sábado, agosto 19, 2006


Altos dignitários do Estado Novo Posted by Picasa
Equipa ministerial de Oliveira Salazar aguardando a despedida do Presidente Carmona que se preparava para um périplo oficial à Madeira, São Tomé e Príncipe e Angola. Fotografia captada em Lisboa, no dia 11 de Julho de 1938.
Os trajos de gala e os uniformes desempenharam no Estado Novo um papel crucial e incontornável na encenação da autoridade do regime e na ordenação dos vários estratos sócio-profissionais e corporativos. Este assunto continua a não merecer qualquer atenção por parte dos especialistas do Estado Novo, apesar de Franco Nogueira ter enfatizado o cuidado que os uniformes mereciam a Salazar.
De reparar que nenhum dos doutorados pela Faculdade de Direito da UC (Salazar, Carneiro Pacheco, Manuel Rodrigues) se apresenta em Hábito Talar. Manuel Rodrigues, como que a confirmar os dichotes correntes sobre a sua falta de boas maneiras, tem os polegares enfiados nos bolsos do colete (gesto típico de António Menano quando cantava).
Duarte Pacheco, habitualmente refractário aos cocos e cartolas, veio vestido a preceito, com fato de gala, fraque e cartola. Num regime laico, marcado pela princípio da igualdade social e da separação dos poderes de Estado, seria este o tipo de imagem - trajo de gala, mas à civil - , a escolher pelos dignitários de Estado para se fazerem representar em trabalhos escultóricos e retratos de carácter institucional.
Porém, de acordo com os princípios de representação do poder político das profissões acreditadas pelo regime, prevalecia o ditado de Antigo Regime o "hábito faz o monge". Para os "heróis" dos séculos XV e XVI, os artistas do Estado Novo optaram pela técnica da clonagem do figurino "capa e espada" quase em série, enxertando a esmo no século XV vestuário da época de D. Manuel I, inspirado nos vice-reis da India. No caso dos juristas e docentes universitários, a partir da definição da estátua-modelo de Salazar pelo escultor Francisco Franco em 1936, prevaleceu o paradigma do doutor da tradição conimbricense com Hábito Talar e Borla e Capelo. Assim aconteceu com dois bustos de Manuel Rodrigues (António Duarte, Santarém; Martins Correia, Bemposta), José Alberto dos Reis ou Antunes Varela. O cargo político e as virtudes cívicas, ideológicas e intelectuais do titular não eram compatíveis com o trajo civil de grande cerimónia, prevalendo a homologia entre os retratados a imagem do Salazar lente de Coimbra.
AMNunes

sexta-feira, agosto 18, 2006


Salazar Honoris Causa Posted by Picasa
Doutoramento Honoris Causa em Leis, de António de Oliveira Salazar, pela Universidade de Oxford. A cerimónia solene teve lugar na Sala do Senado da UC, no dia 19 de Abril de 1941. Oxford esteve representada por Thomas Higham, William Entwissete e Jonh Weaver. Coube a Higham o elogio latino de Salazar.
Finda a cerimónia, os lentes e convidados agruparam-se nas escadas da Via Latina, com Salazar ao centro. No grupo de Coimbra são reconhecíveis Maximino Correia, Amorim, Bissaia Barreto, João Duarte de Oliveira, Elysio de Moura e o Rector Magnificus António Luís de Morais Sarmento.
Numa fotografia tirada com uma deputação de lentes de Coimbra na sua residência oficial de São Bento, em 27 de Abril de 1948 (20º aniversário da entrada para o governo), Salazar veste Hábito Talar e Borla e Capelo de Direito. Se não tinha tais adereços, conforme gostava de fazer crer, alguém lhos terá emprestado para a fotografia. Ao atingir a jubilação como lente, em 28 de Abril de 1958, Salazar foi homenageado pela UC e doutorado Honoris Causa pela Faculdade de Letras. Coincidindo com a jubilação, a 27 de Abril de 1958 foi inaugurada no pátio do Palácio Foz (sede do SNI) a estátua de Oliveira Salazar talhada por Francisco Franco. Esta estátua, apeada em 1974 (paradeiro incerto?) fora moldada em 1936, tendo marcado presença no Pavilhão Português da Exposição Universal de Paris de 1937, e na Exposição do Duplo Centenário de 1940. Na versão de Francisco Franco, Oliveira Salazar vestia as insígnias doutorais de Direito, em postura erecta maciça.
No velório e funeral (27 e 28/07/1970), Salazar não foi amortalhado com o trajo universitário de Oxford, nem com as insígnias de Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Letras da UC. As fotografias a cores mostram-no de Hábito Talar, com capelo de Doutor em Direito. Estas insígnias haviam sido confeccionadas manualmente por uma bordadeira de Coimbra, com ateliê para os lados do Poço do Almegue, Leocádia Machado.
Fonte: Fernando Dacosta, "Salazar. Fotobiografia", Lisboa, Editorial Notícias, 2000, pág. 136.
AMNunes


"Recepção Académica" Posted by Picasa
Caricatura de João Abel Manta, editada em "Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar", Lisboa, O Jornal, 1978; idem, Porto, Campo das Letras, 1998, pág. 60.
Partindo do conceito "fascismo de cátedra", definido premonitoriamente por Miguel Unamuno, João Abel Manta descarna as sucessivas embaixadas coimbrãs de lentes e estudantes que foram visitando Salazar ao longo da sua carreira política, e mais proximamente alude a uma visita de alunos da UC quando o ditador pareceu recuperar do acidente e participou no acto eleitoral de 1969.
Abel Manta destaca, pela centralidade glacial e estado comatoso, a figura isolada do ditador, diante de quem fazem reverenciosa genuflexão diversos estudantes. As insígnias doutorais de Direito comportam ornatos facilmente confundíveis com tíbias (alusão à morte) e o vermelho, cor tradicional do Direito, pode ser descodificado como sangue. Sobre a cabeça do ditador paira um abutre.
Salazar e as figuras mais proeminentes do pensamento jurídico do Estado Novo foram desde cedo representados com o Hábito Talar e Insígnias Doutorais de modelo tradicional conimbricense. Seja em vulto redondo (Salazar, por Francisco Franco), seja em bustos espalhados por jardins e tribunais, os professores ligados ao regime ventilavam uma configuração cónica e maciça que nada tinha a ver com o aspecto doce e intimista imprimido por Soares dos Reis à estátua sentada de Avelar Brotero (entrada do Jardim Botânico, 1887). António Soares dos Reis, nos primeiros estudos para o Brotero chegou a propôr uma estátua erecta, mas no tratamento da cabeça e das linhas do rosto, braços e insígnias, estava longe de sugerir a gélida distância que Francisco Franco propositadamente conferiu ao seu Salazar.
Ao criticar o regime e o ditador que o prolongava, Abel Manta permitia-se incorporar na caricatura a UC, instituição que durante décadas se reviu no Estado Novo e o ajudou a sustentar. Este golpe de perspicácia de Abel Manta é tão mais notável, quanto Oliveira Salazar soube jogar por longos anos com ardis do tipo que era um lente de Coimbra exilado em Lisboa, que não estava agarrado ao poder e desejava regressar à docência em Coimbra, que não se assumia como político compulsivo mas sim como professor, ou que era doutorado em Direito mas não tinha insígnias doutorais. E não se diga que estes argumentos não andaram na rua nos tempos que correm...
AMNunes


O Orfeon nos Açores Posted by Picasa
"Capas Negras nos Açores", do Padre Dr. Manuel Alves Pardinhas, é um roteiro da digressão do Orfeon aos Açores entre 14 e 30 de Abril de 1961. O motivo de capa foi concebido por "Kim Reis", um conhecido caricaturista que ainda era muito solicitado na década de 1980.
Como seria de esperar, a esmagadora maioria dos textos e a totalidade das fotografias tratam da viagem marítima e do desempenho do Orfeon nas Ilhas de São Miguel e Terceira.
O Orfeon integrava, para efeito de complemento do seu espectáculo uma orquestra ligeira e uma formação de cultores de CC, constituída por Jorge Godinho/António Eduardo Nazareth (gg), Durval Moreririnhas (v nylon), e João Barros Madeira/José Lacerda e Megre (vozes).
Outros potenciais cultores seguiam nos naipes vocais do Orfeon, mas não consta que tenham desempenhado papel activo: António José de Sousa Pereira (de Vila do Conde), do naipe dos 1ºs tenores; José Miguel Baptista (Coimbra) e Arménio Assis e Santos (Vila Real), dos barítonos.
Na Serenata realizada em Ponta Delgada, nas Portas da Cidade, juntou-se à formação o Dr. António Sutil Roque. Em Angra do Heroísmo, na Serenata feita no adro da Sé, colaborou Anarolino Pacheco Fernandes.
A leitura do relato assinado por Alves Pardinhas (naipe dos baixos), e o seu cruzamento com artigos jornalísticos acoplados à narrativa principal, evidencia algumas linhas de força assaz curiosas. Um primeiro traço a salientar, conforme se frisou, respeita à omissão de fotografias das formações que abrilhantaram os actos de variedades dos saraus orfeónicos e à secundarização do seu papel artístico nos relatos escritos.
O grupo liderado por Jorge Godinho acompanhou o Orfeon, mas Pardinhas deixa bem claro quem era a estrela da digressão. Um segundo dado de relevo prende-se com as parcas descrições dos desempenhos do caloiro José Lacerda e Megre em contextos menos formais. Aí se enfatiza que Lacerda e Megre brilhou com cantor de fados de Lisboa, sendo alcunhado pelos seus colegas de imitador de "Marceneiro". Um terceiro dado a considerar prende-se com a fraseologia e vocabulário empregues por Pardinhas e pelos jornalistas para caracterizar as performances do grupo de Jorge Godinho. Predominam a incapacidade de distinguir com rigor entre "serenata" e "espectáculos de palco", o misticismo, o saudosismo e a invocação das guitarras plangentes e chorosas. Um discurso ultra-conservador, coincidente com o habitualmente veiculado nas "serenatas da Emissora Nacional", que na Coimbra dos sixties não estava para gozar dias de grande sossêgo!
Fonte: Manuel Alves Pardinhas, "Capas Negras nos Açores", Coimbra, Edição do Orfeon Académico de Coimbra, 1961.
AMNunes

quinta-feira, agosto 17, 2006


Coimbra no Brasil Posted by Picasa
Para motivo de capa do roteiro da viagem artística da TAUC ao Brasil no mês de Agosto de 1925, o autor, Manuel da Câmara Leite (docente de Música no Liceu de Coimbra e regente da TAUC), escolheu uma gravura de D. Diogo de Reriz, datada de 1926 (Manuel da Câmara Leite, "Estudantes de Coimbra no Brasil", Coimbra, Coimbra Editora, 1926).
O trabalho assinado por Reriz é um dos mais notáveis da década de 1920, em nada inferior às ilustrações de Stuart Carvalhais, constituindo uma invulgar representação de uma serenata composta por três figurantes em marcha (um guitarrista e dois cantores).
A formação que complementou os saraus da TAUC no Brasil tinha a seguinte constituição:
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-Paulo de Sá e Artur Paredes (gg)
-José Monteiro da Rocha Peixoto e Guilherme Mendes Barbosa (vv aço)
-Agostinho Fontes Pereira de Melo, José Paradela de Oliveira, Lucas Rodrigues Junot e Mário Delgado (vozes)
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Notas: Mário Delgado e Guilherme M. Barbosa não integravam a formação inicial. Foram agregados durante a travessia do Atlântico. Embora Lucas Junot tocasse guitarra em afinação natural e fosse executante de "viola francesa" (=violão aço) na TAUC, na referida digressão actuava como membro do naipe das violas da TAUC e como cantor nos chamados "fados e guitarradas". O estudante Guilherme Mendes Barbosa, sócio da TAUC desde 1924, não é o relojoeiro/executante de violão+violino que gravou discos com Artur Paredes e teve papel importante na idealização das transformações que Artur Paredes viria a implementar na Guitarra de Coimbra.
Na viagem da TAUC ao Brasil, representaram a comunicação social António Ferro, pelo "Diário de Notícias", D. José da Câmara, pelo "Diário de Lisboa", e Dr. Octaviano Sá, pela "Gazeta de Coimbra". Para um estudo de época, será avisado ler as edições de Agosto/Setembro de 1925 dos referidos jornais.
AMNunes

quarta-feira, agosto 16, 2006


Excursão Posted by Picasa
Formação que acompanhou a TAUC numa excursão artística à Marinha Grande, em 16 de Maio de 1947.
De acordo a identificação feita por Manuel Branquinho, os elementos presentes na fotografia são Figueiredo/Tito (vv), Manuel Branquinho/Lameiras (gg) e Augusto Camacho Vieira (voz).
AMNunes


Serenata no Choupalinho Posted by Picasa
"Serenata no Choupalinho" é o título de um bilhete postal a preto e branco, assinado por Fernando Dôres, com data de 1991. O autor desenha à pena e tinta da China, trabalhando em grande plano direito um grupo de quatro estudantes em configuração piramidal e, em cenário recuado, a Acrópole conimbricense.
Estes postais eram muito vendidos entre finais da década de 1980 e primeira metade do decénio de 1990 por grupos heteróclitos de estudantes e cursos da UC como forma de angariação de fundos para gastos com os carros dos quartanistas da Queima das Fitas e diversos.
AMNunes

terça-feira, agosto 15, 2006


Observatório Posted by Picasa
O espaço correspondente à actual mole da BGUC e Arquivo já foi muita coisa: Paço Real Medieval, Real Colégio de São Paulo-o-Apóstolo, Teatro Académico, Orquestra do Teatro Académico, Instituto de Coimbra, Clube Académico, Associação Académica, terreiro de danças e cantorias sanjoaninas e Faculdade de Letras ( a antiga "Peneira", do Arqt. Silva Pinto).
Na década de 1940, a Comissão Administrativa das Obras da Cidade Universitária de Coimbra, presidida pelo Rector Magnificus Maximino Correia, decidiu erguer nova Faculdade de Letras e aproveitar a antiga para Biblioteca Geral e Arquivo.
Concebeu a remodelação das fachadas, ampliação da fachada tardoz para Arquivo e transformação dos interiores o arquitecto Alberto Pessoa, também ele autor da nova Faculdade de Letras e... do polivalente da AAC! A estética seguida respeitou as linhas orientadoras do Ministério da Obras Públicas e do próprio regime, com Alberto Pessoa a reproduzir as linhas duras e glaciais do "Classicismo Monumental Totalitário" (conseguida expressão do Prof. Doutor António Nuno Rosmaninho Rolo) comum às ditaduras do período de entre guerras.
O Arquivo, cujo pórtico atarracado é verticalmente sublinhado por quatro colossais pilastras, demarca a entrada deste "templo da sabedoria".
Avançando em direcção à Couraça, apercebe-se o vulto do Colégio de São Pedro (antigo colégio universitário, fora Secretaria Geral e primitiva Faculdade de Letras), em prolongamento da Reitoria. Logo a seguir, sobre a plataforma do Pátio das Escolas, erguem-se a fachada posterior e a cúpula do Observatório Astronómico. A breve trecho, o Observatório seria demolido (parece que por insistente e convincente sugestão de Salazar) com o argumento de que era necessário libertar as vistas sobre o Mondego, Santa Clara e o Vale do Inferno. Remodelado o Colégio de São Pedro, abatidas as árvores do frondoso Pátio das Escolas, demolido o Observatório, em seu lugar inaugurou-se no ano de 1950 uma faraónica estátua de D. João III assinada pelo escultor Francisco Franco. O Rei D. João III, festivamente celebrado pelo regime e pela UC em 1936 (4º Centenário da Instalação Definitiva em Coimbra), não era lembrança grata aos opositores do regime. Odiado pelos iluministas e pelos pensadores liberais leitores da obra de Alexandre Herculano, D. João III demorava o introdutor da Inquisição em Portugal.
Desolado com as obras em curso, João Falcato crisma o terreiro deflorestado de "campo de futebol", "picadeiro" e "deserto". Observando indignado a estátua de D. João III, não se contém e verbera: "Mas esperem, deixem ver... O que é aquilo, a meio? Acachapado, monstruoso, enorme e feio? É a estátua d'um rei - O D. João terceiro... Sei muito bem, sei muito bem!... Foi um fogueiro (...)".
Fotografia: "15 anos de Obras Públicas (1932-1947)", Lisboa, MOP, 1948.
AMNunes


Coimbra dos Doutores Posted by Picasa
"Coimbra dos Doutores", Coimbra, Coimbra Editora, 1957, é um livro inteligente, escrito por um homem culto e perspicaz que, tendo frequentado a UC nos anos difíceis da 2ª Guerra Mundial, não se intimidou com as euforias tributadas ao regime de Oliveira Salazar nem com os tiques corporativos vividos e assumidos no meio universitário.
João José Falcato, aluno de Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da UC entre 1942-1947, membro do TEUC e do Orfeon de Raposo Marques, residente na República Lactário dos Paradoxos, nasceu em Borba no ano de 1915.
Em 1941-1942 frequentou Filosofia na Universidade de Lisboa e enquanto estudante viveu numa viagem de férias o incêndio do cargueiro Mello junto às costas da América do Sul. Dessa terrífica experiência resultou o romance-reportagem neo-realista "Fogo no Mar". Com o final da 2ª Guerra, João Falcato festejou a vitória das democracias e juntou-se aos estudantes que reclamavam o fim das nomeações governamentais de comissões administrativas para a direcção da AAC.
Terminado o curso com um "Estudo Sobre a Arte Manuelina", João Falcato fixou-se no Alentejo, região onde trabalhou como professor e jornalista. Entre 1952 e 1957 publicou crónicas dos tempos de Coimbra em periódicos como o "Linhas de Elvas", posteriormente reunidas nos volumes "Coimbra Doutora" (1957) e "Palácios Confusos" (1965).
Pelo meio ficaram também os trabalhos "Fogo no Mar" (1945), profundamente saudado na comunicação social da época como promessa neo-realista, "Elucidário Alentejano" (gastronomia, cerâmica de Estremoz, fauna), e "Angola do meu coração", obra que em 1961 já ia na 3ª edição.
O livro "Coimbra dos Doutores", embora situado na longa esteira dos memorialistas de fastos estudantis, está longe se configurar uma obra saudosista, anedoteira, com larachas triviais e de louvaminhança à Academia e à UC.
Como seria de esperar, o livro originou uma onda de protestos especialmente nos sectores mais emblemáticos da direita conservadora e católica. Gerou-se em Coimbra um ambiente de acusações, de tira-satisfações, de honras ofendidas, próprio de uma cidadezinha de província. Representando as vozes que se diziam mais "ofendidas" com as crónicas de João Falcato, o Cónego Urbano Duarte, ligado ao CADC, atacou violentamente o autor no "Correio de Coimbra". A estratégia consistiu em desmentir e desautorizar a escrita de Falcato, depreciativamente alcunhado de "João Falsato". Era uma espécide de trocadilho hábil, inspirado no jogo Fernando Mendes Pinto/Mendes Minto. Radicado em Elvas, Falcato respondeu como pôde com o folheto "Coimbra dos Doutores... e o ataque calunioso do Padre Urbano Duarte, Director do Correio de Coimbra" (1958).
Afinal, que razões fizeram levantar meia Coimbra contra João Falcato?
Não eram imprecisões de datas, nem de nomes, nem lacunas de monta nas situações evocadas. O autor mostra-se hábil, optando por não fixar datas nem nomes concretos. A resposta está nas páginas da obra "Coimbra dos Doutores". Falcato gostava de Coimbra e da sua Universidade, mas não as via com embevecimento místico e lágrima acrítica. Qualquer hipótese de confusão quanto ao pensamento de Falcato fica logo descodificada quando o próprio, ao evocar Teixeira de Pascoais se demarca inequivocamente de arrufos de "panteísmo místico".
Falcato era um homem vivido, viajado, muito lido, de horizontes largos, amante do neo-realismo e da democracia. Pouco depois de chegar a Coimbra, João Falcato foi tocado por dois acontecimentos que o marcaram negativamente. O Director da Faculdade de Letras (então na "Peneira", onde é a BGUC) chamou-o ao gabinete e perguntou-lhe directamente se era adepto do amor livre e do nudismo. A atitude do director pode ter radicado numa denúncia anónima e revela bem os níveis de vigilância e de controlo que então se viviam no meio estudantil em termos das ideias e dos comportamentos. Falcato vingou-se, abrindo o seu livro com um capítulo da mais fria e requintada crueldade onde, sem nunca nomear o lente, trata de "A apresentação do Senhor Director". O segundo acontecimento foi o julgamento de Falcato numa República segundo as velhas praxes ("O Mito de Coimbra"), também relatado (denunciado) sem subterfúgios.
No capítulo "Tudo Muda", João Falcato critica de modo frontal o plano governamental da nova Cidade Universitária, a demolição do Observatório Astronómico, a deflorestação do Pátio do Paço das Escolas, a grosseira nova estátua de D. João III (a quem chama o "fogueiro", na esteira de Alexandre Herculano), a demolição da Rua Larga, os novos edifícios de gosto muito duvidoso e as "mamudas" implantadas na frontaria da Biblioteca Geral.
Falando do seu TEUC, Falcato não poupa críticas ao feitio violentíssimo do Doutor Paulo Quintela, com quem teve altercações (Quintela, além dos ralhetes mortíferos, dava carolos na cabeça dos alunos rebeldes aos ensaios). Mais à frente, recupera um assunto escaldante de finais da década de 1930, o boicote à Exposição de Arte Italiana com inauguração marcada para 19 de Maio de 1939 (Num artigo sobre os irmãos Carvalhal, já escrevemos neste Blog que o boicote foi liderado pelo cultor da CC e membro da TAUC Luís Carvalhal).
Como se tudo isto não bastasse, o autor dedica largas páginas ao "Doutor Assis da Minha Geração". Considerando a caricatura, as pistas ténues, e os lentes que nomeia e elogia, parece que João Falcato se refere a Mário Brandão (Mário Mendes dos Remédios de Sousa Brandão"). Os elogiados eram Joaquim de Carvalho, Damião Peres, Manuel Lopes de Almeida, Sílvio Lima e Virgílio Correia. Aliás, Brandão, que sozinho açambarcava quase metade das cadeiras do curso de Histórico-Filosóficas, também aparece caricaturado com enorme verrina por José Afonso (Cf. João Afonso dos Santos, "José Afonso. Um olhar fraterno", 2ª edição, Lisboa, Caminho, 2002).
Mais para o fim do livro, Falcato reincidia no discurso, para consternação e desagrado dos seus leitores mais conservadores. Um dos capítulos finais mais provocadores intitulava-se "Coimbra é verdadeiramente um centro intelectual?" O próprio autor responde, afirmando que a UC tinha alguns bons mestres e cientistas, sendo que esse punhado de investigadores não ocultava as misérias da instituição. Lembra também que, enquanto estudante literato, pertencera a um grupo intelectual avesso às tascas, à embriaguez e aos prostíbulos, grupo esse que era olhado de lado e desprezado pelos noctívagos praxistas.
Na recta final, Falcato introduz dois capítulos de bom quilate. Um deles reflecte sobre a evolução estética da CC. Exaltando o legado de Edmundo Bettencourt (que conhecera em 1945) esforça-se por distinguir entre o universo do Fado e a Galáxia Sonora Coimbrã. O texto derradeiro configura uma pioneira, lúcida e brilhante reflexão sobre o significado simbólico e sociológico da Queima das Fitas.
Em 1957 a UC ainda era vista como um bastião dos valores do regime. A Censura mantinha todo o seu vigor, sendo de estranhar que tenha deixado publicar uma obra com páginas potencialmente tão polémicas. Ao rememorar o boicote à Exposição Fascista de 1939, Falcato elogia a atitude do Reitor João Duarte de Oliveira como "um antifascista" que apoiou os estudantes incriminados por suspeita. Tamanha clareza de linguagem afigurava-se demasiado embaraçosa para o Reitorado de Maximino Correia (1943-1960), por excelência o Reitor do regime que garantiu a edificação da Cidade Universitária. Os sectores docentes e estudantis mais conservantistas e corporativistas da UC e da Academia de Coimbra não estavam dispostos a aceitar uma escrita tão fria e acentuadamente crítica vinda de um suspeito de reviralhismo. E como essas forças tinham do seu lado os mecanismos de controlo e repressão, sentiram que aparentemente triunfaram com o anátema "Falsato".
É tempo de reler e de reabilitar a memória de João Falcato e de desfazer os nós da anatematização com que foi fustigado. Para determinadas franjas de estudantes e de antigos estudantes da UC, a obra de referência da década de 1940 com que se identificam é e continuará inequivamente a ser o anedotário ligeiro e onírico de Nicolau da Costa, "Boémia Coimbrã dos Anos Quarenta" (1975). Basta ler um e outro e comparar.
A galeria dos títulos que enformam a literatura memorialística produzida por antigos estudantes de Coimbra é vasta. Quase sempre povoada por obras menores e escritas fastidiosas, nela se destacam no entardecer da Monarquia Constitucional o "In Illo Tempore", de Trindade Coelho, e "O Livro do Doutor Assis", de Pad'Zé. No contexto da memorialística situada na oposição estudantil ao Estado Novo, o livro editado por João Falcato em 1957 é uma obra de referência que aguarda os seus leitores.
AMNunes

segunda-feira, agosto 14, 2006


Alcipe Posted by Picasa
"Alcipe" é o pseudónimo literário de D. Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna, desde os anos em que por ordem do despotismo pombalino viveu reclusa no Convento de Chelas. Natural de Lisboa (1750-1839), Alcipe era uma poetisa culta e viajada, de sensibilidade Pré-Romântica.
Durante as filmagens da película "Bocage", o cineasta Leitão de Barros encomendou a Afonso Correia Leite uma melodia, com letra de Pereira Coelho, que viria a ser conhecida pelo título de "Canção de Alcipe". O filme, cujo original se encontra hoje incompleto, contou com a presença de Tomás Alcaide no tema "O Amor é Cego e Vê" (Música de Afonso Correia Leite/Armando Rodrigues, letra de Matos Sequeira/Pereira Coelho) e divulgou sucessos musicais como "Marcha dos Marinheiros" (Carlos Calderón). A Marquesa de Alorna integrava o elenco do filme na voz e na figura da actriz Maria Valdez. A estreia ocorreu em Lisboa, no São Luís, no dia 01 de Dezembro de 1936.
Artur Paredes e José Paradela de Oliveira viram o filme e reproduziram-lhe temas da banda sonora. Artur Paredes harmonizou a melodia de "Canção de Alcipe" e passou a tocá-la regularmente nos seus concertos de guitarra, embora nunca tenha gravado a canção de Correia Leite. Na primeira metade da década de 1960, Carlos Paredes tinha executado a "Canção de Alcipe" numa bobine, gravação doméstica que Teotónio Xavier fez chegar em mão a António Portugal.
O acesso à bobine gravada por Carlos Paredes explica que a 1ª gravação coimbrã do tema tenha sido efectuada por António Portugal, que para não desvendar inteiramente como acedera à obra optou por criar uma espécie de "cortina de fumo" com o falso título "Pavana". Esta gravação figura no EP "Guitarradas de Coimbra", Alvorada, MEP 60967, ano de 1966, com António Portugal/Manuel Borralho (gg) e Rui Pato (v).
O registo de Carlos Paredes ocorreria quase cinco anos mais tarde, no EP "Balada de Coimbra", Columbia, 8E 006 40151, ano de 1971, com Carlos Paredes (g) e Fernando Alvim (v).
Os dois registos fonográficos estão disponíveis em suportes actualizados e têm sido alvo de reprodução.
AMNunes

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