sábado, novembro 19, 2005

As Praxes Académicas de Coimbra
Uma interpelação histórico-antropológica
Por António Manuel Nunes[1]

Resumo: Que leituras para as “praxes estudantis” produzidas na Universidade de Coimbra? Fenómeno “militarista”, “medieval”, “reaccionário”, “fascista”, como pretenderam as leituras militantes ligadas à herança do iluminismo e das esquerdas? “Essência” do ser-se estudante, como propuseram as direitas e os tradicionalistas não alinhados politicamente? Ou talvez outra coisa, com os seus praticantes a reinvindicarem uma necessidade/utilidade capaz de sobreviver aos diversos regimes políticos e ideologias?

Até à década de 1970 os etnólogos portugueses passaram completamente ao lado da cultura tradicional estudantil[2]. Nenhum estudo, nenhuma recolha, nenhuma curiosidade. Alguns deles, como Teófilo Braga, longe de compreenderem a Praxe, foram dela violentos detractores[3].
O primeiro estudo de fundo produzido no âmbito de uma licenciatura em Ciências Antropológicas e Etnológicas foi realizado por António Rodrigues Lopes[4]. O autor cruza a observação participante (morou na Alta coimbrã até aos 24 anos) com a pesquisa documental e a análise interpretativa. Rodrigues Lopes caracteriza com grande rigor as instituições fundamentais da Sociedade Tradicional Académica, as praxes, os orgãos jurídico-políticos, a antropologia económica, a captura e extinção da praxe na sequência dos movimentos estudantis da década de 1960. As sugestões de abordagem teórico-conceptual são estimulantes. Em nossa opinião o ponto fraco desta obra reside numa visão excessivamente essencialista e acrítica do fenómeno coimbrão, decerto tributária do paradigma funcionalista. O autor exclui a teoria da conflitualidade social e a coexistência de paradigmas ideológicos díspares no mesmo tecido sócio-cultural e cronológico.
Maria Eduarda Cruzeiro, docente do Gabinete de Investigações Sociais da Universidade de Lisboa, publicou em 1979 um ensaio sociológico sobre as praxes coimbrãs, assumido como trabalho preparatório da sua tese de doutoramento (“Costumes estudantis de Coimbra no século XIX: tradição e conservação institucional”, Análise Social, volume XV, 1979, págs. 795-838). Com ligeiras diferenças, este trabalho foi republicado com o título de “Folclore estudantil e cerimonial académico: práticas de produção e reprodução institucional”, Vértice, nº 28, Julho de 1990, págs. 47-56. No caso vertente, a autora sufraga uma postura antipraxista, criticando a restauração das praxes no após 1974, e empregando ao nível da investigação um modelo bebido em Pierre Bourdieu, que pretende reduzir a Praxe a práticas de produção e de reprodução da Universidade de Coimbra[5]. Isto é, a praxização dos costumes estudantis, observada a partir do século XIX, funcionaria como um mecanismo de defesa e preservação da excelência coimbrã face às arremetidas das escolas médico-cirúrgicas, escolas politécnicas e Curso Superior de Letras. Revela-se profundamente discutível reduzir os fenómenos praxísticos oitocentistas a uma operação de defesa da UC, dado que a adopção do termo “praxe” não espelha a consciência defensiva invocada, e os costumes estudantis surgem como fenómeno cultural autónomo e até contracultural em relação ao modelo de saber/cultura produzido pela UC. Arriscamos afirmar, sem lesar a realidade histórica, que a par das faculdades de Direito, Medicina, Teologia, Matemática e Filosofia, os estudantes criaram e geriram uma “5ª Faculdade”, como aliás gostavam de escrever nas suas crónicas, com vivências e práticas muito específicas. Sendo verdade que a Praxe comporta(va) uma componente de preservação da tradição/identidade diferenciada, ela é muito mais do que isso. Isso mesmo nos mostra a observação participante, traduzida na vivência quotidiana destes fenómenos.
Se a interpelação tardo-marxista e bourdieuanista intentada por Maria Eduarda Cruzeiro não foi inteiramente compreensiva, já a leitura de Manuel Carvalho Prata, docente da Escola Superior da Guarda, se nos assevera bastante conseguida, por via das sugestões descodificadoras bebidas em Mircea Eliade, Gilbert Durand e Roger Callois (Cf. “A Praxe na Academia de Coimbra. Das práticas às representações”, Revista de História das Ideias, Nº 15, Coimbra, 1993, págs. 161-176), configurando um bom ponto de partida para a abordagem da temática.

Na gíria tradicionalmente usada pelos estudantes da UC detectam-se vocábulos como “praxe”, “praxar”, “estar na praxe”, “ser praxado”. Sendo certo que o termo Praxe não se vulgarizou nos meios académicos conimbricenses antes de meados do século XIX, as normas, práticas e rituais que sustentam tais instituições culturais remetem directamente para elementos herdados da Idade Média e do Antigo Regime, a par de outros que foram sendo transformados, inventados e acrescentados.
As referências escritas aos rituais estudantis para trás de 1850 são rarefeitas, tendo em conta os processos dominantes de transmissão oral, passados aos mais novos através dos veteranos, de antigos estudantes para filhos e de futricas para caloiros, num processo onde intervinham barbeiros, alfaiates, taberneiros, engomadeiras, criadas domésticas, funcionários da UC e proprietárias de bordéis[6]. Aliás, até à emergência da primeira grande codificação de 1957, as praxes e os costumes estudantis transmitiam-se oralmente, radicando a sua coerência no mito e na antiguidade.
Tendencialmente conservadores, os rituais praxísticos assentes na tradição oral eram simultaneamente abertos e flutuantes, porquanto permeáveis à incorporação do novo. Citem-se a substituição da Palmatória pela Colher de Pau à roda de 1900, o rasganço das vestes dos quintanistas pela mesma época, a invenção das Cartolas e Bengalas por 1931, a prática da Pastada na década de 1920, a Imposição de Insígnias dos Quartanistas Grelados em 1946, a Queima das “Fitas” dos Quartanistas por volta de 1896, as latadas de abertura do ano escolar inventadas nos inícios da década de 1950, a institucionalização/regulamentação do Trajo Académico Feminino pelo Conselho de Veteranos em 1954, a adopção do ritual da compra do Grelo/Nabiça às vendedeiras do Mercado Municipal desde a Revolta do Grelo de 1903.
Até à Revolução Republicana de 1910, a UC pelo número diminuto de alunos e pela rarefacção de alunas foi uma escola de elite, mais próxima dos extintos liceus, colégios particulares, e seminários diocesanos, cujos estatutos propunham normas de conduta similares às vigentes na caserna militar, nos seminários católicos, nas constituições sinodais dos bispos diocesanos, orfanatos, mosteiros e casas de correcção[7]: recordemos o toque do sino para a recolha vespertina e levantar, as regras atinentes ao uniforme de porte diário, o respeito ao reitor e aos lentes, a expulsão temporária ou definitiva. Por conseguinte, até às modificações operadas na UC pela Revolução do 5 de Outubro de 1910, ainda a Praxe não se tinha apoderado de certas regras disciplinares que constando dos antigos Estatutos e do Regulamento da Polícia Académica eram sindicadas e dirimidas pela própria Universidade.
Praxe pode definir-se em sentido restrito como o conjunto de normas criadas e vivenciadas pelos estudantes que regulam as relações entre os novatos/caloiros e os alunos dos anos mais avançados (doutores) e ainda as relações entre os estudantes, lentes e futricas. Neste sentido, a Praxe é sinónimo de estilos ou leis que instituem as diversas hierarquias internas, os rituais de iniciação e de passagem, como usar o Trajo Académico, os objectos e espaços interditos, e também o regime de sanções disciplinares e de emancipações. Instaurando sanções físicas, psicológicas e económicas, proibindo o uso de determinados bens simbólicos, sancionando tabus, premiando e distribuindo reforços positivos, a Praxe comporta(va) uma dimensão axiológico-normativa que está(va) longe de significar violência discricionária.
Em sentido mais alargado, o conceito de Praxe aproxima-se daquele que foi positivado nos artigos de abertura dos códigos da praxe de 1957 e 1993/2001: amplo e fluido, reporta-se a usos e costumes tradicionalmente vigentes na Academia de Coimbra e aos que lhe possam vir a ser acrescentados por via do poder legistativo/judicial cometido ao Conselho de Veteranos. Compete, aliás, ao Conselho de Veteranos, revogar determinadas práticas e legislar nos casos omissos, funcionando como Poder Legislativo. Mas compete-lhe igualmente funcionar como tribunal superior de apelação, informando periodicamente e sindicando da boa aplicação da Praxe. Aqui, a definição de Praxe abarca conceitos como cultura estudantil, tradições académicas e “decretus” positivados em sede de Conselho de Veteranos. Trata-se de uma tentativa de definição centrípta, na medida em que dilui na esfera da Praxe instituições que sendo tradições ou costumes não são Praxe. Constituem exemplo deste esforço praxizador a Queima das Fitas, a Récita dos Quintanistas, as Reuniões de Curso dos Antigos Estudantes da UC, a Festa das Latas e Imposição de Insígnias, o “bom” uso da Capa e Batina, a Serenata. Especificando melhor, são praxe as normas que regulamentam a boa exercitação cíclica destas tradições, mas estas instituições costumeiras não são praxe em sentido estrito[8].
Antes de meados do século XIX estas práticas foram designadas por INVESTIDAS (até finais do século XVIII), TROÇAS/ASSUADAS e CAÇOADAS (1ª metade do século XIX), comportando elevado grau de violência física e psicológica. Contrariamente ao que se possa pensar, esta violência ritualizada, e veementemente condenada desde o iluminismo, pouco ou nada se distinguia das troças com que os fidalgos mimoseavam os vilões e as raparigas do povo, das penalidades infamantes vigentes nos forais e Ordenações até ao advento do Liberalismo, da defesa da honra entre rapazes de aldeias rivais, e da exercitação da vingança privada nas comunidades rurais. São disso exemplo as latadas aos recém-casados e nubentes viúvos, as cornetadas à porta das adúlteras, os chocarreiros testamentos da Serração da Velha e Queima do Judas, o deitar pulhas, os entrudos porcos com arremesso de cinzas, ovos podres e tripas, as pancadarias dos habilidosos manejadores de paus em feiras e romarias, os insultos acompanhados de murros, taponas, escarros, sinais obscenos, palmadas nas nádegas, a coroação e sermonário dos maridos cucos/cornos[9].
O elevado grau de violência registado na exercitação dos rituais de entrada dos caloiros até ao 5 de Outubro de 1910 não se distingue nem distancia da violência detectada pelos etnólogos nas comunidades rurais portuguesas e europeias[10]. Só passa a distinguir-se gradativamente a partir do Liberalismo, quando as normas de civilidade e boas maneiras impostas pela cultura urbana e pela escola se conseguem sobrepor à cultura popular[11]. Contrariando tudo quanto se acha escrito, as fontes documentais dizem-nos que até bem entrados no século XX não havia em Coimbra uma distinção marcante entre tradições e rituais estudantis e a cultura popular. O que havia era demarcação identitária por via de territórios, de ocupações profissionais e do grau de cultura. Comparando a Queima do Judas, realizada pela Sociedade Tradicional Futrica anualmente, na Praça Velha, com a Queima das Fitas, levada a cabo pelos quartanistas de Direito e de Teologia entre a Porta Férrea da UC e o Largo da Feira, ambas as festividades coincidem nos pontos nevrálgicos:

a) fim da Penitência Quaresmal/Fim do Ano Escolar e dos Exames;
b) Esconjuro do Inverno/ Esconjuro dos caloiros e do ano escolar;
c) Imolação de Judas pelo fogo/Incineração das fitas dos quartanistas;
d) Renovação Pascal/Emancipação dos Caloiros e Renovação das gerações estudantis,
e) Sermonário satírico de denúncia dos males da sociedade/Cartaz chocarreiro com versos em tom de crítica grotesca;
f) fertilização do solo com as cinzas de Judas/Enterramento das cinzas das fitas velhas ao portão da Universidade.

É perante o irreversível declínio da cultura popular e rural[12], por um lado, e a afirmação da nova cultura cívica urbana, por outro, que as praxes académicas coimbrãs nos seus aspectos mais violentos passam a ser condenadas e ameaçadas de extinção, como sucedeu no rescaldo da Revolução Republicana de 1910 e nos anos que antecederam a Revolução de 1974.
Que práticas mais ancestrais nos é dado conhecer?
Nenhuma festa de acolhimento que nos possa lembrar as semanas culturais que começaram a fazer época desde os movimentos restauracionistas de 1979-1980. O novato é um ser estranho à comunidade, e logo uma ameaça, começando por ser desbestializado. À semelhança do noviço conventual que entrega os bens materiais e sofre a tonsura sujeitando-se à regra monástica, e ao mancebo que é rapado no quartel[13], o caloiro é considerado juridicamente res nullius, animal, besta, João Fernandes (=João Toleirão). As descrições caricaturais repetidas nos textos memorialísticos permitem-nos desenhar um ser antropomórfico, guarnecido de crinas, patas, cascos, ferraduras (sapatos), cornos, cheiro pestilento, descerebrado. Ser híbrido, ora é referido como touro, ora como burro, ou mais frequentemente misto de touro e burro[14]. Nos cortejos alegóricos profusamente referidos nas fontes memorialísticas, repetem-se as alusões a cornos que ornamentam cabeças e pescoços e a chocalhos de gado. Sujeito à mais completa despersonalização, ao cabo e ao resto autêntica morte simbólica, o caloiro não passava a ser membro da comunidade porque se matriculava oficialmente na UC, mas sim porque a Sociedade Tradicional Académica dele se apropriava. Situemo-nos por agora entre o século XVI e a inauguração do caminho de ferro Lisboa/Coimbra/Porto em 1864. Primeiramente reconhecidos no Largo da Portagem, os caloiros são alvo de investidas, troças e manganices, rituais intensificados ao longo do mês de Outubro e praticados até final do ano escolar.

No Largo da Portagem:
-Picaria – os caloiros são enfreiados e albardados, montados por diversos veteranos, esporeados nos flancos, chicoteados, devendo zurrar, atirar pinotes, trotar;
-Tourada – os caloiros são pintados com bigodaças, ornados com chifres e toureados com farpas (mocas, palmatórias), passes de capas, devendo raspar as mãos no chão, mugir ruidosamente e mastigar palha ou erva;
-Insultos – o caloiro é alvo de troças chocarreiras, insultos alusivos a familiares, traços fisionómicos, vestuário, penteado, eventuais defeitos físicos, sendo no fim mimoseado com uma alcunha que o passava a identificar ao longo de todo o seu percurso académico;
-Baptismo – conduzido a um chafariz/fonte por uma matilha de veteranos, o caloiro era baptizado com água despejada sobre a cabeça;

Primeiros dias de aulas:
-Canelão/Pega de Caras – no primeiro dia de aulas os alunos eram esperados à Porta Férrea pelos quintanistas que se agrupavam em duas alas, simulando a descida aos Infernos e as margens do Rio Estígio. À medida que entravam eram sovados com palmadas, empurrões e pontapés nas canelas. Podiam no entanto ser protegidos pelos quintanistas fitados, designados por Barcas de Caronte. Este ritual já se praticava antes de 1640 e durou até 1908;
-O Grau – paródia à cerimónia de doutoramento, o caloiro era fechado numa sala tal qual acontecia nas provas doutorais ocorridas na Sala do Exame Privado, competindo-lhe defender uma tese burlesca perante um júri. Após os discursos do padrinho era investido com um penico na cabeça;
-O Julgamento/Tribunal – ritual iniciático-punitivo realizado em cenários macabros, a que não são alheios procedimentos transpostos das lojas maçónicas. Ambiente escurecido, códigos, objectos de tortura, castiçais armados sobre caveiras, juízes, jurados, advogados, carrasco, réu, rostos embuçados. Servia de banco dos réus um penico. Para o século XIX há referências explícitas a penalidades temíveis como o encarceramento em ataúde, sovas, tonsura ad libitum, “salto mortal” com os olhos vendados, “fuzilamento” com batatas, “degolação”, “sangria”, suplício da gota, depilação, selagem com cera quente.
-A Patente – sanção pecuniária, comum em universidades espanholas, consistia no pagamento de doces conventuais, lautas ceias e bebidas aos veteranos;
-A Trupe – no caso de ser apanhado fora de casa após o toque vespertino da Cabra, o caloiro podia ser caçado por grupos de estudantes mais velhos, armados de mocas, tesourões, palmatórias, pistolas. Nestes casos sofria tonsura parcial ou completa e palmatoadas (bôlas) nas mãos. Podia defender-se em duelo com o chefe da trupe e caso vencesse não sofreria as sanções. Épocas houve em que as trupes se confundiram com bandos juvenis delinquentes, ou em alternativa, praticaram um policiamento nocturno morigerador, fazendo regressar ao estudo caloiros encontrados em casa de meretrizes, casas de jogo a dinheiro e tabernas;
-Serviços domésticos – os veteranos tutores e apadrinhadores tinham o direito de mobilizar os seus caloiros para compras, limpezas domésticas, serviço de mesa, recados, idas à caça nos arredores da cidade, escovagem de cavalos, transporte de bagagens;
-Discursos – improvisação de um discurso sobre um tema burlesco, do tipo “qual nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”;
-As Soiças/Pega de Rabo – cortejos burlescos de passagem ligados à celebração do fim do ano escolar e à emancipação ritual dos caloiros. Estas festividades arcaicas, muito próximas das festas dos burros, festas dos loucos, festa dos rapazes, charivaris de carnaval, enterro do bacalhau, queimas dos judas, serrações da velha, passam a designar-se no século XIX por latadas, festa das latas e festa do ponto. Com a Pega de Rabo, último grande ritual de celebração do fim do ano escolar, suspendia-se momentaneamente o tempo, exorcizando a morte do ano velho (fustigado com latas ruidosas, mais tarde incinerado), parodiando professores, políticos e graves autoridades[15].
Mas era também esse ser híbrido, o Novato, que perdendo cornos, cascos, crinas, patas, mau hálito, se metamorfoseava em homem novo e ascendia à categoria de Semi-Puto. Os Semi-Putos passavam a Pés-de-Banco ou Ponte dos Asnos. Os Pés-de-Banco eram iniciados no estatuto de Candeeiros ou Doutores de Merda. Por último, os Candeeiros personificavam o derradeiro escalão da hierarquia, renovando o estrato dos Quintanistas, Carontes ou Merda de Doutores. Completava-se mais um ciclo, sujeito a repetição anual.
As praxes de fim de ano eram simultaneamente rituais de passagem e rituais de integração-emancipação. Os estudantes de todas as categorias hierárquicas libertavam-se da frequência das aulas. Todos morriam ritualmente para serem uma vez mais investidos num estrato sócio-cultural superior. Os dos quinto ano morriam como estudantes-jovens, saindo de casa da mãe (a Universidade), ingressando na adultez, na vida profissional. A Sociedade Tradicional Académica renovava-se e florescia na Primavera.


A partir de finais do século XIX as antigas praxes sofrem evoluções significativas. O Canelão tende a desaparecer, substituído pela Pastada na década de 1920. A palmatória cai em desuso, sendo substituída pela colher de pau, objecto simbólico que desde a Idade Média ornava o peito e os chapéus dos estudantes tunos ibéricos. O Grau é abandonado e substituído pelo Julgamento/Tribunal, ritual que glosa o tribunal judicial, pese embora com alusões demasiado evidentes às cerimónias iniciáticas de sociedades secretas. O Trajo Académico é abolido como uniforme obrigatório em 1910 e doravante não são os Estatutos da UC a regulamentar o seu uso mas sim as normas praxísticas (talho, cor, modo de trajar) legisladas pelo Conselho de Veteranos. As hierarquias são mantidas, com alterações de nomenclatura. Continuam a Patente, as troças, os discursos burlescos, os sistemas de protecção, a alforria, o apadrinhamento, a imposição de alcunhas, as mobilizações para serviço doméstico, as trupes, os rapanços, as unhadas.
A festas arcaica praticamente desaparece, progressivamente substituída pela nova Queima das Fitas. Esta revela poderosa capacidade congregadora, na medida em que incorpora todas as Faculdades e ainda o ritual de despedida dos quintanistas.
Nascida no seio de uma comunidade masculina, a Praxe manteve sempre o princípio da separação dos sexos, mesmo quando em 1954 foi instituído o trajo feminino.

II – O burlesco, o riso e a chacota
As praxes conimbricenses comportam desde tempos imemoriais uma forte componente ligada ao riso, à sátira e ao burlesco. Caçoar, troçar, gozar, mangar, deitar pulhas[16], esturdiar, são termos herdados do Antigo Regime, vazados em práticas longamente recenseadas nas fontes escritas. Os veteranos riam, ridicularizando os estudantes do secundário e os alunos do primeiro ano.
A exercitação do riso era alimentada por alcunhas, dixotes, discursos burlescos, declarações de amor a mulheres idosas, charivaris, investidas físicas. Mas, o riso estendia-se a outras esferas sociais. Comerciantes citadinos e camponeses dos arrabaldes da cidade eram também alvo de gozações e de partidas imaginosas.
Os lentes sofriam todo o tipo de verrinas, a começar pela Tourada e a acabar nas serenatas de escárnio e maldizer. Repare-se que a propósito da cerimónia doutoral de Imposição de Insígnias se designa o barrete (borla) por apagador do senso comum e o capelo por albarda (tomar albarda). Da mesma forma que competia à Academia dizer se aceitava ou não integrar o aluno do primeiro ano, também competia à Academia aceitar ou não o novo lente (professor). E este só era aceite após a Tourada ao Lente, com ingestão de feno/ ramagens, pinotes e discursos estrambóticos. O reconhecimento e a consagração só passavam a ter efeito a partir do momento em que o quintanista-padrinho colocava a pasta com as fitas sobre a cabeça do lente toureado (investidura, honra).
A Praxe comporta uma dimensão corrosiva de inversão da ordem social, de crítica mordaz, que ainda hoje se prolonga nos ditos e “bocas” das latadas e carros alegóricos da Queima das Fitas, nas piadas e partidas mais ou menos imaginosas, no latim macarrónico. Evoquemos também os caloiros que mobilizados para serviço de mesa nas repúblicas tinham de envergar fardas burlescas, com peças do avesso e pijamas; os caloiros que faziam porta de armas nas repúblicas, com vestes do avesso, penico na cabeça e vassoura na mão, gritando “às armas” sempre que ali passasse mulher jovem; o estrondoso charivari que eram as latadas do século XIX; a risota causada pelos discursos estrambóticos e declarações amorosas; as caricaturas dos livros de quartanistas e de quintanistas, apelando aos vícios, às taras, ao burlesco físico e psicológico.
Ambivalente e chocarreiro é o estatuto conferido ao penico, objecto que além de simbolizar o doutor (estudante das hierarquias mais elevadas), é banco dos réus, barrete doutoral, cinzeiro cerimonial em cortejos e vaso baptismal. Eis um mundo momentaneamente posto às avessas, semeando a desordem e o caos no interior da Sociedade Académica com incursões na Sociedade Futrica.
São os cortejos que atravessam as ruas e atroam a cidade; são os estudantes que invadem o mercado municipal num jogo de compra/furta a nabiça (grelo); são as repúblicas que entre os alvores do século XX e a década de 1960 povoam as fachadas com bonecos enforcados, cadeiras, cangirões, cestas de vime, garrafões, tampos de sanita, violões; são os caloiros que vestem pijamas e desfilam pelas ruas; são os quartanistas que sacrificam os grelos em honra de Minerva, transformando o penico em altar sagrado.
Gritos desregrados, vómitos na via pública, urinadelas, garrafas e vidros pelo chão às toneladas, lautos jantares, ingestão descontrolada de vinho e de cerveja, arraiais que entram pela madrugada e proíbem o tranquilo sono dos moradores. O riso e o choro, a morte e a vida, o Amor (Eros) e a embriaguês (Dioniso), a dança triunfal de Flora sobre os despojos do Inverno.

III – Civilizar/Extirpar
As queixas contra certas práticas estudantis consideradas desordeiras, perturbadoras, excessivas, remontam à Idade Média. As mais antigas, remetem-nos para os reinados de D. Dinis e Dom João III, fazendo eco da frequência de bordéis, do jogo a dinheiro, da perturbação da ordem nocturna citadina (gritos, toques de tambor, cantorias, assaltos, porte de armas, charivaris, pateadas). Os ataques à Praxe sobem de tom no século XVIII, coincidindo com a afirmação da cultura letrada iluminista. D. João V, Luís António Verney e António Ribeiro Sanches condenam severamente tudo quanto se relacione directamente com troças, palmatoadas, tonsura, chibatadas, escarradelas, tourada, trupes, patentes. No fundo o que se condena é a vida ociosa e boémia, o perigo da malformação do carácter, o culto das aparências, a distinção social, os prazeres nocturnos desregrados, o excesso das palavras e dos gestos corporais (insultar, escarrar, urinar na rua, vomitar, gargalhar).
A ociosidade pública deixa de ser tolerada pelos manuais de boas maneiras, e bem assim o consumo não produtivo do tempo académico. Combate-se oficialmente a mentalidade fidalga a partir da reforma pombalina, apelando à limpeza do uniforme e do corpo, ao estudo, à obrigatoriedade dos exames, às ocupações diárias honestas. Mas a Praxe continua a rejeitar os códigos de civilidade.
No século XIX, após a implantação da Monarquia Constitucional, redobram os ataques, nas vozes de José Ramalho Ortigão, Joaquim Teófilo Braga e do prestigiado director do jornal local O Conimbricense, Joaquim Martins de Carvalho. É na segunda metade do século XIX que se assiste à construção da figura do antripraxista, via de regra associada a causas humanitaristas, proletárias, socialistas, republicanas e anarquistas. Nas vésperas de 1910 recrudesce a denúncia das praxes iniciáticas “bárbaras”, desta vez, sugerindo-se a sua substituição por eventos culturais e recreativos.
Entre 1910 e a eleição de Sidónio Pais para chefe de Estado a Praxe sofre algum declínio. Novo período de denúncia ocorre de 1928 a 1936. A Praxe volta em força a partir de 1917-1918, para sofrer novo crepúsculo entre 1962-1969, com extinção formal no período 1969-1979. Na fase final do Estado Novo, a Praxe foi assimilada ao fascismo autoritário. A partir da década de 1920 define-se a categoria do adepto de certas tradições, mas antipraxista. Exemplificam esta situação figuras conhecidas como os cantores António Menano e Edmundo de Bettencourt e o futuro lente de Direito António Ferrer Correia. A partir dos inícios da década de 1960, com a politização dos movimentos associativos, a Praxe passa a ser conotada pelas esquerdas radicais e contestárias com reaccionarismo, militarismo, autoritarismo fascista.

Como interpretar o conjunto de normas e rituais de entrada e de passagem tradicionalmente designadas por Praxe Académica?
1º - a Praxe configura-se como uma ordem jurídica menor instituída e praticada num determinado território pelos estudantes da UC. Ordem jurídica menor, quando confrontada com o Estado de Direito e sua produção normativa centralizada. Representa sobrevivências de práticas culturais e de penalidades infamantes que lograram escapar a todas as ofensivas saídas ou herdadas da Revolução Francesa. Daí que por diversas vezes tenha colidido com o demorado processo de centralização/estatização da Justiça, evidenciando capacidade de resistência pelo seu profundo enraizamento nas culturas académica e popular locais. Coimbra não foi um caso único de sobrevivência de práticas culturais avessas à civilização urbana e à cultura de massas, podendo citar-se o caso de Rio de Onor (conhecido graças ao estudo levado a cabo por Jorge Dias) e as touradas de morte em Barrancos.
2º - Os rituais de iniciação tinham como escopo proclamar a morte de um ser estranho à comunidade para o acolherem às diversas categorias ritualizadas do homem novo, através de provações físicas, psicológicas e económicas. O caloiro era integrado por via da desbestialização entrando numa esfera cíclica de sacralidade que terminava com a passagem do fim do curso para a entrada na adultez da sociedade civil. Sendo certo que muitos dos antigos rituais eram efectivamente violentos do ponto de vista físico e psicológico, na realidade pretendiam criar um homem novo viril, utilizando aquilo que poderemos designar por terapia de choque.
3º - A praxe ritualizada celebrava a sociabilidade, a integração, o convívio, as relações de vizinhança, a vida grupal, a juventude, mas num registo social rigidamente estratificado, hierarquizado, e até vicinalmente vigiado, onde cada estamento era igual entre si, mas desigual em relação ao antecedente e ao procedente. Daí o choque directo com o credo cívico e as virtudes pregadas pela Revolução Iluminista de 1789 a nível dos Direitos Humanos e dos princípios da Igualdade e Liberdade. Aceitando o individualismo, a Praxe valorizava a vida comunitária, a convivialidade familiar, a vizinhança, o contacto diário, o sistema de alcunhas, a relação tutorial caloiro-veterano ou caloiro-padrinho, instituindo um controlo social baseado em sanções, castigos, persuasões, recompensas, hierarquias.
4º - O tempo físico e psicológico da praxe era cíclico, repetitivo, presentificando os seus rituais anualmente em função das estações e solstícios. A entrada era outonal/invernal coincidindo com a morte da natureza, mais punitiva e disciplinar do que propriamente festiva. Simbolicamente traduzia-se num processo de morte/hibernação, marcado pela deposição em ataúde (tribunal) e pela descida aos infernos com travessia do Estígio (canelão). A emancipação era primaveril, festiva, celebrando a vida/juventude e a progressão nas diversas hierarquias académicas. Ao longo do século XIX os festejos de fim do ano escolar coincidiam com a floração do tulipeiro do Jardim Botânico. Revela-se inoperante não descortinar nesta assimilação resíduos do culto da árvore sagrada, das Maias (1 de Maio), Dia da Espiga (14 de Maio), e festejos dos santos populares. Morte do ano escolar, morte do Caloiro, combate entre o Inverno e o Verão. Curiosamente, a partir da década de 1890, diversos liceus nacionais começam a realizar festejos designados por Enterro da Gata (Liceu de Braga), Enterro da Bicha (Liceu de Ponta Delgada), Enterro do Ano[17]. Na Academia de Coimbra expulsava-se o ano velho com violentos charivaris nocturnos de latas, panelas, cântaros, com a Tourada dos Caloiros e, a partir da década de 1890, com a incineração das fitas dos quartanistas (enterradas à Porta Férrea ou atiradas ao vento a partir da Torre da Universidade). À maneira dos sapos e monstros encantados dos contos populares, o caloiro transformava-se em ser humano, aceite pela comunidade. Era o lado sacrificial da cultura cíclica estudantil que no fim do ano escolar ritualizava a abolição do tempo profano, procedendo ao sacrifício ritual de um animal (o caloiro toureado) e à combustão das fitas dos quartanistas, à orgia colectiva, à mascarada e à ingestão desregrada de bebidas alcoólicas.
5º - Por detrás de uma cultura proclamada máscula, nidificam práticas e representações claramente femininas. Femininas e matriarcais são a Academia, a Alma Mater (Universidade), a Canção de Coimbra, a Viola Toeira, a Guitarra de Coimbra, o culto da Noite, das Estrelas, da Lua. Que representava simbolicamente o Canelão à Porta Férrea senão o incesto ritual do noviço (caloiro) com a sua nova mãe (Universidade), o baptismo nos fontanários e o ir beber água à Fonte do Castanheiro na noite de São João? Que representavam as ancestrais Soiças, latadas, Queima das Fitas, que não seja a morte ritual do homem velho, do ano escolar que termina incinerado, da celebração da floração primaveril? Que representavam as serenatas, onde se clamavam a noite, a lua, as estrelas, as fontes, a mulher amada, a mãe? A mãe, mas nunca a figura paterna! O que significava esse velho ritual de rasgar as vestes e ser violentamente sovado com palmadas no momento em que se acabava o curso e se fugia em correria pela Porta Férrea? O sair da mãe, nu, adulto, emancipado.
Pode afirmar-se que as “tradições académicas” eram de índole maternal, apelando aos afectos, à alegria juvenil, à adesão espontânea dos “filhos” que alegres louvaminham a Mãe/Alma Mater, e despeitados lhe chamavam de quando em vez Madrasta. Em contrapartida, as praxes iniciático-punitivas eram vincadamente masculinas, castigadoras, reproduzindo a imagem tradicional do pai português armado de palavra grossa, cinto de couro e vara de marmeleiro.
6º - A Praxe, comportando um determinado grau de violência simbólica, física, psicológica e económica, não se confundia com delinquência juvenil. A sua exercitação era enquadrada por regras e numerosas excepções, vazadas em institutos jurídicos designados Protecções, Salvus Condutus, Carta de Alforria, Desmobilização, Emancipação. A Praxe consagrava o princípio do Objector de Consciência, reconhecendo o direito a não ser praxado. Reservava aos elementos do sexo feminino ampla esfera de acção. Permitia a circulação nocturna para efeitos de práticas desportivas, participação em actividades musicais, corais, teatrais e outras, mediante o expediente do Salvus Condutus. Proibia que os caloiros fossem sujeitos a praxes, quando protegidos por pais, empregadas domésticas, irmãos, namoradas/namorados, embriaguês, serenatas, vitória em duelo com chefe de trupe, triunfo oral em discursos que retirassem a capacidade de resposta a veteranos, afirmação de capacidades artísticas dignas de reconhecimento (bom cantor, bom instrumentista). Embora a maioria das sanções praxísticas se reporte a Bichos (ensino secundário) e Caloiros (alunos do primeiro ano), o estudo das fontes revela que os estudantes de todas as hierarquias e os membros do corpo docente também estavam sujeitos a práticas sancionatórias.
7º - Os ritos de iniciação/passagem continuam a desempenhar importante papel na vida humana. A iniciação ritualiza a passagem da puberdade à adolescência e desta à adultez. Em cada passagem há morte simbólica, nascimento e de novo morte. Cada passagem implica um conjunto de mudanças codificadas e uma aceitação social. O caloiro iniciado separa-se do seu meio familiar, geográfico e sócio-cultural. O ano de caloiro equivale a um tempo de purgação e de gestação embrionária no ventre da Alma Mater, outrora personificado pela entrada vaginal na Porta Férrea (Canelão) e pelo encerramento temporário em ataúde durante os Julgamentos (morte, enterramento, descida aos infernos através do rio Estígio). Quando renascia em Maio-Junho, na categoria de estudante, o Caloiro-Monstro era um homem novo, via de regra identificado e reconhecido por outro nome, a alcunha, dominando os mitos, lendas e segredos da cultura tradicional estudantil, perpetuando costumes, conhecendo a gíria académica. Conduzido por Caronte atravessara o Estígio, deambulara pelo Inferno e conhecera Minos. Alfim, emergindo do humús fértil, ingressara na “sua” comunidade. Findava o receio do caos primordial, regenerava-se e reafirmava-se a ordem social.

Elemento privilegiado de uma elite sócio-cultural, o estudante de Coimbra viveu até 1969 numa esfera dual. Sem negar o devir histórico e o fluir da temporalidade do relógio, inventou e propôs como modus vivendi peculiar uma autêntica cosmogonia. O espaço-tempo da Praxe e das tradições académicas apelava incessantemente ao encantatório, ao maravilhoso, à vivência ritualizada, à repetição cíclica de gestos considerados ancestrais, à sublimação juvenil, à proclamação do direito a ser-se adolescente, muito antes de a sociedade portuguesa ter reconhecido este estatuto aos seus jovens.
Tais vivências ajudaram a tecer a identidade cultural peculiar do estudante coimbrão e foram tomadas como paradigma em muitos liceus, escolas agrárias, magistérios primários e estabelecimentos de ensino superior. Após 1974, a Academia de Coimbra retomou muitas das suas antigas praxes e costumes, não deixando de incorporar novas práticas. Seja como for, a Praxe iniciático-punitiva continua a gerar adeptos e a suscitar violentas críticas. Arcaísmo bárbaro para uns, património cultural a preservar para outros, bem pode concluir-se dizendo que o fenómeno de restauração das praxes coimbrãs pós 1974 revela um elevado índice de adesões, apelando ao regresso do encantatório, seja a nível local, seja a nível dos fenómenos de imitação/apropriação observados um pouco por todo o país.

Bibliografia
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VARA, Flávio – O espantalho da praxe coimbrã, Lisboa, 1958.
NOTAS:
[1] Professor de História e História da Arte. Comunicação proferida nas Primeiras Jornadas “As Praxes Académicas. Sentido actual e perspectivas”, promovidas pelo Instituto Piaget de Viseu nos dias 29 e 30 de Abril de 2003. Trabalho publicado na revista Cadernos do Noroeste, Braga, Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Volume 22 (1-2), ano de 2004, págs. 133-149, por gentileza do Prof. Doutor Albertino Marques.
[2] Desinteresse que em muitos casos vota o património documental estudantil a uma certa clandestinidade, como acontece com o Museu Académico, destituído de quadro de pessoal e de financiamento. No tocante à escassez de estudos sobre estas matérias (em Coimbra) e aos perigos de degradação patrimonial veja-se João Paulo Avelãs Nunes, “Em busca de memórias perdidas”, Vértice nº 38, Maio de 1991, págs. 89-91.
[3] Assim o etnólogo Teófilo Braga, tão compreensivo face aos contos populares, rifonário, cancioneiro, romanceiro, costumes locais, e tão virulentamente antipraxista, confundindo desonestamente o pretenso atraso intelectual e científico da UC com as chamadas praxes. Releia-se a sua História da Literatura Portuguesa. O Ultra-Romantismo, Porto, 1870-1873, onde se estabelece uma correlação abusiva entre Soares de Passos/poesia ultra-romântica e costumes académico-praxísticos (Cf. Teófilo Braga, História da Literatura Portuguesa. O Ultra-Romantismo, Tomo VI, Mem Martins, Europa América, 1986, págs. 132-137).
[4] António Rodrigues Lopes, A Sociedade Tradicional Académica. Introdução ao estudo etnoantropológico, Coimbra, s/e, 1982.
[5] “Questões de uma tradição. Entrevista de V. L. à Dra. Eduarda Cruzeiro”, Via Latina, 1985/1986, págs. 23-27.
[6] Processo ainda muito activo na década de 1980. Por 1986-1987 tivemos o ensejo de verificar que na maioria das casas comerciais onde se vendiam “capas e batinas”, os proprietários possuíam exemplar do Código da Praxe de 1957 e aconselhavam os estudantes dos primeiros e segundos anos sobre “a maneira correcta de trajar”.
[7] Isto mesmo se pode demonstrar através do confronto entre os vários Estatutos da UC, Constituições Sinodais dos Bispados portugueses, estatutos dos Seminários Católicos, regulamentos disciplinares de colégios particulares e orfanatos. Por exemplo, para o século XVI, as interdições académicas relativas às transgressão do uniforme, proibição da prostituição, alcoolismo, jogos de azar, porte de armas, vida escandalosa, repetem-se com poucas diferenças nas Constituições Sinodais.
[8] Esta leitura abusiva, faz escola na maioria dos estabelecimentos de ensino superior públicos e privados. De tal forma que “latada”, “trajo académico”, “pasta com fitas”, “tuna”, “orfeon”, “cartola e bengala”, “semana académica”, “festival de tunas”, surgem designadas por “praxe”.
[9] O material disponível sobre estas temáticas é abundante. Citemos apenas alguns: Ernesto Veiga de Oliveira, Festividades cíclicas em Portugal, Lisboa, Dom Quixote, 1984; James George Frazer, Le cycle du Rameau d’Or. Le Dieu Qui meurt, Volume IV, Paris, 1931; Luís Chaves, “Os testamentos na tradição popular”, O Ocidente, Volume XVIII, 1946, págs. 268 e ss.; Albertino Gonçalves, O sentido da comunidade num mundo às avessas: o imaginário grotesco nas tradições académicas de Braga, Braga, Biblioteca Pública de Braga, 2001; Henrique Barreto Nunes e outros, Tradições académicas de Braga, Braga, Associação Académica da UM, 2001; Rita Ribeiro, As lições dos aprendizes: as praxes académicas na Universidade do Minho, Braga, UM, 2001; Teófilo Braga, O povo português nos seus costumes, crenças e tradições, 2 tomos, Coimbra, 1885; Francisco Afonso Chaves, As festas de São Marcos nas ilhas dos Açores, Lisboa, 1906; Manuel Dionísio, Costumes açorianos, Horta, 1937; Jacques Heers, Festas de loucos e carnavais, Lisboa, Dom Quixote, 1987.
[10] Cf. Julian Pitt-Rivers, Anthropologie de l’honner. La mésaventure de Sichem, Paris, Le Sycomore, 1983.
[11] Comparativamente, veja-se o estimulante estudo de Robert Muchembled, Culture populare e culture des élites dans la France moderne (Xve-XVIIIe siècle), Paris, Champs/Flammarion, 1991.
[12] Relativamente à cultura popular coimbrã, recordemos os desaparecidos Entrudo “porco”, a Queima do Judas, o Deitar Pulhas (Cernache).
[13] O “tempo de ir à tropa” (expressão de Boaventura Sousa Santos), apresenta algumas similitudes com o ir para Coimbra. Relativamente aos processos de transformação físicos e psicológicos sofridos pelos recrutas citemos esta trova cantada na Ilha do Pico: “Quando eu assentei praça/Ó rapaz, não olhei para a direita/Cortaram-me o meu cabelo/Mas olha, foi a primeira desfeita”.
[14] Por detrás de aspectos que a civilização reputa de humilhantes formas de rebaixamento, faz sentido precisar a sacralidade do Touro desde remota antiguidade na cultura mediterrânica e a imagem do Burro como símbolo de obscuridade, morte, forças maléficas, iniciação honorífica (nas festas medievais dos loucos), potência sexual incontrolada que regenera a sociedade. O burro liga-se directamente ao culto grego de Dioniso. Sobre a imagem positiva do Burro na cultura estudantil veja-se o antiquíssimo conto popular do estudante que finge transformar-se no burro do azeiteiro (Francisco Adolfo Coelho, Contos populares portugueses, Lisboa, Dom Quixote, 2001, págs. 271-272).
[15] Elementos interpretativos em Mircea Eliade, O sagrado e o profano. A essência das religiões, Lisboa, Livros do Brasil, s/d; idem, O mito do eterno retorno, Lisboa, Edições 70, 1985; Gilbert Durand, A imaginação simbólica, Lisboa, Edições 70, 1995; Michel Maffesoli, O eterno instante. O retorno do trágico nas sociedades pós-modernas, Lisboa, Instituto Piaget, 2001; Michel Maffessoli, Du nomadisme, Paris, Le Livre de Poche, 1997; Michel Maffesoli, L’ombre de Dionysos. Contribution à une sociologie de l’orgie, Paris, Le Livre de Poche, 1991.
[16] O ritual das pulhas era bem conhecido nas comunidades rurais do Concelho de Coimbra. Em Vila Nova de Cernache foi recolhido da tradição oral e integra reconstituições dinamizadas pelo Grupo Folclórico Os Camponeses de Vila Nova. As pulhas reviravam as comunidades do avesso com pregões corrosivos, lançados por rapazes e homens armados de funis de latão. Mas também podiam assumir a forma de descantes nocturnos provocatórios, com vozes, quadras brejeiras, instrumentos musicais.
[17] Relativamente ao trajo académico, o primeiro liceu oitocentista a instituí-lo foi o Liceu de Coimbra, logo em 1836, visto ter ficado na dependência administrativa da reitoria da Universidade. Seguiu-se-lhe o Liceu de Évora, através de Portaria de 27 de Outubro de 1860, na sequência de uma intervenção de D. Pedro V. Neste Liceu e no Liceu Pedro Nunes (Lisboa) os estudantes usaram um barrete circular de pano preto (O Tacho). Para a década de 1940, ainda falando o Liceu de Évora, há notícia de serenatas, tonsura, baptismo em fontanário. No Liceu de Ponta Delgada usou-se capa e batina e instituiram-se serenatas, baile de finalistas, pontapés e pinturas, procissão do caloiro (com um rei instalado num andor), baptismo em fonte e festejos de fim do ano escolar (Enterro da Bicha). No Liceu do Funchal, também foco de práticas tradicionais inspiradas em Coimbra, o uso da capa e batina remonta à publicação de uma portaria governamental de 1889.


"Camões" é um notável cartoon do pintor e arquitecto João Abel Manta (n. 1928), artista diplomado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1951. Abel Manta (Filho) esteve ligado ao projecto do novo edifício da Associação Académica de Coimbra, inaugurado na Praça da República à entrada da década de 1960. São de sua autoria os sete painéis cerâmicos assentes no bloco da fachada que corre paralela à Avenida Sá da Bandeira, entre o cunhal da Rua Padre António Vieira e a entrada do Teatro Académico de Gil Vicente. Os referidos painéis procuram historiar a evolução do Trajo Académico, de acordo com suportes documentais possíveis à época, facultados pela Reitoria da UC por via dos arquivistas António Correia e António da Rocha Madahil. Abel Manta concebeu um 2º conjunto cerâmico bastante mais original e ousado, destinado ao muro do bloco das Cantinas, na parte voltada para o actual edifício da Imprensa da Universidade. Esta obra sofreu censura governamental, tendo sido canalizada para um recanto do jardins interiores da AAC, onde jaz mais ou menos esquecida. Não faria todo o sentido ser finalmente recolocado no muro a que estava inicialmente destinada?
"Camões" integra a série interventiva do autor, "Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar", debuxadas entre 1976 e 1977, com 1ª edição em 1978 em O Jornal, e 2ª edição de 1998 na Campo das Letras. Não sendo uma caricatura directamente relacionada com a CC, convoca um serenateiro-guitarrista fossilizado, para denunciar de forma realista e cruel o tratamento fantasista, acrítico e cor-de-rosa, conferido a temas cinematográficos como "Camões", realizado por António Lopes Ribeiro em 1945.
António M Nunes


Partitura do Fado - Canção, "Samaritana" de Álvaro Cabral, pertencente ao espólio de Joaquim Pinho. Na capa indica que a partitura é para grande orquestra, mas o que tenho em mãos é apenas uma versão para piano. Na capa, numa dedicatória, está indicada a data de 1922. Há versões em disco com a autoria atribuída a A Leal. Por aqui se vê que o autor é, na verdade, A Cabral.


Partitura de Fado - Canção, "Samaritana" de Álvaro Cabral (1), com acompanhamento de piano. Posted by Picasa


Partitura de Fado - Canção, "Samaritana" de Álvaro Cabral (2), com acompanhamento de piano. Posted by Picasa


Partitura de Fado - Canção "Samaritana" de Álvaro Cabral (3), com acompanhamento de piano. Posted by Picasa


Fado - Canção "Samaritana" de Álvaro Cabral. Além da letra inserta na pauta, o poema ainda inclui estas quadras, que se encontram impressas no final da brochura atrás apresentada. Posted by Picasa


Pormenor da fachada principal do mausoléu de Raposo Marques no Cemitério da Conchada ("Pio"), Coimbra, com medalhão-retrato em bronze e dizeres votivos do "seu Orfeon" Académico. Manuel Raposo Marques nasceu na Ribeira Grande, Ilha de São Miguel, em 1902, tendo falecido na Ilha de Santa Maria, a 5 de Setembro de 1966. No regresso de uma digressão artística aos Açores com o Orfeon Académico, sofreu um colapso na aerogare da Ilha de Santa Maria, tendo sido assistido nos derradeiros momentos por duas figuras da música, da CC, e da Medicina, José Miguel Baptista e Jorge Tuna. Este jovem açoriano chegou a Coimbra por 1924 para frequentar Direito, curso jamais concluído, embora fosse frequentemente tratado por "Dr. Raposo Marques". De orfeonista mal conhecido e de tocador de bandola no elenco da TAUC, Raposo Marques foi-se tornando conhecido como tuno musicalmente ilustrado e compositor de temas para récitas estudantis e partituras de teatro amador popular. O lento definhamento do regente Padre Elias de Aguiar e a necessidade de regentes credíveis para o Orfeon e Tauc, agora vistos como potenciais instrumentos educativos do Estado Novo, ditaram a sorte de Raposo Marques. Após ter grangeado fama entre finais da década de 20 e os inícios dos anos trinta como compositor, arangista e regente substituto, MR foi despachado regente oficial da TAUC e do Orfeon em Janeiro de 1937. Assegurou ainda a regência da Cadeira de Música da Universidade de Coimbra durante longos anos.
De baixa estatura e figurinha palaciana, RM manteve sempre traços da rusticidade de origem, presentes na fonética micaelense, na rudeza de modos, no arrastamento da asa aos rabos de saia, e nos vernáculos palavrões que não se coibia de soltar mesmo quando se tratava de um elogio em língua inglesa. Vaidoso, trajava de lente com Batina abotoada e Capa talar, o peito medalhado de veneras. Num tempo em que Mussolini ficou famoso pelas suas poses militaristas, RM também ensaiou genialmente a sua entrada em palco com a ainda hoje falada escorregadela da capa. Entre finais da década de 1950 e os anos terminais da sua regência, RM entrara em franca decadência artística, ultrapassado por corais universitários de outras cidades e mesmo pelo arejado e experimentalista Coral das Letras (CELUC), regido por Francisco Faria. Amostras pontuais dessa derrapagem estética estão bem vincadas na forma solavancada como ensaiava "Alleluiah" de Haendell, e nos temas pirosos com que brindava a assistência em digressões internacionais, tipo "Rapsódia Luso Brasileira".
Tendo em conta a posição social que ocupou na UC, na Academia, na cidade de Coimbra, no Liceu e na Escola de Magistério, nas relações com o Ministério da Educação, e ainda os recursos que estavam ao seu alcance, podemos considerar RM um talento desperdiçado. Produziu escassas peças para o universo da CC, como a "Balada de Despedida do 5º Ano Médico de 1928", o "Fado da Despedida do 5º Ano Médico de 1928" (Oh meu amor pobrezinho, de parceria com Vaz Craveiro), a "Balada da Queima das Fitas de 1930", "Núvens Brancas" e a "Balada da Despedida do 5º Ano Médico de 1949" (sendo o arranjo para piano de João Anjo). A investigação produzida como docente universitário é insignificante. A edição de cancioneiros ou de recolhas e transcrições musicais é praticamente nula. Nada fez em prol da recolha e salvagurada do folclore de Coimbra, nem da CC.
Teria ficado bem a RM abandonar a regência do Orfeon por meados da década de 1950, após a fundação do Coral das Letras e do Coro Misto. No entanto, morreu tranquilamente aos 64 anos, no final de mais uma digressão orfeónica aos Açores. Os seus orfeonistas desculparam-lhe as bizarrarias, olhando com benevolência para a sua crescente decrepitude artística. Os menos informados dos novos caminhos da arte e seus devotados pupilos, só num registo de provincianismo fechado é que poderiam continuar a confundir filial afeição com qualidade artística.
Não tendo nascido no Estado Novo, RM acomodou-se à Universidade estadonovista, tendo vivido bem como um beneficiado cortesão, com as suas mordomias, condecorações, recepções e entradas solenes à Antigo Regime nas cidades visitadas, discursos de honra ao Orfeon na Sala dos Capelos, digressões escoltadas por membros do governo e da Universidade. As más línguas insinuavam que RM afinal sabia pouca música, sendo as composições e arranjos fabricados em casa por sua esposa Adélia. Se Adélia o desculpou, nós também o tentaremos compreender, lembrando aquela velha copla brejeira que se cantava nas antiquíssimas Fogueiras de São João da Alta de Coimbra: "O padre quando namora/Deita sempre a mão na coroa/Namora padre, namora/Que Deus tudo nos perdoa!" Quanto a nós, RM era acima de tudo um homem de bem com aquilo que a tão poucas vezes generosa Coimbra se presta a ofertar, possuindo dotes de encantador que usou na perfeição desde a sua nomeação oficial como regente em Janeiro de 1937 até à sua morte em 1966. Musicalmente ilustrado, que não ilustradíssimo, conivente e colaboracionista com o regime e com a sua Universidade sempre que necessário, lente de Música sem ser lente, "Dr." sem formatura, "Palestrina" representa uma certa imagem de uma certa Coimbra, num certo tempo... só possível numa atmosfera de encantamento e de prestidigitação. E Palestrina, se não tirava coelhos da cartola, tirava batutas da escorregadia capa de simulada lentência!
António M Nunes

quinta-feira, novembro 17, 2005


Capa do EP "Balada", da etiqueta Rapsódia, saído no início dos anos sessenta, em que canta Barros Madeira, acompanhado pelo Grupo constituído por Jorge Tuna e Jorge Godinho na guitarra, José Tito e Durval Moreirinhas na viola. Mais um disco cedido por José Miguel Baptista. Posted by Picasa


Contracapa do EP "Balada", da etiqueta Rapsódia, EPF 5.092, saído no ano de 1960, em que canta Barros Madeira, acompanhado pelo Grupo constituído por Jorge Tuna e Jorge Godinho nas guitarras, José Tito e Durval Moreirinhas nas violas. Barros Madeira foi dos poucos cantores que teve o privilégio de ser acompanhado por Jorge Tuna. As introduções utilizadas são de grande virtuosismo e beleza. No entanto, a marcação dos tempos é demasiado arrastada, pelo que se perde vivacidade interpretativa. O cantor está ao seu nível. Uma boa voz que pouco se deu a conhecer.
Segundo António M. Nunes, João Barros Madeira modificou o título original da composição "Um Fado de Coimbra", de Paulo de Sá, para "Olhos Verdes", incrustando-lhe uma letra de Francisco Gregório Bandeira Mateus. Gravou ainda com a formação Portugal/Brojo, em finais de 1962 o EP Rapsódia 5.187, com Fado de Santa Clara, Fado da Despedida do 6º Ano Médico de 1961-1962, a aclamada Balada da Saudade (Senhora partem tão tristes, com letra de João Ruiz de Castel-Branco. Já a havia gravado em 1961 com Jorge Tuna para o LP Orfeão Académico de Coimbra, editado nos EUA em 1962) e o muito criticado nos meios monárquicos e católicos conservadores Último Fado (Dizem que Nossa Senhora).

quarta-feira, novembro 16, 2005


Capa do livro de João Afonso dos Santos, “José Afonso – Um Olhar Fraterno”, da editorial Caminho, 2ª edição, ano de 2002.
Um livro imprescindível para quem quiser ficar a conhecer a fundo a personalidade de Zeca Afonso. Nele se revêem a vida bem difícil que teve que enfrentar, as perseguições de que foi alvo, perpretadas pelo regime ditatorial, os seus sonhos, a sua arte, a sua aproximação ao povo anónimo deste país, a sua luta por um Portugal livre de “vampiros, sugando o sangue fresco da manada”, como muito bem cantou.
O livro ainda contém fotografias de família e outras, como a de um grupo de Canção Coimbrã a que pertenceu.
Segue-se um pequeno texto extraído da contracapa do livro:

“Uma pessoa, ainda que como José Afonso, avesso a notoriedades e vedetismos, depois que lhe constroem em redor uma reputação pública, é como uma moeda que mostra apenas o seu anverso, reconhecível e imutável. Por essa face se define, nos consagrados, e nem por isso menos verdadeiros, atributos.

Todavia, para além da efígie está o homem, a sua história, a gestação tantas vezes contraditória do seu ser moral, isto é, o lado mais profundo onde tudo o resto se radica. Recompor-lhe a dimensão multifacetada, colocando em evidência os aspectos menos conhecidos da personalidade e do percurso de José Afonso, a par dos manifestos, é o contributo dete livro.

E como as circunstâncias envolventes, sejam elas específicas ou gerais (da época ou épocas), intervêm na modulação do barro humano, faz o livro umas curtas incursões no passado histórico e na matéria colectiva que o circundaram ou de que ele se nutriu.

Uma visão e um testemumnho pessoais, como o autor adverte na sua introdução, por parte de quem esteve, ao mesmo tempo, próximo e distanciado do biografado. Suficientemente distanciado para pôr na escrita o esforço de uma análise objectiva. E próximo para relatar algumas experiências comuns e não escrever de todo umas linhas desapaixonadas.”


José Afonso em 1950. Foto retirada do livro "José Afonso - Um Olhar Fraterno", de João Afonso dos Santos, seu irmão.

José Afonso

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, filho de José Nepomuceno Afonso, juiz, e de Maria das Dores.
Em 1930 os pais foram para Angola, onde o pai tinha sido colocado como delegado do Procurador da República em Silva Porto. José Afonso permanece em Aveiro, na casa da Fonte das Cinco Bicas, por razões de saúde, confiado à tia Gigé e ao tio Xico, um «republicano anticlerical e anti-sidonista».
Por insistência da mãe, em 1933 Zeca segue para Angola, com três anos e meio, no vapor Mouzinho, acompanhado por um tio advogado em lua-de-mel. Um missionário é a companhia de José Afonso que permanece três anos em Angola, onde inicia os estudos da instrução primária. Em 1936 regressa a Aveiro, para casa de umas tias pelo lado materno.
Parte em 1937 para Moçambique ao encontro dos pais, com quem vive juntamente com os irmãos João e Mariazinha.
Regressa a Portugal, em 1938, desta vez para casa do tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal de Belmonte. Aqui conclui a quarta classe. O tio, salazarista convicto, fá-lo envergar a farda da Mocidade Portuguesa.
Vai para Coimbra em 1940 para prosseguir os estudos. É matriculado no Liceu D. João III e instala-se em casa da tia Avrilete. No liceu conhece António Portugal e Luiz Goes. A família parte de Moçambique para Timor, onde o pai vai exercer as funções de juiz. Mariazinha vai com eles, enquanto seu irmão João vem para Portugal. Com a ocupação de Timor pelos Japoneses, José Afonso fica sem notícias dos pais durante três anos, até ao final da II Guerra Mundial, em 1945.
Nesse mesmo ano começa a cantar serenatas como «bicho», designação da praxe de Coimbra para os estudantes liceais (José Afonso andava no 5.º ano do liceu). Era conhecido como «bicho-cantor», o que lhe permitia não ser «rapado» pelas «trupes». Vida de boémia e fados tradicionais de Coimbra.
De 1946 a 1948 completa o curso dos liceus, após dois chumbos. Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, por oposição dos pais. Faz viagens com o Orfeão e com a Tuna Académica. Joga futebol na Associação Académica de Coimbra.
Em 1949 inscreve-se no primeiro ano do curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Vai a Angola e Moçambique integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.
Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Dá explicações e faz revisão no Diário de Coimbra. São editados os seus primeiros discos. Trata-se de dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada, dos quais não existem hoje exemplares. Os dois discos foram gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional.
De 1953 a 1955 cumpre, em Mafra, serviço militar obrigatório. Foi mobilizado para Macau, mas livrou-se por motivos de saúde. Depois é colocado num quartel em Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas para sustentar a família, como refere em carta enviada aos pais em Moçambique. A crise conjugal é muito sentida. Após o serviço militar, já com dois filhos, José Manuel e Helena (nascida em 1954), conclui em 1963 o curso na Faculdade de Letras de Coimbra com 11 valores com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: «Implicações substancialistas na filosofia sartriana».
Vai dar aulas num colégio privado em Mangualde em 1955/56. Inicia-se o processo de separação e posterior divórcio de Amália (1 de Junho de 1963). José Afonso manterá uma névoa de silêncio em redor desta sua experiência conjugal.
Em 1956 é editado o seu primeiro EP, intitulado Fados de Coimbra.
Em 1956/57 é professor em Aljustrel e em Lagos.
Por dificuldades económicas, em 1958 envia os dois filhos para Moçambique, para junto dos avós. Neste ano fica impressionado com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Digressão de um mês em Angola da Tuna Académica. José Afonso é o vocalista do Conjunto Ligeiro. «Actuámos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada uma de sua cor, imitando a orquestra de "mambos" de Perez Prado, o máximo da altura», conta José Niza.
Em 1959 começa a frequentar colectividades e a cantar regularmente em meios populares.
Em 1960 é editado o quarto disco de José Afonso. Trata-se de um EP para a Rapsódia, intitulado Balada do Outono.
De 1961 a 1962 segue atentamente a crise estudantil deste último ano. Convive em Faro com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Pité e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher.
Em 1962 é editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal, pela Monitor, dos Estados Unidos, com «Minha Mãe» e «Balada Aleixo», onde José Afonso rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas.
Realiza digressões pela Suíça, Alemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo.
Em 1963 é editado outro EP de Baladas de Coimbra.
Em Maio de 1964, José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção «Grândola, Vila Morena», que viria a ser no dia 25 de Abril de 1974 a senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o derrube do regime ditatorial.
Nesse mesmo ano é editado o EP Cantares de José Afonso, o único para a Valentim de Carvalho.
Também em 1964 é editado, pela Ofir, o álbum Baladas e Canções, que virá a ser reeditado em CD pela EMI em 1997.
De 1964 a 1967, José Afonso encontra-se em Lourenço Marques com Zélia, onde reencontra os seus dois filho. Nos últimos dois anos, dá aulas na Beira. Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965).
Em 1967 regressa a Lisboa esgotado pelo sistema colonial. Deixa o filho mais velho, José Manuel, confiado aos avós em Moçambique. Colocado como professor em Setúbal, sofre uma grave crise de saúde que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, tinha sido expulso do ensino oficial. É publicado o livro Cantares de José Afonso, pela Nova Realidade. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe. Assina contrato discográfico com a Orfeu, para quem grava mais de 70 por cento da sua obra.
Expulso do ensino, em 1968 dedica-se a dar explicações e a cantar com mais assiduidade nas colectividades da Margem Sul, onde é nítida a influência do PCP. Pelo Natal, edita o álbum Cantares do Andarilho, com Rui Pato, primeiro disco para a Orfeu. O contrato é sui generis: contra o pagamento de uma mensalidade (15 contos), José Afonso é obrigado a gravar um álbum por ano.
Em 1969 a Primavera marcelista abre perspectivas de organização ao movimento sindical. José Afonso participa activamente neste movimento, assim como nas acções dos estudantes em Coimbra. Edita o álbum Contos Velhos Rumos Novos e o single «Menina dos Olhos Tristes» que contém a canção popular «Canta Camarada». Recebe o prémio da Casa da Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em 1970 e 1971. Pela primeira vez num disco de José Afonso, aparecem outros instrumentos que não a viola ou a guitarra. Trata-se do último álbum com Rui Pato. Nasce o último filho, o quarto, Pedro.
Em 1970 é editado o álbum Traz Outro Amigo Também, gravado em Londres, nos estúdios da Pye, o primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar. Carlos Correia (Bóris), antigo músico de rock, dos Álamos e do Conjunto Universitário Hi-Fi, substitui Pato. A 21 de Março, por unanimidade, a Casa de Imprensa atribui a José Afonso o Prémio de Honra pela «alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música ligeira portuguesa». Participa em Cuba num Festival Internacional de Música Popular.
Pelo Natal de 1971, é lançado o álbum Cantigas do Maio, gravado perto de Paris, nos estúdios de Herouville, um dos mais caros e afamados da Europa. O álbum é geralmente considerado o melhor disco de José Afonso. A editora Nova Realidade publica o livro Cantar de Novo.
No ano de 1972 o álbum chama-se Eu Vou Ser Como a Toupeira, gravado em Madrid, nos Estúdios Cellada, com a participação de Benedicto, um cantor galego amigo de Zeca, e com o apoio dos Aguaviva, de Manolo Diaz. O livro, editado pela Paisagem, tem apenas o título de José Afonso.
Em 1973 José Afonso continua a sua «peregrinação», cantando um pouco em todo o lado. Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na prisão política, escreve o poema «Era Um Redondo Vocábulo». Pelo Natal, publica o álbum Venham Mais Cinco, gravado em Paris, em que José Mário Branco volta a colaborar musicalmente. No tema-título, participa Janine de Waleyne, solista dos Swingle Singers, o melhor grupo vocal de jazz cantado da altura, na opinião de José Niza.
A 29 de Março de 1974, o Coliseu, em Lisboa, enche-se para ouvir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que terminam a sessão com «Grândola, Vila Morena». Militares do MFA estão entre a assistência e escolhem «Grândola» para senha da Revolução. Um mês depois dá-se o 25 de Abril. No dia do espectáculo, a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações de «Venham Mais Cinco», «Menina dos Olhos Tristes», «A Morte Saiu à Rua» e «Gastão Era Perfeito». Curiosamente, a «Grândola» era autorizada. É editado o álbum Coro dos Tribunais, gravado em Londres, novamente na Pye, com arranjos e direcção musical, pela primeira vez, de Fausto. São incluídas as canções brechtianas compostas em Moçambique no período entre 1964 e 1967, «Coro dos Tribunais» e «Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante)».
De 1974 a 1975 envolve-se directamento nos movimentos populares. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) é a sua paixão. Cantou no dia 11 de Março de 1975 no RALIS para os soldados. Estabelece uma colaboração estreita com o movimento revolucionário LUAR, através do seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. A LUAR edita o single «Viva o Poder Popular» com «Foi na Cidade do Sado» no lado B. Em Itália, as organizações revolucionárias Lotta Continua, Il Manifesto e Vanguardia Operaria editam o álbum República, gravado em Roma a 30 de Setembro e 1 de Outubro, nos estúdios das Santini Edizioni. As receitas do disco destinavam-se a apoiar a Comissão de Trabalhadores do jornal República ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. Desconhecido em Portugal, o álbum inclui «Para Não Dizer Que Não Falei de Flores» (Francisco Fanhais)(1), «Se os Teus Olhos se Vendessem», «Foi no Sábado Passado», «Canta Camarada», «Eu Hei-de Ir Colher Macela», «O Pão Que Sobra à Riqueza», «Os Vampiros», «Senhora do Almortão», «Letra para Um Hino» e «Ladainha do Arcebispo». Francisco Fanhais colaborou na gravação do disco, juntamente com músicos italianos.
Em 1976 apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, cérebro do 25 de Abril e ex-comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), apoio que reedita em 1980. Fase cronista de José Afonso, que publica o álbum Com as Minhas Tamanquinhas. O disco tem a surpreendente participação de Quim Barreiros. É, na opinião de José Niza, «um disco de combate e de denúncia, um grito de alma, um murro na mesa, sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 20 anos, isto é, hoje». É a «ressaca» do PREC.
O álbum Enquanto Há Força, editado em 1978, de novo com Fausto, representa mais um exemplo da fase cronista do cantor, ligada às suas preocupações anti-colonistas e anti-imperialistas e à sua crítica mordaz à Igreja. Inclui as participações, entre outras, de Guilherme Inês, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Rão Kyao, Luís Duarte, Adriano Correia de Oliveira e Sérgio Godinho.
Em 1979 é editado o álbum Fura Fura, com a colaboração musical de Júlio Pereira e dos Trovante. O disco inclui oito temas de música para teatro, compostos para as peças Zé do Telhado, de A Barraca, e Guerra do Alecrim e Manjerona, da Comuna. Actua em Bruxelas no Festival da Contra-Eurovisão.
Em 1981, após dois anos de silêncio, regressa a Coimbra com o seu álbum Fados de Coimbra e Outras Canções. Acompanham-no Octávio Sérgio e Durval Moreirinhas . Trata-se da mais bela versão do fado de Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é dedicado. Actua em Paris, no Théatre de la Ville.
Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas da doença do cantor, uma esclerose lateral amiotrófica. Trata-se, aparentemente, de um vírus instalado na espinal medula que, de uma forma progressiva, destrói o tecido muscular e, normalmente, conduz à morte por asfixia. Actua em Brouges no Festival de Printemps.
Em 29 de Janeiro de 1983 realiza-se o espectáculo no Coliseu com José Afonso já em dificuldades. Participam Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé. É publicado o duplo álbum Ao Vivo no Coliseu.
No Natal desse ano, sai Como Se Fora Seu Filho, um testamento político. Colaboração de Júlio Pereira, Janita Salomé, Fausto e José Mário Branco. Alinhamento: «Papuça», «Utopia», «A Nau de António Faria», «Canção da Paciência», «O País Vai de Carrinho», «Canarinho», «Eu Dizia», «Canção do Medo», «Verdade e Mentira» e «Altos Altentes». Algumas das canções foram escritas para a peça Fernão Mentes? do grupo de teatro A Barraca. Publicado o livro Textos e Canções, com a chancela Assírio e Alvim. Contra a sua vontade, é publicado pelo Foto Sonoro um maxi-single, Zeca em Coimbra, com um espectáculo dado por Zeca no Jardim da Sereia, na Lusa Atenas, a 27 de Maio.
A cidade de Coimbra atribui a José Afonso a Medalha de Ouro da cidade. «Obrigado Zeca, volta sempre, a casa é tua», disse-lhe o presidente da Câmara, Mendes Silva. «Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem», respondeu José Afonso. O Presidente da República, general Ramalho Eanes, atribui a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa-se a preencher o formulário. Em 1994, o Presidente da República Mário Soares tentou de novo condecorar, postumamente, José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas a mulher, Zélia, recusou, alegando que se José Afonso não desejou a distinção em vida, também não seria após a sua morte que seria condecorado.
Em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. Tinha sido expulso em 1968. A doença, agrava-se.
Em 1985 é editado o último álbum, Galinhas do Mato. José Afonso já não consegue cantar todos os temas, sendo substituído por Luís Represas («Agora»), Helena Vieira («Tu Gitana»), Janita Salomé («Moda do Entrudo», «Tarkovsky» e «Alegria da Criação»), José Mário Branco («Década de Salomé», em dueto com Zeca), Né Ladeiras («Benditos») e Catarina e Marta Salomé («Galinhas do Mato»). Arranjos musicais de Júlio Pereira e Fausto. Outras canções do álbum: «Escandinávia Bar-Fuzeta» e «À Proa».
Em 1986 apoia a candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintassilgo, católica progressista.
José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada em 1982. O funeral realizou-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal, onde a urna foi depositada às 17h30 na sepultura 1606 do quadro 19. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília, Francisco Fanhais.
A Transmédia editou o triplo álbum, o primeiro da história discográfica portuguesa, Agora e Sempre, duas semanas depois da morte do cantor. O triplo disco é constituído pelos álbuns Como Se Fora Seu Filho (1983) e Galinhas do Mato (1985) e por um alinhamento diferente de Ao Vivo no Coliseu (1983). A 18 de Novembro é criada a Associação José Afonso com o objectivo de ajudar a realizar as ideias do compositor e intérprete no campo das Artes.
Em 1988 a Câmara Municipal da Amadora institui o Prémio José Afonso destinado a galardoar um álbum inédito de música portuguesa, cujos temas tenham como referência a Cultura e História portuguesas, tal como a obra do autor de «Grândola, Vila Morena». Vencedores: «Para Além das Cordilheiras», Fausto (1988), «Negro Fado», Vitorino (1989), «Aos Amores», Sérgio Godinho (1990), «Janelas Verdes», Júlio Pereira (1991), «Correspondências», José Mário Branco (1992), «Eu Que Me Comovo por Tudo e por Nada», Vitorino (1993), «Tinta Permanente», Sérgio Godinho (1994), «Traz os Montes», Né Ladeiras (1995), «Maio Maduro Maio», Amélia Muge, João Afonso e José Mário Branco (1996).
Em 1991 a Câmara Municipal da Amadora inaugurou no Parque Central da cidade uma estátua em mármore de José Afonso, de 4 metros, da autoria do escultor Francisco Simões.
Em Outubro 1993, começam as gravações de um duplo CD, Filhos da Madrugada, que a BMG editará no ano seguinte em homenagem a José Afonso. A Strauss edita o duplo CD Zeca Afonso no Coliseu com o espectáculo integral de 29 de Janeiro de 1983. Inclui «Abertura: À Proa», «Balada do Mondego», «Saudades de Coimbra», «Senhora do Almortão», «Dor na Planície» (instrumental), «Balada do Outono», «Canção de Embalar», «Natal dos Simples», «Os Vampiros», «A Morte Saiu à Rua», «No Comboio Descendente», «Um Homem Novo Veio da Mata»,«MilhoVerde»,«O Anel Que Tu Me Deste» (instrumental) «Murinheira» (instrumental), «Era Um Redondo Vocábulo», «Papuça», «Utopia», «Venham Mais Cinco», «O Que Faz Falta», «Grândola, Vila Morena» e «À Proa» (gravação de estúdio). «O Anel Que Tu Me Deste» e «Murinheira» não tinham sido incluídos na edição de vinil de 1983, Ao Vivo no Coliseu. O original de estúdio «À Proa», que tinha ficado de fora do álbum Como Se Fora Seu Filho, também de 1983, é publicado pela primeira vez. Uma versão diferente está incluída em Galinhas do Mato, de 1985.
Em 1994, integrado na programação de Lisboa-94, Capital Europeia da Cultura, realizou-se no dia 30 de Junho, no Estádio de Alvalade, em Lisboa, um festival de homenagem a José Afonso, com músicos da nova geração, intitulado Filhos da Madrugada. Participam Brigada Victor Jara, Censurados, Delfins, Diva, Entre Aspas, Essa Entente, Frei Fado D'El Rei, GNR, Madredeus, Mão Morta, Opus Ensemble, Peste & Sida, Resistência, Ritual Tejo, Sérgio Godinho, Sétima Legião, Sitiados, Tubarões, UHF, Vozes da Rádio e Xutos & Pontapés. Treze anos antes, numa entrevista ao Portugal Hoje, José Afonso tinha dito que «se a juventude aceita mais o rock do que outras formas musicais, o que se pode pedir, ao menos, é que se faça rock com qualidade» e que «não se tenha a necessidade de aleijar a língua portuguesa para a meter dentro dos compassos do rock».
Nesse mesmo ano a BMG editou um CD duplo, Filhos da Madrugada, gravado entre Outubro de 1993 e Março de 1994, em homenagem a José Afonso. Alinhamento: «Maio Maduro Maio» (Madredeus), «Coro dos Tribunais» (GNR), «A Formiga no Carreiro» (Sitiados), «Os Índios de Meia-Praia» (Vozes da Rádio), «Venham Mais Cinco» (Tubarões), «O Homem da Gaita» (Peste & Sida), «Canto Moço» (Ritual Tejo), «Vejam Berm» (Delfins), «Canção de Embalar» (Diva), «Era Um Redondo Vocábulo» (Opus Ensemble), «Coro da Primavera» (Xutos & Pontapés), «Cantigas do Maio» (Sétima Legião), «Chamaram-me Cigano» (Resistência), «Traz Outro Amigo Também» (Entre Aspas), «O Avô Cavernoso» (Mão Morta), «Que Amor Não Me Engana» (Frei Fado D'El Rei), «O Que Faz Falta» (Censurados), «Ronda das Mafarricas» (Brigada Victor Jara), «A Morte Saiu à Rua» (UHF) e «Senhor Arcanjo» (Essa Entente). O álbum termina com «Grândola, Vila Morena» cantado pelo Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras e ainda por João Aguardela (Sitiados), Natália Casanova (Diva), João Ribas (Censurados), Paulo Costa (Ritual Tejo), Viviane Parra (Entre Aspas), Nuno Aragão (Vozes da Rádio), Carla Lopes (Frei Fado D'El Rei), Paulo Riço (Essa Entente), João San Payo (Peste & Sida), Aurélio Malva (Brigada Victor Jara), Miguel Angelo (Delfins) e Tim (Xutos & Pontapés).
Em 1995 José Mário Branco, Amélia Muge e João Afonso, sobrinho de Zeca, lançaram um álbum de homenagem a José Afonso, intitulado Maio Maduro Maio, que inclui os inéditos de Zeca, «Entre Sodoma e Gomorra», e «Nem Sempre os Dias São Dias Passados». O CD duplo, resume os concertos que os três artistas deram no Teatro Municipal de São Luiz nos dias 13, 14 e 15 de Dezembro de 1994. Alinhamento: «Maio Maduro Maio», «Utopia», «De Não Saber o Que Me Espera», «Canção de Embalar», «Entre Sodoma e Gomorra», «Que Amor Não Me Engana», «Já o Tempo Se Habitua», «O Pastor de Bensafrim», «Lá no Xepangara», «Chamaram-me Cigano», «Achégate a Mim, Maruxa», «Canção da Paciência», «A Cidade», «Nefritite Não Tinha Papeira», «O Homem Voltou», «Nem Sempre os Dias São Dias Passados», «De Sal de Linguagem Feita», «Se Voaras Mais ao Perto», «Ali Está o Rio», «Benditos», «O País Vai de Carrinho», «Fura Fura», «O Que Faz Falta» e «Zeca». Esta última é uma canção de José Mário Branco, de homenagem a José Afonso.
Em 1996, sob a orientação cuidada de José Niza, a Movieplay editou em CD os 11 álbuns gravados por José Afonso para a Orfeu. A colecção é acompanhada por um 12º CD, De Capa e Batina, onde se juntam as primeiras gravações de José Afonso, isto é, as gravações de 78 rotações de 1953, «Fado das Águias», «Solitário», «O Sol Anda Lá no Céu» e «Contos Velhinhos» e o EP da Alvorada de 1956, «Incerteza», «Mar Largo», «Aquela Moça da Aldeia» e «Balada» e ainda o single da Orfeu, de 1969, «Menina dos Olhos Tristes» e «Canta Camarada».
No 10º aniversário da morte de José Afonso, em 1997, a EMI editou pela primeira vez em CD o primeiro álbum de Zeca, gravado para a Ofir em 1964 com o título Baladas e Canções. O álbum contém «Canção Longe», «Os Bravos», «Balada Aleixo», «Balada do Outono», «Trovas Antigas», «Na Fonte Está Lianor, «Minha Mãe», «Altos Castelos», «O Pastor de Bensafrim», «Canto da Primavera», «Elegia» e «Ronda dos Paisanos».
Texto retirado do site a seguir indicado.

A Galeria Minerva convida para a inauguração da exposição

DESENHOS E GUACHES

de Pinho Dinis,

no próximo sábado, dia 19, pelas 17h30.

Na altura, haverá uma breve discussão sobre o desenho, “O desenho porquê, o desenho para quê?”, por Paulino Mota Tavares,seguindo-se leitura de poemas por Dalila Pinho Dinis e Machado Lopes, e a actuação do grupo musical Alamar, com Sara Travassos.

(Galeria Minerva, Rua de Macau 52, Bairro Norton de Matos, Coimbra)

A Alegoria e o Desenho em Pinho Dinis
Pinho Dinis revela-se, neste lugar em que se cruzam a sabedoria e a imaginação criadora, como um singular artista da composição e do desenho.
E é, exactamente, para esta marca precisa do seu talento, que desejamos chamar a atenção daquele que olha, que contempla e, sobretudo daquele que insiste e se recreia no acto de ver.
O desenho está na base da escrita e da comunicação. Desde os fenícios, aos gregos e aos romanos que o desenho se agrega, magistralmente, ao Homem, à Natureza, ao conceito de Vida, à relação que mantemos com o Universo. “Designare” exprime, em muitos autores latinos, o acto de desenhar. Assim, Virgílio fala em desenhar com o arado o circuito de uma cidade, enquanto Tito Lívio lembra o desenho e lugar de um circo e Statius fala, curiosamente, em traçar um círculo nos ares.
Hoje, Pinho Dinis afirma-se a Coimbra e em Coimbra, como um mago do desenho: o homem e o artista que, na fuga de um traço, alcança, de facto, a poesia, o movimento e a maravilha do mundo. Paulino Mota Tavares Nasceu em Coimbra onde vive. Emigrou para o Brasil em 1957. Regressou em 1975.1946-48 – Frequência de cursos nocturnos da Sociedade Nacional de Belas Artes, tendo como Mestre o pintor Domingos Rebelo.1948-50 – Continuação dos estudos artísticos no círculo artístico Mário Augusto.1950 – Faz viagem de estudo aos principais museus de Espanha, França e Itália.

1950-53 – Regressado a Portugal fixa-se em Coimbra e faz pesquisa de cerâmica em companhia do seu amigo Américo Dinis.1954 – Fixa-se no Porto, encaminhado pela mão amiga de Luís Reis Santos, estuda o fresco com o pintor Dordio Gomes na Escola de Belas Artes do Porto.
Fixa-se no Brasil de 1957 a 1975 e viaja periodicamente à Europa a fim de contactar com os mais recentes movimentos da Arte Moderna.

PRÉMIOS E DISTINÇÕES

Prémio monetário no Salão Anual de Arte Moderna no Rio de Janeiro, 1959.
Menção honrosa no Salão de Arte Moderna de Curitiba, 1960
Medalha de Bronze no Salão Paulista de Arte Moderna – São Paulo, 1961.
Medalha de Prata e isenção de júri no Salão Anual de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1963.
Favoráveis referências críticas dos jornais Diário Popular, Diário de Coimbra, Comércio do Porto, Primeiro de Janeiro, República, Jornal de Notícias, La Revue Moderne de Paris e diversos jornais brasileiros.
Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Coimbra, 2001.

segunda-feira, novembro 14, 2005


Foto do Grupo Saudade Coimbrã. Este grupo é constituído por Luís Jesus, na guitarra, Joaquim Santos e Marcelo Cantimelo, nas violas e a cantar, Joaquim Afonso e Ricardo Silva. Segue-se o texto extraído da internet, dum site relativo à Figueira da Foz:
«Grupo Saudade Coimbrã
O Fado de Coimbra reveste uma marca cultural, genuinamente portuguesa, que surgiu em Coimbra, na sua secular Academia. Mais do que simplesmente regional, este género musical tem sido digno representante da nossa cultura, levando a todos os "cantos do mundo", as formas próprias de ser e sentir das nossas gentes.
Os acordes rasgados e doces da Guitarra de Coimbra, o melódico som das Guitarras Clássicas (comummente designadas por "violas") e o timbre afinado dos Cantores, em conjunto, produzem uma sonoridade e expressão únicas e distintas, no contexto nacional.
Através dos espectáculos que realiza ou as ditas "serenatas de rua", o Grupo de Fados "Saudade Coimbrã" tem como objectivos principais, transmitir: um pouco do vasto e riquíssimo repertório do Fado e Canção de Coimbra e das genuínas formas de o tocar e sentir, recriando muitas vezes as tradicionais serenatas de rua, autênticas serenatas clandestinas, que outrora se faziam um pouco por toda a cidade e que agora, como no passado, continuam a privilegiar o secretismo que as envolve. Talvez por serem de todo inesperadas, são geralmente bastante apreciadas por todas as pessoas, especialmente pelos Conimbricenses.
Ao longo de 14 anos de existência, o grupo tem participado em diversas iniciativas de âmbito cultural e recreativo um pouco por todo o país e junto das comunidades portuguesas, no estrangeiro. O Fado de Coimbra tem inegavelmente um passado, um presente e terá seguramente um futuro. O estudante ou todo aquele que, de uma forma ou de outra, encontra laços em Coimbra, recorda com saudosismo experiências únicas aqui vividas, quando o fado vai até si, pelo canto ou pela guitarra.
O Grupo de Fados "Saudade Coimbrã" identifica-se pela forma simples e peculiar de interpretar a Canção de Coimbra, muitas vezes pegando nos ditos "Fados Clássicos de Coimbra", oferecendo-lhes uma nova roupagem, indo de encontro à sensibilidade comum dos seus elementos que compõem o grupo.
A gravação de um CD de Fados de Coimbra já esteve bem próxima, porém foi de comum acordo, que os elementos entenderam não ser oportuno e adequado regravar os temas que insistentemente são gravados pelos vários grupos que interpretam este género musical. Optou-se pelo amadurecimento de ideias e vontades, esperando pelo momento propício para gravação, que deverá ainda ser possível no corrente ano.
O Grupo de Fados "Saudade Coimbrã" encontra-se actualmente a preparar a gravação de um CD de temas inéditos, temas esses que inovarão pela sua sonoridade, com referência na música tradicional de Coimbra, mas buscando outros valores e influências. O projecto conta com letras de alguns dos poetas portugueses mais sonantes, como Miguel Torga ou Florbela Espanca e a participação de vários músicos convidados.
Luís Jesus
Julho de 2005» Posted by Picasa

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