sábado, setembro 10, 2005


Partitura de "Angústia" (1), de Octávio Sérgio. Posted by Picasa

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Partitura de "Angústia" (2), de Octávio Sérgio. Posted by Picasa

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Partitura de "Angústia" (3), de Octávio Sérgio. Posted by Picasa

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Partitura de "Angústia" (4), de Octávio Sérgio. Posted by Picasa

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Partitura de "Angústia" (5), de Octávio Sérgio. Peça ainda não executada em público. Retrata um pouco a minha vida atribulada, dedicada à guitarra de Coimbra, passando pelo estudo da guitarra clássica. Daí o nome dado à peça. Posted by Picasa

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sexta-feira, setembro 09, 2005


Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina, com António Paulo Lopes na viola, António José Moreira na guitarra, Nuno Silva e Luís Alvelos a cantar. Posted by Picasa


Os instrumentistas de serviço, ontem, no Arco de Almedina: António Paulo Lopes na viola e António José Moreira na guitarra. Posted by Picasa


No final cantou-se a Balada da despedida de Fernando Machado Soares, Coimbra tem mais encanto. Posted by Picasa


Luís Alvelos a cantar com o Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


Nuno Silva a cantar com o Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


Luís Alvelos e Nuno Silva, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


A autora do desenho abaixo, em plena laboração, enquanto ouvia o Grupo de Fados Capas Negras, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


Enquanto se ouvia cantar e tocar guitarra pelo Grupo de Fados Capas Negras, este desenho ia sendo feito. Posted by Picasa


Assistência à actuação do Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


Assistência à actuação do Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa


Assistência à actuação do Grupo de Fados Capas Negras, ontem, no Arco de Almedina. Posted by Picasa

quinta-feira, setembro 08, 2005


Foto do conjunto de José Amaral, durante uma homenagem que lhe foi feita no Largo do Seminário, em Santarém, a 27 de Maio de 2000. No grupo estão: Alfredo Gomes e José Amaral, guitarras; Mário Moura e Luís Tanqueiro, violas. Na foto reconhecem-se ainda Carlos Alberto Moniz, José Niza, João Luís Madeira Lopes, Teotónio Xavier e António José Rocha. A foto e a legenda foram-me enviadas por Rui Lopes, que foi substituir José Amaral, recentemente falecido, no citado conjunto. Posted by Picasa

Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra
Está já disponível o site dos Antigos Tunos. O seu endereço já foi colocado nos LINKS deste Blog. Para rápida consulta, aqui vai:

Um notável guitarrista académico, figura de relevo da sua geração universitária
Pelo Dr. Octaviano do Carmo e Sá. Crónica publicada em O Primeiro de Janeiro, de 18 de Outubro de 1956. Poeta, conimbrógrafo de relevo, advogado e jornalista, Octaviano de Sá nasceu em Coimbra em 30 de Junho de 1884, cidade onde faleceu em 1956. Formou-se na Faculdade de Direito da UC em 1915. Publicou Nos domínios de Minerva (1939), A tricana no folclore coimbrão (1942), Quadras dos estudantes a Coimbra (1940). Acompanhou a Tuna Académica ao Brasil, no Verão de 1925, como correspondente da Gazeta de Coimbra. O texto relativo ao antigo guitarrista Manuel Mansilha foi-nos remetido pelo seu sobrinho, Dr. Francisco Mansilha em 2002. Transcrição e anotações de António M. Nunes.

No ano lectivo de 1897-1898, concluía o curso de Direito na Universidade de Coimbra, o quintanista Manuel Teixeira de Sampaio Mansilha, natural de Alijó[1]. Tinha nesse curso o número oitenta e era asa esquerda do poeta Fausto Guedes Teixeira.
O quinto ano jurídico constava apenas de oitenta e quatro alunos. O último, Carlos Fuzeta, foi reputado advogado algarvio. Ao curso pertenceram, entre outros, Alexandre Braga, Manuel Augusto Granjo, Cláudio Olímpio, Eugénio Carvalho e Silva, Gaspar Ferreira Baltar, Manuel Dias Gonçalves Cerejeira, António Alexandre de Matos, Pinto Osório, figuras de grande relevo no foro. Ficou nesta cidade Amadeu Ferraz de Carvalho, que se dedicou ao ensino nas escolas industriais, e foi uma autoridade nos assuntos toponímicos locais.
Manuel Mansilha, há pouco falecido já em idade avançada, teve renome na sua geração académica, sobretudo por bem poder considerar-se um “virtuose” na guitarra[2]. Não passou por Coimbra outro até Mansilha, que melhor dedilhasse as cordas desse instrumento. Saiu até dos acordes do Fado, que seria a expressão mais característica da guitarra[3], e compôs várias músicas que lhe deram novos aspectos[4]. Ainda hoje os guitarristas tocam uma valsa de Mansilha, de ritmo até então desconhecido na adaptação a esse instrumento[5]. Manuel Mansilha criou, assim, a justa fama do melhor guitarrista da Academia, e nas noites das suas saídas em serenata pela ruas desta Coimbra lendária tinha uma multidão a admirá-lo, e, mesmo, a aclamá-lo[6].
Nesse tempo, no entanto, havia como seus contemporâneos, guitarristas de mérito, como Manuel Luís Tavares, que compôs para uma récita de quintanistas alguns números de música, e, entre eles, um fado, que andou largo tempo em gargantas de trovadores, pelas veladas nocturnas coimbrãs, como motivo de grande inspiração e superior execução. Este académico e guitarrista era da região bairradina, próxima desta cidade. Ficou sempre com gosto pela guitarra e ouviam-no, algumas vezes, pessoas amigas nos seus verdadeiros concertos desse instrumento[7].
Outro, também, foi João de Deus Ramos, que cultivou muito o harpejo da guitarra, em que era igualmente exímio, deixando ao sair de Coimbra, bacharel formado em Direito, um fado no tom “dó menor” que ainda hoje se ouve muitas vezes tocado pelos melhores artistas da especialidade[8]. É certo que João de Deus Ramos, desde os primeiros anos da Universidade, começou a revelar o seu mérito em tal instrumento, mas dificilmente, alcançaria o renome de Manuel Mansilha verdadeiramente iluminado da guitarra.
É que Manuel Mansilha tinha uma expressão própria para a execução desse instrumento, e a sua figura de romântico, de sonhador, dava extraordinária expressão à sua arte. Era uma figura gentil de moço vivendo enlevado nesse sonho de guitarrista que deu, muitas vezes, às noites de Coimbra, um especial encanto nessas horas de balada. Apesar de ter morado para a Rua Garrett e aos Arcos do Jardim, vinha às noites à Baixa com os seus colegas, e daí saiam as serenatas até madrugada alta.
Tinha uma grande predilecção por ser ouvido no Arco de Almedina, naquela entrada para o Pátio dos Castilhos, rua de certa inclinação, sem saída alguma, que tem como cenário formoso a velha Torre, de pedra morena, e um arco de entrada para esse pátio curioso no aspecto arquitectónico. A Baixa era então local de certa boémia nocturna dos cafés Marques Pinto e Lobo da Sofia, da reunião dos estudantes, no Zé Magrinho, Julião das Iscas, e outros atractivos da mocidade.
Uma noite, o aluno de Medicina João Duarte de Oliveira que ao tempo fazia parte de uma República de beirões, à Couraça dos Apóstolos, e também tinha pretensões a guitarrista, passou e ouviu-o[9]. Não esperou mais tempo. Foi ao seu quarto, pegou da guitarra, e, junto de Manuel Mansilha, atirou-a à calçada, espatifando-a e dizendo ser o maior preito de admiração pelo grande artista, que desconhecia e tanto o havia impressionado na inspiração e na execução dos motivos saídos daquelas cordas de oiro.
Apesar disso, nunca deixou de tocar, de aprender guitarra. Já Professor da Universidade e Reitor, aliás muito distinto, desse estabelecimento científico, ainda a ocultas, nos momentos em que se confiava a si próprio, puxava ao peito a guitarra, e, fazia exercícios nas suas escalas; mas nunca pensou imitar ou desbancar o seu colega Manuel Mansilha[10].
Uma noite encontramo-nos no Teatro Avenida, num sarau académico, a aplaudir o guitarrista Artur Paredes. Falámos do êxito dessa noite, alcançado por aquele esplêndido executor da guitarra, e o ilustre Doutor João Duarte de Oliveira, sem esquecer a noite em que ouvira pela primeira vez que o obrigara a partir a guitarra, comentou o facto nestes termos: “exímio, mas como o Mansilha, nenhum!”
Da geração académica a que este guitarrista, executor e compositor, pertencera, faziam parte o célebre Augusto Hilário Alves, boémio académico coimbrão de nomeada, dilecto amigo do poeta Fausto Guedes Teixeira, a quem este deu tantas quadras de amor para a sua magnífica voz de trovador. O Hilário não sabia da guitarra mais do que os tons, em maior ou menor, que Manuel Mansilha lhe ensinara e nos quais compôs os seus fados.
Até então tocava bandolim, e foi este o instrumento de cordas a que alguns jornalistas se referiram quando da sua particular homenagem a João de Deus, na ocasião da grande consagração ao Poeta do Campo de Flores. Delfim de carvalho, “Phindel”, ao tempo jornalista desta cidade para O Primeiro de Janeiro, atribuía a Hilário a execução do bandolim de quatro cordas de tripa. O boémio teve muito tempo, porém, para aprender os tons na guitarra, ensinados por tão bom mestre. Andou largos anos em preparatórios Médicos e, quando Manuel Mansilha deixou Coimbra, entrava como estudante, francamente, naquela Faculdade[11].
No ano de quintanista de Manuel Mansilha, o seu condiscípulo Manuel Dias Gonçalves Cerejeira, foi autor duma récita que ficou entre as melhores dos estudantes de Direito. Deu-lhe o título Os Boémios e foi qualquer coisa de admirável pelo conjunto reunido. Tinha lindíssimas canções que o público chamou a si, trazendo-as para a notoriedade das canções populares.
Os versos eram de superior inspiração e o entrecho prestava-se, esplendidamente, a essas belas rimas. Manuel Mansilha contribuiu com a sua colaboração valiosa para tão extraordinário êxito. Ainda hoje, ao recordar tais festas académicas, se fala muito dos méritos dessa peça teatral dos estudantes, dum curso onde havia personalidades de grande valor.
Manuel Teixeira de Sampaio Mansilha, acabado o seu curso de Direito foi para Macau, onde exerceu o cargo de Secretário Geral do Governo dessa província. Proclamada a República, recordo-me de o ter visto de regresso ao Continente, fazendo parte duma espécie de “república” que antigos estudantes arranjaram na Capital. Foi este guitarrista académico coimbrão o último sobrevivente creio do seu curso, que há dias faleceu em Alijó.

[1] Manuel Teixeira de Sampaio Mansilha, filho do médico José Teixeira de Sampaio e de Guilhermina Mansilha, nasceu em Alijó, em 29 de Novembro de 1876. Formado em Direito no ano de 1898, dedicou-se à advocacia na sua terra natal. Em 22 de Novembro de 1900 foi nomeado Secretário Geral do Governo de Angola. Desempenhou idêntico cargo em Macau. Faleceu em Alijó, em 28 de Setembro de 1856, sem filhos, e deixando viúva Alzira Malheiro Vaz.
[2] Instrumento que tocou quase até à sua morte, usando sempre da afinação natural.
[3] Ideia totalmente errada e que pela gravidade do erro constitui um dos pseudo elementos que ajudaram a construir o mito da Canção de Coimbra como um “fado exótico”.
[4] Não se sabe ao certo que temas compôs, havendo notícias do Fado Mansilha (perdido?). A revista ilustrada Branco e Negro, nº 22, de 1898, pág. 346 noticiava “possue abundantes composições da sua lavra, umas publicadas outras popularizadas”. Até ao presente apenas foi possível resgatar Fado em Lá Maior, a partir de uma gravação de Ricardo Borges de Sousa.
[5] Provavelmente a valsa Nera.
[6] Liderou durante quase oito anos o Grupo Manuel Mansilha, onde alinhava o guitarrista Manuel Joaquim Correia. Este grupo acompanhou a Tuna com regularidade em Lamego, Braga, Vila Real, Tomar, Viseu, Leiria, Figueira da Foz, Coimbra. Mansilha também era bandolinista na Tuna.
[7] Outros guitarristas coevos de Mansilha, foram Augusto Hilário, José Cochofel, João de Deus Battaglia Ramos, Ricardo Borges de Sousa, Manuel Joaquim Correia, João Duarte de Oliveira, António Dias, Ramiro de Figueiredo, Joaquim Azevedo, Víctor Brandão, Alberto Morais, Jacinto Oliveira, F. Telo Gonçalves, Cláudio Dias, António Pires Martinho de Brito, António Ildefonso Coelho, Manuel Ribeiro Alegre, Cândido Pedro de Viterbo, Joaquim Calheiros.
[8] O guitarrista João de Deus Ramos (Filho) matriculou-se na Faculdade de Direito nos inícios de Outubro de 1896. É autor da melodia do Fado João de Deus, também tocado a título de peça instrumental. Esta peça não está em “dó menor”, sendo antes em compasso binário e tom de sol menor.
[9] João Duarte de Oliveira, filho de António Duarte de Oliveira e de Rosa Liberata, nasceu em 6 de Fevereiro de 1875 no lugar de Cebolais de Cima, Castelo Branco. Frequentou Filosofia desde 7 de Outubro de 1895, Matemática (1896), e Medicina (1898). Formou-se em Medicina a 30 de Julho de 1903. Médico municipal em Monforte, ingressou como assistente na Faculdade de Medicina em 1912, tendo ascendido a lente catedrático em 1920. Foi nomeado Reitor em 1931. Faleceu em 16 de Dezembro de 1946.
[10] Guitarrista de desempenho medíocre, segundo a tradição oral. Depoimentos confirmam que mantinha uma guitarra nas dependências da Reitoria, instrumento que dedilhava de quando em vez.
[11] Confusão do autor, pois Hilário faleceu em 1896 e Mansilha formou-se em 1898.

O Fado de Coimbra é uma “balada”...
João Falcato, O fado de Coimbra é uma Balada, em Linhas de Elvas, 25/10/1952.
João José Falcato nasceu no Alentejo e frequentou a Faculdade de Letras da UC entre 1942 e 1947. Foi membro do TEUC. Seguiu carreira jornalística. Escreveu dois livros de memórias, Coimbra dos Doutores (1957), e Palácios Confusos. Conheceu Edmundo Bettencourt em Agosto de 1946, a propósito do livro Fogo no Mar, poeta e antigo cantor que lhe transmitiu algumas das ideias-força e conceitos presentes na crónica de 1952: a expressão Canção de Coimbra; a negação do carácter fadístico da Canção de Coimbra; a hipotética origem folclórica da Canção de Coimbra (trata-se da primeira elaboração de uma teoria pouco fundamentada, depois incessantemente repetida); a vigorosa apresentação de Bettencourt como um intérprete de canções. Texto recolhido, transcrito e anotado por António M. Nunes a partir do espólio documental de Edmundo Bettencourt.

Foi numa noite enluarada. Numa dessas noites “vestidas de melancolia”, que só existem nos versos dos poetas... e em Coimbra.
Subia lentamente o Quebra-Costas. Quando galguei o último lanço da escadaria vi as pedras da Sé Velha envolvidas por uma mancha de luz suave e fixa, a deixar que os meus olhos recortassem nítida, no pórtico da igreja, a figura do Julião, garganta afamada na Academia. Havia serenata.
A mancha de centenas de capas negras estacionava no Largo, a escutar em silêncio. A solidão das ruas desertas parecia também escutar. A terra inteira parecia estar aguardando a voz daquele estudante. Fiquei preso do encanto da noite doce e da emoção da expectativa. Ia ouvir cantar pela primeira vez o fado de Coimbra no cenário próprio.
Bagão, doutor em guitarra, lá estava também, cingindo com amor aquele coração de madeira donde arrancava harmonia de acordes que enchiam os ares.
No momento em que a figura do Julião, envolto na capa negra, se tornou hirta, como estátua em nicho de igreja, pareceu-me que se suavizaram ainda mais os tons macios da lua. E a voz subiu, elevou-se, matando o silêncio:

Passam-se noites inteiras
Sem que me possa deitar...

Melodiosa e branda, a guitarra acompanha o chorado da letra.
E no meio do silêncio fundo dos que ouviam, a voz, de novo, ganha volume e ternura:

E a lua já tem olheiras
De tanto me alumiar!...

A cantiga ouvia-se nas ruas próximas, soturnas e desertas. Todos os estudantes continuaram quietos, parados, como que presos ao eco da cantiga que aumentava e se repetia, ao longe, por sobre a fita de prata velha do Mondego.
Senti-me tomado por uma tristeza opressiva e pesada. Aquela voz a elevar-se no silêncio nocturno duma terra vazia, tinha acordado em música o eco das amarguras que me minavam.
Depois tocou-me também a beleza da canção trovadoresca, onde havia mocidade e, de mistura, sonhos de amor. E sem querer, a caminho da Alta, enquanto acariciava brandamente a minha capa ainda nova, fui recordando os nomes de alguns estudantes que com as suas canções encheram Portugal.
Num colóquio de noctívago, perdido das horas e alheio ao descanso, fui perguntando:
Teria sido o Hilário o primeiro estudante que começou a cantar o fado?
Certamente não foi[1]. Outros o fizeram antes dele. Mas sem dúvida foi o primeiro estudante a atingir as culminâncias nessa arte.
Temperamento romântico, ajoelha para cantar frente a João de Deus, numa homenagem simbólica da Academia a um antigo estudante que a soube honrar.
Cantando, fez o seu testamento, como se, por um divinatório dom de boémio, tivesse sabido que a sua vida seria bem curta:

Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra...
A forma dum coração,
A forma duma guitarra!

Hilário canta ainda um fado que não está de todo emancipado do Fado de Lisboa, mas que já tem a mais a mocidade de quem o canta e o ambiente onde o canta. Tem a mais a moldura admirável duma paisagem encantada e temas da saudade que os vinte anos sabem interpretar[2].
Manassés - outro estudante ligado à boémia coimbrã - canta um fado diferente do Fado Hilário[3]. É já uma canção! Uma canção com arrancos de vivacidade que se afasta cada vez mais do gosto decadentista do Fado de Lisboa, arrastado e monótono[4]. É uma mensagem de mocidade gritada à lua em noites de inesquecível beleza.
Em breve, essa canção vai ganhar mais características próprias. Só espera para o conseguir, que entre em Coimbra, cantando, uma geração de estudantes músicos e poetas. Então sim. Esse desabafo eleva-se para as pedras velhinhas da Sé, ouve-se nas ruas tortuosas e sujas que os estudantes calcorreiam, como coisa própria. O Fado de Lisboa ficará limitado a Lisboa, sem eco em Coimbra[5]. Quis romper a sua muralha e foi assimilado, vencido pela mocidade. Nascido do pretexto para contar uma história, mais dito que cantado, sem equilíbrio de peça musical, perdeu-se por não oferecer variedade de música, acordes, equilíbrio, e conservar sempre o aspecto depressivo[6].
Atenção, senhoras e senhores: entrou em Coimbra e já sobe aos Gerais, cantando, a mais extraordinária geração de estudantes músicos e poetas que a Lusa Atenas viu: os Menanos!
Feliz momento. Neste grupo vem de tudo: poetas, músicos e uma preciosa voz de tenorino que vai encantar Coimbra, enfeitiçar o país e levar longe, a terras estranhas, a beleza duma nova canção.
Francisco Menano - hoje ilustre magistrado - anima toda a actividade musical. A partir deste momento, nem as fogueiras se fazem sem a sua presença, nem as festas sem a recitação dos seus versos.
Mas é António Menano que vai consagrar na mais admirável voz de tenorino, o sabor da “Canção de Coimbra”:

Igreja de Santa Cruz,
Toda de pedra morena[7].

Foi a loucura! Os seus harmoniosos trinados, as suas notas de cristal, trazem a Coimbra milhares de pessoas para o ouvir cantar. Vem a Lisboa e recebe ovações apoteóticas como nunca se fizeram às maiores celebridades líricas[8]. Ninguém se apercebia, porém, que aquele entusiasmo significava a morte do Fado que se cantava em Coimbra, a emancipação total de uma forma decadente e o aparecimento duma nova canção cheia de mocidade e de beleza.
É que o segredo daquele encanto residia no sabor musical das Beiras que António Menano imprimia ao que cantava. O estilo ganhou melancolia e uma nota ainda forçada de sentimentalismo. Mas a maneira doce, e até os motivos, são os regionais. Aconteceu com ele o que iria suceder, a partir daí, com todos os que em Coimbra cantavam.
Cada estudante traz das suas terras, da sua província, o seu folclore. Hilário já não conhecia o “Fado de Coimbra” se a morte o tem poupado. Aquela “canção” transforma-se numa espécie de rapsódia portuguesa, onde o sabor alentejano vai ganhar primazia[9].
Mas ainda Portugal não tinha despertado da enfeitiçante voz de António Menano, e já Coimbra fica deslumbrada ouvindo o maior artista que por lá passou:

Coimbra Menina e Moça
Rouxinol de Bernardim!

Edmundo de Bettencourt ficará para sempre, o maior cantor da nossa terra, e sua canção o grito mais puro que uma garganta humana pode entoar:

Não há terra como a nossa
Não há no mundo outra assim!

Onde está a tristeza decadente do Hilário? A voz do Bettencourt varreu-a em notas cristalinas. Afastou todo o sentimentalismo doentio para criar a popular “Canção de Coimbra”. Ao mesmo tempo, a guitarra é obrigada a novos prodígios e Artur Paredes, com as suas mãos de maravilha, cria um estilo novo. A guitarra fica, mercê da sua Arte, o instrumento próprio para acompanhar esta canção. Alarga-lhe os recursos e liberta-a da confusão que possa ter com o bandolim.
A partir desse momento, tocar no estilo coimbrão é tocar dentro do estilo criado por Artur Paredes. A guitarra, afagada por mãos prodigiosas em carícias da mais pura arte, fica o instrumento próprio para acompanhar Bettencourt na interpretação das canções regionais.
Surge a Senhora do Almotão: encontro maravilhoso da voz de Edmundo de Bettencourt e da riqueza de expressão de Paredes:

Senhora do Almotão,
Ó minha rosa encarnada.
Ao cimo do Alentejo
Chega a vossa nomeada...

Ou ainda esta canção que nas noites quentes e doces de Coimbra gerações de estudantes repetem, nas serenatas do Mondego ou às portas das noivas, altas horas da madrugada:

Todo o bem que não se alcança
Vive em nós, morto de dor.
Só eu não perco a esperança,
E se morrer é de amor.

O Fado de Coimbra estava definitivamente moldado na forma artística que durante muito tempo lhe vieram imprimindo. Balada de mocidade onde a saudade ainda é um motivo amoroso.
Outros a cantaram e de nomeada: Armando Gois, Paradela de Oliveira e quantos... quantos mais?!
Mas foi Edmundo de Bettencourt, o maior artista de todos os cantores-estudantes, aquele que a vazou em definitivo, no tom de desabafo e de amor que ficou encerrado nesta quadra:

Coimbra, Menina e Moça,
Rouxinol de Bernardim!
Não há terra como a nossa,
Nem há no mundo outra assim!

[1] Questão eivada de grande ingenuidade. Estudando com alguma profundidade a prática e os “saberes” dos principais intérpretes da Canção de Coimbra activos até finais do Estado Novo, detecta-se elevado grau de desconhecimento sobre as origens e evolução do género musical cultivado. O cronista intui que talvez Augusto Hilário não tenha sido uma figura fundacional. Porém, desconhece tudo o que se fez e praticou antes de Hilário.
[2] Este parágrafo pressupõe, de acordo com a ideia dominante na época, que a Canção de Coimbra tivera origem no Fado de Lisboa e a partir dele se transformara localmente. Em favor dessa hipotética transformação, Falcato aduz a juventude dos intérpretes (vitalidade, energia), e o papel desempenhado pelo “meio físico e social”. Falcato reproduz acriticamente ideias dos senso comum, hoje insusceptíveis de corroboração.
[3] O autor confunde o “Fado Hilário Moderno” com dois espécimes da autoria de Hilário, respectivamente “Fado Serenata do Hilário” (1894) e “Último Fado do Hilário” (1895).
[4] Os dados decorrentes das investigações mais recentes não confirmam o processo de transição invocado. Manassés de Lacerda foi um tenor lírico de grande expressividade. Os seus discos sugerem-nos um cantor de “opereta ligeira”, situado nos antípodas do estilo vocal ultra-romântico seguido por Menano, Paradela, Junot.
[5] A afirmação carece de ser matizada. António Menano – que também foi um cultor do Fado de Lisboa – formou-se em 1923. Até meados da década de trinta, diversos cantores e guitarristas de Coimbra continuaram a cultivar fados ao estilo de Lisboa, sobretudo nos palcos.
[6] Neste particular, o cronista limita-se a enunciar as ideias feitas que então corriam na boca dos detractores do Fado de Lisboa.
[7] Edmundo de Bettencourt anota, junto a estes dois versos: “Não está certo, quem o cantou primeiro fui eu”.
[8] Este e outros parágrafos da crónica reflectem influências do artigo de João Seabra, Rouxinóis do Mondego, 1944.
[9] Generalização abusiva, não confirmada documentalmente. A Canção de Coimbra não pode ser lida como uma soma de contributos regionais. Ela própria tem origem regional, no sentido de que é coimbrã. Falcato sugere o inverso, isto é, que este género musical seja lido como uma panóplia fragmentada de contributos provinciais.


Grupo de Fados Capas Negras, hoje, no Arco de Almedina. Notícia do Diário de Coimbra. Posted by Picasa

“Fado de Coimbra” ou Serenata Coimbrã?
Tentativa duma definição

Por Francisco Faria(*)
(transcrição do texto por António Manuel Nunes, em 2002, com vista à respectiva reedição documental na obra "Imagens e Representações da Canção de Coimbra", mediante autorização do autor)

1 – Será muito difícil saber-se ao certo se, nos tempos que correm, são gastas maiores somas com a chamada música séria, no seu conjunto, se com aquele género ligeiro conhecido vulgarmente por CANÇÃO. Mas o que parece evidente é que na rádio e televisão (os meios de comunicação que dominam o consumo da música) o tempo dedicado à canção ultrapassa largamente o ocupado por aquela outra música.
A canção está presente no dia a dia do nosso viver. Quem poderá afirmar que passa um dia sem ouvir, cantar, trautear ou assobiar uma canção? Não será verdade que a maior parte das pessoas, no tempo de vigília, não passam uma única hora sem sofrerem influência duma canção que ouve ou que lhe ressalta do subconsciente?
Enfim, a canção é uma realidade social sempre presente na vida individual e colectiva[1]. E não vale a pena tentarmos desdenhá-la rotulando-a de “arte menor” ou coisa parecida. Neste género como nos outros, há obras menores e obras primas. Mas umas e outras exercem a sua influência, ambas em grau e sentido diversos, todas elas constituem testemunho do estilo de vida do grupo humano em que se divulgaram e permaneceram.
A canção, expressão simples, directa, acessível, penetrante, tem sido tudo: louvor a Deus, confissão de amor recatado, manifestação erótica, grito de revolta, ofensa sarcástica, meio insidioso e eficaz de expansão ideológica; e tem acompanhado as mais variadas situações da vida humana: na convivência alegre como na recordação saudosa da terra distante ou das pessoas de quem dependemos afectivamente, na dureza do trabalho penoso, na raiva da impotência perante a injustiça, no viver isolado, na oração individual ou colectiva.
Resumindo: “A canção está presente em todo o lado, em toda a parte tem resposta para tudo”[2].
Pelo exposto é que a canção constitui um meio privilegiado do conhecimento duma sociedade, duma época. Nenhum testemunho nos poderá elucidar tão perfeitamente sobre o ambiente social dos trovadores como as suas próprias canções: cantando-as agora, revivemos exactamente a vida deles. O mesmo se poderá afirmar das canções dos “goliardos”.
2 – Um dos grupos humanos que, tradicionalmente, tem utilizado canções próprias, são os estudantes, mormente os universitários. A convivência de gente nova, em ambiente desinibido (por sentirem fora da tutela familiar) é exactamente propício a manifestações nas quais a canção prolifera facilmente.
Tais canções ligam-se directamente ao teor da vida estudantil: canções para beber, onde praticam o uso de se juntarem nas “tabernas”[3] para o efeito, canções-hinos de associações onde tradicionalmente se agrupavam daquela forma, etc.[4].
Só conhecemos Coimbra e a sua Universidade em Outubro de 1949. Aqui deparámos com muito poucas canções comunitárias. A única verdadeiramente característica, deste género, era Meu nabo, meu grelo. Fora esta, que se cantava em conjunto?
Muito pouco. Uma vez ou outra, a canção popular Tenho um amor em Viana, com quadras improvisadas por espontâneos em alegre desafio, aos quais respondia o coro Linda morena... morena linda, ou aqueloutra também popular Oh Laurinda, oh Laurinda.
De resto, o estudante universitário não tinha então o hábito de cantar em convívio, apesar da vida gregária feita nas Repúblicas.
Não esqueçamos as cantigas de dança das Fogueiras. Só que estas eram do povo junto do qual o estudante vinha divertir-se um pouco, numa escapadela, a descansar do estudo que, na época era normalmente intenso.
No resto do tempo, o universitário comportava-se como uma classe à parte – classe privilegiada – separado da cidade dos futricas.
Que cantava esta juventude?
3 – É muito antigo o gosto do universitário coimbrão em cantar de noite ao ar livre.
A Universidade tinha sido instalada na cidade mondeguina há bem pouco tempo, quando ao Rei D. João III chegaram queixas sobre tão “escandaloso procedimento”.
Em consequência, o Monarca dirigiu ao Reitor uma carta, em 20 de Junho de 1939, na qual ordenava que o meirinho da Universidade fosse rigoroso para os estudantes dessa Universidade (que) “não guardando o que cumpre ao serviço de Deus e meu, e à honestidade de suas pessoas, andam de noite com armas fazendo músicas e outros autos não muito honestos por essa cidade, do que se segue escândalo aos cidadãos e moradores, e pouca autoridade e honra à Universidade”[5].
Se é certo que este episódio se compreenderá devidamente quando conjugado com outros reveladores da má vontade com que Coimbra recebeu a Universidade, a verdade é que por ele também ficámos a saber que o estudante do século XVI gostava de cantar em passeios nocturnos.
É evidente que a provisão poucos ou nenhuns efeitos práticos causou: os testemunhos da turbulência nocturna daquelas irreverentes juventudes fazem-nos crer que o “escandaloso” procedimento se tornou hábito tradicional, cada vez mais arreigado, até ao ponto de, passados dois séculos, haver grupos de estudantes que “passavam dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas e a fazer versos”. E este estilo de vida era tão conhecido que acontecia de “homens de maior idade, sem professarem mais que a vida de feição e galantes, virem de Lisboa e das províncias passarem o inverno a Coimbra, lojados com os estudantes, na intenção de se divertirem; nunca lhes faltou companhia de jogos, glosar motes, tocar instrumentos, dançar e consumir o tempo na conversação dos equívocos e dos repentes”[6].
Não conhecemos qualquer outro documento de que possa deduzir-se o género de música feita pelos estudantes, quer nas rusgas nocturnas pelas ruas de Coimbra, quer tocando instrumentos nas casas onde se alojavam. Mas o que nos parece impensável era levar tão longe as raízes do chamado “fado de Coimbra”.
4 – Foi numa morna noite outonal de 1949 que me encontrei com esse estranho personagem que me seria apresentado como o nome de “Fado de Coimbra”.
Chegara, de mala às costas, pela tardinha, e instalara-me no 30 da Sé Velha, lá em cima, no último andar, a partilhar do quarto onde um amigo mais velho me acolheu.
Foi ali que, a desconhecidas horas da madrugada, me surpreendeu uma voz de tenor, bem timbrada, clara e livre e me fez entrar no quarto uma melodia, em curvas descendentes e levemente ornamentadas:

Oh! Estrelinha do Norte
‘Spera por mim, que eu já vou!

O meu companheiro de quarto, minhoto como eu, mas já perfeitamente conhecedor do ambiente – era, então, “puto” – elucidou-me: é Fulano (não recordo o nome do cantor) que canta o fado, ali na escada da Sé Velha.
Seguiram-se outras melodias (mais umas duas, talvez) mas nenhuma outra me impressionou tanto como aquela. Reatei o fio do sono tão agradavelmente interrompido.
Desde então, habituei-me àquelas visitas nocturnas. E quando ninguém vinha à Sé Velha fazer o “ite missa est” duma serenata, lá aparecia o Mota (que pela quarta ou quinta vez insistia no primeiro ano de Direito) a recitar poesias, suas ou alheias, para que em cada noite o sono dos moradores daquele Largo não caísse na chateza da monotonia.
Assim conheci o “fado de Coimbra” e, com o progressivo conhecimento de muitas outras melodias, fui elaborando o conceito correspondente àquela designação.
Ao mesmo tempo, ia-me interrogando: mas, porquê chamar a isto fado?
É que, à palavra fado correspondiam, nos arquétipos mentais do meu conhecimento, noções bem diferentes: ou popular dança de roda, com quadras soltas cantadas normalmente em desgarrada; ou a canção de “bas-fond” lisboeta, mais condizente com vozes femininas, normalmente debruçada sobre amores desgraçados, ou exprimindo admiração por atitudes marialvistas de homens que, a cavalo ou a pé sabem lidar toiros, ou ainda aludindo a cenas trágicas em que se enredam marinheiros e outros manejadores da faca com destreza.
A diferença entre os dois géneros musicais é patente e a ela nos vamos agora referir.
5 – Ninguém, melhor que Frederico de Freitas – um dos mais representativos compositores portugueses deste século, há pouco falecido – escreveu sobre o fado (de Lisboa) porque, assim o pensamos, ninguém estudou as suas origens tão profundamente.
O seu último trabalho sobre o assunto foi a comunicação apresentada no Colóquio sobre Música Popular Portuguesa, integrado no I Festival de Música Popular, organizado pelo INATEL em 1979, trabalho que possuímos em policópias distribuídas aos participantes no Colóquio.
É sem qualquer reserva que aderimos à tese que atribui ao fado origem brasileira, já que ela se baseia em factos históricos aos quais não é legítimo opor quaisquer lendas ou suposições. O fado foi, no começo, uma dança um tanto lasciva, com música instrumental, de ritmo sincopado, derivado do ritmo de outra dança afro-brasileira, que é o lundum. Aportada à foz do Tejo, quedou-se pelas casa pouco iluminadas da colina, no ambiente dos bairros onde acorriam os marinheiros, tentando desenjoar dos baloiços marítimos e a quebrar a solidão dos longos dias de viagem. Aí se mudou em canção dolente, testemunho do viver de bem diferenciado grupo humano, expressão adequada dum ambiente social definido. Mais tarde subiu aos salões e ao palco, perdendo nesta nova vida a pouco e pouco, o seu primeiro carácter: deixou de representar um testemunho social para se vulgarizar em canção ligeira, de divertimento, acompanhada à guitarra e à viola, produto comercial de venda a acompanhar comidas e bebidas, servidas em lugares de exploração turística.
Mas o fado, enquanto fado, sempre foi uma canção de ambientes fechados, como que receando as correntes de ar e a liberdade da rua; as respectivas melodias tendem para a expressão duma dolência muito próxima da doença, salvo o fado corrido, ainda muito próximo da dança primitiva que justificou a expressão “bater o fado”; o ritmo, enquadrado no compasso binário, tem uma síncopa no segundo tempo; o acompanhamento é feito, normalmente, apenas com dois acordes – o da tónica e o da dominante – alternados de dois em dois compassos; a canção é do género silábico.
Só já muito recentemente, com a entrada de compositores para o clube dos criadores de fados (Frederico de Freitas foi um deles) é que apareceram as melodias desenvolvidas e as modulações mais ricas.
6 – Ora o fado coimbrão que eu encontrei naquela noite de meados de Outubro de 1949 e com o qual convivi em tantas noites apresentava-se com características bem diferentes, senão até opostas em alguns pormenores.
Desde logo se torna evidente que a Canção Coimbrã é uma música de ar livre, a estiolar em ambientes fechados, nos quais perde força expressiva e significado social, para se tornar canção-espectáculo um tanto adocicada, valendo-lhe, acima de tudo, o seu poder evocativo, para quem conhece o ambiente criador e o pretende reviver. Esta é a expressão lírica do jovem que ama com esperança e, ao mesmo tempo, exibe a sua voz de tenor (então só os tenores cantavam o fado de Coimbra), fazendo-a ouvir ao longe para a receber em ricochete de ondas sonoras e se entusiasmar com o seu próprio canto, sem espectadores e sem aplausos (apenas um simbólico “piscar” de luz através da janela lhe significa que foi ouvido e recebido). O ritmo é agrupado em compassos quaternários, de andamento moderado, frequentemente alongado em suspensões, de preferência nas passagens mais agudas. A guitarra, para além duma curta introdução, quase se limita a acordes harpejados sempre coincidentes com os tempos, sobre os quais a melodia se liberta em curvas bem lançadas, gostosamente ornamentadas com trilhos decorativos e melismas expressivos.
É isso: o “fado de Coimbra” é uma canção terna, docemente saudosista, mas jovem no seu vigor, no idealismo das atitudes, na esperança dum amor realizável que se oferece, ao mesmo tempo espontâneo e elaborado, de melodia bem contornada e, simultâneamente, um pouco rebuscada e, por vezes, patente.
7 – Mas uma das características definidoras deste género musical é a riqueza das suas modulações. É raro encontrar-se um fado coimbrão cuja melodia se sobreponha à simples alternância dos dois acordes da tónica e da dominante[7].
Voltemos ao tal fado que me visitou naquela primeira noite que passei em Coimbra. Logo no princípio, após o primeiro acorde, repetido nos dois primeiros tempos do compasso, atacar-se-á o acorde da sétima dominante nos dois tempos seguintes para, até ao fim da primeira parte, se alternarem os acordes da tónica e da dominante em cada um dos restantes compassos. Ao entrarmos na segunda parte (alumia-me o caminho...) usaremos, sem qualquer preparação, o acorde correspondente à dominante do tom relativo maior do tom inicial (o inicial é do modo menor), durante um compasso, para em seguida irmos ao acorde do 4º grau do tom inicial (também em modo menor) para nos dois últimos compassos alternarmos os acordes do mesmo modo que fizemos nos últimos compassos da primeira parte[8].
Estas modulações exigem muito de quem acompanha, quer à guitarra, quer à viola.
Mas outros há ainda mais complicados.
Recordemos aquele fado O Sol anda Lá no Céu (Fui ao Mondego lavar) que, tanto no princípio da primeira parte, como no fim da segunda, quando vai ao acorde da subdominante bemoliza a terceira, criando uma oscilação entre a tonalidade maior e a menor, semelhante à cadência picarda[9].
Outra curiosa modulação pode ser observada no tão conhecido Fado de Santa Cruz (Igreja de Santa Cruz): logo no segundo acorde (coincidindo com o 3º tempo do 1º compasso) passa-se repentinamente do acorde de tónica (modo maior) para o da dominante do tom menor correspondente ao segundo grau do tom inicial, sensibilizando a tónica (1º grau) com que se começou o acompanhamento, e seguem-se as modulações mais variadas[10].
E as surpresas aumentam ao encontrarmos as progressões harmónicas que é necessário fazer para se acompanhar devidamente o célebre Menina e Moça (Coimbra Menina e Moça), o elegante Fado dos Busos (São tão lindos os teus olhos) e o nostálgico Contos Velhinhos.
Enfim, quer pelo gosto e riqueza das modulações, quer pela supremacia da melodia sobre a parte instrumental, quer pela variedade rítmica, nada aponta uma origem, para o Fado de Coimbra, coincidente com a do Fado de Lisboa, ou seja, do FADO, tout court. Na serenata de Coimbra não vislumbramos qualquer antecedência da dança.
8 – Já lhe chamámos serenata em vez de fado e fizemo-lo propositadamente para melhor o situarmos entre os vários géneros musicais.
Consultando, por exemplo, o Dicionário da Música de Marc Honegger[11], encontaremos a seguinte noção de serenata: “Composição vocal – acompanhada por um ou mais instrumentos – ou puramente instrumental, destinada a ser executada ao ar livre, durante a noite, sob as janelas duma pessoa que se pretende seduzir ou honrar”.
Ora, pelo que todos conhecemos, é bem evidente a aplicabilidade perfeita daquela noção ao que se tem chamado “fado de Coimbra”.
Este costume de se fazer música para ser cantada, de noite, ao pé da janela da mulher que se ama é muito antigo – vem, pelo menos, do tempo dos trovadores e dos Minnesanger e tem sido ocasião para ser criada música de qualidade bem diversa: aristocrática ou popular, complicada na utilização de verdadeiras orquestras ou simples melodia sobre texto amoroso.
Se, na origem, era simples melodia acompanhada por alaúde ou viola clássica, no séc. XVI tornou-se canção polifónica e foi sendo moldada ao gosto dominante em cada época. No século XVII o alaúde deu lugar ao bandolim (que, entre nós se transformou levemente em relação ao original italiano, quanto à forma do fundo – o bandolim português tem o fundo chato) instrumento cujo emprego se generalizou na Europa, principalmente na Itália, França e Alemanha, no século XVIII, passando a ser, nestes países, o instrumento favorito dos músicos que se dedicam às serenatas[12]. Esta divulgação do bandolim é bem testemunhada pelo facto de Mozart o utilizar, na ópera D. João, exactamente como instrumento acompanhador duma serenata.
As melodias deste género musical acabaram por sofrer influência da ária de ópera e, com esta nova feição, se vulgarizaram no século XIX[13]. É desta simbiose de música séria com música ligeira, de erudito com popular que resulta certa música típica cujo exemplo mais frisante é o das “canções napolitanas”.
Trata-se de um género musical híbrido formado no decurso do século XIX. Será exactamente nele que, a nosso ver, se enquadra a serenata coimbrã, tanto pelas suas características melódicas (recordemos o aparato de algumas melodias) como pelas características harmónicas já referidas.
9 – Na busca que fizemos, durante bastante tempo, com o fito de encontrarmos a génese do fado de Coimbra, chamou-nos a atenção de modo especial um caderno de música escrito à mão e encadernado, com sinais evidentes de ter sido muito utilizado, que existe na Secção dos Manuscritos Musicais da Biblioteca da Universidade de Coimbra, ainda por catalogar. Eis os primeiros dizeres: “Caderno de Múzica. Piano e canto. J. D. C.”.
Este caderno começou a ser escrito em 1862, segundo parece por um Costa Vasconcelos Delgado (o autor das primeiras músicas ali registadas) e em 1927 pertencia a Tomaz da Costa Paiva, do Coentral.
O facto de nele estar copiado, com a data de 7/12/62 o conhecido Hino Académico que fora composto em 1851, exactamente para a Academia Coimbrã, legitima a nossa suposição de que as obras ali recolhidas eram cantadas e tocadas em ambientes frequentados por estudantes daquela época.
Um dos géneros musicais ali representados é o da modinha – “romança ou ária sentimental de fundo amoroso muito vulgarizada em todo o país e no Brasil pelos séculos XVIII e XIX”, na definição de Frederico de Freitas.
Sucede que um dos cultores daquele género sentimental foi o lente José Maurício (1752-1815) que, entre outras coisas, foi professor da Cadeira de Música da Universidade de Coimbra e tinha o bom hábito de reunir em sua casa amadores para executar música, em saraus que tiveram grande fama na cidade.
Sobre a possível ligação entre a modinha e a serenata, já em 1895 se pronunciou César das Neves, no preâmbulo do II Volume do Cancioneiro. Pretendendo agrupar os cantos por diversas “classes”, coloca numa delas “os cantos marítimos, fados e cantigas eróticas”, e numa outra “as modinhas, as canções e as serenatas”. Referindo-se expressamente às modinhas, diz que elas “faziam as delícias nos serões das famílias mais ilustres” no fim do século XVIII e princípios do século XIX.
Continuando a historiar a evolução da música nos salões oitocentistas, diz que “vem depois João de lemos e os Dórias com os seus fados e baladas, e as inúmeras romanzas brasileiras”, para destacar, finalmente, o aparecimento de Augusto Hilário “com os seus fados-serenatas de uma contextura nova”, cuja nota dominante reside na riqueza das modulações, na emotividade, “ora apaixonada e sensual, ora patética e romântica”.
Este testemunho de César das Neves afoita-nos a afirmar aquilo que já tínhamos deduzido do estudo comparado dalgumas modinhas com as baladas integradas nas récitas estudantis do fim do século passado e com o fado-serenata (parece ser esta a mais correcta designação para o que se vai chamando fado de Coimbra): a modinha deixa o piano para se agarrar à viola; sai dos salões, despojando-se de arrebiques poeirentos; vem para a rua onde se refresca, simplifica e torna expansiva; é assumida pela virilidade da voz masculina; por fim, chama a guitarra, deixa-se influenciar um pouco pelo fado lisboeta – transforma-se no “Fado de Coimbra”.
No Caderno de Muzica acima referido há modinhas com as duas versões: acompanhamento de piano e acompanhamento de viola. Uma delas, intitulada Adeus. Modinha para canto e violão, Dedico a minha mulher Mariana Augusta de Paiva e Vasconcelos é de Março de 1863, pode considerar-se o elo de ligação entre a modinha e o fado-serenata. De modinha ainda tem alguns grupetos em vocalizos.
Mas, de resto, o gosto melódico, bem como a sequência das modulações aproximam-na do que há-de ser o fado-serenata.
A partir daqui, outros elementos foram condimentar o género que foi assumido pelos estudantes da Universidade de Coimbra como canção própria, como símbolo do seu romantismo.
Comparando os primeiros exemplares com os mais evoluídos, dos anos 20, verificamos uma nítida influência da música erudita cantada pelo Orfeão Académico (e não esqueçamos que tanto Elias de Aguiar, como António Joyce, como Raposo Marques se interessaram por este tipo de canção).
Por outro lado, ao analisarmos os fados do Hilário, neles encontramos ainda o ritmo que caracterizou o fado lisboeta (com síncopa no segundo tempo do compasso binário). É este, também, o ritmo do “fado-serenata” de Manuel Luís Ferreira Tavares, impresso em 1901, como o fado composto por Alfredo de Sá para o Enterro do Grau de 1905, e do que Luís Pinto de Albuquerque apresentara na récita de 1904.
Mais tarde, com Paulo de Sá, Carlos Figueiredo e António Menano, é abandonado o compasso binário, em favor do quaternário. Então aquele ritmo sincopado ainda se mantém nos dois últimos tempos do compasso mas, dum modo tão disfarçado que só com muita atenção se pode detectar.
E este é, a nosso ver, o único elemento que o chamado Fado de Coimbra recebeu do fado que é mesmo fado – o de Lisboa.
10 – Uma nota final.
Conhecemos a profusão de edições de “fados de Coimbra” que, a certa altura foram feitas. De tão grande número de edições teremos de concluir que ele chegou a ser negócio rendoso e bem de consumo ingerido em doses razoáveis nos salões de gente rica ou remediada de todo o país.
Mas quando aportei a esta cidade para nela estudar e depois me fixar para o resto da minha vida (serei daqueles que vieram para amar Coimbra... às vezes nem sei bem porquê) vi o fado doutra maneira: ele era nosso, mesmo quando não o cantávamos; aprendia-se ouvindo e não lendo; este não tinha autor – só tinha cantor.
Numa palavra: fora assumido por um determinado grupo humano. Daí o seu valor como testemunho duma época, dum modo de viver e sentir. Pode considerar-se como uma música típica.
E, pelo que acaba de ser exposto, cai-lhe mal o rótulo de fado – não pertence ao género poético-musical designado por aquele nome.
Nem sequer nos parece que haja razão para o classificar como uma espécie do género Fado: aquele elemento rítmico até acabou por desaparecer e nunca teve aqui o significado e importância que assumiu no Fado. De resto, que fica de comum?
Apenas os instrumentos acompanhadores[14].
Chamemos-lhe, pura e simplesmente, Serenatas Coimbrãs. É correcto e corresponde à realidade.

(*) Comunicação apresentada ao III Seminário do Fado de Coimbra, realizado em Maio de 1980. Francisco Faria nasceu em Vila Nova de Famalicão a 16 de Outubro de 1926. Matriculou-se em Direito em Outubro de 1949. Músico, regente de grupos corais e advogado. Dirigiu o Coral de Estudantes de Letras da Universidade de Coimbra (CELUC), o Coral Polifónico de Coimbra e o Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra. Foi titular da Cadeira de Música da Universidade. Integrou durante anos a Comissão Municipal de Análise dos Grupos Folclóricos do Concelho de Coimbra.
O título da palestra foi sugerido ao autor após leitura crítica de um parágrafo esboçado pelo musicólogo Armando Leça em 1918 (Cf. Armando Leça, Da música portuguesa, 2ª edição, Porto, Livraria Civilização, 1942, pág. 48. A 1ª edição desta obra é de 1922, e a frase em questão aparece primeiramente glosada por José Maciel Ribeiro Fortes, Fado. Ensaio sobre um problema etnográfico-folclórico, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926, pág. 171; também Armando Leça, Música popular portuguesa, 2ª edição, Porto, Editorial Domingos Barreira, s/d, pág. 123). Ao reconhecer à Canção de Coimbra o devido lugar enquanto género musical autónomo, Francisco Faria retomava, embora desconhecendo tal facto, a teoria expressa por Mário de Sampayo Ribeiro em 1935-1936 (Cf. A música em Portugal nos séculos XVIII e XIX, 1938, pág. 118).
Pertinente nas perplexidades formuladas e no tratamento da questão de fundo, não procede inteiramente a proposta nominalista Serenata Coimbrã, tendo em conta que a Canção de Coimbra se afigura irredutível ao ritual da serenata e aos temas musicais intitulados serenatas.
[1] Como escreveu Charles Imbert, in Histoire de la chanson e de l’opèrrette, Les Éditions Rencontre Lausanne et la Guilde du Disque, 1967, págs. 9-10: Podemos viver meses sem ver uma pintura, sem ouvir uma sinfonia ou sem ir ao teatro nem ler um romance, mas não passamos um dia sem ouvir uma canção, seja cantando-a nós próprios, seja ouvindo assobiar uma melodia, e isto era assim mesmo antes de haver televisão e rádio.
[2] Charles Iambert, op. cit., pág. 10.
[3] É um ambiente deste género que é evocado por Berlioz na Danação de Fausto. A música é o Amen que se transformou quase em símbolo do Orfeão Académico de Coimbra.
[4] Ainda há pouco deparámos, num livro sobre a cidade de Nancy, com a reprodução de um programa impresso para um concerto de estudantes, sob o título Soirée Amicale, cuja última parte é preenchida com canções de estudantes. Este concerto realizou-se em 14 de Maio de 1987 e o programa tem duas notas dignas de realce: a primeira diz respeito às canções de estudantes, a propósito das quais se esclarece que as cantadas naquele concerto são extraídas do álbum Quand j’étais étudiant. Vieux souvenirs: a outra respeita à ilustração do programa que apresenta três estudantes (um toca flauta, outro guitarra clássica e outro tamboril) fazendo uma serenata a três graciosas mocinhas. Se abstrairmos do trajo dos estudantes, esta gravura poderia ter ornamentado qualquer récita coimbrã da mesma época.
[5] In Documentos de D. João III, publicados por Mário Brandão, I Vol., Coimbra, 1937, pág. 153.
[6] É este o testemunho de Ribeiro Sanches (1600-1783), citado por Teófilo Braga in História da Universidade de Coimbra, Tomo III, pág. 184.
[7] Para dar uma ideia do que são estes acordes, esclarece-se que eles correspondem, na viola, às duas primeiras posições: a primeira corresponde ao acorde da tónica, enquanto a segunda corresponde ao da dominante.
[8] Em linguagem guitarrística, e optando pelo tom de lá menor, a sequência é a seguinte: 1ª de lá menor – 4ª de lá menor/1ª de lá menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor/1ª de sol maior/1ª de ré menor/2ª de lá menor/1ª de lá menor.
[9] Esclarece-se que o efeito é semelhante ao da cadência picarda mas é diferente: a cadência picarda é própria dum trecho que está escrito em modo menor e, no final, resolve para o maior, subindo em meio tom a terceira do acorde, enquanto neste caso, o trecho está em modo maior. Só que a sucessão de acordes é exactamente a mesma.
[10] A sucessão de modulações deste fado é muito rica: 1ª de dó maior – 2ª de ré menor/1ª de ré menor/1ª de ré menor/ - 2ª de dó maior/1ª de dó maior/.
[11] Science de la Musique, Paris, Bordas, 1976.
[12] Isto de fazer serenatas foi, por vezes, profissão de músicos pobres que não encontraram meios de se realizarem doutra forma, e muito boa gente a exerceu. Talvez o caso mais célebre tenha sido o de Joseph Haydn (1732-1809) que ao perder a maravilhosa voz de criança, aos 16 anos, se viu sem meios de subsistência, uma vez que nem aceitou ser castrado nem seguir a carreira eclesiástica: fez muitas serenatas pelas ruas de Viena e música de dança nos salões próprios, até conseguir o emprego de colaborador de Porpora.
[13] De resto, são inúmeros os casos em que foram encastoadas serenatas em cenas de ópera. Recordemos, além da já referida, no D. João de Mozart, algumas das mais célebres: Berlioz (na Danação de Fausto), Wagner (nos Mestres Cantores), Leoncavallo (nos Palhaços).
[14] Embora nesses instrumentos se verifiquem anatomias, timbres, afinações e técnicas de dedilho bem diferenciadas.

terça-feira, setembro 06, 2005


Caldeira Cabral com Francisco Perez. Foto do caderno do CD, "Pedro Caldeira Cabral - Variações". Posted by Picasa


Capa do CD, "Pedro Caldeira Cabral - Variações", da etiqueta World Network, saído em 1992. Com um nome sobejamente conhecido, Pedro Caldeira Cabral é um guitarrista "completo": executante exímio, compositor de alto nível, tem um conhecimento ímpar da guitarra portuguesa. Posted by Picasa


Contracapa do CD "Pedro Caldeira Cabral - Variações", da etiqueta World Network, saído em 1992. Acompanha-o à viola, Francisco Perez Andion, Paquito.
Já publiquei neste Blog, no dia 27 de Maio, a biografia e um texto deste guitarrista. É sobre o seu último trabalho que trata o texto que se segue, retirado da internet, dum site do Instituto Camões:
«Que razão os levou (Pedro Caldeira Cabral e Fernando Alvim) a realizar "Memórias de uma guitarra" efectuando o percurso musical de quatro séculos?
Como todos associamos a guitarra portuguesa ao fado havia que mostrar que este instrumento é muito anterior ao fado.
A nossa tradição da guitarra portuguesa explica-se no contexto europeu exactamente quando há um período de decadência ou desqualificação social do instrumento nos finais do sec. XVIII, princípio do sec. XIX . Nestes tempos, a guitarra portuguesa foi associada a uma classe marginal que cantava uma canção - o fado. Enquanto no resto da Europa este instrumento desapareceu e ficou completamente desqualificado deixando de ter interesse musical e social (os instrumentos tal como os objectos têm também uma qualidade ou uma representatividade enquanto objectos de moda e enquanto representantes de uma determinada classe), no caso da guitarra portuguesa, esta sobrevive graças à associação com o fado. O meu contributo dentro da guitarra portuguesa tem a ver exactamente com a história do instrumento. A descoberta do repertório anterior ao fado afirma a guitarra portuguesa com todas as possibilidades como instrumento de concerto.
Este instrumento tem uma presença em Portugal com uma história de mais de cinco séculos e está ligado, principalmente nas origens, ao meio de música culta e que a pouco e pouco se vai popularizando. A tradição solística que sobrevive é realmente a tradição popular.
A que ano remontam as primeiras interpretações de música antiga?
A cítola medieval, por exemplo, aparece por volta do século VIII e desse período não temos música nenhuma. As músicas do período mais antigo que chegaram até nós são do séc. XIII.
Os séculos XIII e XIV são um período de grande abundância de material (período trovadoresco) numa produção gigantesca com a recolha de 420 melodias que se usavam em Portugal e em Espanha. Desta época temos um manancial fantástico. O nosso período áureo é do tempo dos Descobrimentos e daí que o concerto tenha começado precisamente com um exemplar destes.
Quais são as caractersticas específicas da guitarra portuguesa?
É um instrumento completamente diferente das outras guitarras em termos de afinação, em termos de técnica de execução, em termos de forma de funcionamento mecânico. São características muito próprias que as diferenciam completamente dos bandolins italianos, das violas espanholas, etc. É difícil explicar por palavras as qualidades tímbricas de um instrumento. O que me fascina na guitarra portuguesa é, como o conceito definido por um filósofo alemão, a expressão de um sentimento português, de uma linguagem portuguesa.
Que formação tem em termos de música?
No princípio há uma aprendizagem autodidacta, mas faço a minha formação musical a vários níveis. Nos anos 70 estudei musicologia na universidade e aprendi e especializei-me na disciplina que estuda os instrumentos (organologia). Nessa altura comecei a interessar-me por vários instrumentos. Chego à história da guitarra portuguesa através do meu interesse pela cítara europeia do século XVI e ao seu estudo através da própria investigação que fiz em instrumentos de corda. Posted by Picasa

segunda-feira, setembro 05, 2005


Grupo de Fados e Guitarradas dos Antigos Tunos na Palheira, Assafarge, ontem. Humberto Matias e Aurélio Reis na viola; Manuel Mora e Octávio Sérgio na guitarra; Heitor Lopes, Victor Nunes e Mário Rovira a cantar. Posted by Picasa


Grupo de Fados e Guitarradas dos Antigos Tunos na Palheira, Assafarge, ontem. Victor Nunes a cantar. Posted by Picasa


Grupo de Fados e Guitarradas dos Antigos Tunos na Palheira, Assafarge, ontem. Grupo de instrumentistas com Heitor Lopes a cantar. Posted by Picasa


Grupo de Fados e Guitarradas dos Antigos Tunos na Palheira, Assafarge, ontem. Octávio Sérgio na guitarra e Mário Rovira a cantar. Posted by Picasa

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