sábado, abril 02, 2005


Capa do disco "Francisco Filipe Martins - Primavera 2". Disco editado pela PHILIPS - PolyGram, e saído em 1998. Este disco inclui parte de um outro saído ainda em vinil no ano de 1986, com o título "Francisco Filipe Martins - Canção da Primavera" e da mesma editora. Francisco Martins foi acompanhado por Rui Pato e Humberto Matias à viola e Manuel Rocha em Violino. No disco de vinil, ainda entrou Celso de Carvalho no violoncelo. O que há a dizer sobre este trabalho, está magnificamente exposto, nos textos que se seguem, por Armando Luís de Carvalho Homem e Rui Pato (Ambos incluídos no caderno que acompanha o disco). Está transcrita ainda uma biografia do autor, tirada do mesmo caderno. Subscrevo inteiramente o que nos Posts que se seguem está dito. Só quero fazer o seguinte comentário: Francisco Martins, tal como todos aqueles que compuseram grandes obras para guitarra, é um profundo conhecedor de música dita erudita. É claro que isto só não basta para compor! Será necessária muita inspiração e, por que não, alguma transpiração para compor peças tão belas e tocá-las com a mestria de um Jorge Tuna ou de um Paulo Soares, embora com estilos bem diferenciados. Este disco terá que ter um lugar de destaque na nossa estante de CDs. Posted by Hello




Francisco Filipe Martins:
(Dez) Primaveras de uma Guitarra
*


Armando Luís de Carvalho HOMEM



Foi por Abril de 1986 que surgiu no mercado o LP Canção da Primavera, de Francisco Filipe Martins / Rui Pato (com o apoio do violoncelo de Celso de Carvalho [já desaparecido] em dois temas), agora parcialmente reeditado. Face a uma Comunicação Social normalmente desatenta ao que se passa na Galáxia Musical coimbrã, face a uma intelectualidade não raro reproduzindo ipsis verbis as críticas do final da década de 60 ao universo das Tradições Académicas (de José Pacheco Pereira a António Barreto ou, estritamente no plano musical, a Joaquim Pais de Brito), o primeiro trabalho de fôlego de Francisco Filipe Martins (tirando a destacada presença no LP Flores para Coimbra, com António Bernardino, António Portugal e Luís Filipe) foi invulgarmente bem recebido pela crítica e pelos profissionais da Rádio e da Televisão:

o O caderno Revista de um dos primeiros números de Expresso publicados em Maio incluiu-o na selecção discográfica da semana;

o serviu de fundo musical de sucessivas emissões de Lugar ao Sul (RDP/1, sábados de manhã);

o foi incluído nos Setes de Ouro de 1986;

o no Natal constou de selecções/sugestões de prendas que publicações várias normalmente apresentam nessa altura do ano;

o finalmente, já em Jan.87, foi fundo para um dos apontamentos coreográficos que então fechavam as emissões da RTP/1.

É evidente que não faltaram também os coimbrinhas, sempre prontos a teorizar sobre o que é ou (já) não é «Coimbra» (terão digerido o violoncelo ?)... Mas não percamos tempo com tais problemáticas: ou não terá o nosso Povo razão acerca daquelas vozes que às celestiais alturas se não alcandoram ?
Em Abril de 1996, eis que a mesma dupla (agora com o violino de Manuel Rocha e o ‘reforço’ da viola de Humberto Matias), ‘reincide’. E agora, Francisco ?
Por ocasião da saída de Canção da Primavera, tive a oportunidade, em carta a Rui Pato, de longamente manifestar a minha opinião de fundo sobre o álbum. Em meu entender, o conjunto de temas originais de Francisco Martins traduzia a marca temporal de um executante que começara cedo (por volta dos 12 anos) e participara, a partir de 1964, daquilo a que alguém chamou «geração de viragem» em Coimbra, «não só no que à Canção diz respeito, mas em outros domínios». Confirmando o que discretamente pré-anunciava em Flores para Coimbra (particularmente nas introduções e/ou acompanhamentos dos temas «Trova da Planície», «Flores para Coimbra» e «Guitarras do meu País») – e que motivara a Orlando de Carvalho a interessante qualificação como «trobadour inteligente e subtilmente lírico» –, FM vinha corporizar plenamente as novidades que, com uma série de coetâneos ou próximos disso (Eduardo e Ernesto de Melo, Manuel Borralho, Nuno Guimarães, António Andias, Hermínio Menino, José Ferraz de Oliveira, José Bárrio, Luís Plácido ou Jorge Limpo Serra; sem esquecer o magistério de António Portugal, a coexistência lateral aos singulares casos de Jorge Tuna e Octávio Sérgio e a importância de executantes de viola como Paulo Alão, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Rui Borralho, Jorge Moutinho, Jorge Rino ou Jorge Ferraz de Oliveira), ajudara a introduzir na Guitarra de Coimbra:

- a assimilação (que não reprodução servil) das ‘conquistas’ de Carlos Paredes [1925-2004] (bordões na corda de ré, dedilhação coordenada do indicador e do polegar, certas sequências harmónicas, etc.), a eventual posse de uma formação musical erudita, a também eventual execução cumulativa de viola clássica ou de instrumentos de plectro, como o bandolim, a atenção à evolução da música popular urbana (do rock à bossa), a frequente construção da melodia com uma surpreendente simplicadade de processos (v.g. a utilização de grupos de 3 notas) ou a própria interpretação (renovada) de temas tradicionais.

Canção da Primavera trazia tudo isto, ao que acrescia a novidade (indubitavelmente ousada, tendo em conta o meio) da inclusão de um violoncelo em 2 temas («Canção da Primavera» e «Passo de Dança»), pelo meio ficando ainda sugestões de universos musicais vários (palaciano, barroco, «rocky» ou «country») ou uma oportuna revisitação de Artur Paredes (particularmente conseguida nas «Variações em mi menor»).

E hoje, 10 anos decorridos ? À primeira vista estaríamos justamente no signo da continuidade: FM pareceria propor-se partir do exacto ponto em que há 10 anos nos deixara, ‘desenvolvendo’ uma parte dos temas de então («Canção da Primavera n.º 2», «Momento(s) Breve(s)» n.ºs 2 e n.º 3, «Passo de Dança n.º 2»), reinterpretando uma peça tradicional («Maxixe Poiarense», de Manuel Rodrigues Paredes) e uma vez mais incluindo um instrumento erudito (agora o violino, em «Canção da Primavera n.º 2» e «Passo de Dança n.º 2»). E, de facto, não faltam elementos de continuidade nesta gravação:

§ Não tendo embora uma formação musical escolar, o FM criador continua a evidenciar o melómano que também é. O universo sonoro do Barroco – confessadamente da sua predilecção – continua presente («Canção da Primavera n.º 2», «Momento Breve n.º 2» e «n.º 3»), afigurando-se que canon e contraponto não parecem ser-lhe propriamente estranhos; um auditor assíduo de J. S. Bach poderá mesmo sentir, face a «Canção da Primavera n.º 2», reminiscências de um universo sequencial a evocar o 2.º andamento (Largo ma non tanto) do «Concerto em ré menor» para dois violinos BWV 1043 (ou da transposição para dois cravos, em dó menor, BWV 1062).

§ Mais pontualmente, são as sugestões de música de câmara do Tardo-Classicismo, patentes há 10 anos em «Momento Breve» e agora nas duas peças homónimas (as quais constituem, aliás, os casos de maior sequencialidade entre as duas gravações).

§ A ludicidade com sugestões «countries» continua presente, agora em «Passo de Dança n.º 2», delicioso momento afirmativo de um criador irreverente e bem-humorado.

Mas nem só de continuidades se faz este CD. Assim, em 1996 FM parece menos marcado pelos anos 60, apresentando-nos um conjunto de novas peças que definitivamente o elevam à dimensão de um dos grandes criadores e intérpretes do instrumento em todos os tempos e a um lugar de indiscutível primeiro plano entre os vivos e em actividade.
Assim, e em primeiro lugar, FM apresenta-nos algumas peças em moldes relativamente tradicionais. É o caso de «Apontamento» (onde é notabilíssimo o domínio da escala evidenciado, com frases percorrendo uma multiplicidade de ‘registos, do bordão de ré a agudíssimas notas na corda de lá; o que, aliás, também se verifica em «Momento Breve n.º 2»), do desenvolvimento central das «Variações em Fá» (indubitavelmente só um Mestre se exprime neste tom com o brilho que FM aqui patenteia) e das «Variações em ré menor n.º 1»; mutatis mutandis, será ainda o caso de «Dança Estival», interessante tratamento de temas de raiz popular.
Por outro lado, FM mostra-se decididamente senhor de todos os contributos, em termos de criação melódica e de tratamento harmónico, trazidos à Guitarra de Coimbra pelos mais criativos entre os criadores (passe a redundância), ainda que formalmente exteriores ao universo coimbrão: correndo eu embora o risco de ser mal entendido (menos pelo principal interessado e pela faixa de potenciais leitores cuja opinião me possa interessar), não hesitarei em dizer que FM evidencia um perfeito domínio dos recursos trazidos à Guitarra por Carlos Paredes e por Pedro Caldeira Cabral (particularmente em «Variações em Fá» e em «Momento Breve n.º 2») e se exprime com uma mestria até agora (aparente) apanágio de um António Brojo, de um Jorge Tuna, de um Eduardo de Melo ou de um Octávio Sérgio (v.g. em «Apontamento», «Variações em Fá», «Variações em ré menor n.º 1» ou «Momento Breve n.º 3»).
Finalmente, se há 10 anos o Álbum Canção da Primavera ainda denunciava alguns ‘nervosismos’ de execução (v.g. em «Improviso» ou nas «Variações em Sol Maior» de Artur Paredes [não reproduzidas no presente CD]), tal impressão agora de todo se dissipa: FM está decididamente, e para ficar, um grande senhor da Guitarra !
Uma palavra final para o trabalho de Rui Pato. Praticamente o único viola da sua geração em actividade continuada (melhor dizendo: seriamente continuada), mantém-se evidenciando as qualidades e as subtilezas que há mais de 30 anos o notabilizaram, isto com resultados particularmente brilhantes em «Apontamento», «Canção da Primavera n.º 2», «Variações em ré menor n.º 1» e «Momento Breve n.º 3».

E será tempo de me calar. As opiniões valem o que valem, mas creio poder deixar o ouvinte que tenha optado por percorrer antes mais o desdobrável e os textos de apresentação com a ‘garantia’ de que tem nas mãos uma Obra de Mestres e que trabalhos como este não surgem propriamente ‘todos os dias’. E (talvez) ainda bem.




Porto, 31 de Março de 1996

* Texto incluído na capa do CD Primavera 2: Música para Guitarra de Coimbra, de Francisco Filipe Martins, [Lisboa], Philips/Polygram, 1998, 8 cols.


Francisco Martins e Rui Pato Posted by Hello

Francisco Filipe Martins – Primavera 2
Texto de Rui Pato inserto no disco

Tive o privilégio de acompanhar em viola alguns dos grandes nomes da guitarra portuguesa tocada no seu estilo Coimbrão. Uma só vez esse génio criativo do Carlos Paredes, muitas outras a raiva incontida do António Portugal, quase tantas ainda a riqueza do estilo tão coimbrão do Pinho Brojo e nos últimos anos, o Francisco Martins. O Chico Martins, como é tratado em Coimbra, aqui nascido em 1946, desde os 12 anos é levado pela mão do seu tio Nunes Vicente a frequentar as tertúlias do fado e da guitarra, convivendo, assim, nos anos 60 com o que de melhor houve nesta cidade e no panorama guitarrístico. Dotado de uma invulgar inspiração, desde cedo se torna conhecido como intérprete exímio mas, principalmente, como um melodista. A sua opção é a utilização de esquemas técnicos elaborados dando suporte a temas melódicos simples e comoventemente inspirados. Outra das suas características, é fazer da guitarra uma amante clandestina, procurando-a com carácter de urgência apenas quando quer e não quando lhe pedem. Durante todos estes anos mantém-se quase clandestinamente activo na música, aparrecendo em estúdios discográficos apenas por três vezes. Intermeia longos períodos de pousio artístico com outros de uma fertilidade febril, compondo melodias riquíssimas, com uma obcessiva procura diária da perfeição, fazendo e refazendo temas quer à guitarra quer ao piano, que ficam perdidas no gravador do seu sótão ...
É então necessário retirá-lo dessa solidão artística e obrigá-lo a gravar. Foi isso que o António Portugal fez em 1969, pedindo a colaboração do Chico como guitarrista e como compositor nesse histórico disco “Flores para Coimbra”. Foi também isso que eu fiz encorajando-o, em 1985, a gravar uma obra prima da guitarra coimbrã intitulada “Canção da Primavera”. Com essa gravação, ainda em vinil, fica definitivamente demonstrada a riqueza do seu estilo interpretativo na execução de alguns temas de antologia e é, simultaneamente, a prova de que estamos em presença de um autor que, sem descaracterizar o estilo de Coimbra, o enriquece com melodias simples e inspiradas.
Surge, agora, este novo trabalho do Chico, em que apenas um dos temas não é da sua autoria. Foram felizmente recuperadas, para esta obra, todas as suas composições de 85 que estavam no vinil. Percorrendo todo este trabalho, ressalta nele uma lógica, uma coerência, em que acima de tudo sobressai a riqueza temática, aparentemente simples, em que afloram aromas desta cidade e deste país, tudo servido com um exigente rigor na interpretação. É o trabalho de vinte anos, fruto de muito estúdio, muita inspiração e também muita solidão, a reinventar rumos novos para a guitarra de Coimbra.


Francisco Martins, Humberto Matias, Manuel Rocha e Rui Pato Posted by Hello

Biografia de Francisco Martins
(Extraída da capa do disco atrás exposto)


Francisco Martins começou a aprender guitarra de Coimbra aos 12 anos com António Portugal.
Faz a sua primeira actuação em público aos 13 anos, no casamento de Luiz Goes, no Hotel Bragança em Coimbra, sendo acompanhado pelos irmãos Barros Neves e tendo cantado Carlos Encarnação, Robalo de Andrade e João Farinha.
Em Outubro de 1962, com 16 anos, participa pela primeira vez em um espectáculo transmitido em directo pela RTP no Pavilhão dos Desportos em Lisboa, com o seu grupo constituído por: Francisco Martins e Manuel Borralho (Guitarras), Rui Pato (viola), Robalo de Andrade e João Farinha (cantores).
Nesta fase, António Portugal orientava os ensaios dos seus pupilos que, com ele aprendiam quer a tocar guitarra quer a maneira de cantar o Fado de Coimbra, o que lhe valeu a alcunha de “Portugal dos Pequeninos”.
Em Julho de 1964 participa no “Encontro da Saudade” realizado no Pátio da Universidade de Coimbra, tendo tido o privilégio de descerrar a lápide de homenagem a Augusto Hilário por ocasião do seu centenário. Com o seu grupo (Francisco Martins, José Ferraz de Oliveira, Rui Pato, António Bernardino e João Farinha), faz uma serenata nas escadas da Capela da Universidade, espectáculo este transmitido em directo pela RTP.
Ainda em 1964 grava o seu primeiro disco de Fados de Coimbra com António Portugal e António Bernardino.
Nos fins dos anos sessenta integra o grupo de António Portugal, tendo participado com este em vários espectáculos, nomeadamente na RTP e grava com ele em 1970 o seu segundo disco, o álbum “Flores para Coimbra” sendo acompanhado à viola por Luís Filipe e mais uma vez a voz de António Bernardino.
Neste disco, inclui dois fados de sua autoria “E Alegre se Fez Triste” e “Trova da Planície”.
Após um interregno marcado pelo “luto académico”, em 1969 participa nos anos oitenta em algumas actuações com A. Portugal, R. Pato e L. Filipe.
Em 1986 grava para a PolyGram o seu terceiro disco, o álbum “Canção da Primavera”, exclusivamente instrumental, onde inclui seis variações de sua autoria e quatro de Artur Paredes. É acompanhado por Rui Pato. Este álbum foi então nomeado para o prémio “Setes de Ouro”.
Em 1992 1 1993 liderou o grupo de Fados do Orfeon dos Antigos Estudantes de Coimbra, acompanhado por Rui Pato e Humberto Matias.
Em 1996 compõe um tema para a homenagem a David Mourão Ferreira, que a RTP 2 transmitiu no programa “Acontece”.


Capa do disco "Baladas de Despedida - Anos 90" Posted by Hello

Baladas de Despedida – Anos 90

Outro disco fundamental para o conhecimento dos novos valores que vão despontando para o universo coimbrão. Como é já de tradição, todas as baladas são inéditas, umas mais bem conseguidas que outras mas, de igual modo, enriquecedoras do espólio já tão vasto do Fado de Coimbra. Para que conste, aqui vão os intervenientes: Grupo “Alma Mater” – Carlos Pedro e Nuno Correia da Silva a cantar; Nuno Marques e Nuno Cadete à guitarra; António Paulo Lopes e Rui Namora à viola. Grupo “Práxis Nova” – Luís Alcoforado a cantar; Miguel Drago e José Rabaça à guitarra; Luís Carlos Santos e Carlos Costa à viola. Grupo “Capas Negras” – Luís Alvelos e Eduardo Filipe a cantar; António José Moreira à guitarra; Nuno Encarnação à viola. Grupo “Aeminium” – João Nuno Farinha a cantar; João Pedro Monteiro e Tiago Cunha à guitarra; Pedro Cunha à viola. “Grupo de Fados Quarto Crescente” – José Manuel Beato, Jorge Vaz Machado e Rui Ferreira a cantar; Pedro Paredes dos Santos e Pedro Nunes à guitarra; Paulo Larguesa e Adamo Caetano à viola. Grupo “Toada Coimbrã” – Rui Pedro Lucas e Alcides Sá Esteves a cantar; António Vicente e João Paulo Sousa à guitarra; João Carlos Oliveira e Jorge Mira Marques à viola. “Grupo Canção de Coimbra” – Pedro Pimenta a cantar; Francisco Dias Marques e Pedro Nunes à guitarra; José Carlos Nunes e Manuel João Vaz à viola. Grupo “Pardalitos do Mondego” – Nuno Lopes, Paulo Cortesão, Pedro Regado, Nuno Castelhano e Felisberto Queiroz a cantar; Francisco Viana e Pedro Saraiva à guitarra; José Reis e Arnaldo Tomás à viola. “Grupo de Fados Alta Medina” – Vasco Cordeiro e João Henrique Garcia a cantar; Artur Mesquita, Pedro Paredes (Faixa nº 7) e António Sousa Mendes à guitarra; Luís Sarmento e Nuno Gonçalves à viola. Autores de Letras: António Vicente, Luís Carlos Santos, Pedro Anastácio, Nuno Figueiredo, Jorge Cravo, José Manuel Beato (4), Vasco Cordeiro, João Henrique Garcia, Pedro Regado, Luís Alvelos Marques, João Nuno Farinha e António Paulo Lopes. Autores da Música: Rui Pedro Lucas, Luís Carlos Santos, Pedro Anastácio, António Moreira (3), Nuno de Oliveira, Artur Mesquita, Nuno Gonçalves e Vasco Cordeiro (estes três em parceria), João Henrique Garcia, Pedro Saraiva e Pedro Regado (estes dois em parceria), José Manuel Beato, Jorge Vaz Machado, José Carlos Nunes e José Manuel Beato (estes dois em parceria), Luís Santos e António Paulo Lopes.

sexta-feira, abril 01, 2005


"Lisboa - Antes...pintada - Agora...cantada - Fados". Este CD foi-me oferecido há dias pelo meu amigo Humberto Matias. Foi uma grande surpresa para mim. Executante consagrado da viola, tendo já efectuado gravações com os mais prestigiados intérpretes da canção coimbrã, resolveu experimentar outro género musical que lhe é muito querido: o Fado de Lisboa. Convidou, para o acompanhar, um excelente guitarrista, Armindo Fernandes, já meu conhecido desde os tempos do "Kopus Bar" de Cascais, e convidou também um grande executante de viola, não só de Lisboa, mas também de Coimbra, Victor Morgado, que acompanha habitualmente Francisco Dias, pai do Ricardo Dias, já antes referido neste Blog. É uma delícia ouvir este trio. Fados bem escolhidos, bons acompanhamentos e uma voz melodiosa, de bom timbre, de bons pianos, e muito dentro da técnica dos melhores do Fado de Lisboa. Ficamos à espera de uma edição comercial. Como nota final, os quadros que aparecem na capa foram pintados por ele!... Artista de corpo inteiro! Posted by Hello


"Fábulas do tempo presente...e do tempo futuro", de Carlos Couceiro, com ilustrações de Jorge Machado Dias. Editado pela "Contra-Regra", em 1984, 2ª edição O autor ofereceu-me este extraordinário livro em 1985, numa altura em que constituíamos um grupo de fados. Guitarrista exímio, esta sua faceta era-me desconhecida, até ao dia que me ofereceu este livro e o já referido antes, neste Blog, "Capim e poemas supérfluos". Fábulas magníficas com gravuras muito bem enquadradas nos textos, foram para mim uma agradável surpresa! Vou transcrever parte do prefácio de Albero Gouveia Soares Ribeiro: "... Poucas espécies de animais têm sido usadas nas muitas fábulas até hoje produzidas. O autor dete livro encontrou dois novos animais (sempre esquecidos que o são!) que demonstra serem, como os tradicionais corvos, raposas e formigas, bem próprios de fábulas: o "Homem" e o "homem". (Animais que também possuem - em raros casos - personalidades que devem ser seguidas, que participam de circos e que se encontram com dramática frequência enjaulados). Houve quem tivesse dito que as fábulas têm a idade da escravidão e que teriam nascido da esperteza dos servos que, usando a ficção como ardil, fizeram chegar aos ouvidos dos seus donos verdades que, de outro modo, estes jamais ouviriam. Porém os servos (que ainda hoje se contam aos milhões) apesar desta sábia esperteza e séculos de luta, não conseguiram a sua total liberdade. Com estes novos animais, as fábulas talvez tornem mais claras as verdades que os servos de hoje têm a dizer aos seus donos e, assim, o autor contribua para aliviar o peso da servidão. Não se lhe antevê, no entanto, grande sucesso: A Humanidade prefere histórias de bichos às de homens, a comédia ao drama, a ficção à realidade. Mas, para além e acima do muito que pode ser dito, "Fábulas do tempo presente ... e do tempo futuro", é bem a expressão viva da que, nos tempos de hoje, parece ser a mais excêntrica das muitas e variadas paixões que sempre têm preenchido a vida do autor: PENSAR". Posted by Hello

quinta-feira, março 31, 2005


Ano de 1963, Quebra-Costas. Luís Rosado e António Rueda às guitarras. Pereira Martins à viola. A cantar, está José Paracana. Este cantor, actualmente, paz parte do Coro dos Antigos Orfeonistas. Posted by Hello


Manuel Dourado, António Ralha e Jorge Gomes; a cantar, José Mesquita, ano de 1987. Posted by Hello


Leonel Neves na sua casa do Algarve, em 1987. Estará escrevendo mais algum poema para Luiz Goes? Posted by Hello


Madeira, 1983. António Bernardino, Machado Soares e Octávio Sérgio. Posted by Hello


Revigrès, 1987. Octávio Sérgio, Luís Goes e Durval Moreirinhas Posted by Hello


Sacavém, 1993. Octávio Sérgio (Guitarra), Durval Moreirinhas (Viola), Armando Marta e António Bernardino. Posted by Hello


Brasil 1993. Grupo com as respectivas mulheres: António Bernardino, Maria Eugénia, Maria Virgínia, Armando Marta, Octávio Sérgio, Inês Moreirinhas, Isabel Azevedo e Durval Moreirinhas. Posted by Hello


Antigos Orfeonistas no Brasil, 1990. José Miguel Baptista e Octávio Sérgio. O calor apertava!... Posted by Hello


Antigos Orfeonistas no Brasil, 1990. Paulo Soares, Luís Carlos e José Maria Barros Ferreira dão show, depois da ceia; Carlos Costa, de barrete enfiado, apenas observa. Posted by Hello


Canadá, 2000. Custódio Moreirinhas, Manuel Mora, Octávio Sérgio, António Moreira e Luís Ferreirinha. Posted by Hello

Bloco de Notas (5)

1979 ... Já sei praticamente de cor o acompanhamento do Sol maior (novo) de Artur Paredes. Os apontamentos de Carlos Figueiredo foram preciosos para estudar a lição em casa. Pena, é Artur Paredes não autorizar que se gravem as suas peças. Assim, em casa, facilmente as aprenderíamos. Se Carlos Figueiredo já a souber, também, poderemos passar a outra nova. Que eu saiba, tem mais três; uma em lá, outra em Ré, na qual introduz partes do Ré menor antigo, e ainda outra em Sol.
Vou amanhã ensaiar com Durval Moreirinhas e Rui Gomes Pereira. Pretendem ir à Feira do Artesanato e a uma Casa de Fados em Cascais, para dar a conhecer o grupo, com vista a futuros contactos. Além disso, o Durval quer levar-nos à Rapada, Oliveira do Hospital, terra da esposa, Inês, para as Festas da aldeia.
Ando com problemas de mão direita. Em 1965 a minha dedilhação não era óptima mas ia servindo para tocar aquilo que compunha e não só. As pessoas gostavam de me ouvir. Com o interregno, perdi agilidade nos dedos, além de perder para sempre aquelas composições, pois nunca me dei ao cuidado de as gravar! Eram bastante arrojadas para a época! As actuais penso estarem mais bem estruturadas. Em 65 não tinha nenhuma peça que se pudesse dizer – é cem por cento coimbrã. Pensava mesmo não ser capaz de tal desiderato. Afinal, estava enganado.
Estive hoje em casa do Conselheiro Toscano para ouvir uma música nova que compôs no Algarve. É engraçada; usa harmónicos, coisa que nunca tinha ouvido em guitarra de Coimbra.
Ensinou-me uma afinação em Mi menor com as seguintes cordas: mi, sol, si, mi, sol, si. Sobe-se um tom ao ré grave, passando a mi; Desce um tom aos lás, ficando sol; as outras cordas ficam na mesma.
Outra afinação é a chamada Natural; é igual à anterior, só que as cordas de sol, passam a sustenido, obtendo-se o acorde de mi maior.
A terceira afinação é em dó, já conhecida de muita gente, em que o lá grave passa a sol – desce um tom. Dá para dó maior e menor, consoante se carrega no segundo ou primeiro ponto no bordão de ré, respectivamente. O que o Conselheiro Toscano toca com esta afinação, aparece-nos por aí, por vezes, como sendo de Flávio Rodrigues. No entanto, já vêm de antes do Conselheiro, segundo diz; e ele já tem bem mais de oitenta anos!
O Conselheiro Toscano toca uma peça muito antiga onde aparece a subida final, em meios tons, do Lá menor de João Bagão. Acontece aos melhores.
João Bagão foi um grande artista, com muita originalidade nos acompanhamentos que fez a Luiz Goes e outros cantores. Além disso arranca um som excelente da guitarra. Tem um lugar de honra na história da guitarra e do Fado de Coimbra. Admiro muito a sua obra.
Fazem-se agora, na rádio, programas “Do Choupal até à Lapa” em conversa com um senhor doutor, lavradorzito, como diz, e com o seu caseiro qualquer coisa, etc, etc; sem esquecer a sua criadita! Enfim, tudo isto passaria ao lado, se dessem importância ao que se tocou e cantou. Mas não, as músicas de Coimbra, muito poucas em cada programa, caiem ali de pára-quedas. Quem tocou, o quê e de quem? Não sei. O mesmo para o canto! Não se diz nada a este respeito. Metade do tempo é apenas conversa, com um interesse muito restrito!
Quando era novo, ou seja, no início do meu interesse pela arte coimbrã, ouvia serenatas com textos de grande nível. Os fados e as guitarradas ficavam enquadrados pelas fabulosas descrições da paisagem coimbrã, dos costumes das suas gentes, da sua universidade, dos estudantes, da praxe, etc. Depois dum programa destes, ficava verdadeiramente emocionado. Além disso, era habitual referirem o nome dos intervenientes, o que executavam, e até autores, por vezes. Isto dos autores tem muito que se lhe diga! Agora, e estou a falar de 2005, em qualquer rádio, pode ouvir-se um dia de música da mais variada sem referirem sequer um autor!
Voltando a 79; no penúltimo programa não se ouviu falar no senhor doutor! Faltou! Foi uma barrigada de fados e guitarradas. Meia hora a ouvir Coimbra, mas novamente tudo incógnito. Está bem de ver que o problema não estava no interlocutor!... Mas para que quer a “malta de Coimbra” que lhe digam os nomes? Isso já é vaidade a mais! Tenham juízo, meninos! E saia uma saudação académica!

domingo, março 27, 2005


Barbeiro de Sevilha e Antigos Orfeonistas: Rui Vaz, Paulo Fonseca, Américo Pires dos Santos, Pedro Madeira, Francisco Macedo, Octávio Sérgio, Luís Santiago, António Requixa, Manuel Simões Almeida, Paulo Veiga, Daniel Campos e Rui Oliveira Posted by Hello

As “variações” de Octávio Sérgio:
uma observação centrada em três peças

Armando Luís de Carvalho HOMEM

«Ouvindo as variações de Octávio Sérgio, ficamos com a impressão
de que ele também adopta o caminho, já imanente em Artur Paredes,
de que a universalidade da guitarra portuguesa, neste caso da guitarra de
Coimbra, só se atinge pelo aprofundamento da sua regionalização.
Por isso a guitarra de Octávio Sérgio não hesita em se fertilizar no húmus
onde mergulham as raízes autênticas do nosso folclore, para daí
brotar genuinamente com ele (assim em: «Flores em Abril»,
«Nas Linhas de Torres» e «Entreacto»), em sedentar-se nos mais remotos
e recônditos fados e guitarradas da velha Coimbra («Variações sobre
o tom de Lá» e sobre os tons de ré M e m), para, depois, atravessar,
interessada, a vivência artisticamente reflectida, tantas vezes inconformada,
das gerações subsequentes, inclusivè com ousadas incursões
no significativo movimento das baladas («Nas Linhas de Torres» – 1.º tema;
«Ensaio n.º 1»). (…) E é por se apoiar firmemente em todo este complexo
processo histórico que ela, através dum estilo muito pessoal, mas sempre,
é bom frizá-lo,vincadamente coimbrão (…), surge límpida e remoçada,
com clara vocação para romper o regionalismo, de que provém e a sustenta,
e abrir caminho a uma compreensão artística generalizada,
a uma verdadeira entrega a todas as sensibilidades».
(Fernando Machado SOARES, Texto patente na contracapa
do LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra, de Octávio Sérgio,
com acompanhamento em viola pelo autor destas linhas,
Porto, ORFEO/Arnaldo Trindade, 1981)


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Um leitor interessado em temas da galáxia coimbrã poderá, face tão somente ao título do presente texto, interrogar-se:

- Porque é que só agora o CH escreve sobre o OS ?
- Por uma questão de sobreenvolvimento com a sua Obra instrumental e de co-protagonismo no registo em disco de uma parte da mesma – responderei.

Já lá vão 20 anos que comecei a escrever sobre as temáticas em causa; e, ao começar, bem longe estava de pensar em qualquer publicação [Obs.: Ainda que, surpreendentemente (vistas as coisas em 2004), José Miguel Baptista tenha tido, já em 1983, o feeling de uma futura escrita, ao incentivar-me publicamente (no V Seminário sobre o Fado de Coimbra, Mai.1983) a escrever «os livros» para que teria copiosa informação…] – pela simples razão de que o fiz epistolarmente:

a) No Verão de 1983 escrevi a José Miguel Baptista, tecendo algumas considerações sobre circunstâncias que haviam rodeado, em Maio anterior, o V Seminário sobre o Fado de Coimbra (org. da Comissão Municipal de Turismo, com apoio da Associação de Antigos Estudantes da Universidade) [Obs.: Parte das ideias então expressas veio a incorporar o meu trabalho «Que público para a canção coimbrã ? Uma pergunta para o “tempo que não passa”» (comunicação enviada ao VI Seminário sobre o Fado de Coimbra [Cbra., Mai.98]), publ. in Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, org. F. Ribeiro da SILVA, M. Antonieta CRUZ, J. Martins RIBEIRO e H. OSSWALD, vol. 2, Porto, Fac. Letras / UP, 2004, pp. 569-573.

b) Em Maio de 1986 escrevi longamente a Rui Pato, a propósito do então lançado LP Canção da Primavera (de Francisco Filipe Martins e do próprio Rui Pato, com a participação do já desaparecido violoncelista Celso de Carvalho [Filho]) [Obs.: Celso de Carvalho [Filho] é um nome de referência no rock de vanguarda das décadas de 70 e 80; por coincidência foi meu Colega na 3.ª classe da Instrução Primária (Porto, 1958/59) e no 1.º ano do Liceu (de Alexandre Herculano, Porto, 1960/61); não voltei a encontrá-lo. O Pai foi um destacado violoncelista das Orquestras Sinfónica do Porto (até 1961; nesta fase ensinou no Liceu de Alexandre Herculano) e Sinfónica da Emissora Nacional (1961 ss.)].

Bem longe então, repito, de pensar em publicações – tirando um trabalho de 1991 sobre as tradições académicas portuenses –, só pelos finais de 1995 / princípios de 1996 duas solicitações muito próximas vieram desencadear a reflexão e a escrita nesta área: a solicitação de Francisco Filipe Martins de um texto para o seu CD Primavera 2: Música para Guitarra de Coimbra [«(Dez) Primaveras de uma Guitarra», texto incluído na capa do CD Primavera 2: Música para Guitarra de Coimbra, de Francisco Filipe Martins, [Lisboa], Philips/Polygram, 1998, 8 cols.] e o convite de um familiar de Nuno Guimarães (1942-1973), Gil Guedes dos Santos, para integrar a Comissão da Homenagem a este Poeta e Guitarrista (a qual veio a ter lugar em Vila Nova de Gaia e Perosinho em Janeiro de 1997); em tal contexto redigi um trabalho de apreciação da discografia do notável Criador e Executante precocemente desaparecido [«Nuno Guimarães e a Guitarra de Coimbra nos anos 60: impressões perante uma re-audição de cinco 45 RPM», in Recordando Nuno Guimarães: o poeta, o músico, 1942-1973, [Catálogo da Exposição patente na Junta de Freguesia de Perosinho em Jan./Fev.97], coord. Abel Morais COUTO, Gil GUEDES, José Ferraz de OLIVEIRA e Armando Luís de Carvalho HOMEM, com «Prólogo» de Francisco Barbosa da COSTA, Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal, 1997, pp. 18-23. Também reproduzido no desdobrável que acompanha o CD (ed. na mesma altura) que reproduz a discografia a que NG ficou ligado na década de 60: Recordando Nuno Guimarães: Fados e Baladas de Coimbra, coord. José Ferraz de OLIVEIRA, DSA-CD-401, Porto, Discoteca Santo António, 1997]. De então para cá, fui ouvindo e escrevendo em momentos vários e sobre questões várias, v.g.:

o O Método de Guitarra, de Paulo Soares [«Revolução (A) do Método e a Perturbação das Certezas (Reflexões sobre um Trabalho GENEROSO)», texto preambular a Método de Guitarra Portuguesa: Bases para a Guitarra de Coimbra / Portuguese Guitar Method: Basic Techniques for the Coimbra Guitar, de Paulo J. SOARES, Coimbra, Edição do Autor, 1997, pp. 7-13];

o o CD Folha a folha, de Jorge Cravo / Luiz Goes / Manuel Borralho / José Ferraz de Oliveira / Manuel Gouveia Ferreira [«Tempos (Os) de um projecto», texto inserido no mini-livro que acompanha o CD Folha a folha. Canto e Guitarra de Coimbra, poesia de José Manuel Mendes, interpr. por Jorge Cravo, Manuel Borralho, José Ferraz de Oliveira, Manuel Gouveia Ferreira e a participação especial de Luiz Goes, Paços de Brandão, Numérica, 1999, pp. 55-70];

o os CD’s de José Mesquita saídos em princípios de 2000 [«Da árdua definibilidade da “Canção de Coimbra”», texto inserido no desdobrável que acompanha o duplo CD de José Mesquita, Coimbra dos poetas/Coimbra das canções, trovas e baladas, s.e., 1999, pp. 6-10];

o a Obra discográfica de Jorge Tuna numa perspectiva global, segundo uma periodização em três momentos [«Jorge Tuna: para uma abordagem ternária de um Mestre da Guitarra de Coimbra», Revista Portuguesa de História, XXXVI/2 (2002-2003), pp. 397-416];

o a recepção portuense do «Fado de Coimbra» [«”Fado (O) de Coimbra” na Academia do Porto», in José NIZA, Um Século de Fado. Fado de Coimbra, I, Alfragide, Ediclube, 1999, pp. 115-128];

o ou rememorações e notas sobre a Guitarra e a sua discografia nos anos que, grosso modo, correspondem ao meu tempo estudantil [«Guitarra (A) de Coimbra em tempos de fim-de-tempo (ca. 1965-ca. 1973). Apontamentos e rememorações», Anais da Universidade Autónoma de Lisboa/série História, V-VI (2000-2001), pp. 333-348].

Octávio Sérgio era apenas uma referência – ainda que não rara – em alguns desses textos. E haverá que reconhecer que me não seria propriamente fácil escrever sobre um (quase) conterrâneo a quem me ligam laços que não são de parentesco mas que é como se fossem, e de cuja principal realização discográfica fui co-protagonista...
Exercitada a escrita e a crítica sobre autores, temas e realizações em relação aos quais a minha posição é de plena alteridade, eis chegado o momento de, pela vez primeira, redigir algo com o seu quê de ego-histórico:
- Caro Octávio, o dia tardou mas chegou !

1. Percursos de um viseense

OCTÁVIO SÉRGIO DE MATOS AZEVEDO nasceu em Viseu a 15 de Agosto de 1937, sendo o mais novo de 10 irmãos. A sua chegada à galáxia dá-se aos 13 anos, quando, aluno do Liceu Nacional de Viseu, aí ouviu cantar Fernando Rolim. Também o visionamento de saraus da Associação dos Antigos Alunos do referido Liceu (AAALNV, fundada na década de 50) lhe permitiu assistir a actuações de Armando de Carvalho Homem (1923-1991), seu professor de Matemática por esses anos. Com a Mãe e o Irmão mais velho deu os primeiros passos na viola, chegando a executá-la com a afinação da Guitarra de Coimbra. A este último instrumento chegou ainda em Viseu, e no resto dos anos liceais formou os seus primeiros grupos, que integraram nomes como os dos cantores José M. Barros Ferreira (ao tempo também executante de viola), Fernando Rebelo (também guitarrista), João Sá, José Mesquita e Rolando de Oliveira [Obs.: Também pintor, num dado momento ofereceu a OS um quadro a tinta-da-China intitulado A Espanhola, representando uma figura feminina desnuda. Rolando de Oliveira morreria precocemente nos anos 70, em acidente de viação. Em sua homenagem compôs OS a peça «Fantasia (A Espanhola)», patente na face 2, faixa 5 do LP Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra (1981)] e guitarristas como Alexandre Vale, Jorge Furtado e «Manuel das Águas».
Em Coimbra a partir de 1957 – cursando Físico-Químicas na Faculdade de Ciências – e até 1965 – com uma interrupção castrense em 1961 –, integrou grupos com – por ordem cronológica – David Leandro, António Ralha, José Bárrio (pontualmente), Gabriel Ferreira e António Portugal (gg.) e José Niza, Jorge Gomes, Manuel Dourado, Nilton Bárrio (pontualmente), Costa Reis e Rui Pato (vv.); acompanhou, por outro lado, cantores como Adriano Correia de Oliveira (1942-1982), António Bernardino (1941-1996), António Sousa Pereira, João Barros Madeira e José Maria Lacerda e Megre (Filho), entre outros.
Começara entretanto a compor as suas próprias peças, num estilo necessariamente gerador de perplexidade no meio coimbrão do tempo:

o Eram peças «com esquemas arrojados, mas por vezes com grande lirismo» – escreveu Rui Pato;
o «A sua música está dentro de uma linha entre Stravinsky e a música primitiva» – opinou, por seu turno, Carlos Paredes.

Foi membro do Orfeon Académico – no que se destaca a participação na segunda digressão aos EUA (1965) – e do Coro Misto.
Em 1965/66 transferiu-se para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e aí concluiu então a licenciatura.
Na Páscoa de 1966 casou com Isabel da Conceição Torrado Marques [e Azevedo], licenciada em História [autora de uma tese de licenciatura, defendida em 1970, sobre as fontes da Cronística de Duarte Nunes de Leão, trabalho orientado pelo Prof. Doutor Salvador Dias Arnaut (1913-1995)] e sua antiga Colega no Coro Misto; residiram em Lisboa e mais tarde em Almada; do casamento nasceriam 3 filhos [o mais velho é o hoje musicólogo, compositor e professor da Escola Superior de Música / Instituto Politécnico de Lisboa Sérgio Azevedo (n. 1968), já por diversas vezes referido neste blog].
Em 1967/68 frequentou e concluiu o Curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras de Coimbra; nas suas deslocações de então à ALMA MATER para frequências e exames, tempo ainda para fugazes participações nos grupos de Hermínio Menino / Jorge Limpo Serra / António José Rocha e de José Bárrio / Manuel Antunes Guimarães / Nilton («Nito») Bárrio.

Depois… entre a vida familiar e profissional e as viragens da conjuntura, a guitarra acabou por ir parar «acima do armário», «debaixo da cama» ou alhures. E foram 8/10 anos de solução de continuidade.
Nesse intervalo estudou viola clássica. E as consequências respectivas bem se mostrariam no redespertar da Fénix (ca. 1976). As peças dos anos 60 estavam inexoravelmente esquecidas. Mas as que agora iam surgir cedo conheceriam a partitura.
Presente em todos os Seminários sobre o Fado de Coimbra (1978/79/80/81/83), ao realizar-se o primeiro fizera já a sua estreia discográfica, no LP O Melro, de Janita Salomé, em cuja face B acompanha o Cantor (com Pedro Caldeira Cabral, Fernando Alvim e Durval Moreirinhas) em 5 números, acrescidos de uma peça instrumental («Variações em Lá») de um dos seus antigos companheiros viseenses: António Rodrigues, vulgo «António das Águas» [sobre este LP veja-se o post de 2005/03/21].
Começara entretanto a frequentar a casa de Artur Paredes (1899-1980), e nos últimos dois anos (ca.1977-1979) de actividade musical do Mestre acompanhou-o como «2.º guitarra»; o viola era, ao tempo, Carlos de Figueiredo. Testemunhos vários dão conta da simpatia que o dificílimo Artur Paredes dedicava àquele guitarrista tão sóbrio nos acompanhamentos e que apenas parecia interessado em ouvir, aprender, colaborar… e jamais ‘piratear’ temas inéditos, receio que tornava Artur Paredes tão selectivo em relação àqueles que em sua casa recebia…
Passando por vezes por circuitos de actuação paralelos ao profissionalismo do «Fado de Lisboa», OS (com Durval Moreirinhas et alii) participou, nesses finais de década, em mais três LP’s: um do cantor Rui Gomes Pereira [De qualidade apenas sofrível, este LP de 1980 merece todavia o destaque de, pela mão de Francisco Gonçalves, a viola-baixo surgir pela primeira vez no universo coimbrão] e dois do cantor Frederico Vinagre. De verdadeiro interesse é fundamentalmente o segundo de F. Vinagre: com seu filho António Sérgio à guitarra e Durval Moreirinhas à viola, OS é aqui responsável por alguns arranjos notáveis (maxime «Canção das Lágrimas») e por interpretações de muito mérito das «Variações em lá menor» (de Jorge Morais [«Xabregas»]) [Obs.: A versão em causa será porventura, entre as que existem gravadas, a mais fiel ao original, já que OS teve como fonte uma gravação em cassette com execução pelo próprio Dr. «Xabregas»] e da «Valsa em Fá» (arr. Flávio Rodrigues).
Para além disto, e sempre com Durval Moreirinhas, começou (ou recomeçou) a acompanhar cantores de gerações próximas da sua (v.g. Armando Marta, António Bernardino, Arménio Marques dos Santos) ou mais ancestrais (v.g. Fernando Machado Soares). Com Armando Marta e António Bernardino e acompanhado por seu filho António Sérgio (g.) e Durval Moreirinhas (v.) grava uma cassette videográfica, divulgada sobretudo nos meios da Emigração.
E, acima de tudo, recomeçou a criar: na solidão da sala de música de sua Casa, entre um piano (utilizado pelo próprio e pelos três Filhos) e estantes de partituras, o autêntico brotar de temas, por vezes muito arrojados… e nada fáceis de acompanhar. O primeiro a ter execução pública, com acompanhamento de Durval Moreirinhas, foi, creio, «Nas Linhas de Torres (1810)» (embora ainda sem este título). Muitos outros foram aguardando – e uma boa parte ainda aguarda – o(s) executante(s) e/ou acompanhante(s) interessado(s) [Obs.: No momento em que escrevo (Jun.04), OS tem estado regularmente a entregar a Paulo Soares as partituras dos seus inéditos. No concerto de homenagem a OS, no âmbito da Coimbra 2003 / Capital Nacional da Cultura (Set.03), Paulo Soares executou já 3 dessas peças. É caso para dizer: «que venham mais cinco !», e que a curto ou médio prazo tenhamos, discograficamente, a integral da Obra de OS !].

O meu conhecimento pessoal de OS deu-se apenas aquando do II Seminário (Coimbra, Mai.1979). Mas somente 1 ano mais tarde (III Seminário) tive oportunidade de o ver tocar, pouco depois se iniciando o nosso relacionamento musical. Por essa altura (anos lectivos de 1979/80 e -80/81) eu estava com dispensa de serviço da minha Faculdade visando a preparação do doutoramento, e fazia temporadas na Torre do Tombo e, mais pontualmente, no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, na Biblioteca Nacional e na Biblioteca da Academia das Ciências.
Em Julho de 1980 comecei a frequentar – duas vezes em média, em cada semana lisboeta – a casa de OS, à Rua Fernão Lopes, bem no centro de Almada. De onde, antes e depois da música, o Tejo e os cacilheiros… Não poucas ideias musicais me surgiram durante essas travessias… Ao fim de dois ensaios as «Variações sobre o tom de Lá» e «sobre o tom de Ré Maior» estavam perfeitamente concatenadas. Em finais de Setembro / princípios de Outubro o número de peças em tais condições levou OS a avançar para o projecto de um LP instrumental, para o que tinha contactos na etiqueta ORFEO/Arnaldo Trindade; outras participações chegaram a estar previstas, quer a de um «2.º guitarra», quer a de mais um viola; mas nada se concretizou; e coube-me assim a «2.ª guitarra» nas 3 variações que o disco viria a integrar…
A gravação processou-se em Fevereiro de 1981 num estúdio localizado na Rua de Campolide, com uma sessão final de montagem já nos princípios de Março. À distância de 23 anos, só me cumpre salientar a extrema simpatia do pessoal do estúdio e particularmente a muita proficiência (e paciência) dos técnicos Jorge Barata e Moreno Pinto, bem como dos fotógrafos Mónica Freitas e Jaime Laranjeira.
Saído em Setembro de 1981, o álbum Guitarra Portuguesa: Raízes de Coimbra (ed. ORFEO/Arnaldo Trindade STAT 105, Porto, 1981) suscitou uma dupla ordem de efeitos:

a) O interesse acentuado da Comunicação Social escrita e, aí, da crítica discográfica. João Gobern chegou a qualificá-lo como «a alternativa presente ao silêncio de Carlos Paredes» [Note-se que na discografia de Carlos Paredes existe efectivamente um silêncio de 12 anos, entre 1971 (Movimento Perpétuo e Balada de Coimbra) e 1983 (Concerto em Frankfurt); cf. a este respeito Octávio Fonseca SILVA, Carlos Paredes. A Guitarra de um Povo, Porto, Discantus, 2000, pp. 58-63 et passim].

b) e, predominantemente, um silêncio levemente ‘despeitado’ do milieu, silêncio entrecortado, aqui e ali, por manifestações enragées de medíocres.

À data da saída deste álbum instrumental, OS concluíra entretanto a que será por certo a sua mais conhecida realização discográfica: o acompanhamento, com Durval Moreirinhas [e ainda com a participação de Júlio Pereira (cavaquinho) e Janita Salomé (viola) no tema «Vira de Coimbra»], de José Afonso (1929-1987) no LP que marcou o seu retorno à galáxia – Fados de Coimbra e outras Canções.
O álbum de José Afonso saiu em Novembro de 1981 e constituiu o sucesso que era de esperar (ainda que alguns irredutíveis gauleses dificilmente o tenham ‘digerido’). De onde, a realização de grandes concertos do Cantor, todos iniciados com os temas de Coimbra:

o No Teatro Avenida (Coimbra, Fev.82), com OS e o autor deste texto, por impossibilidade de Durval Moreirinhas; OS executou o tema de sua autoria, até então inédito, «Dor na planície»;

o no Coliseu dos Recreios (Jan.83), com OS / Lopes de Almeida (gg.), Durval Moreirinhas / António Sérgio (vv.), tendo OS, além dos acompanhamentos, executado de novo «Dor na planície»; a gravação do espectáculo daria origem ao duplo álbum Zeca ao vivo no Coliseu;

o e no Coliseu do Porto (Mai.83), com OS / António Portugal (gg.), Durval Moreirinhas / Rui Pato (vv.).

Deste LP se fez ainda um videoclip para o tema «Saudades de Coimbra»; e no Inverno de 1982 José Afonso, OS e Durval Moreirinhas participaram no programa que Júlio Isidro então conduzia na RTP/1 nas tardes de domingo. Para além disto, é de salientar a influência que os arranjos de OS neste álbum vieram a exercer sobre grupos de gente mais jovem [E até, pontualmente, de menos jovens: em 1985 José Miguel Baptista participou no programa Coimbra sem Tempo, acompanhado pelo Quarteto de Guitarras de Coimbra (QGC: António Brojo / António Portugal [gg.], Aurélio Reis / Luís Filipe [vv.]); um dos temas interpretados foi justamente Saudades de Coimbra, tendo o QGC seguido no acompanhamento as linhas gerais do arranjo de OS], muito particularmente «Saudades de Coimbra» (em sol menor), «Balada do Outono» (em lá menor) e até «Fado dos Olhos Claros» (em dó menor !). O modo como acompanha estes e outros temas quase se converteu em ‘novo paradigma’ dos mesmos !...

Ainda por estes anos, OS teve diversas participações televisivas, nomeadamente, por 3 vezes, no Programa Cantos e Contos de Coimbra (RTP/2, 1982) e, no ano seguinte, na edição do programa (H)Ora Bem (RTP/2, apresentação de Rui Pego) dedicada ao guarda-redes Maló [João Luís Maló de Abreu, titular da baliza da Associação Académica de Coimbra do final dos anos 50 a 1968; hoje médico-estomatologista e lente de Medicina; para quando a homenagem que Coimbra deve a este seu grande VULTO, desportivo e não só ?]:

a) Com o autor destas linhas e António Sérgio (v.), para executar 4 números instrumentais (Jul.82) [Concretamente: «Dor na Planície», «Variações sobre o tom de Lá», «Nas Linhas de Torres (1810)» – onde pela primeira vez introduzi percussão no tema central da peça – e «Fantasia (A Espanhola)»];

b) com Durval Moreirinhas (v.), para acompanhar António Sutil Roque, tendo ainda executado as «Variações em Lá» de «António das Águas» (Agº.82);

c) e, na derradeira emissão (Set.82), com Eduardo Aroso (v.), para acompanhar Fernando Machado Soares e Adriano Correia de Oliveira [este último interpretou «Moça d’aldeia» e «Trova do vento que passa», na que seria a sua última aparição em público: morreria cerca de um mês mais tarde];

d) finalmente, numa emissão do Programa (H)Ora Bem (Mai.83), com o autor deste texto e Mário José de Castro (vv.) [executou-se, uma vez mais, «Dor na Planície»], acompanhando José Miguel Baptista [que interpretou um tema (ainda hoje) inédito de Eduardo de Melo].

* * *

Em 1987 OS fixa residência em Coimbra e ensina, até se aposentar (2002), na Escola Avelar Brotero. Passa a integrar o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra (AOUC) e mais tarde o respectivo Grupo de Fados (com Manuel Mora [g.], Carlos Caiado, Custódio Moreirinhas e «Ni» Ferreirinha [vv.]), acompanhando cantores como Raul Diniz (1936-2001), José Mesquita, Vítor Nunes, Nuno de Carvalho, Joaquim Matos, José Miguel Baptista, António Crespo, Paulo Amador, J. Barros Ferreira, Fernando Ferreirinha, Manuel Sobral Torres e outros. Com os AOUC OS participou em diversas gravações corais e, a partir de 1990, deslocou-se aos Açores, a França, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Bulgária, Áustria, Hungria, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Brasil, Argentina, Macau e Tailândia.

Nesta fase, destaque ainda para outras duas gravações:

a) O LP José Mesquita: Ecos da Canção Coimbrã (ed. Polygram, ca. 1987); acompanhamento de OS (g.) e António Sérgio / Durval Moreirinhas (vv.);

b) e a «cassette-audio» Tempos Idos (1995), acompanhando, com José dos Santos Paulo (g.) e César Nogueira (v.), os cantores [Maestro] Virgílio Caseiro, José Paulo e Rui Silva; espaço ainda para uma escorreita interpretação de «Bailados do Minho», de Antero da Veiga (1866-1960).

Mais recentemente, OS passou a integrar também os Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (ATUC); aí participou nomeadamente no CD 15 Anos Depois… Antigos Tunos da Universidade de Coimbra (1999), acompanhando em 2 números, com José Paulo (g.) e José Tito Mackay / Humberto Matias (vv.), os cantores Serra Leitão e José Paulo. Com os ATUC, e a partir de 2000, participou em digressões aos Açores, Madeira, Porto Santo e Austrália.

* * *

Coimbra 2003 / Capital Nacional da Cultura constituiu momento para uma primeira grande homenagem a OS: no âmbito do I Festival da Guitarra de Coimbra, o duo Paulo Soares (g.) / Rui Namora (v.) encarregou-se de um concerto (Auditório do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, 2003/07/25) onde foram executadas todas as peças do LP Raízes de Coimbra, e ainda «Dor na Planície» – do LP Zeca ao vivo no Coliseu – e 3 temas inéditos: «Marionetas», «Ensaio n.º 3» e «Danças» [Obs.: Esta última fôra executada em público uma só vez, no antigo «Restaurante Algarve» (estação do Rossio, Lisboa, 1982/04/26), numa actuação em que participaram António Bernardino, OS (g.), António Sérgio (g. e v.), Durval Moreirinhas e A. L. de Carvalho Homem (vv.). A peça em causa foi tocada por OS / António Sérgio (g. e v., respectivamente)]. Na tarde do concerto, Paulo Soares conduzira, na sede dos AOUC, uma masterclass sobre a obra de OS.
Poucos meses antes o duplo CD antológico Serenata Monumental incluíra 5 dos 10 temas de Raízes de Coimbra: «Variações sobre o tom de Lá», «Variações sobre o tom de ré menor», «Flores em Abril», «Variações sobre o tom de Ré Maior» e «Nas Linhas de Torres (1810)», para além de 2 temas do LP que, no mesmo ano (1981), gravara com José Afonso («Saudades de Coimbra» e «Fado da Sugestão»).


2. Três peças dos anos 70

2.1. Antes da partida: o tema de «António das Águas»

A estreia discográfica de OS – o álbum O Melro de Janita Salomé – inclui um tema instrumental que representará uma revisitação das raízes viseenses: as «Variações em Lá» de António Rodrigues, vulgo «António das Águas», também seu contemporâneo de lides juvenis, ainda que alguns anos mais velho.
Peça curiosa, esta: remontando aos finais da década de 50 / alvores da de 60, mostra um autor com formação tradicional, mas atento ao que de mais ‘moderno’ se faria ao tempo; e se não vejamos:

I. Estas «Variações em Lá» abrem com uma frase em quaternário (relativamente) lento, no que, embora no modo maior, não deixa de fazer lembrar a herança pré-Artur Paredes: pensemos em temas de Amândio Marques, Peres de Vasconcelos ou mesmo, mais recentemente, Flávio Rodrigues, António Carvalhal, João Bagão, José Amaral ou Almeida Santos; as sequências tonais incluem 1.ª e 2.ª de Lá Maior, 2.ª e 1.ª de si menor e uma passagem por Ré Maior;
II. a segunda frase é um motivo ‘batido’ em compasso quaternário, com acordes de 1.ª, 2.ª e 3.ª de Lá Maior (com utilização do bordão de si e da corda fina de lá), num estilo de reminiscência (lusamente) country que não deixa de fazer lembrar a frase central de «Aguarela Portuguesa» de António Portugal [Obs.: De onde a ‘tentação’ de diversos «2.ºs guitarras» (v.g. Manuel Mora) executarem neste passo uma dedilhação a fazer lembrar a correntemente utilizada na referida peça de António Portugal].
III. a peça termina com mais duas frases desenvolvidas em Lá Maior (compasso ternário), utilização de 1.ª, 2.ª e 3.ª de Lá Maior, 2.ª e 1.ª de Ré Maior. A virtuose aqui patenteada sugerirá que o autor conhecia – e bem – «Aguarela Portuguesa»; mas também não deixaria de conhecer as «Danças Portuguesas n.º 1», de Carlos Paredes. Fica a interrogação de fundo sobre «António das Águas», outras peças que tenha composto, sua dimensão como executante, etc.

Entretanto, neste disco de estreia algo se patenteia já em OS: sendo um dos mais «experimentalistas» (António M. Nunes) executantes da Guitarra, ostenta, na peça instrumental e nas «introduções» dos temas interpretados por Janita Salomé, alguns arcaísmos no dizer (v.g. as apoggiaturas dobradas) que como que prenunciam a oportunidade do comentário de Fernando Machado Soares transcrito a abrir.


2.2. Variações sobre o tom de Lá

Elaboradas num intencional registo de Velha Coimbra, estas «variações» são-no na plena acepção: há de facto um tema sucessivamente repetido e variado, quer no modo menor, quer no modo maior. Vejamos o desenvolvimento global da peça:

I. Frase 1: Apresentação do tema, no modo menor (o dizer-base assenta em grupos de 7 notas, qual, «mutatis mutandis», redondilha maior); desenvolvimento em compasso quaternário, com passagens por lá menor, Fá Maior, 2.ª de Lá, ré menor;
II. Frase 2: 1.ª variação sobre o tema (o dizer-base assenta também aqui em grupos de 7 notas), compasso quaternário, 1.ª e 2.ª de lá menor;
III. Frase 2’: prolongamento da anterior variação, complexificando a sequência tonal: passagens por ré menor, 2.ª de Dó, Dó Maior, Fá Maior, 2.ª de Lá;
IV. Frase 3: cadencial, preparando a mudança de compasso; grupos de 3 notas, assentes em acordes de lá menor, ré menor, 2.ª de Dó e Fá Maior;
V. Frase 4: Arranca da anterior, sem solução de continuidade mas em compasso ternário; desenvolvimento em lá menor (dizer-base de 5 notas), com passagens por lá menor, ré menor, 2.ª de Dó, Dó Maior, Fá Maior, Lá sustenido Maior, 2.ª de lá;
VI. Frase 5: Retorno ao tema no modo menor (seria como que a frase 1 com variações…); desenvolvimento em lá menor, compasso quaternário, passagens por lá menor, Fá maior, 2.ª de lá, ré menor, 2.ª de ré, Lá Maior;
VII. Frase 6: Tema no modo maior; desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário, passagens, além do dito tom, por uma diminuta no 1.º ponto e 2.ª de Lá;
VIII. Frase 7: Variação sobre a frase anterior, desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário; passagens por Lá Maior e 2.ª de Lá;
IX. Frase 8: 2.ª variação sobre a frase 6; desenvolvimento em Lá Maior, compasso quaternário; passagens por 2.ª de Lá, Ré Maior e Lá Maior; pausa no final;
X. Frase 9: virtuose em compasso binário, sustentado em bordões harmónicos da viola; pausa no final;
XI. Frase 10: retorno ao tema no modo maior; esta frase é, em modo maior, o espelho da frase 1, apenas com a diminuta no 1.º ponto em lugar do Fá Maior; termina em 2 acordes lentos de Lá Maior.

Resta-me acrescentar que na «2.ª guitarra» que me coube – executada, naturalmente, «a posteriori», em pista sobreposta – optei por acordes nos 3 bordões, o que iria provocar efeitos harmónicos claros com os bordões que já executara em viola.
Bem pode dizer-se que OS ganhou a aposta com esta peça: execução apurada e com aspectos ‘vanguardistas’, o universo sonoro e toda a enunciada estrutura tema-variações torna a faixa de abertura de Raízes de Coimbra algo de forte e susceptível de agradar a públicos geracionalmente heterogéneos – não é por acaso que em várias actuações em que participei pude presenciar agrado unânime, com alguns dos mais veteranos a exclamar:

– Isto é Coimbra !...


2.3. Variações sobre o tom de ré menor

Contrariamente à anterior, não se trata de uma peça ‘fácil’ e que agrade à primeira. A complexidade do mundo interior de OS começa aqui a manifestar-se e as mudanças de compasso poderão ser perplexificantes para auditores mais tradicionais. Passemos à análise:

I. Frase 1: Desenvolvimento em ré menor, compasso quaternário, dizer-base de grupos de 7 notas; 1.ª e 2.ª de ré menor;
II. Frase 1’: continuidade total em relação à frase 1;
III. Frase 2: compasso binário, sequência de acordes – ré menor ( + mi), ré menor, Fá Maior, ré menor, Fá Maior, 2.ª de Fá, Fá Maior [bis];
IV. Frase 3: desenvolvimentos em ré menor e Fá maior, quaternário lento, quase lembrando um minuete [Obs.: No Verão de 1981, já concluída a gravação, cheguei a conceber como «2.ª guitarra» para este frase um exercício a fazer lembrar justamente um minuete de inspiração haendeliana. Mas nunca houve oportunidade para o experimentar]; passagens por ré menor, 2.ª de ré, Fá Maior, 2.ª de ré, 2.ª de Fá, Fá Maior;
V. Frase 4: desenvolvimento em Fá Maior, quaternário lento, passagens por Fá Maior, 2.ª de Fá, Lá sustenido Maior, Fá Maior [bis, mas terminando em 2ª de ré (pausa)];
VI. Frase 5: desenvolvimento em ré menor, quaternário; passagens por ré menor, 2.ª de ré, Lá sustenido Maior, sol menor [Obs.: No ataque à repetição de um segmento desta frase, em 2.ª de ré, proporcionou-se um interessante efeito de «2.ª guitarra»]; termina em 2.ª de ré (pausa);
VII. Frase 6: desenvolvimento em Ré Maior, quaternário lento; passagens por Ré Maior, 2.ª de Lá, 2.ª de ré, 2.ª de si, finalização em 2.ª de Sol (pausa);
VIII. Frase 7: frase de ligação; compasso ternário, sequências: Sol Maior/ 2.ª de Sol/Dó Maior/Sol Maior, Fá Maior/2.ª de Fá/Lá sustenido Maior/ Fá maior; termina num longo acorde grave de Fá maior, executado nos 3 bordões;
IX. Frase 8: Reprise da frase 4 e seu desenvolvimento até final; passagens por Fá Maior, ré menor, 2.ª de ré; finalização com acordes de 2.ª e 1.ª de ré menor.

Indubitavelmente uma peça com o seu quê de ‘ingrato’ para o ouvinte, tem, na execução respectiva, momentos de árdua virtuose para o solista, mas também de grande fruição, quer para este, quer para o(s) acompanhante(s).


2.4. Variações sobre o tom de Ré Maior

De novo uma peça alegre e (aparentemente) mais acessível. Passemos à análise:

I. Frase 1: Tema de abertura cujo dizer-base assenta, uma vez mais, em grupos de 7 notas; compasso quaternário, com passagens por Ré Maior e 2.ª de Ré; 2.ª de Sol, Sol Maior e sol menor;
II. Frase 2: continuidade em relação à frase 1; passagens por Ré Maior, 2.ª de Ré, Sol Maior, Ré Maior, 2.ª de Sol, Sol Maior, sol menor, Ré Maior e 2.ª de Ré;
III. Frase 3: frase de grande alegria no dizer, assente em grupos de 7 acordes (iniciados no Ré Maior de registo intermédio); passagens por Ré Maior, 2.ª de Sol, Sol Maior e 2.ª de Lá;
IV. Frase 3’: sequência do tema em grupos de 5 acordes, com passagens por 2.ª de si, si menor, 2.ª de Lá, Lá Maior, Sol Maior, 2.ª de Ré e Ré Maior de registo intermédio (com o qual se inicia a frase seguinte);
V. Frase 4: retomar do tema da frase 3; pausa no final;
VI. Frase 5: desenvolvimento em Lá Maior, compasso ternário, melodia em grupos de 5 notas; passagens por 2.ª de Lá, Lá Maior;
VII. Frase 5’: é como que a passagem da frase 5 ao modo menor; mantêm-se o compasso ternário e os grupos de 5 notas; passagens por lá menor e 2.ª de lá;
VIII. Frase 6: virtuose com desenvolvimento em lá menor, compasso binário, alternância de notas com acordes (em grupos de 9); passagens por: lá menor, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de Dó, diminuta no 3.º ponto, lá menor; lá menor, Fá Maior de 7.ª, 2.ª de ré, ré menor, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de lá menor; lá menor, diminuta no 1.º ponto [pausa]; lá menor, 2.ª de lá, ré menor, lá menor, 2.ª de lá, lá menor;
IX. Frase 7: pequena frase-ligação, de 4 compassos ternários em 2.ª de Ré, dizer-base de 5 notas;
X. Frase 8: desenvolvimento em Ré Maior, começando em prelúdio de 4 compassos neste tom, com dizer de 5 notas (qual sequência à frase 7); continuação em quaternário lento, 1.ª e 2.ª de Ré Maior;
XI. Frase 9: nova frase-ligação, ternário, 3 compassos em Ré Maior; finalização em si menor [pausa];
XII. Frase 10: surpreendente sequência de acordes em compasso ternário, começando em 2ª de ré e terminando em 2.ª de lá; passagens por diminuta no 3.º ponto, Lá sustenido Maior, diminuta no 3.º ponto, 2.ª de lá, Lá sustenido maior, diminuta no 1.º ponto, 2.ª de lá;
XIII. Frase 11: final, lento e majestoso; compasso ternário, grupos de 4 acordes, passagens por ré menor, diminuta no 3.º ponto [bis], 2.ª de Ré, Ré Maior.

Curiosamente (ou talvez não), esta peça foi uma das preferidas de Fernando Machado Soares, quando em 1981 ouviu as gravações para depois redigir o belo texto patente na contracapa de LP: achou fora do vulgar a extrema alegria de algumas frases, bem como, uma vez mais, a capacidade revelada por OS no sentido de ‘pegar’ num tema e levá-lo às últimas consequências.
Como acompanhante, acrescentarei que foi, das peças em moldes relativamente tradicionais, a que maiores oportunidades criativas me prodigalizou.


3. A fechar

O que aqui fica escrito não passa de uma gota de água no que à Obra original de OS diz respeito. Havendo que delimitar um micro-objecto de análise dentro de uma produção instrumental que anda por boas dezenas de peças, optou-se, dentro da Obra gravada, pelos 3 temas que são explicitamente «variações» [ainda que outras pudessem, com toda a legitimidade, ostentar tal designação no título, v.g. «Flores em Abril», que bem poderiam passar como «Variações sobre o tom de Lá n.º 2»], ao que se acrescentou o primeiro tema instrumental gravado por OS, da autoria de um seu conterrâneo, como se viu.
A OS poderei voltar a qualquer momento; mas qualquer outro estudioso o poderá também fazer, assim as peças estejam acessíveis (em gravação ou em partitura) e haja (boa) vontade de as estudar. Na certeza de que quem o fizer plena justiça prestará a um dos mais fiéis vultos da galáxia, que aos 50 anos (em 1987), como se viu, se re-fixou em Coimbra e à causa da Guitarra e dos Organismos de Antigos Estudantes aí tem dado o seu melhor.


Poslóquio: Se por trás de um Grande Homem (até na estatura física…) há uma Grande Mulher, uma palavra é devida a Isabel Torrado e Azevedo, Colega do Ofício de Clio e inexcedível anfitriã (em Almada, em Coimbra, em S. João do Estoril), que como tal conheço há quase um quarto de século.




Lisboa, 18 de Junho de 2004


Antigos Orfeonistas em Poitiers, frente à Câmara, em 2004: Paulo Veiga, João Mexia, Adelino Fonseca, Rui Paulo, Rui Oliveira, José Paracana, Francisco Brito e João Barreto Posted by Hello


Antigos Tunos na Madeira, Fim de ano de 2004. Guitarras: José Paulo e Octávio Sérgio. Viola, António José Rocha. De pé: Silva Afonso, Fátima, Piedade (Piti), Henrique Veiga com Heitor Peixoto atrás, Fernando Rolim e atrás António Macedo, Rovira e Políbio Serra e Silva. Posted by Hello


"Luiz Goes, António Portugal e o Quinteto de Coimbra". LP gravado no ano de 1958. O grupo é constituído por António Portugal e Jorge Godinho nas guitarras, Manuel Pepe e Levi Batista nas violas e Luiz Goes a cantar. Já muito foi dito sobre esta gravação. Foi um momento muito alto na galáxia da canção coimbrã. As interpretações são soberbas. O som das guitarras é cristalino. António Portugal é um guitarrista expressivo e arranca da guitarra sons com bom timbre e vibração. O seu "Lá menor" é uma peça do melhor que em Coimbra se fez; e está muito bem acompanhada. A "Aguarela Portuguesa" é uma peça de belo efeito, popular, aceite sem reservas por qualquer público.Nota-se, nela, alguma influência do "Mi menor" do Artur Paredes. Mas isso não retira valor ao seu conteúdo. Os arranjos para os acompanhamentos merecem nota alta - introduções de mui belo efeito e bem enquadradas com os fados. Jorge Godinho interpreta o Ré menor de Almeida Santos com uma mestria fora do vulgar. A peça é muito bem construída, nostálgica, mas com uma força criativa grande. Luiz Goes tem uma voz muito acima do comum dos mortais. É um digno sucessor de seu tio, Armando Goes, também um predestinado. Com uma voz de barítono, tem uma amplitude que lhe permite chegar a notas que só os bons tenores alcançam, e isto sem se notar esforço e com bom timbre. Os seus pianos são sublimes e comoventes. Voz de puro cristal! Manuel Pepe e Levi Batista são dois grandes acompanhadores de viola. Eles são os alicerces de todo este edifício. Curiosamente era Fernando Machado Soares que estava escalado para gravar este disco mas, à última da hora, um mal estar apoderou-se dele e resolveu passar a pasta a Luiz Goes. Vou transcrever o que Lousã Henriques escreveu para este disco: "Segundo alguns o Fado de Coimbra teve a sua origem na cultura Trovadoresca Medieval, ao tempo da instalação da Corte Portuguesa em Coimbra, ao passo que outros sustentam o ponto de vista de que o mesmo constitui uma relíquia do velho folclore lusitano. Mas todos concordam em que o mesmo se situa entre as mais autênticas e artísticas manifestações estudantis em qualquer parte. Em Coimbra, o cantar constitui parte essencial na vida do estudante. O tradicional boémio da antiga Coimbra, vivendo entre sua "Sebenta" (livro didáctico) e seus sonhos, só se poderia expressar neste particular estilo. De maneira que seu lirismo tornou-se uma forma de arte das mais belas e tipicamente portuguesa. Os dois temas centrais - Amor e Saudade - reflectem a sua própria vida. Em Coimbra sente-se na atmosfera um leve odor de roupa branca lavada e contempla-se uma paisagem de campanários, bem como uma luxuriante vegetação da qual emana deliciosa fragrância. Coimbra tem um lugar muito especial entre outras cidades - é uma cidade-aldeia. Aprendemos mais com a sua tradição do que com o seu progresso e é essa cidade que, juntamente com a adolescência, determina o subjectivismo das canções académicas. Enquanto o estudante cantar, enquanto ele falar de sua vida e de seus problemas em breves versos de estilo popular ou clássico, a Universidade que os gerou e a atmosfera liberal de sua cultura não poderão desaparecer". Posted by Hello

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