sábado, agosto 20, 2005

Os Irmãos Caetanos

António Manuel Nunes[1]

As informações seguidamente expostas bem poderiam intitular-se “Desvendando os silêncios da História da Canção de Coimbra”. São notas à margem das narrativas oficiais, conseguidas graças à preciosa colaboração de José António Caetano, discutidas e consolidadas junto do Coronel José Anjos de Carvalho. Antes de discorrer sobre o tema proposto, gostaria de formular em voz alta algumas reflexões: a) uma palavra de agradecimento a José António Caetano (filho de Francisco Caetano) e a Maria Caetano Nascimento (filha de José Caetano), presentes neste recinto, pela preciosa colaboração; b) seja-me ainda permitido felicitar o Dr. Artur Ribeiro, responsável pela organização deste evento, à frente de um Museu Académico onde escasseiam dotações financeiras, um quadro de pessoal qualificado e uma eficaz política de gestão que a Reitoria da UC tarda em decidir; d) expresso igualmente a minha inquietação perante tantos seminários e jornadas realizados nos últimos dois anos, eventos que nem sempre primam pelo convite aos mais reconhecidos investigadores, omitem actas, não reeditam fontes fonográficas nem abrem portas a recolhas e estudos de fundo. Agitação de tipo “desportos radicais”/”Portugal em acção” ou investimento num programa sério de estudos sobre a Canção de Coimbra?; e) por fim, uma palavra de tristeza perante a programação oficial da Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003, farta em festivais, mas tão magra em apostas culturais que abram horizontes aos investigadores do futuro. Passadas as festas e a euforia, nada sobra em termos de recolhas documentais, dinamização de núcleos de estudos, publicação de cancioneiros, reedição de fontes fonográficas antigas, levantamentos biográficos, catalogação, restauro e reconstituição de cordofones, salvaguarda iconográfica.

I – Incidências Biográficas
Proponho-me revisitar figuras da cultura futrica (=popular) coimbrã, quase esquecidas pela poeira do tempo. Gente do pequeno operariado citadino que nas horas vagas discutia apaixonadamente a causa republicana, cantava, dançava e dedilhava nas Fogueiras de São João, calcorreava arraiais, animava charangas de carnaval, se divertia em excursões e piqueniques, lia poesia e jornais, ensaiava e representava teatro amador. Aliás, desde meados do século XIX que o teatro era encarado pelo operariado local como uma forma de ocupação dos tempos livres e de militância cívica.

Francisco Caetano Ferreira, dito Chico Caetano, nasceu em Coimbra, na Freguesia de São Bartolomeu, no dia 1 de Fevereiro de 1884. Era filho de José Ferreira Cabelo e de Maria Adelaide Costa. Faleceu em Coimbra, na Rua da Figueira da Foz, a 5 de Fevereiro de 1956. Republicano e carbonário, opositor ao regime de Salazar, fazia gala em usar o laçarote preto dos carbonários. Grande boémio, primeiro tenor, serenateiro, actor amador, foi fabricante de seges. Foi uma das vozes activas no Rancho do Pátio da Inquisição, dirigido por José Elyseu (entre 1904-1907). Após um período de grande actividade em serenatas populares na Baixa, o pai procurou integrá-lo na vida profissional. Pressionado pela figura paterna, Francisco Caetano passou a residir em Aveiro, pernoitando em casa de um tio, irmão de sua mãe, e ali trabalhando. A estadia em Aveiro terá decorrido entre 1907-1909. Em 1909, já casado, habitou em Soure e nesta localidade lhe nasceu o primeiro filho. Republicano convicto, coube a Francisco Caetano proclamar a República na varanda dos Paços do Concelho de Soure. Em Soure trabalhou, fez teatro amador e ensaiou ranchos populares. Mais tarde trabalhou em Pombal e na Golegã.
Na década de vinte voltou a residir em Coimbra, tendo explorado uma oficina de seges e uma serralharia. Após o 28 de Maio de 1926 militou localmente na oposição republicana à ditadura. Em 1933, avisado por amigos, fugiu à Polícia Política (a “pevide”). Durante a noite, galgou a encosta do Cemitério da Conchada, apanhou o combóio e escondeu-se em Soure, donde passou a Lisboa (Campo das Cebolas). Levantada a queixa, após apadrinhamento de Bissaia Barreto, Francisco Caetano regressou a Coimbra. As crescentes dificuldades económicas do agregado familiar, agravadas pelas doenças dos filhos, levaram-no a trespassar a sejaria. A oficina de serralharia foi vendida a mestre José Pompeu Aroso (1910-1986). Em 1933, ou já em 1934, adquiriu uma taberna na Rua da Moeda (O Chico Caetano) que manteve aberta até 1944.
Francisco Caetano foi amigo próximo e admirador de Octaviano do Carmo Sá, Fortunato Mário Monteiro, José das Neves Elyseu, do antigo serenateiro e célebre Padre Boi, José Trego, maestro Álvaro Teixeira Lopes, Antero da Veiga, Flávio Rodrigues da Silva, Joaquim Ralha, Ernesto Donato, do cantor e ensaiador de ranchos Joaquim Olaio. Mostrou-se grande admirador do líder espiritual do pequeno operariado local, Adelino Veiga. Entrou como cantor e actor amador em diversas peças de teatro, cabendo recordar Cavalleria Rusticana, Leonardo o Pescador (Soure, 1914), Os estróinas (Soure, 1914), papel de General Sarmento em O Gaiato de Lisboa (Pombal), O solar dos Barrigas, Quentes e boas (Teatro Sousa Bastos, 6/07/1920), Combóio Mistério (Teatro Avenida, 1935), papel de Nicolau na opereta Os Sinos de Corneville (Coimbra). A sua morte mereceu uma menção elogiosa no República, de 11 de Fevereiro de 1956, onde vem referido como democrata e republicano estimado.
Em Fevereiro de 1928 gravou para a Columbia, seguindo-se por Maio/Junho outra série fonográfica na Odeon. Foram seus acompanhadores o maestro e compositor Álvaro Teixeira Lopes (piano), José Caetano (violão) e Alberto Caetano (alaúde e guitarra). Excluindo duas a três peças herdadas do século XIX, o grosso do repertório fonográfico de Francisco Caetano é constituído por temas compostos entre 1900 e 1927, centrando-se na obra assinada pelo professor de música e antigo estudante universitário António Maria Dias da Costa, pelo serenateiro, compositor e ensaiador do Rancho do Pátio da Inquisição, José das Neves Elyseu, bem como pelo maestro, compositor e instrumentista Álvaro Teixeira Lopes. Temas populares, temas de autor, compostos na primeira década do século XX para as Fogueiras de São João e Serenata Fluvial Futrica da Rainha Santa, temas extraídos de récitas de costumes populares, temas de feira e taberna (os fados corridos). Não possuindo qualquer formação musical, Francisco Caetano revela-se notável intérprete espontâneo. Voz potente, de sentimentalidade moderada, com belos momentos ariosos (Pierrot, Fado Amoroso). Canta dentro do chamado estilo Manassés, isto é, “à moda antiga”, desvelando uma forma de interpretação comum aos universos académico e futrica herdada de oitocentos e ainda não contaminada pelos excessos ultra-românticos protagonizados a partir de 1915 por António Menano. É aquilo que temos vindo a designar por “Estilo Belle Époque”: vozes redondas, entre o tenor alongado e o barítono consistente, encostadas à opereta vulgar de bordadura ariosa. O estudo do repertório de Francisco Caetano e de seus irmãos aponta para um dado da maior importância: no crepúsculo da década de 1920 a CC ainda não se encontra totalmente autonomizada da Música Tradicional de Coimbra (folclore), confirmando elementos incontornáveis para uma explicação mais fundamentada das origens deste género musical.

Alberto Ferreira Caetano nasceu na freguesia de São Bartolomeu, Coimbra, no dia 12 de Dezembro de 1888. Veio a falecer na mesma cidade em 16 de Agosto de 1944. Foi canteiro de profissão, na tradição dos João Machado e demais discípulos de António Augusto Gonçalves. Deixou no Cemitério da Conchada um primoroso jazigo esculpido onde figuram o seu nome e a data de 1924. Notável executante de alaúde, também tocava guitarra toeira em afinação natural. Uma pneumonia tratada no sanatório do Caramulo e o reumatismo ajudaram a encurtar-lhe a existência. Como executante de guitarra não sobressai do desempenho usual na sua época. Porém, distingue-se com tocador de alaúde, propondo arranjos interessantes e transpondo para o alaúde dedilhados herdados da viola toeira. Gravou duas variações de sua autoria (Pedras do Arnado e Improviso), tendo-se destacado como caracterizador em diversas peças de teatro popular.

José Ferreira Caetano, de alcunha O Porras do Alaúde, nasceu na freguesia de São Bartolomeu no dia 10 de Dezembro de 1894 e faleceu no ano de 1971. Trabalhou como archeiro da Universidade de Coimbra e posteriormente como funcionário da Secretaria da Faculdade de Medicina da UC e da Secretaria Geral da UC. Bom executante de violão (usava um modelo de caixa grande, com pá dupla e 3 bordões superiores), era senhor de notável voz de barítono, destacando-se na interpretação de temas de grande envergadura vocal como o Fado Maria (dito Fado Manassés). Participou em inúmeras serenatas populares e tocou nos ranchos sanjoaninos da Baixa. Deixou rasto como actor amador. Na primeira metade da década de 1930 integrou o famoso grupo Salsichon, com sede no antigo prédio da União Nacional (actual Caixa Geral de Depósitos), em cujos baixos funcionava a célebre tasca e salsicharia de Zé das Salsichas. Nesta tasca decorriam os ensaios do Salsichon, formação constituída por violões (José Caetano, José Trego), bandolins, banjo e clarinete. O Salsichon actuou regularmente em Coimbra e nos povoados limítrofes do concelho, tendo realizado em Julho de 1936 uma famosa serenata fluvial em honra da Rainha Santa. Ficou célebre a dita serenata, pois no momento do desembarque José Caetano caiu desamparado ao rio, de violão em punho. José Caetano também se dedicou ao teatro amador, tendo figurado na opereta O viver amar e sentir. Nas décadas de 40-50, os alunos de Medicina costumavam convidá-lo para cantar e tocar em festas estudantis e repúblicas. Como nota dominante do seu visual, manteve o uso de laçarote preto carbonário.

II - Outros protagonistas
-Miguel COSTA: poeta operário conimbricense, activo entre finais do século XIX e inícios do século XX. Colaborou com o Rancho do Largo do Romal, Rancho da Rua do Borralho e Rancho do Alto de Santa Clara. Escreveu versos e músicas para operetas populares (Princesa Encarnada, Amores de Mariana). Nasceu em Coimbra a 4 de Novembro de 1859 e faleceu em Outubro de 1914. Foi sobretudo um notável pintor cerâmico, em louças e azulejos. Deixou painéis cerâmicos na Capela de Nossa Senhora de Lurdes (Oliveira do Hospital), Grande Hotel do Luso (Mealhada), Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego)[2].
-Fortunato Mário MONTEIRO: estudante de Direito formado em 1908[3]. Nasceu em Midões, tendo falecido no Brasil em 1951. Poeta, escritor, republicano militante, membro da Tuna Académica e seu presidente, activista na Greve Académica de 1907 contra o regime de João Franco, colaborou com o Rancho do Pátio da Inquisição. Foi autor dos livros Coimbra, Tipos de Coimbra, Alcácer Kibir, Angelus, Divino Amor, Moleirinhas, Aldeia em festa, Pavões, Altiva, Rosário de luz, Eterna comédia, Lição ao povo, Urzes do Monte, Trovas de Coimbra. Dramaturgo, assinou peças que foram representadas em Portugal e no Brasil: Amor de Perdição, Lobos na Serra, A vida militar ou o 32 de dragões, 5 de Outubro, Amores de Tricana. Terminado o curso advogou em Lisboa, onde fundou o jornal republicano independente A Alvorada (1912-1913). Activista ligado ao movimento revolucionário de 27/04/1913, refugiou-se no Brasil, tendo sido julgado à revelia pelos tribunais militares de Lisboa (14/05/1914) e condenado a ostracismo por 10 anos. Incompatibilizado com Afonso Costa, caricaturou-o na palestra Afonso Costa coroado Imperador.
-Benjamim VENTURA: poeta operário, amigo de Adelino Veiga, activo no Rancho do Largo do Romal na segunda metade do século XIX.
-António “FIGO”: mandador no Rancho do Alto de Santa Clara (finais do século XIX; inícios do século XX).
-João PATRÍCIO: mandador no Rancho do Alto de Santa Clara. Contemporâneo de António Figo.
-PÍFARO: mandador no Rancho da Arregaça.
-BORDALO: mandador no Rancho da Arregaça.
-João Pinto de MAGALHÃES (dito João Lagoaça): latoeiro, residente na Alta, fundador do Rancho da Rua do Borralho e Rua Larga. Ensaiador e compositor amador, tocador de violão.
-António COCHICHO: colaborador de João Pinto de Magalhães, ensaiador do Rancho da Rua Larga.
-Maximiano VEIGA: chapeleiro conimbricense, irmão de Adelino Veiga. Poeta popular de veia satírica, grotesca e pornográfica.
-Antero Teixeira de Sousa LEITE: archeiro da UC, versejador nas Fogueiras de São João.
-Francisco Lopes Lima de MACEDO Júnior: Nasceu em Coimbra pelo ano de 1858 e faleceu em 1939. Bedel da Faculdade de Teologia, organista da Universidade, professor de música da UC, compositor. Autor das partituras de diversas récitas estudantis entre finais do século XIX e inícios do século XX. Regente da Tuna Académica. Autor de temas emblemáticos da Canção de Coimbra. Grande divulgador local de óperas, operetas, mazurcas, polcas, valsas, marchas, oriundas de Espanha, França, Itália, entradas em Portugal por via de Lisboa e Porto.
-José Maria GALEÃO: bedel da UC, executante de rabecão nas Fogueiras de São João.
-Luís MESQUITA: tipógrafo na Minerva Central, tenor, serenateiro popular, actor amador no Teatro dos Borras à Rua da Sofia.
-BASÍLIO: barbeiro, tenor, actor amador no Teatro dos Borras, à Rua da Sofia, serenateiro.
-Amélia JANY: poetisa. Filha ilegítima do Doutor António Marques Correia Caldeira e de Maria Herculano da Silva Veiga , nasceu em Coimbra no dia 24 de Fevereiro de 1842. Faleceu em Coimbra a 19 de Novembro de 1914. Conhecida pela alcunha de O Cisne do Mondego, protagonizou importantes inovações na sociedade coimbrã com as suas declamações no Teatro Académico e saraus poético-literários e musicais dados na sua casa à Couraça de Lisboa. Ali ficaram célebres os bailes de carnaval com máscaras e fantasias, as declamações poéticas e os momentos musicais com piano, guitarra e rabeca. Poeticamente contestada por estudantes literatos da geração de Afonso Lopes Vieira, foi depreciativamente alcunhada A Pata do Mondego, facto que em nada beliscou a sua reputação[4].
-José das Neves ELYSEU: Coimbra, 1872; idem, 1924. Professor na Escola Agrária de Coimbra, fundador e ensaiador do Rancho do Pátio da Inquisição, compositor, serenateiro, executante de rabeca. Autor de notáveis peças como Balada do Mondego (vulgo de Coimbra), Não Ames (vulgo Valsa em Fá).
-Henrique de Miranda Martins de CARVALHO: neto do jornalista Joaquim Martins de Carvalho, filho do general Francisco Martins de Carvalho, nasceu em Cinfães no ano de 1880 e faleceu na cidade de Lisboa a 18 de Fevereiro de 1940. Após estudos no Liceu de Coimbra, concluiu o curso de Direito em 1907. Poeta, amigo próximo de José Elyseu, executante de violão, foi nomeado administrador do Concelho de Cinfães em 1908. Exerceu o notariado e advocacia em Abrantes.
-Adelino VEIGA: Coimbra, 13 de Outubro de 1842; idem, 8 de Março de 1887. Operário, poeta, actor amador, republicano, defensor da causa operária. Ensaiador do Rancho do Romal nas décadas de 1870-1880 e responsável pela invenção dos “pavilhões” nas Fogueiras de São João. Autor de avultado número de letras para fados destinados á ilustração do operariado local e de danças que entraram anonimamente do repertório popular[5].
-Dr. João Augusto ANTUNES (Padre Boi): filho de Luís Antunes e de Teresa de Jesus, nasceu em Coimbra no dia 15 de Novembro de 1863. Faleceu em Condeixa a 26 de Agosto de 1931. Bacharel pela Faculdade de Teologia da UC (1880-1886), Bacharel em Direito (1887-1892), Padre (1887), pertenceu à orquestra do Teatro Académico, foi actor amador, serenateiro, compositor, pároco em Condeixa (desde 1894), Conservador do Registo Predial de Condeixa (desde 1895), ensaiador de folclore, regente do Orfeon de Condeixa (1903-1927), director da Escola de Desenho Industrial de Coimbra (1914-1927), crítico de arte, professor de Canto Coral na Escola Agrária de Coimbra. Deixou fama de inveterado boémio, pantagruélico garfo, pai de uma trintena de rebentos. Amigo íntimo e conviva de Chico Caetano, ficou célebre o convite para um leitão da Bairrada, repasto de que Chico Caetano apenas provou as orelhas[6].

III – Relação dos masters fonográficos
São arrolados por ordem crescente os masters fonográficos da editora Columbia (possivelmente gravados no Porto, 1928) que vão de P.292 a P. 317. As matrizes P. 294 (Canção do Beijo) e P. 295 (Fado em Ré Menor) não se encontravam no arquivo particular de José António Caetano, nem este delas tinha conhecimento, tendo sido comunicadas ao autor pelo Coronel José Anjos de Carvalho. Fica assim a dúvida se os masters em questão serão P. 294 e P. 295 ou antes P. 284 e P. 285. Ambas as matrizes foram repetidas na série da casa Odeon, embora ignoremos se as letras cantadas são as mesmas.

P. 292 (Columbia 8125): BALADA DE COIMBRA (Já branca lua alveja a terra)
P. 293 (Columbia 8126): Ó ÁGUIA (Ó fonte que estás chorando)
P. 294 (Columbia 8127): CANÇÃO DO BEIJO (Todas as tardes eu passo)/Omisso
P. 295 (Columbia 8127): FADO EM RÉ MENOR (Ó preso, tu vais morrer)/Omisso
P. 303 (Columbia 8125): FOLGUEDOS (Quem inventou os folguedos)
P. 304 (Columbia 8128): CANÇÕES DO RANCHO (vibram-se as cordas)
P. 310 (Columbia 8129): FADO DO DESESPERO (De mim ninguém tenha dó)
P. 311 (Columbia 8128): NA RODA SEM PAR (Levadinho para o mar)
P. 312 (Columbia 8130): CORAÇÃO MORTO (Esta noite sonhei eu)
P. 313 (Columbia 8131): MORENINHA (Chamaste-me moreninha)
P. 314 (Columbia 8126): CHORADINHO (Igreja de Santa Cruz)
P. 315 (Columbia 8130): PEDRAS DO ARNADO (solo de alaúde)
P. 316 (Columbia 8131): HISTÓRIA DE PIERROT (Noite linda, suave, discreta)
P. 317 (Columbia 8129): FADO AMOROSO (Quando eu tinha sete anos)

São arrolados por ordem crescente os masters comercializados pela casa Odeon (Lisboa, 1928), cujo intervalo varia entre Og 700 (etiqueta esborratada, podendo ser 706) e Og 718, posicionados logo após a série António Menano (Og 652 a Og 697). A matriz Columbia G-1088-X, Og 706, foi comercializada nos Estados Unidos da América, possivelmente com direitos comprados pela Odeon.

Og 700 (Odeon 136.332): CANÇÃO DO BEIJO (Todas as tardes eu passo)
Og 706 (Columbia G-1088-X, USA): CANÇÃO DO BEIJO (Todas as tardes eu passo)
Og 707 (Odeon 136.333): FADO DE COIMBRA (Aqui tens meu coração)
Og 708 (Odeon 136.332): CHORA A CANTAR (Mui triste a minh’alma canta)
Og 709 (Odeon 136.333): FADO EM RÉ MENOR (Ó preso tu vais morrer)
Og 710 (Odeon 136.334): CANÇÃO TRISTE DE COIMBRA (Dizem sempre que é o mais triste)
Og. 711 (Odeon 136.336): FADO CHICO CAETANO (Coimbra toda em descantes)
Og 713 (Odeon 136.334): CANÇÃO DA BENCANTA (Maria, quando eu morrer)
Og 714 (Odeon 136.335): CANÇÃO DA MORENA (Que te importa ser morena)
Og 715 (Odeon 136.335): JÓIA QUERIDA (Corre em silêncio o Mondego)
Og 716 (Odeon 136.336): FADO DO HILÁRIO (Foi-se o Hilário, morreu)
Og 717 (Odeon 136.337): FADO CORRIDO (Mataram-me o coração)
Og 718 (Odeon 136.337): IMPROVISO (solo de alaúde)


IV - Inventário das matrizes fonográficas
A inventariação apresentada é feita de acordo com o trabalho de recolha efectuado na Fonoteca Municipal de Coimbra, no dia 17 de Junho de 2003, data em que foram verificadas e anotadas as etiquetas dos discos contidos num estojo pertencente a José António Caetano. Os temas surgem arrolados aos pares, correspondendo às duas faces de cada disco, ordem que seguiremos na transcrição das letras e identificação de autorias.

A – Discos de 78 rpm Columbia (etiqueta Londres), possivelmente gravados no Porto, ao Palácio dos Carrancas, em Fevereiro de 1928. A título comparativo, diga-se que os masters das gravações Bettencourt (Fevereiro/1928, Porto) vão de P. 300 a P. 333. Os de Francisco Caetano variam entre P. 292 e P. 317. A filial portuguesa dos estúdios Columbia patenteia melhor qualidade na captação dos sons, prensagem dos discos e cuidadoso tratamento das etiquetas, onde normalmente figuram as autorias dos temas e os nomes dos instrumentistas. Esta série teve comercialização internacional.

Columbia 8131 P313 MORENINHA (Chamaste-me moreninha)
Columbia 8131 P316 HISTÓRIA DE PIERROT (Noite linda, suave, discreta)

Columbia 8130 P315 PEDRAS DO ARNADO (variação)
Columbia 8130 P312 CORAÇÃO MORTO (Esta noite sonhei eu)

Columbia 8128 P311 NA RODA SEM PAR (Levadinho para o mar)
Columbia 8128 P 304 CANÇÕES DO RANCHO (Vibram-se as cordas)

Columbia 8126 P314 CHORADINHO (Igreja de Santa Cruz)
Columbia 8126 P293 Ó ÁGUIA (Ó fonte que estás chorando)

Columbia 8129 P317 FADO AMOROSO (Quando eu tinha sete anos)
Columbia 8129 FADO DO DESESPERO (De mim ninguém tenha dó)

Columbia 8125 P292 BALADA DE COIMBRA (Já branca lua alveja a terra)
Columbia 8125 P303 FOLGUEDOS (Quem inventou os folguedos)

B-Discos Odeon de 78 rpm (Lisboa), gravados em Lisboa, circa Maio/Junho de 1928. A filial lisboeta da Odeon revela menos qualidade na captação dos sons e descuido na identificação de autorias. Nesta editora raramente são identificados os instrumentistas e os temas são editados sem menção de autor, ou aparecem rotulados de “popular” (opção oficial?). Esta série conheceu circulação internacional.

Odeon 136.336 Og. 711 FADO CHICO CAETANO (Coimbra toda em descantes)
Odeon 136.336 Og. 716 FADO DO HILÁRIO (Foi-se o Hilário, morreu)

Odeon 136.337 Og. 717 FADO CORRIDO (Mataram-me o coração)
Odeon 136.337 Og. 718 IMPROVISO (variação)

Odeon 136.334 Og. 710 CANÇÃO TRISTE DE COIMBRA (Dizem sempre que é o mais triste)
Odeon 136.334 Og. 713 CANÇÃO DA BENCANTA (Maria quando eu morrer)

Odeon 136.335 Og. 714 CANÇÃO DA MORENA (Que t’importa ser morena)
Odeon 136.335 Og. 715 JOIA QUERIDA (Corre em silêncio o Mondego)

Odeon 136.332 Og. 706 CANÇÃO DO BEIJO (Todas as tardes eu passo)
Odeon 136.332 Og. 708 CHORA A CANTAR (Mui triste minha alma canta)

Odeon 136.333 Og. 707 FADO DE COIMBRA (Aqui tens meu coração)
Odeon 136.333 Og. 709 FADO EM RÉ MENOR (Ó preso tu vais morrer)

V - Títulos, autorias, letras
Transcrição realizada por António Manuel Nunes, com a estreita colaboração de José António Caetano em Maio de 2003. Correcção e acerto de textos auxiliada pelo Coronel José Anjos de Carvalho. Matrizes fonográficas digitalizadas em computador na Fonoteca Municipal de Coimbra, sob orientação da Dr. Ilda Carvalho, em Maio de 2003.

Título: MORENINHA (serenata)
Incipit: Chamaste-me moreninha
Música: popular
Letra: popula
Função inicial: serenata
Data: circa 1850
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Chamaste-me moreninha,
Eu moreninha não sou;
Por me chamares moreninha
Já minha mãe me ralhou.

(estribilho)
(E) Ó moreninha, és tão bonita
És tão catita, ai Jesus, meu Deus!
(E) És os meus braços, meus laços
Dos meus enlaços, meu Deus dos céus.

Chamaste-me espanholita
Por eu trazer avental,
É uso da minha terra
Não deves levar a mal.

(estribilho)

Notas: a letra é claramente de origem popular, recebida por transmissão oral; na repetição dos versos, o cantor parece dizer “morenita”; faz acertos de sílabas, pronunciando “male”; faz conjugação popular no verbo chamar, dizendo “chamastes-me”; esta peça não coincinde com outras antigas “morenas” do século XIX presentes nas recolhas de César das Neves e Adelino das Neves e Melo. O acompanhamento remete-nos para os lunduns então em voga.


Título: HISTÓRIA DE PIERROT (serenata)
Incipit: Noite linda, suave, discreta
Música: Álvaro Teixeira Lopes
Letra: A Gonçalves da Cunha
Origem: Coimbra
Função inicial: récita popular
Data: circa 1925-1927
Piano: Álvaro Teixeira Lopes

Noite linda, suave, discreta,
Que o luar a morrer romantiza,
Sensual, o perfume, a violeta
Ri e baila nas asas da brisa.

(Ai) Columbina, fremente d’amor,
Flor tão bela, d’arminho e cetim,
De mil beijos, preliba o sabor
Esperando o traidor Arlequim.

Surge, enfim, o amante ladino
Que nos lábios traz filtros fatais,
Na cadência do estro divino
Soam beijos d’amor imortais.

Suas bocas já se casam
Na paixão que as empolgou,
Mas ciúme e dor abrasam
O traído Pierrot.

A mulher é como a vida,
Ninguém a sabe guardar;
Quando sente amada e querida
É que pensa em nos deixar.

Notas: Gonçalves da Cunha, poeta local, autor do livro “Trovas de Coimbra”; a 3ª e 5ª quadras parecem constituir uma espécie de estribilho. Seria interessante comparar esta melodia e respectiva letra com “Serenata de Arlequim”, da autoria do compositor Lambelet, estreada pela Tuna Académica em 1920.

Título: PEDRAS DO ARNADO (instrumental)
Música: Alberto Caetano
Data: circa 1915
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano


Título: CORAÇÃO MORTO
Incipit: Esta noite sonhei eu
Música: Francisco Caetano
Letra: quadra (mote) popular; décimas (glosa) Adelino Veiga
Data: circa 1920-1921
Origem: Coimbra
Função inicial: animação musical
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Esta noite sonhei eu
Que me morreu minha mãe
Acordei pedi a Deus
Que me levasse também.

Deixa, mãezinha adorada
Que nos teus braços me acoite;
Se soubesses... esta noute
Foi dum sonho atormentada.
Julguei eu ver-te ó! Mãe!... gelada,
À beira do mausoléu!...
Vê tu que tormento o meu,
Que martírio tão medonho!...
Que sonho!... que horrível sonho
Esta noute sonhei eu!...

Corria em jorros meu pranto,
Levantava aos céu meus ais,
Pois... oh! Mãe!... não ver-te mais,
A ti que amo tanto, tanto,
Da minha dor no espanto,
Ao perder-te, oh! Doce bem!...
Aflita e louca também,
Eu disse: “Oh! Deus de ternura;
(Ai) Dá-me a paz da sepultura,
Que me morreu minha mãe!”

Notas: cf. a letra original pelo livro de Adelino Veiga, a Lira do Trabalho, págs. 27-29; esta composição parece comportar alguns elementos fadográficos; julgamos que Francisco Caetano aproveitou a letra de Adelino Veiga para evocar o falecimento de sua mãe ocorrida por volta de 1920-1921, Maria Adelaide Costa Ferreira.


Título: NA RODA SEM PAR (canção)
Incipit: Levadinho para o mar
Música: Luís Pinto de Albuquerque
Letra:Fernandes Duarte
Origem: Coimbra
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1906
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Levadinho para o mar
Vai o rio mansamente,
Fala à areia que é seu par
O murmúrio da corrente.

A noite é linda, serena;
Que encanto vai lá nos céus,
Para vencê-lo morena
Só os teus olhos nos meus.

É como a água do mar
O amor na viração,
Beija a praia e ao voltar
Traz de novo o coração.

(estribilho)
O céu tem estrelas,
Lá anda o luar
Brincando com elas
Na roda sem par.

A ti meu amor
Eu te peço cativo,
A ti que és a flor
Por quem eu só vivo.

Não vá eu ficar
Na roda sem par.

Notas: o cantor acrescenta um E final em mar, par, voltar, amor, flor e ficar; tema nº 29 da série de Canções Populares da Litografia Corrêa Cardoso; não é conclusivo que Fernandes Duarte seja o poeta Joaquim Afonso Fernandes Duarte.


Título: MARCHA DO PÁTIO DA INQUISIÇÃO (marcha)
Título vulgar: Canções do Rancho
Incipit: Vibram-se as cordas
Música: José das Neves Elyseu
Letra: Henrique Martins de Carvalho
Data: 1903
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Vibram-se as cordas,
Dos violões:
Que a noite inspira,
Meigas canções.

Já pelas ruas,
Vendo as fogueiras,
Lindas tricanas
Passam ligeiras.

Param ouvindo, (“Passam”)
Nossos cantares,
Fogem em busca (“Vão procurando”)
Doutros lugares. (“Outros)

Leves, airosas,
Cheias de vida;
Nada as detém,
Nessa fugida. (“Nessa fadiga”)

(estribilho)
Rapazes e raparigas,
Ouvi as nossas cantigas,
Feitas de crença e amor;
Pela boca duma fada,
Ditou-as a madrugada,
A lira dum trovador.


Título: CHORADINHO
Incipit: Igreja de Santa Cruz
Música: popular
Letra: popular
Origem: Alta de Coimbra
Função inicial: serenata?
Data: 2ª metade do século XVIII; 1º quartel do século XIX
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Igreja de Santa Cruz (bis)
(Ai) Feita de pedra morena
Dentro dela ouvem missa (bis)
(Ai) Dois olhos que me dão pena.

(estribilho 1)
Larilolela
(Ai) Lirilili
Não chores amor,
Eu sofro por ti.

Arrumei c’uma laranja (bis)
(Ai) De Santa Clara ao cais
Para ver se me esquecias (bis)
(Ai) cada vez me lembras mais.

(estribilho 2)
Larilolela
(Ai) Larilóló
Não chores amor,
Não chores, lóló
Larilolela
Santa Comba Dão
Nasceu-me uma rosa
Na palma da mão (bis)
Santa Comba Dão.

Corre, corre, meu cavalo (bis)
(Ai) Enquanto puderes correr
À porta da minha amada (bis)
(Ai) Até vir o amanhecer.

(estribilho 3)
Larilolela
Santa Comba Dão
Nasceu-me uma rosa (bis)
Na palma da mão (bis)
Santa Comba Dão.

Notas: esta peça de serenata constitui um dos espécimes mais remotos da CC. Melodicamente, resulta de uma adaptação do Estalado, que por seu turno entronca na família dos Malhões da Beira Litoral. O acompanhamento é inequivocamente herdado da Viola Toeira e merece comparação com o modo como os tocadores de viola da terra acompanham a Fofa e o Tanchão na Ilha de São Miguel Admitimos que certos tocadores de viola de arame optassem por um acompanhamento centrado nos tons de Ré Menor/Lá de 7ª, próximo da marcação do fado corrido menor. João de Deus Ramos é apontado como intérprete deste tema na década de 1850 (Reis Dâmaso, João de Deus e a sua obra, Lisboa, Livraria Ferin & Ca., 1895, págs. 10-11). A letra foi transcrita tal qual Francisco Caetano a canta, com a ajuda de seu filho José António Caetano (que também nos trauteou esta e todas as melodias gravadas por seu pai). O Choradinho, “dolente canção popular” foi cantado nos festejos estudantis do Centenário da Sebenta, em 1899, com uma letra adaptada por Afonso Lopes Vieira (Cf. Octaviano de Sá, Nos domínios de Minerva, 1938, pág. 32). Uma variante que também se cantaria no estribilho desta canção seria “Santa Comba Dão/Nasceu-me uma rosa/Na palma da mão/Junto ao coração”.


Título: Ó ÁGUIA
Subtítulo: Fado da Despedida do Quinto Ano Jurídico de 1906
Incipit: Ó fonte que estás chorando
Música: António Maria Dias da Costa
Letra: Camilo Castelo Branco
Origem: Coimbra
Função inicial: récita de despedida de estudantes de Direito
Data: 1906
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Ó fonte, que estás chorando,
Não tardarás a secar
Mas os meus olhos são fontes
Que não cessam de chorar.

(Estribilho)
Oh águia que vais tão alta
Por essas serras além,
Leva-me ao céu onde eu tenho
A alma de minha mãe.

Ai! Triste da minha vida,
Ai! Triste da vida minha,
Quem me dera ir contigo
Onde tu vais, andorinha.

(Estribilho)
Rouxinol canta de noite,
De manhã a cotovia,
Todos cantam, só eu choro
Toda a noite e todo o dia.

Notas: este tema foi tocado à guitarra e cantado pelo estudante Custódio José Vieira na récita dos quintanista de Direito em 1906. Saiu uma partitura na Litografia Biel & Ca., do Porto (1906), com a seguinte ordem de quadras: 1) Ó fonte; 2ª Ai! Triste; 3ª Rouxinol; 4ª Ó águia. Noutra partitura, da Litografia Corrêa Cardoso (1906), a ordem das quadras é a seguinte: 1ª Ó fonte; 2ª Ò águia; 3ª Ai! triste; 4ª Rouxinol. Cronologicamente, a edição coimbrã é a última, devendo entender-se que o autor da música entendeu rever e fixar a ordem definitiva das quadras. Acontece que Francisco Caetano segue outra ordem, além de não respeitar a letra original. Rapidamente se popularizou este tema e na noite de 23 para 24 de Junho de 1906 foi cantado no pavilhão das Fogueiras da Rua Larga por uma das filhas do ensaiador João Pinto de Magalhães (João Lagoaça).

Título: FADO AMOROSO (serenata)
Incipit: Quando eu tinha sete anos
Música: Álvaro Teixeira Lopes
Letra: Adelino Veiga
Origem: Coimbra
Função inicial: récita popular; serenata popular
Data: 1925-1926
Piano: Álvaro Teixeira Lopes

Quando eu tinha sete anos,
Se me perguntava alguém
Quem era que eu mais amava,
Eu dizia: a minha mãe.

Depois, cresci; e no mundo,
Lancei-me nos turbilhões
E dei a mente às loucuras
E dei o peito às paixões.

Notas: cf. a letra original pelo livro A Lira do Trabalho. Este tema não se confunde com o título igual cantado por Manassés de Lacerda Botelho (Fado Amoroso), cuja música é do próprio Manassés e da qual existe no Museu Académico um 78 rpm (Cf. Fado Amoroso, voz de Augusto Lopes, guitarra por M Caramés, viola por Rogério, disco Parlophon 12859-B Og 2037, de etiqueta vermelha e edição brasileira).


Título: FADO DO DESESPERO
Incipit: De mim ninguém tenha dó
Música: D. José Pais de Almeida e Silva
Letra: Dr. Manuel Camões
Origem: Coimbra
Função inicial: serenata académica
Data: 1926-1927
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

De mim ninguém tenha dó
Por me ver abandonado;
Quem ama nunca anda só
Anda sempre acompanhado.

Para te amar, meu amor,
Eu subi ao céu estrelado;
Pedi a Nosso Senhor
Um coração emprestado.


Título: BALADA DO MONDEGO (serenata)
Título vulgar: Balada de Coimbra
Incipit: Já branca lua alveja a terra
Música: José das Neves Elyseu
Letra: Dr. Henrique Martins de Carvalho
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: serenata futrica; Fogueiras de São João
Data: 1902
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Já branca lua
Alveja a terra,
Já negra serra
Tem alva cor!
Pelo Mondego
Ouvem-se apenas
Trovas serenas,
Feitas d’amor.

Tristes, bem tristes,
Nossas canções,
São ilusões
Da mocidade;
São os queixumes
Dum peito triste,
Peito onde existe
Uma saudade.

(estribilho)
Porém que importa,
Saudade infinda?
A noite é linda...
Lindo o luar!
Cantai rapazes,
Às raparigas!
Ternas cantigas
A suspirar.

E os nossos cantos,
Puros, singelos,
São os anelos
Duma ilusão!
Pelos espaços
Vão ecoando
Ao sopro brando
Da viração.

Notas: a primeira gravação deste tema foi efectuada em 1904 pelo cantor profissional Avelino Baptista. Caetano não canta a 3ª estrofe conforme o original que transcrevemos. De acordo com a tradição familiar, José Elyseu compôs os rudimentos desta balada em 1898 e pela Primavera/Verão desse ano estreou-a numa serenata dada em Penacova (na rabeca José Elyseu, no violão Henrique Martins de Carvalho, cantou Casimiro Pessoa, cunhado de Elyseu). Para efeitos de estreia oficial considera-se, no entanto, a noite de 23 para 24 de Junho de 1902 nas Fogueiras de São João do Pátio da Inquisição. O Grupo Folclórico de Coimbra assinalou o centenário desta balada em 7 de Julho de 2002, com uma serenata popular nas escadarias da Igreja de Santiago. Balada do Mondego constitui o suporte da harmonização concebida por Artur Paredes em 1925-1926 na Balada de Coimbra (78 rpm His Master’s Voice 7-69284 EQ 93, com 2ª guitarra de Afonso de Sousa e violão por Guilherme Barbosa). A etiqueta deste disco não indica Elyseu como autor da música original, facto que motivou um contencioso judicial entre Paredes e os herdeiros de Elyseu. O original é uma balada para solista e coro, em compasso ternário e tom de Mi Menor, com passagem ao relativo maior no trecho inicial do estribilho. O arranjo de Artur Paredes foi desenvolvido em tom de Lá Menor. Na partitura Nº 12 da Lithographia e Typographia Corrêa Cardoso, ano de 1906, da série Canção Popular de Coimbra, este espécime apresenta apenas as duas primeiras coplas sob a forma de quadras e o estribilho em oitava. O texto poético contém algumas imperfeições, corrigidas em edições posteriores e a métrica das pretensas quadras oscila entre as oito e as nove sílabas. Num folheto intitulado “Canções Populares de Coimbra”, Lisboa, Lithographia Monteiro Sucursal de Castro & Cª L. Magdalena, 1907, a partitura nº 2 é designada tout court por Ballada, agora acrescida da 3ª estrofe (E os nossos cantos, puros, singelos), e correcções ao texto primitivo de 1902 (versão aqui adoptada). Por estritas razões de falta de espaço, tanto as estrofes como o estribilho aparecem convertidos em quadras, persistindo a oscilação entre versos octossilábicos e nonassilábicos. Salvo melhor opinião, e porque se trata de uma transcrição/reconstituição crítica, entendemos que todas as estrofes fazem mais sentido como oitavas quadrissilábicas. Antes da gravação instrumental de Artur Paredes, o tema em apreço já era vulgarmente designado por “Balada de Coimbra”, vulgarismo que não podemos corroborar dado que José Elyseu compôs e publicou em 1916 um tema intitulado Balada de Coimbra.


Título: FOLGUEDOS (canção)
Incipit: Quem inventou os folguedos
Música: António Maria Dias da Costa
Letra: Amélia Jany
Origem: Coimbra
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1906
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Quem inventou os folguedos,
As festas do São João,
Quis bem saber os segredos
Ocultos no coração.

Porque a dança doidejante,
A folia que entontece,
Deixa luzir num instante
O que apagado parece.

As estrelas que nos fitam,
Lá da altura a fulgurar,
Vêm seios que palpitam
A paixão em cada olhar.

Os violões com ternura,
As guitarras suspirosas,
Todos falam da ventura
Das nossas almas ditosas.

(estribilho)
Ó raparigas,
Folgai, folgai;
Doces cantigas
Voai, voai.
Sopro divino,
Leve rumor,
Soltai o hino
Do nosso amor.

Notas: Francisco Caetano omite, no fonograma, a 3ª e 4ª coplas. A nossa transcrição contempla o texto original integral, com base na partitura de época.


Título: FADO CHICO CAETANO
Incipit: Coimbra toda em descantes
Música: Francisco Caetano
Letra: 1ª quadra de António Caetano Macieira Júnior; 2ª quadra de Fortunato Mário Monteiro; 3ª quadra de Adelino Veiga
Origem: Coimbra
Data: circa 1907-1909
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: Alberto Caetano

Coimbra toda em descantes
É uma guitarra a chorar;
(Ai) As cordas são as amantes,
(Ai) O trovador o luar.

Quem quer beijinhos d’amor
Abraços, amor quem quer? (“Abraços d’amor quem quer”?)
(Ai) Os beijos e os abraços (“Os abraços mais os beijos”)
o da mulher. (“São a graça da mulher”)

Mataram-me o coração
Com um punhal – desconforto!
(Ai) Vai baixar à terra fria
(Ai) Rezai por ele que vai morto.

Notas: a 2ª quadra é tirada, com adulterações, da canção Beijinhos d’Amor, música de Lamartine Tito, letra de Mário Monteiro, recolhida e editada por Costa Pinheiro no livreto “Canções de Coimbra”, Livraria Neves Editora, 1916.

Título: FADO HYLARIO MODERNO (fado-serenata)
Título vulgar: Fado do Hilário
Incipit: Foi-se o Hilário, morreu
Música: Augusto Hilário da Costa Alves e Manassés de Lacerda Botelho
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de Bernardo Rodrigues de Passos; 3ª quadra de autor desconhecido
Origem: Coimbra
Função inicial: serenata académica
Data: circa 1902-1904
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Foi-se o Hilário. Morreu.
Já não há quem cante o fado.
Vesti-vos, pois ó guitarras,
(Ai) De luto muito pesado.

Eu não sei quem fez o fado
(Ai) Mas disso tenho a certeza,
Quem lhe deu tanta tristeza
(Ai) Amou e não foi amado.

Ó guitarra geme, geme,
Ó guitarra geme, sim,
Minh’alma também geme
(Ai) Quando alguém chora por mim.

Notas: não se trata do Fado Serenata do Hilário composto em 1894, editado em partitura nesse mesmo ano e gravado em cilindros Edison pelo próprio autor (a primeira gravação em disco foi concretizada por Avelino Baptista no ano de 1904). A versão melódica Francisco Caetano provém dos discos Manassés, e também foi gravada na década de 1920 por António Menano e Adelina Fernandes, comportando três letras diferentes. A de António Menano reflecte mais semelhanças literárias com a matriz Manassés de Lacerda Botelho. Recorde-se que entre 1904-1906 Manassés gravou duas matrizes de Fado Hylário Moderno, respectivamente Beka 7373 e Gramophone 362297. Cotejando a partitura das colecções Manassés com as três mencionadas gravações dos anos vinte, verificam-se pequenas alterações na linha melódica primitiva. Em 1927, Artur Paredes procedeu a uma harmonização inovadora sobre esta melodia (78 rpm His Master’s Voice 7-69263 M. H. 34, com Afonso de Sousa e Guilherme Barbosa). A matriz contemporânea deste tema só veio s ser registada em 1957 pelo Coimbra Quintet (vocalização de Luís Goes). Existem inúmeras gravações vulgares deste tema em cantores profissionais, por exemplo, nas vozes de Adelina Fernandes (“Fado Hilário”, Columbia J 608, ano de 1926), Amália Rodrigues (“Fado Hilário”, Columbia CQ 3271, ano de 1954?, com Nery e Santos Moreira), Alberto Ribeiro (His Master’s Voice MQ 129 Og 290, com letra de Gabriel de Oliveira e acompanhamento pela orquestra de João Nobre), Loubet Bravo, etc., que na generalidade exageram melodramaticamente a morbidez da melodia e convertem o trecho final num corrido menor a velocidade imprópria para cardíacos.


Título: FADO CORRIDO (fado corrido)
Incipit: Mataram-me o coração
Música: popular
Letra: Adelino Veiga
Data: finais do século XIX; inícios do século XX
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Mataram-me o coração
Com o punhal (do) desconforto;
Vai baixar à terra fria...
Rezai por ele, que vai morto!...

Das campas, a pedra dura,
Menos que quem me vibrou
O punhal, há-de tremer
Sabendo quem o matou.


Título: IMPROVISO (instrumental)
Música: Alberto Caetano
Origem: Coimbra
Data: circa 1928
Alaúde: Alberto Caetano
Violão: José Caetano


Título: CANÇÃO D’AMOR (canção)
Título vulgar: Canção Triste de Coimbra
Incipit: Dizem sempre que é o mais triste
Música: João Pinto de Magalhães
Letra: Octaviano do Carmo e Sá
Origem: Coimbra, Rua Larga
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1906
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Dizem sempre que é o mais triste
Olhos negros... magoados...
Mas os teus, por meus pecados
É o mais triste que existe.

As alegrias só têm
Meus olhos, ao ver os teus; (“Teus olhos, ao ver os meus”)
Teus olhos da cor dos meus...
E magoados também.

(estribilho)
O Amor é sonho brando,
Que tortura sendo lindo; (“Tristeza sendo lindo”)
Vive com mágoa sorrindo, (“beijando”)
Morre com mágoa beijando... (“sorrindo”)


Título: NÃO AMES (valsa-serenata)
Título vulgar: Canção da Bencanta; Valsa em Fá
Incipit: Amor, amor, doce engano
Música: José das Neves Elyseu
Letra: Henrique Martins de Carvalho (quadras); Fortunato Mário Monteiro (estribilho)
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1903
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Amor, amor, doce engano
Que fascina quem embriaga,
É sonho que quando nasce
Somente a morte o apaga.

Toma cautela Maria,
Evita-o quanto puderes!
Que o amor deseja apenas
A perdição das mulheres.

(estribilho)
Não ames ou ama sempre
Mas é melhor não amar,
Que o amor vem à luz rindo
Mas vive sempre a chorar.

Francisco Caetano suprime a primeira quadra e inicia com outra, cuja autor não conseguimos identificar. Além disso, procede a estropiamentos na letra cantada.

Maria, quando eu morrer
Pede ao mundo que não chore
Que dizem que eu vou viver
Num mundo muito melhor.

Toma cautela Maria,
Evita quanto puderes!
Que o amor é tão somente
A perdição das mulheres.

(estribilho)
Não ames ou ama sempre
Mas é melhor não amar,
O amor vem à luz rindo
Mas vive sempre a chorar.

Notas: esta bela melodia foi considerada por décadas como sendo da autoria do guitarrista Flávio Rodrigues da Silva. Porém, na década de 1980, o Maestro João de Oliveira Anjo, advertira que a música era de seu sogro, José das Neves Elyseu. Laborando sobre solfas impressas, recolhidas por António M. Nunes junto de Armando Carneiro da Silva, o Prof. Doutor Nelson Correia Borges não tardou em confirmar o repto lançado por João Anjo. Transcrição, estudo crítico e identificação correcta em António Manuel Nunes e José dos Santos Paulo, Flávio Rodrigues da Silva. Fragmentos para uma guitarra, Coimbra, Minerva Coimbra, 2002. Valsa-serenata em compasso ternário e tom de Fá Maior.

Título: MORENA (serenata)
Título vulgar: Canção da Morena
Incipit: Que t’importa ser morena
Música: J. Saldanha Júnior
Letra: Henrique de Miranda Martins de Carvalho
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: serenata popular
Data: 1902
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Que t’importa ser morena,
Se a cor morena seduz?
Não tens acaso no rosto
A mesma cor de Jesus?

A própria Virgem Maria
Era morena também...
Ser morena, ser morena
Não fica mal a ninguem!

(estribilho)
Fugi ó morenas (“morena”)
De corpos gentis
Que eu sinto ao fitar-vos (“Eu sinto...”)
Arrancos febris;
Morenas, morenas, (“Morena, morena”)
De rosto moreno, (“De corpo moreno”)
Vós sois a desgraça...
Vós sois um veneno! (“Vós sois o veneno”)

Notas: os estropiamentos da letra figuram entre parêntesis. Não conhecemos qualquer versão gravada deste tema, salvo uma interpretação em cassete particular por Alexandre Louro e José Lopes da Fonseca. É mais conhecida a versão instrumental, por via de um excepcional arranjo guitarrístico de Artur Paredes (uma escultura em harpejos e acordes), mais tarde retomada por Eduardo de Melo e António Andias.


Título: JÓIA QUERIDA (canção)
Incipit: Corre em silêncio o Mondego
Música: José das Neves Elyseu
Letra: Horácio Poiares
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1903
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Corre em silêncio o Mondego
Por esse vale verdejante;
Quebra o místico sossêgo
Do rouxinol no descante.

(estribilho)
Oh! Se tu fosses (“E ó se tu fosses”)
A minha amada,
Pomba adorada,
Cândida flor...
Depois de Deus
Eras na vida
A jóia querida
Do meu amor! (“O meu amor”)


Título: CANÇÃO DO BEIJO (canção)
Incipit: Todas as tardes eu passo
Música: autor não identificado
Letra: Henrique de Miranda Martins de Carvalho
Origem: Coimbra
Função inicial: Fogueiras de São João
Data: 1904-1909
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Todas as tardes eu passo
Pela rua onde tu moras,
Eu coro quando te vejo
E tu ao ver-me descoras.

Se porém, à tua porta,
Na boca um beijo te peço
Ao ver, morena, tu coras
Eu então empalideço.

Se porém eu passo
Pela rua onde tu moras,
Eu coro quando te vejo
E tu ao ver-me descoras.

Se porém à tua porta
Na volta um beijo te peço
Ó meu amor tu coras
Eu então empalideço.

(estribilho)
Dás-me um beijinho,
Não dou meu bem,
Após um beijo
Mil beijos vem.

Dás-me um beijinho,
Não dou meu bem;
Por dar um beijo
Ninguém pecou.

Dás-me um beijinho,
Não dou meu bem,
Após um beijo
Mil beijos vem.

Notas: aquando da primeira recolha, a etiqueta do disco encontrava-se esborratada, não se percebendo bem se o master era Og 700 ou Og 706. Parte da letra presente nesta canção andava muito vulgarizada no Fado da Morena, música de Vasco Borges, letra de Henrique Martins de Carvalho, que veio a ser gravado por António Menano (78 rpm Odeon x3038a Og652, edição brasileira).

Título: CHORA A CANTAR (canção)
Incipit: Mui triste a minha alma canta
Música: José das Neves Elyseu
Letra: Fortunato Mário Monteiro
Origem: Coimbra, Pátio da Inquisição
Função inicial: Fogueiras de São João; serenata popular
Data: 1903
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Mui triste minha alma canta, (“Mui triste a minha...”)
Chora minh’alma a cantar (“Chora a minh’alma...”)
Por quem me não tem amor;
Por quem não posso deixar.

De noite à luz das estrelas
Cantam as águas do mar;
Só eu canto a minha dor
À luz do teu meigo olhar.

(estribilho)
Dançai e esquecei
Na dança se esquece
As mágoas que eu sei (“A mágoa...”)
Minha alma entristece (“Que a minha alma entristece”)
Dançai que na dança,
Ao som das canções,
Revive a esperança
De mais ilusões.

Notas: Canção destinada a solista e coro, em compasso ternário e tom de Lá Menor. Gravação no CD Olhar Coimbra, Coimbra, Estúdios Agitarte, 1998, faixa nº 5, voz de Maria de Lurdes Garcia, guitarras de Coimbra por António Ralha/Jorge Gomes, flauta por Isabel Pinho, cavaquinho por Jorge Pessoa, viola por Pedro Lopes. Na ficha técnica do disco gravado por Caetano não se indica o autor da letra, figurando “popular”.

Título: FADO DE COIMBRA (fado corrido?)
Incipit: Aqui tens meu coração
Música: autor não identificado
Letra: 1ª quadra, popular; 2ª quadra de Fortunato Mário Monteiro
Origem: ?
Data: finais do século XIX; inícios do século XX
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Aqui tens meu coração,
Se o queres matar, podes;
Mas olha, vais dentro dele,
Se o matares, também morres.

Quem quer beijinhos de amor,
E abraços d’amor, quem quer?
Os beijos e os abraços
São a perdição da mulher.

Notas: não se trata do primitivo Fado de Coimbra (Coimbra nobre cidade), de circa 1860, transladado em César das Neves; a letra não coincide com um outro Fado de Coimbra (A lua, pastor bendito), presente nas colecções Manassés de Lacerda Botelho. A melodia parece enquadrar-se no padrão fado corrido, o que nos leva a admitir como hipotético autor o guitarrista lisboeta Ambrósio Fernandes da Maia (década de 1870). A 1ª quadra é extraída do cancioneiro popular português, conhecendo-se outras variantes presentes em Pedro Fernandes Tomás, Canções Populares da Beira, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1923, págs. XIII e 139; idem, José Ribeiro de Morais, Cancioneiro da Ovelha do Marão. Cancioneiro do Marão Ocidental, Porto, ELCLA. Almeida & Leitão, Lda., 1998, pág. 19:

Aqui tens meu coração,
Deita-o à noite contigo
Diverte-te com ele
Faz de conta que é comigo.

Aqui tens meu coração
E a chave para o abrir
Não tenho mais que te dar
Nem tu mais que pedir.

Aqui tens meu coração
Retalha-o como o marmelo
Depois de o teres retalhado
Verás o bem que te quero.

Aqui tens meu coração
Transformado numa parra
Desenrola-o no meu peito
Eis uma própria guitarra.


Título: FADO EM RÉ MENOR (fado corrido)
Incipit: Ó preso tu vais morrer
Música: popular
Letra: autor(es) desconhecido(s); 4ª quadra de Alfredo Fernandes Martins
Origem: Lisboa?
Função inicial: animação de taberna; mendicidade de feira
Data: 1ª metade do século XIX?
Guitarra: Alberto Caetano
Violão: José Caetano

Ó preso tu vais morrer,
Não tenhas medo à morte;
É bem mais triste sofrer
Do que ter a tua sorte.

Num beijo de ti me vem
A sorte que me fadou;
(Ai) Por não ter beijos de mãe
Um beijo me desgraçou.

(Ai) Chega a hora da partida
Lá nas grades da prisão
(Ai) Nem um beijo da mãe querida,
Um abraço de um irmão.

Para ser mais desgraçado, (E pra ser mais desgraçado)
Desgraçado, digo bem, (No mundo do que ninguém)
Basta nunca ter andado
(Ai) Ao colo da minha mãe.

Notas: cremos tratar-se de um corrido recuado, cuja letra nos remete para os cantos tristes e lamentosos com que os presos do Limoeiro lamentavam a proximidade do degredo e do cadafalso.
Data: inícios da década de 1840

Remate: com poucas alterações, o presente texto foi destinado a acompanhar a reedição integral dos antigos discos gravados por Francisco Caetano, enquanto parte integrante de um programa cultural anunciado pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra. O que é facto é que o projecto de reedição, agendado para Outubro de 2004, parece ter mergulhado no mais espesso silêncio, com grande pesar das esperanças que fiz anunciar ao Sr. José António Caetano. Para não se perder tudo, fica o texto, cujas lacunas e imperfeições são da inteira responsabilidade do autor. Não seria o que é sem as preciosas achegas de José António Caetano, Carlos Alberto Dias, Coronel José Anjos de Carvalho e Maestro João de Oliveira Anjo.

[1] Comunicação proferida no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, no dia 8 de Novembro de 2003, a convite do Museu Académico, integrada nas Jornadas de Canção de Coimbra. Esta palestra foi ilustrada com audição de dois temas gravados por Francisco Caetano, respectivamente Choradinho e Fado Amoroso, acrescidos de um apontamento de viola toeira por Raul Simões.
O Maestro João de Oliveira Anjo nasceu em Ílhavo a 14 de Maio de 1916. Órfão de pai (1917), aprendeu música a partir dos nove anos na Filarmónica da Vista Alegre, percorrendo solfejo, clarinete, oboé e saxofone. Aos 15 anos ingressou no Regimento de Infantaria 10, em Aveiro. Em criança teve oportunidade de escutar inúmeros discos de Canção de Coimbra, pertencentes ao Clube dos Operários da Fábrica de Porcelanas Vista Alegre. Extintas 24 bandas militares pelo governo da ditadura, em 1938 fixou-se profissionalmente no Quartel de Santana, em Coimbra. Rapidamente se relacionou com o guitarrista Flávio Rodrigues, os Trego, Manuel Eliseu, Raposo Marques, César Magliano, Manuel Branquinho, Camacho Vieira, Walter Figueiredo. Colaborou com o Rancho do Romal, Rancho das Tricanas de Coimbra e com a orquestra de Manuel Eliseu. Casado com uma das filhas de José Elyseu, repartiu-se entre a música militar profissional e actividades cívico-musicais ligadas à animação cultural citadina. Avesso ao regime salazarista, apoiou a campanha de Norton de Matos, facto que lhe valeu dissabores, dado que a PIDE descobriu o material de campanha num barracão clandestino em Santa Clara. Entre 1959-1961, trabalhou no Quartel General de Ponta Delgada, tendo catapultado a Banda Regimental de Ponta Delgada para o que de melhor houve nos Açores em termos de filarmónicas. Prestou serviço em Lisboa, Évora, Porto, Angola, Moçambique, tendo passado à reserva em 1976. Nos anos que se seguiram a 1974 continuou a compor serenatas e guitarradas, iniciou cadernos de recolhas musicais e colaborou activamente com o Grupo de Cordas e Cantares do Ateneu de Coimbra (clarinetista). É autor de peças emblemáticas como “Morena dos Meus Abrolhos”, “Ó Madrugada Silente”, “Coimbra Tão Formosa”. Agradeço ao Maestro a amável colaboração prestada, e também o facto, de tal como eu, defender que a Canção de Coimbra não teve origem tout court no Fado de Lisboa (o que não é coisa pouca para quem possui robustíssima formação musical!).
[2] Mais dados em Regina Anacleto, “Miguel Costa e os painéis de azulejo do Luso”, Pampilhosa. Uma Terra e um Povo. Revista do Grupo Etnográfico de Defesa do Património e Ambiente da Região da Pampilhosa, Nº 7, Maio de 1988, págs. 69-76 (por gentileza do Dr. José Machado Lopes).
[3] Resenha biográfica no Diário de Coimbra, de 3 de Junho de 1951 (“Morreu no Brasil recentemente uma figura académica que tanto prestigiou a sua geração: Mário Monteiro”).
[4] Cf. catálogo da Homenagem aos poetas nascidos na Alta de Coimbra, Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, 22 de Novembro de 2003, págs. 57-62; Manuel Zolino da Silva Figueiredo, Amélia Jany. Miscelânea poética, Coimbra, Minerva Coimbra, 2003. Na pág. 177 desta obra são indevidamente atribuídas a Jany seis quadras da autoria de Augusto Gil.
[5] António Gonçalves, Vida e obra de Adelino Veiga, Coimbra, Edição do GAAC, 1993.
[6] M. Rodrigues dos Santos, Padre-Boi não é lenda. Esboço biográfico do P. Dr. João Antunes, Condeixa, Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova, 1990.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Morte de Romeu Pires
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Só hoje tive conhecimento desta triste notícia. Não tive o privilégio de conhecer Romeu Pires mas, pelo que me foi dado conhecer, era um grande entusiasta de toda a tradição coimbrã. A Tertúlia Coimbrã de Miratejo fica mais pobre, mas não vai esmorecer, assim estou certo. Vamos à luta, Tertúlia, e até sempre, Romeu Pires.
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Transcrevo agora os mails que Álvaro Albino e Luís Penedo me enviaram:
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É com pesar que informo que faleceu vítima de doença, o Romeu Pires, fundador e guitarrista da Tertúlia Coimbrã de Miratejo, núcleo que tenta manter viva a Sul do Tejo a Canção de Coimbra, já apresentado no Blog, no dia 4 de Maio. Guitarrista de grande sensibilidade, também se dedicou ao Fado de Lisboa. Será cremado, hoje 17, ao meio-dia, no cemitério do Alto de S. João em Lisboa.
Um abraço
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Álvaro Albino
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Apesar de triste, penso que devemos assinalar a morte de Romeu Ramos Pires, um lutador da existência da guitarra portuguesa, fundador, como diz a mensagem de um grupo de Fado a sul do Tejo, a Tertúlia Coimbrã de MiraTejo.

Foi sócio Fundador da Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado (nº 109). Nascido em Julho de 1936 contava portanto 69 anos. Sofreu de uma doença prolongada que conseguiu vencer, mas foi entretanto apanhado pelo fim da vida, que é invencível.

Pessoa de trato impecável é com pesar que anuncio a todos os que o conheceram, e não só esses, esta notícia. Faleceu ontem dia 16 e foi hoje a cremar.
Que fique na história... pois assim o merece.

Luís Penedo

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