao meu trabalho «O “Fado de Coimbra” na Academia do Porto» veio revelar-me uma série de implícitos da expressão “Fado Académico”; tal série, pela sua extensão, surpreendeu-me e, para além disso, revelou-me factos que desconhecia. Sinto-me pois tentado a prolongar as minhas reflexões. O resultado poderá ser um texto algo extenso para “comment”. E assim, o que agora começo a redigir será enviado ao Dr. Octávio Sérgio e a Si, como “attachment” a e-mails; e depois o responsável do blog o publicará, se assim o entender. Comecemos, pois.
1. Evoluções recentes do grupo INSOLITA PRAXIS: Sabia eu que este grupo viseense, criado e dinamizado por Hermínio Menino no âmbito do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa (UCP), com seu filho Jorge Menino e, inicialmente, um guitarrista de apelido Lemos cujo nome próprio não recordo, incluiu desde cedo Senhoras como executantes de viola: eram duas em Maio de 1994, aquando do Encontro de Grupos de Guitarra e Canto de Coimbra (justamente aí em Viseu, na UCP; será que lá esteve ?); voltei a vê-los actuar em Jan.97, aquando da Homenagem a Nuno Guimarães (1942-1973), em Perosinho[1] / Vila Nova de Gaia; tocavam então viola a Dr.ª Helena France e um elemento masculino cujo nome não recordo. Mulheres como executantes instrumentais é algo com longos antecedentes: julgo que as Escolas de Guitarra tiveram alunas praticamente desde o início; e dentro da problemática – vasta, bem vasta... – da Mulher no Universo Musical Coimbrão este será até um dos aspectos de menor potencial polémico. Sabia eu também – até por notícias e fotos neste blog – que Jorge Menino tem feito actuações com uma cantora, num registo mais próximo do “Fado de Lisboa”; julguei que se tratasse de alguma “prática experimental”, visando uma hipotética gravação algo fora de cânones. E em matéria de “experiências”, no seu devido contexto – que não será obviamente o da Sé Velha ou de outros locais de ar livre no quadro de Serenatas tradicionais –, tudo é possível e nada de tabus ! Ou não será que o saxofone que tanto – a meu ver demais... – deu que falar neste blog há semanas teria sido bem mais pacífico se praticado noutras circunstâncias, v.g. na Galeria Almedina, no A Cappela ou em qualquer outro local “debaixo de telha” e em termos mais de audição comentada – ou palestra musicalmente ilustrada – que de serenata, com a devida apresentação do(s) tema(s) incluindo tal instrumento e uma contextualização da immixtio do mesmo com o som de guitarras e violas ? O que diz sobre actuações mistas COIMBRA / LISBOA do Grupo em causa surpreende-me. Opinarei apenas, face ao que fiquei a saber, que me parece coisa algo ilógica. Mais não digo, até porque Hermínio Menino é alguém – Beirão como nós – que muito estimo e prezo.
2. O “Fado Académico” em contexto portuense: No meu trabalho refiro que, tendo sido quase sempre o Porto, em matéria de Canto e de Guitarra, um meio mais intérprete que criador, houve mesmo assim «originais de criação portuense». Nomes como, entre outros, os dos guitarristas Lauro de Oliveira, do cantor Raul Barros Leite, do cantor e futuro maestro José Luís Borges Coelho, dos violas Carlos Teixeira e José Gomes da Silva e ainda de um Eng. Gil Costa – que só conheci de nome – deram corpo a temas vocais que na sua maioria ostentam características coimbrãs quantum satis. O mesmo se diga dos arranjos instrumentais de Alexandre Brandão para temas de raiz popular ou para um tema brasileiro. Ora em matéria de temas vocais, o ser ou não ser Coimbra pode não estar propriamente na melodia ou no poema[2] mas sim na introdução, no entrecanto ou no acompanhamento. E aqui é por vezes bateu o ponto: de meu conhecimento, no Porto dos anos 50 e 60 gravaram-se apenas 3 EP’s de “Fado de Coimbra”. Acontece por mais do que uma vez que as introduções e os entrecantos ostentam algo que ouvidos treinados têm dificuldade em assimilar; esse algo não é de linear definição: talvez um acançonetamento adocicado a soar efectivamente como algo que «não cheira a Coimbra», como pessoas dos anos 40 gostavam de dizer. Será por isso que os próprios intérpretes portuenses subsequentes raramente retomaram tais temas ?
3. Para concluir: Se com “Fado Académico” se quer significar apenas o carácter quase nacional do Canto e da Guitarra de Coimbra, por difusão em praticamente todas Academias – e recorde-se o remoto antecedente de velhos Liceus do Norte e do Centro do País –, então não me ocorrem objecções de fundo. Se com ela se pretende abrir a porta a práticas musicais híbridas, então aí vamos com calma...
Um grande abraço e votos de continuação de Boas Férias (se ainda for o caso...)
Morelinho (Sintra), 23 de Agosto de 2005
Armando Luís de Carvalho HOMEM
notas complementares a um “comment” de João Paulo Sousa
Caro Dr. João Paulo Sousa:
O seu último “comment” ao meu trabalho «O “Fado de Coimbra” na Academia do Porto» veio revelar-me uma série de implícitos da expressão “Fado Académico”; tal série, pela sua extensão, surpreendeu-me e, para além disso, revelou-me factos que desconhecia. Sinto-me pois tentado a prolongar as minhas reflexões. O resultado poderá ser um texto algo extenso para “comment”. E assim, o que agora começo a redigir será enviado ao Dr. Octávio Sérgio e a Si, como “attachment” a e-mails; e depois o responsável do blog o publicará, se assim o entender. Comecemos, pois.
1. Evoluções recentes do grupo INSOLITA PRAXIS: Sabia eu que este grupo viseense, criado e dinamizado por Hermínio Menino no âmbito do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa (UCP), com seu filho Jorge Menino e, inicialmente, um guitarrista de apelido Lemos cujo nome próprio não recordo, incluiu desde cedo Senhoras como executantes de viola: eram duas em Maio de 1994, aquando do Encontro de Grupos de Guitarra e Canto de Coimbra (justamente aí em Viseu, na UCP; será que lá esteve ?); voltei a vê-los actuar em Jan.97, aquando da Homenagem a Nuno Guimarães (1942-1973), em Perosinho[1] / Vila Nova de Gaia; tocavam então viola a Dr.ª Helena France e um elemento masculino cujo nome não recordo. Mulheres como executantes instrumentais é algo com longos antecedentes: julgo que as Escolas de Guitarra tiveram alunas praticamente desde o início; e dentro da problemática – vasta, bem vasta... – da Mulher no Universo Musical Coimbrão este será até um dos aspectos de menor potencial polémico. Sabia eu também – até por notícias e fotos neste blog – que Jorge Menino tem feito actuações com uma cantora, num registo mais próximo do “Fado de Lisboa”; julguei que se tratasse de alguma “prática experimental”, visando uma hipotética gravação algo fora de cânones. E em matéria de “experiências”, no seu devido contexto – que não será obviamente o da Sé Velha ou de outros locais de ar livre no quadro de Serenatas tradicionais –, tudo é possível e nada de tabus ! Ou não será que o saxofone que tanto – a meu ver demais... – deu que falar neste blog há semanas teria sido bem mais pacífico se praticado noutras circunstâncias, v.g. na Galeria Almedina, no A Cappela ou em qualquer outro local “debaixo de telha” e em termos mais de audição comentada – ou palestra musicalmente ilustrada – que de serenata, com a devida apresentação do(s) tema(s) incluindo tal instrumento e uma contextualização da immixtio do mesmo com o som de guitarras e violas ? O que diz sobre actuações mistas COIMBRA / LISBOA do Grupo em causa surpreende-me. Opinarei apenas, face ao que fiquei a saber, que me parece coisa algo ilógica. Mais não digo, até porque Hermínio Menino é alguém – Beirão como nós – que muito estimo e prezo.
2. O “Fado Académico” em contexto portuense: No meu trabalho refiro que, tendo sido quase sempre o Porto, em matéria de Canto e de Guitarra, um meio mais intérprete que criador, houve mesmo assim «originais de criação portuense». Nomes como, entre outros, os dos guitarristas Lauro de Oliveira, do cantor Raul Barros Leite, do cantor e futuro maestro José Luís Borges Coelho, dos violas Carlos Teixeira e José Gomes da Silva e ainda de um Eng. Gil Costa – que só conheci de nome – deram corpo a temas vocais que na sua maioria ostentam características coimbrãs quantum satis. O mesmo se diga dos arranjos instrumentais de Alexandre Brandão para temas de raiz popular ou para um tema brasileiro. Ora em matéria de temas vocais, o ser ou não ser Coimbra pode não estar propriamente na melodia ou no poema[2] mas sim na introdução, no entrecanto ou no acompanhamento. E aqui é por vezes bateu o ponto: de meu conhecimento, no Porto dos anos 50 e 60 gravaram-se apenas 3 EP’s de “Fado de Coimbra”. Acontece por mais do que uma vez que as introduções e os entrecantos ostentam algo que ouvidos treinados têm dificuldade em assimilar; esse algo não é de linear definição: talvez um acançonetamento adocicado a soar efectivamente como algo que «não cheira a Coimbra», como pessoas dos anos 40 gostavam de dizer. Será por isso que os próprios intérpretes portuenses subsequentes raramente retomaram tais temas ?
3. Para concluir: Se com “Fado Académico” se quer significar apenas o carácter quase nacional do Canto e da Guitarra de Coimbra, por difusão em praticamente todas Academias – e recorde-se o remoto antecedente de velhos Liceus do Norte e do Centro do País –, então não me ocorrem objecções de fundo. Se com ela se pretende abrir a porta a práticas musicais híbridas, então aí vamos com calma...
Um grande abraço e votos de continuação de Boas Férias (se ainda for o caso...)
Morelinho (Sintra), 23 de Agosto de 2005
Armando Luís de Carvalho HOMEM
[1] Freguesia natal do homenageado; daí que, quando caloiro em Coimbra (ca. 1962), chegassem a chamar-lhe «Peruzinho».
[2] Às vezes uma breve expressão, um verso (ou parte...) de um poema podem ser suficientemente descaracterizadores. E isso é susceptível de acontecer nas circunstâncias mais inesperadas. Exemplificando: Leonel Neves é um nome FUNDAMENTAL na poética da Canção de Coimbra dos anos 50 a 70. Mas uma limitada vivência coimbrã pôde, pelo menos uma vez, traí-lo: refiro-me ao verso «os moços das capas pretas», que surge na «Toada do Penedo da Saudade» (há versões gravadas de Paradela de Oliveira e de Augusto Camacho; interpretação frequente de Luiz Goes, com João Bagão / Ayres de Aguillar / Fernando Neto / António Toscano / João Gomes na 1.ª série do programa «Evocação de Coimbra» [EN1 – Lisboa, ca. 1968]). Logo em 1969 ouvi o Dr. Ângelo Araújo, em conversa com meu Pai, citar a passagem e comentar – Isto nunca se disse em Coimbra !...
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