sábado, novembro 26, 2005

A CANÇÃO DE COIMBRA NO SÉCULO XIX (1840-1900)
(Ele há teorias... e teorias...)
Por António M. Nunes
X.4 – Fados que se popularizaram em Coimbra
Ao longo do nosso trabalho de pesquisa foram detectados em prestações de cantores activos em Coimbra plurímos espécimes directamente importados do Fado (de Lisboa), ou aparentados com aquilo a que se passou a reconhecer consensualmente como o “Fado de Lisboa”.
Na lista que ora segue, optou-se por não recensear temas de compositores extra coimbrãos, localmente aclimatados, mas que não são fados, servindo de exemplo espécimes do repertório de Reynaldo Varela. Nem todos os fados inventariados foram cantados em Coimbra. A este propósito podemos destacar temas interpretados ou registados fonograficamente por Manassés de Lacerda Botelho e António Menano, intérpretes generalistas que optaram por cantar composições em voga em Lisboa e no Porto, ou que as terão gravado por indicação das respectivas editoras. Os cantores activos em Coimbra ao longo do século XIX e anos iniciais do século XX eram generalistas, interpretando os temas mais em voga em Coimbra, de parceria com canções ligeiras que faziam sucesso nas tunas rurais e urbanas, nos actos de variedades dos teatros profissionais e amadores, nas filarmónicas e nas orquestras ligeiras que animavam casinos, hotéis e quiosques de jardim em domingos aprazíveis.
Um bom exemplo da prática de um repertório generalista e eclético é o de António Menano que no período conimbricense (1914-1923) foi actor amador nas variedades do Orfeon Académico, membro do naipe dos primeiros tenores do Orfeon e seu solista titular, profuso compositor amador, com um repertório impresso e fonográfico que abarca fados ao estilo Lisboa, canções brasileiras, peças do elenco do Orfeon Académico (umas populares, outras de autor), cançonetas de salão e de teatro, e um vasto repertório coimbrão (com estróficas, solo e refrão, cartas, lieder, duas partes musicais).
O rastreio fadístico que segue dá conta de Fados de comprovada proveniência não coimbrã, mas que vieram a ser localmente aclimatados, com eventuais modificações de título, de letra, de trechos melódicos, e até de fonética. Estes espécimes (ex: Fado dos Cegos, Fado dos Beijos) são os mais fáceis de identificar, pois o ADN fadístico permanece quase intacto. As origens mais referidas para estes fados são as cidades de Lisboa e do Porto, apoiadas em esquemas de circulação espontânea, como sejam a compra de partituras impressas, vendedores ambulantes, companhias de teatro ambulante, grupos profissionais de teatro que percorriam as principais cidades do país em digressões artísticas, mendigos e ceguinhos cantadores que animavam feiras e romarias, militares que circulavam entre quartéis, violeiros que percorriam as feiras e festividades religiosas com carroças apinhadas de instrumentos de corda, professores titulares das cadeiras de Música do Seminário de Coimbra e da Universidade de Coimbra, editores e fornecedores locais de partituras como o estabelecimento dos Lima de Macedo, os ensaiadores e regentes da Orquestra do Teatro Académico, os professores de instrumentos de corda que trabalhavam ao domicílio, os estudantes universitários nas suas idas e vindas, as prostitutas que por vezes se deslocavam de uma cidade para outra, as damas musicalmente instruídas que tendo piano de sala e organizando regularmente serões literário-musicais compravam brochuras de fados através de venda directa ou de encomenda postal.
Na época sobre a qual incide o nosso estudo, para se cantar ou compor fados em Coimbra, não era necessário ter nascido ou vivido em Lisboa. E para se cantarem ou comporem árias no estilo da CC não era necessário ter nascido ou vivido em Coimbra, conforme atestam as produções e repertórios fonográficos de Reynaldo Varela, António de Almeida Cruz, Avelino Baptista, ou o cantor com sotaque brasileiro Geraldo Magalhães (Fado, Fado dos Olhos Negros, 1905). O critério da “autenticidade” como genuíno produto local não era então um imperativo cultural. Tendência semelhante se vivia no âmbito da música erudita europeia romântica, com os compositores ingleses, franceses, polacos, austríacos e alemães, a assinarem peças à espanhola, à húngara, à islâmica. Algo de muito semelhante estava a atravessar o gosto dos encomendadores e projectistas de arquitectura do Período Romântico, com o ecletismo que passava tanto pelas sugerências neomanuelinas, neogóticas, neo-românicas, como pela estética islâmica. Os projectistas do Palácio da Pena (1840-1847), Rei D. Fernando de Saxe Coburgo e Von Eschwege não eram portugueses. Luigi Manini, autor do Hotel do Buçaco (1888-1907) era italiano. Dias da Silva, autor da Praça de Touros do Campo Pequeno (1892?) não era muçulmano. E o mesmo se dirá de Gustavo de Sousa, que riscou o projecto do Salão Árabe do Palácio da Bolsa do Porto (1862-1868).
Pertencem ao filão dos “fados-fados”, para utilizarmos com proveito a expressão lançada em 1978 por Afonso de Sousa, composições surgidas em Coimbra, inequivocamente fados em termos melo-rítmicos, de que é exemplo o Fado Corrido de Coimbra. Há depois uma panóplia de composições que não sendo fados em sentido estrito, ainda apresentam “cor” fadística, não pela forma como são cantados, mas porque tal “cor” está incorporada em determinadas células rítmicas. Podemos chamar-lhe proveitosamente canções fadográficas, servindo-nos de ilustração o Fado Serenata do Hylario, o Fado do Choupal (António Menano) ou o extemporâneo Fado do Fim (Paradela de Oliveira, quase todo o 1º verso de "Fui moço, passei, ficou").
Por fim, detectamos inúmeros espécimes, uns produzidos em Coimbra, outros importados e aclimatados, tradicional e vulgarmente rotulados de fados. Todavia, este terceiro segmento é preenchido por canções sentimentais, algumas plangenciais, cujo imoderada sentimentalidade e título (fado disto, fado daquilo) valem aquilo que valem: não são fados, não colhendo como argumento de autoridade a falácia de que foram acompanhados à guitarra ou designados de fados pelos respectivos autores.

Todos estes considerandos nos remetem, persistentemente, para a (re)interpelação de questões que de há muito eram tidas por consensuais. Pesquisa feita, dados interpretados, torna-se cada vez mais difícil corroborar a clássica teoria olissipocêntrica da origem e irradiação única do Fado.
Não necessariamente cantados com a expressividade e fonética lisboetas, nem sempre acompanhados à guitarra, os fados terão surgido um pouco por todo o território continental e insular desde finais do século XVIII (proposta de José Alberto Sardinha, em parte avançada no suplemento do Dicionário de História de Portugal). Frise-se que do ponto de vista da utilização mais recorrente de certos cordofones que acompanharam fados no século XIX, temos como certa a presença da Guitarra-Cítara em Lisboa. Porém, noutros territórios regionais, importa diversificar e matizar os dados. No caso dos Açores, particularmente Ilhas Terceira e São Miguel, o cordofone eleito para acompanhar fados cantados, instrumentais e dançados, era a Viola da Terra, com passagem da corda fina de Mi a Ré. Em Coimbra, oscilou-se entre a Guitarra Inglesa e a Viola Toeira, com claro predomínio da Viola Toeira até finais da década de 1860 (corda fina de Mi afinada em Ré).
No Minho e no Douro Litoral, os instrumentos fortes terão sido, e sem concorrência digna de nota, a Viola Braguesa ou Ramaldeira, e ainda a sua variante Viola Amarantina. Especificamente no caso da cidade do Porto, usou-se a Braguesa/Ramaldeira na afinação do Fado (Sol, Ré, Lá, Sol, Dó), em coexistência com a Guitarra Inglesa. Os violeiros e tocadores da cidade do Porto desenvolveram um modelo diferenciado de guitarra (=Guitarra do Porto), fruto da evolução da Guitarra Inglesa, ali utilizada para acampanhar fados cantados e solar variações instrumentais sobre trechos de fados, entrando também em funções musicais ligadas a teatros, bailes, cafés, praias em época de veraneio (Apúlia, Póvoa de Varzim, Granja, Espinho, Leça da Palmeira), termas (Caldas de Vizela, Pedras Salgadas), e serões culturais (salões, assembleias).
No Porto, a guitarra nunca se circunscreveu apenas ao universo musical do Fado. No século XVIII, a Guitarra Inglesa surge associada à música de salão, interpretando minuetos, sonatas, rondós, modinhas, cotilhões, solos ingleses e gigas. Pelas décadas de 1860-1870, a “Casa Mesquita. Casa Editora de Muzicas e Armazém de Pianos”, sita da Rua de Sá da Bandeira, 194-196, editava regularmente a gazeta musical “O Guitarrista Moderno. Collecção de peças escolhidas para Guitarra e Violão”, ao preço de 200 réis. A série editada ultrapassou os 253 números, contendo polcas, mazurcas, trechos da Norma (Bellini, 1831), escocesas, partes de O Trovador (1853) e da Traviata (1853) de Giuseppe Verdi, valsas de Strauss, Lanner e Labitzki, apontamentos de A Filha do Regimento (Donizetti, 1840). Alguns dos arranjos e composições presentes na referida colecção impressa eram da lavra de F. Hidalgo, como a Modinha “Lisongeira Doce Esperança”.
Nos meios rurais, onde o fado era cantado e dançado, ocorriam as violas de arame, e com elas rabecas, bandolins, violões e cavaquinhos. Os espaços mais frequentes de práticas fadísticas eram os bordéis de Lisboa, as tabernas portuárias de Lisboa, Porto e Figueira da Foz, as tascas de Coimbra, as casas de meretrizes licenciadas em Coimbra e porventura noutras cidades pois o fado narrativo prestava-se a cantar/contar histórias de vidas, as matanças do porco, as desfolhadas rurais, as Fogueiras de São João de Coimbra, as cantorias de feira e de rua onde mendigos e aleijados choravam em modo menor narradas ciumeiras, facadas, tísicas e outras misérias.
Mal conhecido, do ponto de vista da sua implantação provincial, o Fado tem vindo a merecer incursões pioneiras como a de Paulo Lima sobre a presença e papel deste género literário-musical nos meios operários alentejanos na passagem do século XIX para o século XX (Cf. “O Fado Operário no Alentejo. Séculos XIX-XX. O contexto do profanista Manuel José Santinhos”, Vila Verde, Tradisom, 2004).
Também em Coimbra, o Fado, nos estilos Corrido e Menor, foi adoptado pelo líder espiritual do operariado local, Adelino Veiga (1848-1887), nas décadas de 1860-1870-1880, como símbolo da ilustração cultural de classe, e meio de expressão e de transformação social. Operário, actor amador, poeta, autor de peças teatrais, compositor amador, ensaiador do Rancho do Largo do Romal, defensor do ideário republicano e socialista, Veiga escreveu especificamente décimas para serem cantadas em fados como o corrido e em melodias no tom menor como o Fado do Conde de Anadia eo Fado do Leça. Veja-se, do autor referido, “A Guitarra de Almaviva. Colecção de cantigas populares”, Coimbra, Imprensa Literária, 1876, com redição “A Guitarra de Almaviva. Canções da plebe. Colecção de fados e últimos sons”, 2º edição, Porto, Typographia Occidental, 1882, bem como “A Lyra do trabalho”, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885. Adelino Veiga conhecia o Fado, não por ter vivido em Lisboa, mas porque desde a sua juventude o ouvira cantar regularmente nas Fogueiras de São João do Largo do Romal (com coreografia e mandador), no Café da Alexandrina (depois Carocha e Obrigadinho), à Praça Velha, onde reunia habitualmente o pequeno operariado da Baixa de Coimbra à entrada da década de 1860, nos grupos de teatro amador dinamizados localmente por Veiga entre 1860-1887, e no período em que trabalhou no Porto como elemento da companhia da actriz Emília Eduarda.
Um pouco na tradição de Adelino Veiga, destacou-se entre Aveiro, Anadia, Bairrada e Coimbra, o famoso “Poeta Cavador”, Manuel Alves (1843-1901). Alves, além de letrista improvisador, cantava fado, tendo sido largamente acompanhado por um guitarrista de Vale de Boi, Anadia, de nome Manuel Martins da Costa. Em Coimbra, a tradição fadística à maneira de Adelino Veiga e Manuel Alves, foi continuada no século XX, pelo menos até à década de 1930, pelos Irmãos Caetanos, Francisco, José e Alberto. Aliás, das gravações de Francisco Caetano consta um antiquíssimo fado corrido em ré menor, onde se narram trechos da história de um preso do Limoeiro condenado à morte.
O Fado também tinha lugar no repertório de tunas, filarmónicas e orquestras ligeiras. Nesta vertente, foram longamente tocados em Coimbra corridos, à entrada do século XX, pela banda filarmónica do exército que aos domingos animava o Parque Municipal Manuel Braga, pela Tuna Académica e pelas formações ligeiras populares ligadas ao teatro amador.
Nas décadas de 1940-1950, a orquestra ligeira de Manuel Elyseu, filho do compositor José das Neves Eliseu, assegurava bailes de gala, hotéis, restaurantes e récitas de despedida de estudantes no Teatro Avenida. Manuel Eliseu praticava um repertório eclético baseado em harmonizações de serenatas de compositores clássicos, viras, malhões, temas das Fogueiras de São João ao tempo regularmente interpretadas pelo Rancho das Tricanas de Coimbra, fados corridos, tangos, corridinhos, bailaricos, fandangos, sambas, valsas, polcas, slows, fox-trots. A formação liderada por Manuel Eliseu tinha músicos de grande craveira, ligados à banda militar de Coimbra, como João de Oliveira Anjo e o 1º sargento Júlio Fernandes. O número de maior sucesso da orquestra era sempre uma rapsódia constituída por danças populares que geralmente passava pelo samba e pelo fado corrido. João de Oliveira Anjo realizou um serão musical numa pensão da Praia de Mira em 31 de Agosto de 2002, onde actuaram José dos Santos Paulo (voz e guitarra), António Ralha (guitarra), Manuel Dourado (viola) e João Anjo (clarinete). As peças foram sendo interpretadas espontaneamente, mas João Anjo não se ficou pelo repertório estrito da CC, tendo abordado as Fogueiras de São João (Marinheiro, Balancé), fados gravados por Amália Rodrigues e números cómicos preenchidos com anedotas e imitação no clarinete de cantadeiras esganiçadas.
Termina aqui a apresentação das linhas de força que orientaram a elaboração desta unidade. Julgamos que, balanço feito, este exercício possibilitará uma melhor distrinça entre dois universos interpenetrantes, mas distintos: Fados feitos em Coimbra, para serem interpretados em Coimbra, e Fados importados para serem reproduzidos em Coimbra, não devem confundir-se com temas tradicionalmente designados em Coimbra como fados.
Outra opção consistiu em não incluir nesta lista, por dificuldades e lacunas da recolha, os fados instrumentais tocados em Coimbra no piano, na Viola Toeira e na Guitarra. Diversos foram gravados, sendo dificílimo aceder às matrizes originais. Podemos referir, a título de amostragem, as Variações Sobre o Fado da Figueira da Foz, presentes no álbum de João António Ribas (“Álbum de Musicas Nacionaes Portuguezas, por João António Ribas”, Porto, Casa Villa Nova, 1858), o chamado Fado Menano (da autoria de Francisco Menano, aclimatado em Lisboa com o título de FADO FALADO por Vilaret), o original Fado João de Deus que por via dos guitarristas portuenses Joaquim Cavalheiro, José Nunes e Barbeirinho, foi transformado em variações ao estilo de Lisboa com esquecimento da origem conimbricense, ou as Variações em Lá Menor (Francisco Menano) e Variações em Lá Maior (Albano de Noronha), gravadas ao estilo Lisboa pelo Eng Fernando Pinto Coelho (EP A Guitarra de Fernando Pinto Coelho, Porto, FF 0023-A, década de 1960). Outra vertente da recolha incidiu sobre os Fados Batidos, esquecidos na Alta de Coimbra, mas ainda omnipresentes nas recolhas de quase todos os grupos folclóricos do Concelho de Coimbra e de outros municípios da Beira Litoral (Penacova, Soure, Montemor, Cantanhede, Figueira da Foz). Estes fados, de tipo corrido, além do canto à desgarrada, incluem pares de dança e mandador. Dado que o trabalho de recolha não se achava satisfatoriamente completo, optamos pela sua não inclusão no inventário, sendo certo que um trablho criterioso de reconstituição/divulgação não pode de forma alguma esquecê-los.
Não obstante as lacunas da amostragem, os espécimes recolhidos são mais do que suficientes para sustentarem um vasto trabalho de reconstituição, o qual deve considerar a época e a tocata então utilizada. Por estranho que possa parecer não existe a menor coincidência entre a presente recolha e as 12 composições novecentistas seleccionadas para figurarem no Disco Nº7 da série “O Fado do Público. Fados e Balada de Coimbra”, editado em Julho de 2004.

-Fado do Marujo (Triste vida a do marujo): moda assinalada no século XIX por Teófilo Braga, Adelino das Neves e Melo e César das Neves, considerada o mais antigo “fado” existente em Portugal pela tradição oral lisboeta. Também designado por Fado do Marinheiro, já se encontrava popularizado em meados do século XIX em Lisboa, Coimbra, Porto, Açores. A versão coimbrã, em compasso 6/8 e tom de Lá Menor (?), com o seu famoso remate PASSA TORMENTOS/DOM-DOM, parece remontar aos séculos XVI-XVII pois foge ao sistema tonal. A variante cantada nos Açores, Ilha das Flores, Faial e Pico, é anterior a 1900 (Cf. Júlio Andrade, “Bailhos, rodas e cantorias. Subsídios para o registo do folclore das Ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo”, Horta, 1960, págs. 337-339; idem, recolhas do Padre José Luiz Fraga). Reconstituição de qualidade pelo Grupo Folclórico de Coimbra, a partir de Neves e Melo, no CD “Cantares de Coimbra”, Coimbra, GFC-01, ano de 1999, faixa nº 10, com vozes, rabeca, cavaquinho, bandolim, violão e guitarra de Coimbra por Jorge Gomes.
-Fado do Marujinho (Ai lé, ai lé, ai lé): conhecido em diversos pontos do país pelas designações de Cantilena do Marujinho e Cantiga de Levantar Ferro. Remontará a finais do século XVIII ou inícios do século XIX. Recolhas da solfa por oitocentos em Adelino das Neves e Melo, “Musicas e canções populares colligidas da tradição”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1872, César das Neves, com registo de letra no Cancioneiro de Teófilo Braga. Era uma das modas mais populares em Coimbra na década de 1860, cabendo então na rotulagem genéria daquilo que localmente se chamava “FADO”, conforme atesta a recolha letrística de Teófilo Braga em 1867 (Cf. Teófilo Braga, “Cancioneiro Popular”, Tomo I, 2ª edição, Lisboa, J. Rodrigues & Ca., 1911, págs. 519-527). Espécime em compasso binário simples, silábico, no tom de Fá Maior.
-Fado da Severa (Chorai fadistas, chorai): fado plangencial surgido em Lisboa por volta de 1847, nos anos que se seguiram à morte da fadista Maria Severa. Segundo a tradição oral lisboeta, anotada em 1903 por Pinto de Carvalho, o seu autor teria sido o fadista Sousa Casacão. Para o jornalista Alberto Pimentel, o verdadeiro autor de Fado da Severa seria Sales Patuscão, moço de forcado e fadista da intimidade do Conde de Vimioso. Conheceu grande voga em Coimbra, nas vozes populares e académicas, entre 1847 e 1910, primeiramente na viola toeira e mais tarde na guitarra. Ainda era tocado nos alvores do século XX, conforme atesta o antigo estudante de Direito Diamantino Calisto nas suas “Memórias de Antanho”, pelo guitarrista Carlos Manuel Pires de Lima da Fonseca (ca. 1884-1958). Com a melodia lisboeta, os estudantes de Coimbra interpretavam uma letra em oito quadras, presente na recolha de Teófilo Braga. Solfa presente em Alberto Pimentel e César das Neves, em compasso binário simples (2/4), num Lá Menor melancólico. Nas antigas tascas portuenses, como a do Pepino, onde Camilo esturdiou pelas décadas de 1840-1850, havia quem lhe chamasse apenas “Tenho vida amargurada”, ponteando-o na guitarra e na viola Ramaldeira. Versão portuense, no CD “Fado do Porto recuperado pelo Rancho Folclórico do Porto”, DCD 1051, Porto, Fortes & Rangel, Lda., ano de 2000, faixa nº 2, com bandolim, cavaquinho, violão, viola Ramaldeira (=Braguesa). Em algumas recolhas, o Fado da Severa apresenta duas partes musicais, “anomalia” que levou Frederico de Freitas a escrever que a 1ª seria a mais antiga, porventura da lavra da própria Severa, anterior a 1846, sendo a 2ª parte um encaixe post mortem (solfa publicada em Júlio Sousa e Costa, “Severa”, 1939; idem, Frederico de Freitas, “O Fado, canção da Cidade de Lisboa”, Colóquio Sobre Música Popular Portuguesa. Comunicações e Conclusões, Lisboa, INATEL, 1984, págs. 17-18). Também perfilhamos esta interpretação, relembrando que a este tipo de melodias chamavam os fadistas “fado em dois tons” ou “fado de dois tons”. A versão literária de Coimbra parece ter sido feita em 1847, um ano após o falecimento de Maria Severa, servindo-lhe de melodia a solfa editada por César das Neves.
-Fado da Figueira da Foz (Roubei-te beijos, não digas a ninguém): também designado por “Fado Rigoroso da Figueira da Foz”, a solfa deste fado correu nas recolhas impressas de João Ribas, César das Neves, Eduardo da Fonseca, Sassetti, constando nos elencos de Tinop e Alberto Pimentel. A letra que nos chegou não é seguramente a primitiva, pois está assinada pelo antigo estudante de Direito Luís Osório Pereira de Castro (1860-1890). A versão impressa em César das Neves, corresponde à que estava vulgarizada em Coimbra na época dos cultores Jaime de Abreu e Augusto Hilário. Na mais antiga recolha conhecida, levada a cabo por João António Ribas na década de 1850, aparece já com a nomenclatura de “rigoroso”, só em versão instrumental e com variações para ser tocado no piano em ritmo de lundum. Este fado corrido singelo apresenta compasso binário e tom de Ré Menor, sendo dos mais antigos de que há registo. Já era cantado em Coimbra pelos estudantes na década de 1840, a ele se referindo expressamente o antigo estudante Arnaldo Gama. É também conhecido na Costa de Lavos, Figueira da Foz, em versão mais extensa. Admitimos que remonte a finais do século XVIII ou aos primeiros anos do século XIX, não se podendo considerar obra importada de Lisboa.
-Às Estrelas (Lindas, mimosas safiras): embora recolhido em 1890 e rotulado de “nocturno”, isto é, de serenata, este espécime é na verdade um autêntico fado corrido constituído por duas partes musicais. A solfa impressa em César das Neves está em compasso binário e tom de Sol Maior. A primeira parte, destinada a voz solo, é bastante antiga, podendo datar-se de cerca 1847-1850, com letra do estudante de Direito, poeta e colaborador do ultra-romântico Novo Trovador, Augusto Lima. A segunda parte, que atribuímos a Augusto Hilário, pode ser cantada em coro, e contém a base do Fado Antigo presente na gravação de José Paradela de Oliveira (Saudades d’amor, quem há-de). A segunda parte da letra é da autoria de J. Carneiro.
-Queres a Flor (Em má hora, anjo perdido): canção afadistada, popularizada nas vozes dos cegos e mendigos, pela década de 1850, conhecida ambém por “Canção do Porto”. Foi composta na cidade do Porto. Data de 1850, sendo a letra de Camilo Castelo Branco. Foi cantada em Coimbra nas décadas de 1850-1860 nas vozes e violas de arame das prostitutas, cantadores de feira e estudantes. Solfa presente na recolha oitocentista de César das Neves. Em recolhas efectuadas por uma equipa da RTP em 2002, foi cantada por um idoso da Ilha do Corvo, Açores. Melodia em compasso ternário (3/4), num lamentoso Ré Menor. Esta moda estava muito divulgada junto de tunas e ensaidores de teatros populares amadores nas ilhas centrais e ocidentais dos Açores desde a 2ª metade do século XIX, onde era conhecida por “Saudade” e “As Quatro Flores” (Ilha do Pico, Freguesia de São Jão Baptista, anos de 1919-1922). Ouça-se o CD “Povo que canta. Recolhas etnográficas num Portugal desconhecido. 2000-2003”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho 7243 5 93529 23, ano de 2003, faixa nº 6, relativa a à recolha de Vila Nova do Corvo (não confundir esta canção com a nativa modinha setecentista “Saudade”). Aparece expressamente referida nas memórias do antigo estudante de Direito, serenateiro e tocador de Viola Toeira, Antão de Vasconcelos que a aprendeu em Coimbra com uma prostitura chamada Maria da Esperança.
-Fado de Anadia (Alecrim é o rei das ervas): composição surgida em Lisboa, da autoria do guitarrista José Maria dos Cavalinhos, que a fez em 1862, como homenagem ao Conde de Anadia. Em modo menor, é um dos raríssimos fados lisboetas oitocentistas “escrito” em compasso quaternário. Vem referido nas listas de Tinop e Alberto Pimentel, constando a solfa impressa em César das Neves (letra em décimas) e nos Cantos Populares da Sassetti. Este tema foi cantado em Coimbra pelo menos até à entrada da década de 1930, altura em que se destacou como seu intérprete Lucena Sampaio. A solfa utilizada na nossa recolha é a de César das Neves. Muito popular em Lisboa, Porto e Coimbra, o Fado Anadia, ou Fado do Conde de Anadia, foi gravado por nomes sonantes do século XX como Armandinho e Maria Teresa de Noronha.
-Serenata à Morena (Eu não tenho onde me acoite): solfa em compasso binário e tom de Sol Maior, com movimento algo sincopado, presente nas recolhas de César das Neves. O recolector subintitula esta composição de “fado”, informando que o recolheu em 1870 numa noitada de guitarradas por estudantes na Praia da Granja. O autor da letra foi o estudante de Direito, mais tarde Conde de Monsaraz, D. António de Macedo Papança, formado em 1876.
-Fado da República (O Trindade bota artigos): fado em décimas, com letra chocarreira, composto pelo estudante Eduardo Carvalho, para servir de hino oficial à República de Trindade Coelho, na primeira metade da década de 1880. Apenas conhecemos a letra, registada no “In illo tempore”, de Trindade Coelho.
-Canção das Morenas (Se um dia, morena, desses): fado, de autor desconhecido, incoprporado nas recolhas de César das Neves, por via datranscrição feita em Avanca pelo Dr. Manuel Corte Real. Conhecido em Coimbra na década de 1890, e possivelmente cantado por Hilário, traz subtítulo de “fado”. A melodia, em compasso binário simples, está no tom de Mi Bemol Maior, com ritmo sincopado.
-Rosa Tyranna (Que é das tuas falas doces): composição binária, muito sentimental, podendo considerar-se afadistada, mas não fado, oriunda da cidade do Porto, onde surgiu pelos alvores da década de 1880 ou mesmo antes. A solfa encontra-se nas recolhas de César das Neves que assinalou este tema em vozes femininas na Praia de Leça da Palmeira por 1887. Rosa era uma canastreira do antigo Mercado do Bolhão, assassinada pelo ciumento namorado. Foi uma cantigas mais populares em todas as províncias, tabernas onde havia petiscos e cantores, teatrinhos ambulantes, mendigos cantadores, vozes da emigração no Brasil, serões burgueses com pianadas e versos, e bimbalhamento nos sinos da Igreja de Cedofeita (Porto). Amália Rodrigues também gravou este tema num disco dedicado a velhas canções populares. O autor, cujo nome se perdeu, seria um sapateiro e compositor amador activo nas ruas circundantes da Igreja dos Clérigos. Rosa Tyranna conheceu enorme popularidade em Coimbra, ao ponto de com esta melodia Antero da Veiga abrir uma rapsódia dedicada a motivos tradicionais de Coimbra. Gravação no CD Fado do Porto recuperado pelo Rancho Folclórico do Porto, Porto, Fortes & Rangel, DCD 1051, ano de 2000, faixa nº 7.
-Fado Sepúlveda (Dizem que amar é viver): melodia original de Júlio César Afonso Sepúlveda, funcionário da Alfândega de Lisboa e cantador de fados. A ária original deve ter sido composta por volta de 1899/1900, pois em 1903 Pinto de Carvalho (Tinop) rotula-a de recente. Ignora-se quem procedeu à transladação do tema para Coimbra e respectiva transformação literário-musical. A versão coimbrã foi gravada em 1927 pelo cantor-guitarrista Lucas Junot. Na versão original, Fado Sepúlveda é contituído por duas partes musicais e seis quadras. A versão lisboeta foi gravada em disco 78 rpm, provavelmente no Rio de Janeiro, entre 1904-1906, pelo actor-cantor António de Almeida Cruz (Columbia Record, B-89/11870-1-2). Da análise da letra primitiva se infere que este fado se destinaria a ser cantado nas serenatas dadas em Lisboa entre finais do século XIX e inícios do século XX (=rondas).
-Fado em Dó: peça instrumental para guitarra, em compasso quaternário e modo maior (Dó Maior). Durante longas décadas, os guitarristas de Coimbra ignoraram a autoria desta peça que faziam atribuir ao guitarrista-barbeiro Flávio Rodrigues da Silva. O tema original foi gravado na década de 1920 pelo advogado Ricardo Branco Borges de Sousa (guitarra), acompanhado em violão por Eduardo Dally Alves de Sá (Columbia, J 788/P-149). Ora, nesta gravação, que é cronologicamente a primeira, Borges de Sousa faz constar da respectiva ficha técnica que é ele o autor da peça (variações do Dr. R. B. de Sousa). Borges de Sousa terá composto estas variações, claramente inspiradas num trecho lisboeta, quando estudante da Faculdade de Direito da UC (1896-1899). Foi tocado entre a década de 1890 e inícios da década de 1950 por Manuel Mansilha, Ricardo Borges de Sousa, Francisco Paulo Menano, Adozindo da Providência e Flávio Rodrigues. Gravado 1953 por António Brojo, com o título de Variações Sobre o Fado em Dó (Disco Melodia, 15.097/229), apresenta alterações em relação à primitiva matriz, alterações essas que foram recebidas por via de Flávio Rodrigues. Cerca de 7 anos mais tarde, António Portugal apresentou em disco uma outra variante deste tema, invocando de novo Flávio Rodrigues.
-Fado dos Cegos (Sou ceguinho de nascença): espécime gravado em 1927 pelo barítono Armando do Carmo Goes, arranjos de Albano de Noronha, primeira guitarra por Albano de Noronha e segunda guitarra a cargo de Afonso de Sousa (Disco His Masters Voice EQ-139). Trata-se de um fado de Lisboa, criado em 1910 para a opereta O Fado. Foram autores da letra João Bastos e Bento Faria, e da música o maestro Filipe Duarte. A estreia ocorreu no Teatro Apolo, em 27 de Novembro de 1910, tendo cantado o dito fado Zulmira Miranda (1894-1977). A letra original compreendia seis quadras, de invocação feminina, dado que o título era Fado da Ceguinha. Armando Goes não especifica na ficha técnica do seu disco quem o é autor, e muito menos que o verdadeiro autor dos arranjos de acompanhamento foi Albano de Noronha. Fado da Ceguinha era bem conhecido em Coimbra. António Menano também o gravou, embora o tenha dado por popular (gravações de Lisboa, Odeon 136.817 Og 653). Fado também muito popularizado na Ilha do Faial, Açores, no primeiro quartel do século XX, onde as mães o cantarolavam como embalo (cf. Júlio Andrade, “Bailhos, rodas e cantorias”, Horta, 1960). Não confundir esta composição com outra do século XIX, conhecida em todo o país por Fado dos Cegos/ou Canto do Suicida, arrolada em Tinop e Alberto Pimentel, nem com o antigo Fado da Cega referido por Tinop.
-Fado Liró: fado da autoria de Nicolino Milano. Este fado foi criado em 1905 e estreado na opereta Entre Mulheres, levada à cena no Teatro dos Condes, Lisboa. Versão instrumental gravada em 1929 por Afonso de Sousa como solista de guitarra de 17 trastos, acompanhado em violão de cordas de aço por Laurénio da Silva Tavares (Disco Columbia, J 895/P-444). O Fado Liró foi estreado pela TAUC em 1925, e foi na TAUC que Afonso de Sousa o aprendeu, na qualidade de executante de violão. Fado Liró, da autoria de Nicolino Milano, não deve confundir-se com Fadinho Liró, o último de finais do século XIX, composto pelo funchalense e professor do Conservatório de Lisboa Jerónimo de Sousa Baía (1861-1931), também autor de Fado da Brisa. Este fado tinha uma extensa letra (Guitarra, guitarra geme) composta por 20 sextilhas que se cantavam solando e bisando cada três versos, que encontramos num translado manuscrito de 1922, relativo a ensaios de um grupo teatral amador da Freguesia de São João da Ilha do Pico. Há um outro Fado Liró, estreado na revista teatral ABC, impresso na brochura Canções Portuguezas. 1ª Série Completa, Lisboa, Neupath & Carneiro, sem data (ca. 1921, com capa ilustrada por Cervantes de Haro, mostrando duas minhotas e um tocador de viola). Neste caso a letra começa com "Guitarra, guitarra amiga", não se mencionando quaisquer autorias na solfa.
-Fado Corrido de Coimbra (Coimbra, Rio Mondego): fado corrido em compasso quaternário, gravado primeiramente por Lucas Junot em 1927 no disco Columbia 8104, P 196. A partir de finais da década de 1950 conheceu grande voga nas vozes de Casimiro Ferreira, António Bernardino, José Miguel Baptista, Manuel Vaz Craveiro e Fernando Machado Soares. Este fado costuma ser interpretado com quadras desligadas, via de regra exaltando as belezas de Coimbra. Quer o compasso (4/4), quer as coplas soltas, próprias para descantes, indiciam que não será anterior a 1900. Nele se popularizou a célebre quadra do poeta Armando Cortes Rodrigues, "Coimbra, terra de encanto" que nos últimos 40 anos passou a ser rotulada de "popular".
-Fado Corrido (Mataram-me o coração): música considerada popular, proveniente do século XIX, letra do poeta-operário Adelino Veiga. Fado gravado por Francisco Caetano em 1928, no disco Odeon 136.337, Og 717, acompanhado por seus irmãos Alberto e José Caetano.
-Fado em Ré Menor (Ó preso tu vais morrer): fado corrido em Ré Menor, com música de autor desconhecido e letra de autor não identificado, gravado pelo cantor popular de Coimbra Francisco Caetano, no disco Odeon 136.333, Og 709, no ano de 1928. As quadras tentam narrar a história de um preso, presume-se que do Limoeiro, que se lamenta antes da execução. Temos que esta composição é anterior à abolição da pena de morte em Portugal, remontando pelo menos às décadas de 1830-1840.
-Coração Morto (Esta noite sonhei eu): fado menor em décimas, com letra de Adelino Veiga e música de Francisco Caetano, feita por volta de 1921-1922. Gravação por Francisco Caetano no disco Columbia 8130, P 312, de 1928. Nesta gravação, Francisco Caetano pranteia a morte da mãe.
-Fado de Mário Gayo (Chamaste-me tua vida): fado corrido convencional em Ré Menor, editado em Coimbra no ano de 1912 pela Litografia Correia Cardoso. Este fado foi muito popular em Coimbra, constituindo a parte final das Variações em Ré Menor Nº 1 de Artur Paredes (gravação de 1927).
-Fado dos Beijos (Se tu quisesses ser minha): composição da década de 1930, do repertório Armando Goes. Armando Goes efectuou um primeiro trabalho de adaptação sobre a melodia original que se julga ser do fadista Joaquim Campos, mas a versão que conhecemos é resultado de um arranjo de Luiz Goes. Fado gravado por Luiz Goes em 1967 no LP Coimbra de Ontem e de Hoje (Valentim de Carvalho), e depois retomado por outros cantores.
-Fado Maria Vitória (Em má hora nasci): letra popular, música de Alves Coelho. Gravado por António Menano em duas matrizes de 78 rotações (Lisboa, Odeon 136.816 Og 695). António Menano não interpreta a letra original, da autoria de Pereira Coelho. Canta, mas por ordem inversa das quadras, a mesma letra que gravou no tema A Maior Dor (Paulo de Sá). A cantadeira Maria Vitória gravou duas variantes deste tema, respectivamente Fado Maria Victória nº 1 e Fado Maria Victória nº 2 (Odeon, A 136165 e A 136170). A versão registada por António Menano parece corresponder ao Fado Maria Victória nº 1, também popularizado com o título Fado do Desânimo.
-Fado Hespanhol (Gosto de cantar o fado): fado gravado por António Menano (Paris, Odeon 136.809 Og 576, Maio de 1927; idem, Berlim, Odeon LA 187.815 Og 1014). A letra interpretada por António Menano tem uma 1ª quadra de Alberto da Veiga Simões, sendo a 2ª de Eugénio Sanches da Gama. Ignora-se quem foi o autor da música deste fado. Anteriormente à gravação discográfica, António Menano comercializara este tema em partitura. Armando do Carmo Goes também gravou Fado Hespanhol no disco His Masters Voice EQ 170, 7-62224, ano de 1928, acompanhado por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Deixa-me olhar os teus olhos). É ainda conhecida uma outra gravação, concretizada pela mezzo-soprano D. Luiza Baharem (Columbia, 1032-X/P.145). Nos três casos referidos, a letra cantada difere. Com o mesmo fundo musical e o título adulterado para Fado Antigo (Eu passo noites inteiras), foi gravado em 1965 por Fernando Gomes Alves no EP OFIR, AM 4.068, com Eduardo de Melo, Ernesto de Melo e Durval Moreirinhas.
-Fado dos Dois Tons (Ser mutilado é ter jus): letra e música de autores desconhecidos. Gravado por António Menano em Berlim, acompanhado pelos instrumentistas de Lisboa João Fernandes e Mário Marques (Odeon, LA 187.807). Como o título e letra indicam, este fado pretende ser uma homenagem aos mutilados que participaram na Primeira Grande Guerra.
-Carta das Trincheiras (Vida do meu coração): letra de autor desconhecido e música do fadista Alfredo Duarte Marceneiro. Gravado por António Menano em Berlim, no ano de 1928 (ODEON, LA 187.806/OG 1015). Esta melodia é conhecida nos meios fadísticos lisboetas por Marcha do Alfredo Marceneiro ou Marcha do Tio Alfredo. Refere-se à Primeira Grande Guerra.
-Fado Flanklin (Não me queres, não admira): letra de autor não identificado, música de Franklin Gomes Godinho. Gravado por António Menano em Berlim, no ano de 1928 (ODEON, LA, 187.808/OG 1020). Em Lisboa existem dois temas com este título, respectivamente Fado Franklin nº 1 e Fado Franklin nº 2. A gravação de António Menano corresponde ao nº 1. A letra alude aos mutilados da Primeira Grande Guerra.
-O Mais Triste Fado (Eu tive uma paixão querida): letra de Fernando Teles, música do guitarrista lisboeta Armandinho. Gravado por António Menano em Lisboa, no ano de 1929, acompanhado por Armandinho e Georgino de Sousa (Odeon AA174.813 xxOg 1091).
-Fado Antigo (Maria, minha Maria): fado oitocentista, popular na Beira Litoral e possivelmente em Fornos de Algodres, pois temos boas razões para crer que terá sido trazido para os meios académicos por Francisco Menano. Algumas das quadras são idênticas às utilizadas no Fado Carmona. Gravado por António Menano em Lisboa, 1928, no Odeon 136. 818, Og 671.
-Fado Triste (Minha mãe é pobrezinha=FADO DA MINHA MÃE): música de Alexandre Rezende, letra popular, cujo título original era Fado da Minha Mãe. António Menano efectuou dois registos deste fado no ano de 1928, um em Lisboa, outro em Berlim, dando-o sempre como "popular". Na gravação de Lisboa, Menano interpreta três quadras, e na de Berlim apenas duas. Do ponto de vista musical, Fado Triste é um fado tipicamente lisboeta (fado menor). Com títulos muito semelhantes pululavam no primeiro quartel do século XX diversos “tristes”, entre eles: Fado Triste, de Cândido Pedro Viterbo; Triste Fado (Oh! Pálidas madrugadas), de Júlio Silva; Fado Triste (Os sinos daquela torre), de Carvalho de Oliveira; Fado Triste (Eu tive um só amor na terra), de Alexandre Resende; Fado Triste (Envolto nos teus cabelos), do repertório Manassés de Lacerda; Triste (Ai daqueles que só amam), de Fortunato Roma da Fonseca, gravado por Lucas Junot; Fado Triste, de Alfredo Santos, gravado ao despique por António Menano, Joaquim Campos e Maria Alice; Canção Triste de Coimbra (Dizem sempre que é o mais triste), de João Pinto Magalhães, gravada em 1928 pelo tenor Francisco Caetano (Odeon, 136.334, Og 710). Este fado também foi gravado pelo cantor José Dias, em 1928, no His Master’s Voice E. Q. 150.
-Fado Triste: letra de autor não identificado, música de Alfredo Santos. Gravado em modo de desgarrada por António Menano, Joaquim Campos e Maria Alice.
-À Desgarrada (Há no coração de um homem): Desgarrada no fado menor de Lisboa, gravada por António Menano, Ercília Costa e Joaquim Campos no ano de 1929 (?). Acompanhamento pelo guitarrista Armandinho (Lisboa, Odeon 174.812 xxOg 1087).
-Fases do Amor e da Lua (O amor é como a lua): letra e música de autores desconhecidos. Gravado por António Menano em dois registos (Paris, 1927, e Berlim, 1928). Mais ou menos na data do 1º registo fonográfico, este espécime foi publicado em partitura com a chancela da casa Sassetti. A partitura indica “Fado por António Menano”, sugerindo que o autor do tema é o próprio António Menano. Existem diferenças entre a letra da partitura Sassetti e a presente nas gravações discográficas. Este fado foi muito cantado no Verão de 1925, aquando da digressão da Tuna Académica ao Brasil, na voz de Mário Delgado (Cf. Câmara Leite, “Estudantes de Coimbra no Brasil, Coimbra, Coimbra Editora, 1926, pág. XV do anexo), havendo diferenças entre a letra conhecida em 1925 e a gravada por António Menano. Retomado posteriormente pelo cantor Manuel Branquinho.
-Fado Corrido: fado gravado por Manassés de Lacerda no 78 rotações Beka 7318, por 1904-1905. Cremos tratar-se do mesmo tema que foi regravado ainda na primeira década do século XX pelo cantor Avelino Baptista, na interpretação da letra de Antero de Quental, colhida na Serenata Açoriana.
-Fado Corrido nº 1 (Meu doce fado és tão triste): gravado por Manasses, por 1905, no 78 rpm Gramophone 62139. A solfa veio editada nas brochuras das casas portuenses Artur Barbedo e Moreira de Sá.
-Fado Corrido nº 2 (Amor é sonho que mata): gravado por Manassés de Lacerda, em 1905, no 78 rpm Gramophone 62140. Solfa editada nas brochuras das casas portuenses de Artur Barbedo e Moreira de Sá. Editado em Portugal e no Brasil, em 1916, numa brochura de publicidade ao vinho Quinado Constantino.
-Fado Mouraria nº 1: fado gravado por Manassés de Lacerda no 78 rpm Gramophone 62141. A gravação ocorreu no Porto, pelo ano de 1905.
-Fado Mouraria nº 2: gravado por Manassés de Lacerda no 78 rpm Gramophone 62142. A gravação ocorreu no Porto, por 1905, revelando a enorme popularidade que o Fado gozava naquela cidade.
-Fado do Porto: fado em compasso binário e tom de Ré Maior, de autor desconhecido, gravado por Manassés de Lacerda, no Porto, em 1904 ou 1905. Solfa impressa nas brochuras das casas portuenses de Artur Barbedo e Moreira de Sá (1914). Edição portuguesa e brasileira na brochura publicitária ao vinho Quinado Constantino “Álbum Constantino”, Porto, Constantino de Almeida, 1916.
-Talvez te escreva (Talves te escreva se as saudades): canção afadistada, presente no repertório impresso de Manassés de Lacerda. Foi estreada em Lisboa, no ano de 1904, na peça teatral Nicles, assinada por Eduardo Lucci.
-Fado da Fadistice (Comecei de tenra idade): adaptação musical de Alexandre Rezende sobre o fado corrido, letra de autor não identificado. Vocalizado por Alexandre Resende, no disco Parlaphon, B.33501-I, Germany Carl Lindstrom, AG, W98078. Guitarras de Alexandre Rezende e José Parente. Violão: Campos Costa. Alexandre Rezende terá efectuado as suas gravações no segundo semestre de 1929, pois a revista Ilustração, nº 100, Ano 5º, de 16 de Fevereiro de 1930, retrata-o, acrescentando que “acaba” de gravar discos.
-Fado de Lisboa (Morena da cor do trigo): arranjo musical de Alexandre Rezende sobre motivos lisboetas. Letra de Alexandre Rezende. Vocalizado por Alexandre Rezende no disco Parlaphon, B.33501-II, Germany Carl Lindstrom, AG, W98058. Guitarras: Alexandre Rezende e José Parente. Violão: Campos Costa.
-Jorge e Juliana (Minha mãe, lá vem o Jorge): fado menor, possivelmente muito próximo dos primitivos fados narrativos de finais do século XVIII e primeiros anos de oitocentos. A letra como que se confunde com os velhos romances populares de tipo cordel e ceguinho ambulante. Tema recolhido pelo Grupo Folclórico de Coimbra, gravado em 1999 no CD Cantares de Coimbra. Era cantado por operárias de uma antiga fábrica textil de Coimbra. A letra é constituída por seis quadras de teor narrativo. Jorge e Juliana conta a história da vingança de uma donzela desonrada, do cortejamento encetado à janela e do vinho envenenado que foi dado a beber ao sedutor. Em algumas regiões tinha a designação de “Veneno da Moriana”. Figura nas recolhas de José Alberto Sardinha para a Estremadura.

X.5 - Em síntese:
Os discursos exógenos produzidos sobre a CC apresentam traços relativamente comuns, estáveis no tempo, consensuais. Não se pode sequer, face aos elementos disponíveis, distanciar com rigor as tipologias produzidas pelos jornalistas (João Pinto de Carvalho, Alberto Pimentel), de outras ventiladas pelos enciclopedistas, dicionaristas e autores de literatura turística. Elas completam-se e reproduzem-se. O alto grau de consensualidade e monolitismo observado remete-nos para usos ideológicos instrumentalizadores e manipuladores, alicerçados num alto grau de violência simbólica.
Violência simbólica, porquanto pretende instaurar e manter significações tidas por legítimas, “dissimulando relações de força que são o fundamento da sua força” (Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, A reprodução, Lisboa, Vega, pág. 23).
O poder de escrever sobre a CC, na sua arbitrariedade impositiva e inculcadora, aproxima-se demasiadamente (e coincide frequentemente) com as imagens empíricas que os fadistas de Lisboa alimentaram sobre a CC.
As narrativas exógenas, formuladas sobre a CC, mesmo quando elaboradas por musicólogos, não resultaram de qualquer exercício de investigação aprofundado. Pelo que nunca se concretizou uma história da CC e apenas se recorreu a fragmentos descontextualizados da CC para retocar a imagem do Fado de Lisboa. Donde, o podermos dizer que existe informação fragmentada sobre a CC, mas não conhecimento directamente resultante de exercícios investigativos.
Um musicólogo que pretenda ser honesto e rigoroso na abordagem e tratamento destas matérias, muito dificilmente conseguirá provar que o Fado de Lisboa sofreu uma transformação genética capaz de se travestir em CC. Muito mais do que eriçadas ideossincracias, discordâncias conceptuais e desajustes vocabulares, como provar objectivamente que o invocado transformismo teve origem no núcleo duro do fado castiço? Ou tão só em um dos seus referentes, separadamente concebidos? Metamorfoseou-se o Fado Corrido? O Fado Menor? O Fado Mouraria? Para lá de todas as interrogações, objectivamente só é possível responder satisfatoriamente a três perplexidades: a) foram encontrados fados oriundos de Lisboa vulgarizados em Coimbra; b) em alguns espécimes da CC, compostos por autores coimbrãos, existem resíduos matriciais do Fado; c) alguns fados ao estilo de Lisboa foram transladados para Coimbra e localmente transformados, embora as mutações detectadas dificilmente ocultem as raízes.
O desejo de dominar a CC, por meio de narrativas arbitrárias brutais (ortodoxia cultural), pressupõe desonestidade intelectual, instaurando uma “legítima falsa consciência”, que no fundo resvala demasiadas vezes para a falsificação da história. No jogo de correlação de forças, os investigadores do Fado de Lisboa perpetuam consensualmente duas relações de força desiguais: a estrutura dominante (Fado de Lisboa) e a subestrutura dominada (o chamado Fado de Coimbra). Esta tipologia discursiva visa impedir por todos os meios que os agentes e cultores da CC se apoderem e tomem consciência de toda a força que lhes traria a tomada de consciência da sua própria força.
A relação de promiscuidade entre o Fado de Lisboa e a CC conheceu o seu período áureo entre 1890 e inícios dos anos de 1930, coincidindo cronológica e culturalmente com a fase Ultra-Romântica da CC. Guitarristas coimbrãos, como que “ambidextros”, facilmente resvalavam para os toques lisboetas, na continuidade de práticas onde militaram Ricardo Borges de Sousa, Custódio José Vieira, Francisco Menano, Alexandre Rezende, Albano de Noronha, Jorge de Morais Xabregas, Abílio de Moura e Francisco Dias. Guitarristas de Lisboa faziam incursões frequentes ao “estilo” coimbrão. Cantores de Coimbra deixaram-se seduzir pelas árias lisboetas, cumprindo invocar Augusto Hilário, Manassés de Lacerda, Alexandre Rezende, António Menano, Lucena Sampaio, José Lopes do Espírito Santo, António Vaz, Armando do Carmo Goes. Vozes activas em Lisboa experimentaram o etnoestilo coimbrão, prática ainda hoje mantida nas casas de fados. Este tipo de experiências só vem provar que a prática de géneros artísticos imaculados, imunes a influências externas, não foi regra.
A CC só tardiamente entrou no mundo universitário. O que não deixa de ser paradoxal, uma vez que a Lei nº 861, de 27 de Agosto de 1919, dispusera em seu artigo 10º que as Faculdades de Letras pudessem contratar docentes de música e de canto coral. Além de regentes de grupos orfeónicos, uma parte da acção laboral dos docentes de música seria votada “à investigação e estudo das canções nacionais”.
Após um artigo isolado do professor de Música da Faculdade de Letras da UC (Francisco Faria, Fado de Coimbra ou serenata coimbrã?, 1980), o tema passou a ser abordado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Salwa Castelo Branco, década de 1990). Porém, a abertura de novas pistas lexicais, conjunturais, biográficas e de análise fonográfica resultam de trabalhos levados a cabo pelo medievalista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Armando Luís de Carvalho Homem. A uma escrita de jornalistas e de gente do Fado, sucede lentamente a investigação universitária.


Jorge Cravo, hoje, no Teatro Gil Vicente. Notícia do Diário de Coimbra. Posted by Picasa


Jorge Cravo, logo à noite, no Gil Vicente. Notícia do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa


Fernando Alvim e António Chaínho em Coimbra. Cartaz do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto, ontem, em Badajoz. Depois da brilhante dissertação, é lido pelo Júri (três espanhoes e dois italianos), o resultado do exame: NOTA MÁXIMA. Parabéns Graveto. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto, ontem, em Badajoz. Parte dos assistentes ao acto. Em primeiro plano a esposa do novo Doutorado. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto. Parte dos assistentes ao acto. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto. Cartaz a anunciar o almoço. Além de Doutor, passou também a ser Dom! Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto. Depois do magnífico almoço, tocou-se guitarra e cantou-se o "Fado" de Coimbra.
Carlos Caiado e Luís Ferreirinha nas violas; Octávio Sérgio e Ricardo Dias nas Guitarras. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto. Depois do magnífico almoço, tocou-se guitarra e cantou-se o "Fado" de Coimbra.
Carlos Caiado e Luís Ferreirinha nas violas; Octávio Sérgio e Ricardo Dias nas Guitarras. Canta Paulo Amador. Posted by Picasa


Doutoramento de João Graveto, pertencente ao Coro dos Antigos Orfeonistas, ontem, em Badajoz. Depois do magnífico jantar, tocou-se guitarra e cantou-se o "Fado de Coimbra".
Carlos Caiado e Luís Ferreirinha tocaram viola; Octávio Sérgio e Ricardo Dias, guitarra. Cantaram Vitor Baltasar, Simões Almeida, João Graveto, José Paracana e Nuno Tavares. Posted by Picasa

quinta-feira, novembro 24, 2005


Annette homenageada, ontem. Notícia do Diário das Beiras de hoje, elaborada por Paulo Marques. Posted by Picasa

História do Fado de Coimbra
























Notícia do Diário de Coimbra de hoje.

Homenagem a Annette d'Almeida


Anette d'Almeida foi homenageada, ontem, na Casa da Cultura, numa acção promovida pela Maternidade Daniel de Matos e liderada por Maria Teresa Sousa Fernandes, que aproveitou para lançar o livro "Poesia...ou talvez não", de sua autoria, uma obra editada pela Mar da Palavra Edições, com ilustrações de Dulce Zamith com os direitos de autor a reverterem a favor da associação "Acreditar".
*
Mário Nunes, Vereador da Cultura, abriu a sessão, com breves palavras de elogio à homenageada.
*
Pode ler-se o seguinte, no interior da capa do livro:
"Maria Teresa Matos Pereira Sousa Fernandes é assistente graduada de Obstetrícia nos Hospitais da Universidade de Coimbra (Maternidade Dr Daniel de Matos). Nasceu em Viseu, cidade onde concluiu os estudos até ingressar no curso de Medicina da Universidade de Coimbra.
Em Outubro de 1986, obteve o Prémio Revelação-Ficção da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos (SOPEAM) com o seu primeiro livro "A outra face da urgência...ou...casos reais de uma maternidade", uma obra na qual transcreveu algumas histórias cómicas acontecidas ao longo do tempo em que, na qualidade de médica, trabalhou na urgência de uma maternidade.
Em 1991, publicou o segundo livro: "O trágico da comédia...ou...o cómico da tragédia". Nesta obra, a autora teve a intenção de registar alguns pontos de vista opostos dos mesmos problemas, dependendo da perspectiva de quem os vê.
Em Setembro de 2000, com o seu terceiro livro "Mulheres e Mulheres, L.das" procurou retratar os limites de todas as mulheres, por mais libertas que sejam.
Em Dezembro de 2003, a autora publica, já sob a chancela da Mar da Palavra, a obra "A Dolores e e o taxista ou...a Joana e os homens", prosseguindo a sua linha narrativa de forma simples e directa, a partir de situações da vida real que identifica, numa entrega apaixonada. Todas as publicações tiveram lucros dirigidos a instituições de solidariedade, pelo que, dando continuidade a essa directriz, o livro "Poesia ... ou talvez não" seguirá a mesma determinação.
*
O título "Poesia...ou talvez não" certamente que deixa ao critério do leitor a classificação do género adoptado. Escrita que, na totalidade, se desenrola por estrofes, próprias do versejar, depõe a favor da poesia. Porém, porque o tema se cinge e se basta no contar uma estória, dir-se-ia tratar-se de prosa; mas o intimismo, a sensibilidade ressumbrante, conferem-lhe o cunho de prosa poética. Actualmente entre poesia, na acepção clássica, já em desuso, e prosa bem doseada de emoções e afectos, cadinho de sentimentos, será que existem fronteiras demarcadas?
Teresa Sousa Fernandes, no seu estilo ágil e desenvolto, rico de experiências, sempre atenta ao mundo que a rodeia, escalpeliza-o com argúcia e na própria realidade colhe secretos enredos que nos seduzem e aguçam a curiosidade. Regra geral, mais ou menos dissimulado, lá se encontra uma pitada de humor, bem necessário condimento no desfiar da intriga."
Telo de Morais
Médico e escritor
*
Na parte final da sessão actuou o grupo constituído por Octávio Sérgio na guitarra, Luís Ferreirinha na viola , José Miguel Baptista e Nuno Silva no canto. Foi a Canção de Coimbra e a sua Guitarra que estiveram em destaque.
As fotos do Grupo de "Fados", foram tiradas por Maria Teresa Baptista.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Variações em Lá menor de Armando de Carvalho Homem



























































































Partitura de "Variações em Lá menor" de Armando de Carvalho Homem. Peça muito interessante, para guitarra de Coimbra, gravada já por Pinho Brojo, embora com algumas alterações, devido a ter ido às memórias de quando tocou com o autor. Acontece que isto foi há largos anos e a gravação foi já feita nos últimos anos de sua vida.
Possuo uma gravação, passada para CD, do próprio autor, feita em casa e acompanhado por seu filho Armando Luís de Carvalho Homem, na viola e por Mário Freitas, a segundo guitarra. Como é óbvio, não está gravada nas melhores condiçõres, mas dá para aquilatar do fino trato com que o autor dedilhava o instrumento e do magnífico som que dele tirava.
Esta é uma guitarrada tradicional de Coimbra, de muito bom gosto, moderna para a época em que foi elaborada, com um grau de dificuldade mediano. Neste tipo de peças, a maior dificuldade está na expressão. E este aspecto, as partituras não o indicam. Há que a saber interiorizar.
Estão marcadas com números as cordas em que cada nota é tocada. Depois de uma corda indicada, até ao aparecimento de outro número, todas as notas se tocam nessa corda. Quando há repetições, já não se indicam as cordas. Os números vão de 1 a 6, partindo da corda mais fina.
É claro que poderá ser tocada doutra forma. Cada um escolherá a melhor maneira de o fazer, tentando sempre obter os melhores resultados. Na maior parte das notas ligadas por um traço, não significa que se deva ouvir o arrastar, mas sim, que são tocadas com o mesmo dedo da mão esquerda.

terça-feira, novembro 22, 2005


Capa da partitura de "Balada de Despedida", com música de Raposo Marques e letra de Manuel Bernardo, editada em 1953. É mais uma peça do espólio de Joaquim Pinho. Posted by Picasa


Partitura de "Balada de Despedida" (1), de Raposo Marques. Posted by Picasa


Partitura de "Balada de Despedida" (2), de Raposo Marques.


Contracapa da partitura de Balada de Despedida, de Raposo Marques. Por ela se toma conhecimento de outras obras do mesmo autor. Posted by Picasa

segunda-feira, novembro 21, 2005


Queima das Fitas, ano de ?. Manuel Sobral Torres e seu Pai, com o mesmo nome, Nuno de Carvalho e Joaquim Pinho. Posted by Picasa


Obras de Pinho Dinis expostas em Coimbra, na Galeria Minerva. Notícia do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa


Festuna nas ruas de Coimbra. Notícia do Diário de Coimbra. Posted by Picasa

domingo, novembro 20, 2005


João dos Santos Couceiroevocação de um ilustre músico conimbricense, no centenário da sua morte

Comunicação apresentada por Flávio Pinho nas III Jornadas de Temática Musical, organizadas pela Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra
Coimbra, 4 de Novembro de 2005

Faleceu há cem anos, e dificilmente se pode ainda avaliar a sua importância para a música portuguesa e brasileira do século XIX. Violinista virtuose, construtor de instrumentos de cordas premiado nas exposições universais de Filadélfia, Paris e Saint Louis, renomado professor de violino e de bandolim, e maestro de orquestras e estudantinas no Brasil —em todos estes papéis parece ter-se destacado, a julgar pelos parcos documentos que constituem a base desta comunicação.
Na verdade, é pouco, mas significativo, o que conhecemos de momento sobre este músico. As principais fontes são os jornais contemporâneos O Conimbricense e Tribuna Popular (este, também de Coimbra). Citadas nestes periódicos, temos diversas fontes indirectas brasileiras, a que farei referência. Em relação ao Brasil, tem-me sido especialmente proveitosa a troca de informações, pela Internet, com o bandolinista Paulo Sá, que em Março deste ano concluiu na Universidade Federal do Rio de Janeiro o seu doutoramento, com uma dissertação intitulada A Escola Italiana de bandolim e sua aplicação no choro[i]. Paulo Sá possui o único bandolim que conheço fabricado por Couceiro. É de tipo napolitano, ou seja, de fundo abaulado. No interior, além da referência à "Fábrica de rabecas—Rabeca de ouro", encontra-se o nome de "J. dos Santos Couceiro" e a data de 1904.

João dos Santos Couceiro é natural de Coimbra, onde terá nascido em meados do século XIX. Filho de um conhecido violeiro desta cidade, emigrou para o Brasil, fixando-se no Rio de Janeiro, em 1871, "já exercitado na arte de fabricar instrumentos de cordas. Não só fabricava: tocava-os, também; e como violinista deixara na terra natal tantas saudades quantas excitara como cidadão."[ii] Diz-nos O Conimbricense, pela pena do seu director Joaquim Martins de Carvalho, amigo de Couceiro, que este último havia "sido premiado com a medalha de prata na Exposição Distrital de Coimbra em 1869, por uma viola portuguesa e outra francesa que havia construído e ali expôs"[iii].
Em Portugal, segundo a mesma fonte, "o sr. Couceiro apenas havia feito violas, violões e guitarras"; mas, logo em 1872, apresenta na exposição do Rio de Janeiro "uma magnífica rabeca de dificílimo fabrico, que foi sumamente apreciada, sendo pelos competentes considerada de voz excelente e feita com todo o esmero artístico"[iv] .
No Brasil, destaca-se ainda como violinista —fazendo parte de diversas orquestras e actuando como concertista—, professor de violino e, mais tarde, de bandolim, e como maestro de orquestras e estudantinas.
A sua razão de viver —e. como veremos mais adiante, de morrer— é a fábrica de instrumentos que funda no Rio de Janeiro, à rua da Carioca, nº 42, com o nome de A Rabeca de ouro. Sobre este estabelecimento, pode ler-se no O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, citado pela Tribuna Popular em 1888[v] " Há cerca de dezasseis anos apenas se fabricavam no Rio de Janeiro as violas conhecidas pelo nome de violas da roça e alguns violões, se bem que em diminutíssimo numero. João dos Santos Couceiro, filho de um fabricante notável de Coimbra, veio para aqui estabelecer-se e, caminhando lenta, mas metodicamente, chegou a colocar o seu estabelecimento A rebeca de ouro na ordem dos de primeira classe, no seu género. Têm-se ali fabricado rebecas, em que hão tocado alguns dos nossos mais notáveis violinistas e, no que respeita guitarras, violões, bandolins, são os de aqui tão bons como os que nos vêm do estrangeiro. Entre os instrumentos agora expostos neste estabelecimento, vimos violões e guitarras delicadamente marchetadas, e nos quais se nota a invenção da barra harmónica, espécie de vara de aço que aumenta a ressonância prolongando infinitamente o som. Vimos também uma rebeca surda, completamente diferente na conformação da rebeca surda americana de Charles F. Alberts, e não acarretando os vícios de posição que esta produz, pela completa diferença de forma do violinio (sic) normal. Com este violino evita-se o enfado do violinista principiante e o dos respectivos vizinhos, inutilizando assim a velha máxima: «Deus te livre de inimigos e de principiantes de rebeca ao pé da porta!» Mostrou-nos ainda o sr. Couceiro as surdinas harmónicas, invenção do nosso falecido Bernardelli e que hoje são adoptadas por todos os tocadores de rebeca, e alguns bandolins de primeiro gosto. Nas oficinas do sr. Couceiro trabalham hoje oito operários, todos ensinados pelo chefe do estabelecimento que, além de fabricante notável, é artista músico de muito talento.»"
À data da sua morte, em 1905, e segundo Joaquim Martins de Carvalho, "o seu importante estabelecimento de instrumentos músicos, com oficina anexa, era o primeiro do seu género na capital do Brazil."[vi] .

Curiosamente, o que Couceiro mais produziu "até 1888 foram as chamadas "violas da roça", chegando a satisfazer encomendas de 25 dúzias por mês. Iam para os eitos suavizar com a sua melodia as amarguras da escravidão. Por uma excentricidade curiosa, a Liberdade dispensou a Música: depois da abolição da escravatura a roça não deu mais consumo às violas de pinho branco."[vii]
Havia então no Rio de Janeiro o hábito de músicos profissionais e amadores se reunirem para convívio nas casas de música. A Rabeca de ouro era das mais frequentadas. Por ali passou regularmente o maior compositor brasileiro da época, António Carlos Gomes. Como figura numa biografia deste compositor, as suas andanças no Rio de Janeiro passavam por "visitar a “Rebeca de Ouro”, a mais famosa loja de instrumentos musicais de João dos Santos Couceiro, regente de orquestras nos concertos da Ópera Nacional"[viii].
Na Exposição Universal de Filadélfia de 1876, Couceiro é premiado com uma medalha de prata por um violino de sua factura, fabricado com madeiras brasileiras. O instrumento é elogiado pelos maiores violinistas brasileiros do tempo. Mais prémios em exposições naquele país em 1876 e 1884, e nas Exposições Universais de Paris de 1889 e de Saint Louis (E.U.A.) de 1904.
Em 1879, fabrica uma harpa eólia e constrói e propaga os cavaletes móveis de Dien.
Em 1895, apresenta a sua produção na Exposição Industrial do Rio de Janeiro. Do livro Exposição Internacional de 1895 no Rio de Janeiro[ix], da autoria de A. Lopes Cardoso, consta o seguinte sobre a sua vitrine: "«Ali encontram-se, artisticamente grupados, bandolins, violões, bandurras, guitarras portuguesas, rabecas com os respectivos arcos, e a eternizada viola, tão querida pelos nossos caipiras e sertanejos […]. Esses instrumentos, como todos os da sua oficina, fabrica-os o sr. Couceiro com o jacarandá, o cedro e a peroba ravessa do paiz. […] As tábuas de harmonia, que, às vezes, são do nosso cedro, fabrica-as ele, para maior volume do som, com o pinho veneziano, única madeira estrangeira empregada na oficina. Querendo o sr. Couceiro dar mais vigor ao som do bandolim e torná-lo mais estridente, ideiou uma vara de metal, produtora desse desejado efeito, e introduziu-o na concavidade do belíssimo instrumento. É admirável essa exposição de instrumentos! Nada de mais perfeito, de mais elegante e de mais rico se pode pedir em artefactos de tal ordem, a menos que não fossem de ouro e marchetados de pedras preciosas! São verdadeiras jóias musicais, que nenhuma fábrica estrangeira conseguirá excedê-las em lindeza e elegância.»"

Segundo Ferreira da Rosa[x], por volta de 1884 Couceiro abandonara o violino, seu instrumento favorito, para se entregar "à cultura do bandolim, cujas vozes se prestam bem a interpretar os sentimentos da alma artista." A este propósito, diz ainda que "a Fábrica desde então tem produzido instrumentos desses, cada qual mais primoroso. Empregando madeiras nacionais (excepto para as tampas harmónicas), introduzindo aperfeiçoamentos notáveis, Santos Couceiro tem exposto os mais formosos bandolins, cujos preços variam de 40$ a 800$. Tenho-os visto com marchetados policrómicos, floreados de madrepérola, e, até, com embutidos de ouro e prata."
Couceiro dirige pessoalmente todos os trabalhos do seu estabelecimento comercial. Ensina bandolim, sobretudo a raparigas da alta sociedade carioca. Por volta de 1890, e nos anos seguintes, em diversas festas de caridade, dirige uma estudantina constituída maioritariamente por mulheres — tendo chegado a reunir 30, 40 ou mais discípulas. Escreve Lopes Cardoso[xi] a este propósito: «O estabelecimento do sr. Couceiro denominado —Rabeca de Ouro— contribuiu grandemente para que se vulgarizasse o gosto e o apreço pelo bandolim, mavioso e sonoro instrumento da moda, que é recebido com aplauso e particular afago, nos salões da melhor sociedade do Rio de Janeiro, Paris, Londres, Berlim e Lisboa.»
Já Ferreira da Rosa[xii] caracteriza nestes termos a sua intensa actividade musical: "Generoso, activo, afável e modestíssimo, João dos Santos Couceiro reparte-se entre a oficina e as discípulas, cumprindo rigorosamente uma escala de tempo que formou para que não sofra discrepâncias a sua actividade; mais ainda: encontra horas para organizar festas de beneficência, estimulando as brasileiras confiadas à sua educação artística, ensaiando-as em conjunto, e produzindo com esses bandolins finamente dedilhados os efeitos mais admiráveis, as harmonias mais surpreendentes."
Em 1889, O Jornal do Commercio do Rio de Janeiro[xiii] descreve uma dessas estudantinas, mencionando o nome e instrumento dos seus componentes. Os bandolins eram 10, todos tocados por mulheres. Duas bandolas, tocadas por homens. Violões, 4, sendo um tocado por uma mulher. 3 violoncelistas homens; 2 tocadores de castanholas, e uma tocadora de pandeiro. 22 instrumentistas ao todo, sendo 12 mulheres e 10 homens.

Outra faceta importante da vida de Couceiro é a filantropia. Já em Coimbra colaborara com a Sociedade de Instrução Popular, estabelecida no Colégio da Graça[xiv]. No Brasil, vai instituir em 1888 um prémio de animação para o aluno mais distinto da aula de rabeca do Conservatório de Música, e dirigir diversos concertos de beneficência[xv].
Couceiro terá voltado várias vezes a Portugal. A última foi em 1900, quando passou por Coimbra com um filho seu. Viajou com ele pela Europa, detendo-se em Paris para visitar a Exposição Universal desse ano.
Passando vida desafogada, o nosso compatriota é profundamente abalado em 1905 pela perspectiva de perder "a menina dos seus olhos": a sua casa de música, expropriada pela prefeitura para prolongamento de uma rua. Põe termo à vida a 3 de Abril de 1905, no cemitério de S. Francisco Xavier, na ponte do Cajú, Rio de Janeiro. A 24 do mesmo mês, o seu velho amigo Joaquim Martins de Carvalho lavra-lhe o elogio fúnebre num extenso artigo publicado n' O Conimbricense. Antes de traçar uma completa biografia, refere que "João dos Santos Couceiro era um dos membros mais distintos e considerados da colónia portuguesa no Rio de Janeiro, gozando ali dos melhores créditos não só pelo seu carácter, mas também pela sua aptidão quer como industrial, quer como professor de música."
Pelo que fica exposto, é de toda a justiça evocar hoje, aqui, a memória deste ilustre conimbricense. O que hoje conhecemos dele e da sua obra, que é pouco, leva-nos a suspeitar que muito mais há para descobrir, tanto em Portugal como, sobretudo, no Brasil. Como suspeitamos que esses dados lançarão nova luz sobre muitos aspectos da música de ambos os países, nesse século XIX tão próximo e, no que diz respeito a esta arte, ainda tão mal conhecido. João dos Santos Couceiro, onde estiver, pode ter a certeza de que, agora, não o vamos deixar esquecido.

Bibliografia:

O Conimbricense, Coimbra; nº 4431, 19/2/1890; nº 5266, 3/5/1898; nº 5271, 21/5/1898; nº 5272, 24/5/1898; nº 5547, 15/1/1901; 24/12/1901; nº 5989, 22/4/1905.
Tribuna Popular, nº 3371; Coimbra, 16/6/1888.

Site:

[Carlos Gomes] (http://www2.uol.com.br/spimagem/cg2_1.html).
(em 3/9/2002)

[i] O autor defende aí a tese da influência da técnica bandolinística italiana, designadamente ao nível da utilização do plectro, ou "palheta", no género brasileiro do choro.
[ii] Ferreira da Rosa, Rio de Janeiro em 1900, livro comemorativo do 4º centenário do descobrimento do Brasil; 2ª edição; citado em O Conimbricense, nº 5547, 15/1/1901.
[iii] O Conimbricense, nº 5989, 22/4/1905, pág. 2.
[iv] Idem.
[v] Nº 3371; Coimbra, 16/6/1888.
[vi] O Conimbricense, nº cit., pág. 2.
[vii] Ferreira da Rosa, op. cit., e jornal citado.
[viii] http://www2.uol.com.br/spimagem/cg2_1.html; consultado em 2002.
[ix] Cit. in O Conimbricense, nº s 5271-5272, 21/5/1898 e 24/5/1898).
[x] Op. cit., e jornal citado.
[xi] Op. cit., e jornal citado.
[xii] Op. cit., e jornal citado.
[xiii] Cit in O Conimbricense, nº 4431, 19/2/1890.
[xiv] O Conimbricense, nº 5266, 3/5/1898.
[xv][xv] Ferreira da Rosa, op. cit.

FADO DA SAUDADE

Música: Armando do Carmo Goes (1906-1967)
Letra: autor não identificado
Incipit: Saudades, quem as não tem
Origem: Coimbra
Data: ca. 1925-1927


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Saudades, quem as não tem
Dum amor que foi bem seu?
(Ai1) Ter saudades é querer bem
A alguém que a gente perdeu.

Passo em rezas noite e dia
Sem delas me aperceber,
(Ai1) Rezar não é só dizer
Padre-nosso, Avé-Maria.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e bisa-se.
Acompanhamento 1º Registo Armando Goes em Si Bemol Maior (1928):
1º Dístico: Si Bemol Maior, 2ª de Dó, Dó Menor /// 2ª Si Bemol, Si Bemol Maior
2º Dístico: Sol Menor, 2ª de Sol /// 2ª Si Bemol, Si Bemol Maior

Informação complementar:
Canção musical estrófico-silábica, em compasso quaternário (4/4) e tom de Si Bemol Maior, gravada pelo barítono Armando Goes em Lisboa, a 19 de Outubro de 1928, acompanhado em 1ª guitarra de Coimbra de 17 trastos por Albano de Noronha e em 2ª guitarra por Afonso de Sousa: disco de 78 rpm His Master’s Voice E.Q. 192, master 7-62231. Pode considerar-se uma composição clássica de boa qualidade artística para a época em que surgiu, contendo modulações a fugir ao trivial. A dicção de Armando Goes é muito cuidada e escorreita, bem como a vocalização poderosa mas comedida. A audição dos fonogramas antigos levanta problemas, sendo disso mesmo exemplo a dificuldade em determinar rigorosamente o tom empregue pelo cantor e também a transcrição dos textos. Seja porque os sulcos estão gastos, seja porque o cantor não tem boa dicção, seja porque o texto não é conhecido, só uma prática continuidada e a reaudição sistemática podem ajudar a colmatar rombos. Por exemplo, na audição do original, AG canta no 1º verso da 1ª quadra "Saudades, quem as não tem". Já na repetição deste mesmo verso, não é claro que entoe "saudades", parecendo antes escutar-se "Saudade, quem as não tem". Por aquilo que sabemos, os cantores da década de 1920 não foram para os estúdios com partituras, nem com letras escritas. Cantaram de memória, atitude que em António Menano originou a multiplicação de coplas iguais em distintas faixas fonográficas.
Quer na etiqueta do fonograma, quer nos arquivos da HMV, o título original registado é FADO DA SAUDADE e não FADO DAS SAUDADES, como ocorre no fonograma protagonizado por Luiz Goes. A nossa transcrição corresponde ao fonograma original, aceitando, no entanto, que o autor preferiria como versão definitiva a que foi gravada em 1969 por seu sobrinho Luiz Goes.
Espécime regravado por Luís Goes em 1969, que interpreta o tema em Sol Maior (tom e meio abaixo do original), com um belo arranjo de guitarra por João Bagão: EP Columbia 8E 016 40135, depois incorporado no LP “Canções do Mar e da Vida”, Lisboa, Columbia, 1969, acompanhado por João Bagão/Aires de Aguilar (gg) e António Toscano/Fernando Neto (vv). Luiz Goes modifica o título para “Fado das Saudades” e substitui a letra original por outra da autoria de Leonel Carlos Duarte Neves. Versão remasterizada no CD “Canções do Mar e da Vida”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724383348022, ano de 1995, faixa nº 12; idem, CD “Luiz Goes. Homem só Meu Irmão”, EMI-VC/Caravela, 724385309823, ano de 1996; ibidem, “Luiz Goes. Canções para quem vier. Integral (1952-2002)”, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724358029727, ano de 2002, Cd nº 3. Eis a letra registada por Luiz Goes, preferida por Armando Goes para figurar como versão definitiva do presente espécime:

Saudades de alguém ausente
Devem ser tristes, decerto,
Mas são mais tristes se a gente
As tem de alguém que está perto.

Mais triste do que esperar,
Toda a vida, quem não vem,
É toda a vida passar
Sem ter de esperar alguém.

A autoria da presente letra foi confirmada pelo próprio Dr. Leonel Neves, no verão de 1996, na sua casa de Odeáxere, no Algarve, em testemunho a José Anjos de Carvalho. Mais informou que não teria ainda 20 anos quando a fez (ca. 1940) expressamente a pedido de Armando Goes. Um dos raros intérpretes desta canção pela década de 1990 era o Dr. José Manuel Beato, em criativa retoma da versão herdada de Luiz Goes, que a terá interpretado na Serenata Monumental da Queima das Fitas de Maio de 2001, transmitida em diferido pela TVI. Que saibamos, o registo original nunca foi reeditado, à semelhança de toda a obra fonográfica de Armando Goes.
O presente espécime não deve confundir-se com as obras seguintes:
-“Fado da Saudade” (Sumia-se a barca, eu chorava), de alvores do século XX, presente na colecção de solfas cantadas por Manasses de Lacerda, cujo autor desconhecemos, sem gravação discográfica;
-“Fado da Saudade” (Oh São João de Coimbra), com música de Paulo de Sá e letra do cantor Agostinho Fontes, feito no Brasil em 1925, sem gravação discográfica conhecida;
-“Fado da Saudade” (A saudade é queda d’água), música de José Mesquita, letra de Afonso Duarte, gravado pelo próprio Mesquita no LP “Coimbra dos Poetas”, Lisboa, FOTOSSONORO, SPA 83, ano de 1983, de difícil acesso;
-e ainda "Fado da Saudade" (Saudade é como gostar), com música de João Lamego e letra de Agostinho de Matos, gravado pela formação do cantor José Tavares Fortuna, oriunda da Universidade do Porto.
Recomendações: quando possível, um trabalho de recolha e de reconstituição deve considerar a obra original e as diferentes abordagens que foi sofrendo ao longo do tempo. Dito isto, somos de opinião que, quanto ao título, pode manter-se o original (=FADO DA SAUDADE); quanto à letra, é de atender à evolução das preferências do próprio Armando Goes, cantor que adoptou o texto de Leonel Neves e o transmitiu a seu sobrinho Luiz Goes; quanto à tonalidade e arranjo de acompanhamento, a cada voz suas especificidades, a cada tocador de guitarra suas unhas. Como se dizia na Coimbra do Renascimento, em modo de sentença popular, "Palavras sem obras, Cítola sem cordas"!
Transcrição musical: Octávio Sérgio (2005)
Textos e pesquisa: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Afonso de Sousa, José Moças (Tradisom), Leonel Neves, Eng. Pedro Ramalho

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