sábado, julho 29, 2006

FADO DE SAUDADE

Música: autor não identificado
Letra: autor não identificado
Incipit: Acorda varanda louca
Origem: Porto?
Data: 1º decénio do século XX


Acorda, varanda louca,
Desse teu sonho enlevado,
Vem gozar a fresca rosa,
(Ai2) Vem ouvir cantar o fado.

(Ai1) Guitarra, minha guitarra,
Eu hei-de chorar contigo,
Sinto mais amargo pranto
(Ai2) Quando alguém chora comigo.

(Ai1) Pedi-lhe um beijo corou,
Pedi-lhe outro, sorriu,
Todos os demais que eu lhe dei
(Ai2) Foi ela quem m’os pediu.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se
Esquema do acompanhamento:
1º Dístico: Mi M, 2ª Mi///2ª Mi, Mi M;
2º Dístico, 1ª vez: 2ª Si, Si M///2ª Si, Si M;
2º Dístico, 2ª vez: 2ª Si, Si M///2ª Si, Si M (2ª Mi, excepto no final da 3ª quadra)

Informação complementar
Serenata estrófica em compasso quaternário (4/4) e tom de Mi Maior, com melodia algo incaracterística, representativa do repertório em voga na Belle Époque nos meios urbanos de Coimbra e Porto. A versão vulgar coimbrã seria conhecida pelo título “Fado do Penedo da Saudade”.
Na última cidade este tipo de reportório vinha a conhecer grande popularidade desde os anos em que Manassés de Lacerda ali se afirmara (ca. 1904-1909). Por muitos anos após a partida do cantor e compositor amador para o Brasil, ainda havia quem recordasse no Porto as incursões serenateiras de Manassés, Rua do Almada acima, dedilhando acordes de violão e atroando os céus com a sua voz.
Embora não inicialmente gravado com guitarra, o presente espécime foi composto e popularizado num dos momentos áureos do toque de guitarra em afinação natural. Bastavam dois a três acordes, alternando tónica e dominante, para se esboçar os rudimentos do acompanhamento do canto masculino a solo, elementarismo que a maioria dos tocadores de violas de arame regionais portuguesas já tinha de há muito superado.
Não dispomos de quaisquer elementos indiciadores da autoria da música, embora a tipologia deste espécime permita intentar uma aproximação ao círculo portuense de Manassés de Lacerda.
Espécime gravado ca. 1911, possivelmente na cidade do Porto, pelo tenor Luiz Ferreira, com acompanhamento de estudantina (Disco de 78 rpm Favre. 45612). Temos notícias de que os testes de prensagem ocorreram em 11 de Abril de 1911. Tendo em conta as insuficiências tecnológicas da época, a matriz é bastante audível.
Como fonte utilizámos uma cassete proveniente do arquivo pessoal do Dr. Aurélio dos Reis, tratada pelo Dr. Octávio Sérgio, onde este espécime figura identificado com designação de “Fado do Penedo da Saudade”. A 2ª quadra é uma variante da 5ª copla do “Fado das Ruas”, presente no reportório impresso de Manassés de Lacerda. A 3ª quadra tem variantes. No “Cancioneiro”, de Fernando Pires de Lima, a págs. 41, consta a seguinte:

Dei-te um beijo e tu coraste,
Dei-te outro e tu sorriste,
Os mais que te tenho dado
Foste tu que m’os pediste.

Luís Ferreira, que também gravou “Fado das Lágrimas”, não foi um cantor activo em Coimbra, embora cantasse temas do reportório Manassés e seguisse o estilo interpretativo Manassés.

Transcrição musical: Octávio Sérgio (2006)
Texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Dr. Aurélio dos Reis; José Moças (Tradisom)Posted by Picasa

Centenários do Nascimento de Armando Goes e Afonso de Sousa
Por José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

Sinal do reconhecimento do valor cultural da Canção de Coimbra enquanto manifestação artística singular, diversos vultos da Galáxia Sonora Coimbrã têm sido alvo de homenagens, em vida ou post mortem, desde a década de 1960. Na maior parte das situações conhecidas, as câmaras municipais da naturalidade dos biografados assumiram a realização das homenagens. Sem preocupações de exaustividade poderíamos indicar as homenagens feitas a Augusto Hilário (CMViseu), António Menano (CMFornos de Algodres), Nuno Guimarães (CMVila Nova de Gaia), Flávio Rodrigues (CMCoimbra), Edmundo Bettencourt (CMFunchal) e Ângelo de Araújo (CMSão João da Madeira).
Em 06 de Outubro de 2005 noticiámos no Blog “guitarradecoimbra” que em 2006 passariam 100 anos sobre o nascimento de duas importantes figuras da Galáxia Sonora Coimbrã, respectivamente Armando do Carmo Goes (Leiria, 01 de Março de 1906) e Afonso de Sousa (Leiria, 24 de Junho de 1906).
Em termos de blog não seriam exequíveis mais iniciativas do que a sensibilização pública para a proximidade das datas, a publicação exaustiva de inventários fonográficos, a divulgação de notícias biográficas e a salvaguarda de iconografia e recolhas sonoras. Todos estes objectivos foram concretizados até finais do 1º semestre de 2006, sem quaisquer gastos financeiros nem subsídios de espécime alguma.
À data da divulgação da notícia sobre os centénarios de AGoes e ASousa, que então se avizinhavam, acalentávamos a esperança de que estas duas figuras pudessem merecer alguma consideração em termos mais institucionais.
Parecia-nos razoável que AGoes e ASousa viessem a ser alvo de homenagens junto de instituições como o Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, a Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra e a Câmara Municipal de Leiria (terra da naturalidade dos dois artistas).
Tudo parecia indicar que a Câmara Municipal de Coimbra não deixaria passar em claro esta oportunidade, dado que em 2004 anunciou publicamente um monumental projecto de estudos e publicações que visavam suportar a candidatura da Canção de Coimbra a património classificável pela UNESCO.
Entrados no 2º semestre de 2006, não pudemos deixar de estranhar um tamanho silêncio institucional, quando os artistas em questão integram o pelotão das figuras maiores da chamada “Década de Oiro”.
Sem pretendermos usurpar as responsabilidades institucionais de quem se esperaria a iniciativa comemoracionista, sugerimos:

1 – Local: o local das comemorações tanto poderá ser Coimbra (espaço onde os dois artistas amadores efectivamente se afirmaram), como Leiria (local de nascimento);

2 – Biografias: os dados biográficos destes dois artistas encontram-se já devidamente levantados, sendo de esperar que motivassem uma brochura impressa minimamente digna;

3 – Inventários fonográficos: encontram-se concluídos e já divulgados neste blog, sendo oportuna a sua inserção em volume impresso;

4 – Recolhas musicais e respectiva salvaguarda: a obra fonográfica dos dois artistas foi transcrita neste blog na sua parte mais substancial, merecendo oportuna divulgação impressa;

5 – Reedições fonográficas: estão disponíveis e estudadas quase todas as matrizes fonográficas gravadas por AGoes e ASousa, registos que deveriam ter sido remasterizados e reeditados. Em nossa opinião, o trabalho de reedição ficaria enriquecido com uma reconstituição global da obra dos dois artistas, a qual se poderia confiar a duas ou três formações a convidar para o efeito;

6 – Sessão Solene: as comemorações poderiam rematar com palestras, espectáculo musical dedicado aos homenageados, lançamento de um livro (biografias, fotografias, inventário fonográfico, transcrições musicais e duplo cd anexo), incluindo as participações do Dr. Luiz Goes e Dr. Afonso de Oliveira Sousa.

2006 encaminha-se para o fim. Seria pedir muito? A “crise” económica justificará também a crise de ideias e de iniciativas?


O Grupo Capas Negras actua logo à noite na Galeria Almedina. Diário as Beiras, de hoje. Posted by Picasa


A Severa e Paradela de Oliveira Posted by Picasa
Durante longos anos inacessível aos cinéfilos devido à progressiva degradação da película, acaba de surgir nos escarapates uma versão restaurada e digitalizada em dvd do fonofilme "A Severa", numa iniciativa da revista "TV Guia". "A Severa" é o dvd nº 5 de um conjunto de 12 antigos filmes sonoros portugueses rodados nas décadas de 1930-1940.
Primeiro sonoro português realizado por Leitão de Barros, o argumento de "A Severa" foi escrito por Júlio Dantas, tendo por base as seguintes fontes:
-drama teatral de Júlio Dantas, "A Severa", editado e representado pela primeira vez em Lisboa a 25 de Janeiro de 1901;
-opereta "A Severa", que partindo do texto de 1901, foi musicada pelo maestro e compositor Filipe Duarte, com estreia no Teatro Apolo em 1909.
Em nosso opinião, mais do que um filme, a película estreada em 18 de Junho de 1931, pode ser vista como um conjunto de quadros (ou reportagens) fantasiosos e edénicos sobre a vida portuguesa de oitocentos, misturando: a) reportagens de Leitão de Barros sobre o Alentejo e o Ribatejo, numa alusão ao pitoresco rústico destituído de penares sociais; b) reconstituições da vida aristocrática da 1ª metade de oitocentos, orientadas por Júlio Dantas, bem palpáveis nas cenas do Palácio Fronteira, Palácio de Queluz e tourada à antiga portuguesa.
A actriz de teatro de revista Dina Moreira interpreta a suposta Severa-cigana, enquanto o toureiro António Luís Lopes faz de Marialva (um Vimioso disfarçado). Os actores nunca chegam a ser convincentes, passeando penosamente "bonecos" rasos e opacos, sem qualquer consistência psicológica. A cigana interpretada por Dina Moreira deixa mesmo antever certos habitus que Hermínia Silva perpetuará em palco.
Se Maria Severa nunca foi comprovadamente cigana, a guitarra de chapa de leque que exibe no filme não corresponde à guitarra de cravelhas que terá dedilhado até 1846 (e muito menos a de 2 bocas que se vê na cena da espera de toiros). Quanto às melodias que entoa (a voz de Dina Moreira é muito banal), nenhuma remonta ao tempo da Severa, apesar dos fados de época estarem recolhidos e impressos pelo menos desde finais do século XIX.
Leitão de Barros não recorreu às solfas coevas existentes no Cancioneiro de César das Neves. Recorreu ao jovem músico Frederico de Freitas (1902-1980) que satisfez a encomenda com viras, danças de inspiração popular e o "Novo Fado da Severa" (Ó Rua do Capelão). Mas a mais rica e bela melodia do filme não vai além de insípida banalidade na voz de Dina Moreira. Será preciso esperar pela versão Amália Rodrigues ou mesmo pela heterodoxa versão Dulce Pontes.
Acontece que certos trechos "fadísticos" entoados por Dina Moreira na película de 1931 lembram mais o "estilo de Coimbra" do que o "estilo de Lisboa" e ocorre também que as posições de acompanhamento e algumas notas aqui e ali do "Novo Fado da Severa" tangenciam uma composição conimbricense de Felisberto Passos conhecida pelo título de MINHO ENCANTADOR.
Simples coincidência? Talvez não...
Colaborou com Frederico de Freitas e entrou no filme como figurante e cantor o Dr. José Paradela de Oliveira, recém formado em Direito. Só vemos Paredela já no trecho final da película, em trajo popular, a cantar um vira no arraial de Santo António. Enquanto a Severa agoniza à maneira romântica de oitocentos, Paradela acaba o vira e desfila sorridente na marcha dos santos populares. Vencida a surpresa, José Paradela de Oliveira canta o vira muito bem, optando pela colocação de voz natural, de tal arte que dificilmente se encontra sintonia entre este desconhecido cantor de folclore e a voz que nos discos de Coimbra faz chorar as mais duras pedras da calçada.
Não constitui perda de tempo revisitar esta relíquia cinematográfica, justamente porque as suas imensas vulnerabilidades dela fazem um documento demasiado datado. Além do mais, lá se aninham grande parte dos ingredientes que virão a ser trabalhados com outra desenvoltura pelo cinema do estado Novo.
Fonte: "A Severa. Os Anos de Ouro do Cinema Português", DVD Nº 5, Edição TV Guia, ano de 2006, com textos de Fátima Lopes Cardoso.
AMNunes

sexta-feira, julho 28, 2006

BALADA DOS MEUS AMORES

Música: Luiz Fernando de Sousa Pires Goes (1933…)
Letra: Edmundo Alberto Bettencourt (1899-1973)
Incipit: Na rua da solidão
Origem: Cascais
Data: 1982-1983



Na rua da solidão
sem alegrias nem dores,
habita o meu coração
à espera dos meus amores.

Meus amores onde estão? (bis)

Uns partiram sem querer,
andam perdidos alguns,
outros são meus sem os ter
como se fossem nenhuns.

Quando e como os posso ver? (bis)

Há castelos, há inimigos,
que não os deixam passar,
mas sei que não temem perigos
e sei que me ouvem chamar.

Quero meus os seus castigos! (bis)

Da rua da solidão,
onde o sol mal chega às flores,
parte, vai, meu coração
em busca dos teus amores.

Meus amores vencerão!

Canta-se a letra de cada quadra seguida, apenas se bisando a frase intercalada entre cada uma das coplas, a qual funciona como uma espécie de estribilho atípico. Após a 4ª quadra, o verso final não é repetido.

Esquema do Acompanhamento:
1º Dístico: Fá M, 2ªFá, Fá M /// Ré m, 2ª Ré, Lá# M;
2º Dístico: 2ªFá, Fá M /// 2ªFá, Fá M;
Estribilho atípico: 2ªFá, Fá M /// 2ªRé, Lá# M;
Verso final: 2ªFá, Fá M;

Informação complementar:
Balada estrófica em compasso quaternário (4/4) e tom de Fá Maior, para barítono possante, gravada por Luiz Goes, acompanhado à guitarra por João Bagão e Aires Máximo de Aguilar e, à viola, por João Figueiredo Gomes e António Toscano no LP "Canções Para Quase Todos", EMI-VC 1775031, editado em 1983.
Esta “master piece” da CC alimenta-se de uma vocalização de grande envergadura, de nível operático, esteticamente situável nas derradeiras vanguardas do século XX. Constitui uma homenagem ao navegador solitário Edmundo Bettencourt (1899-1973). Luiz Goes vocaliza o tema com enorme comedimento operático, ilustrando um texto de rara beleza poética e inquietação espiritual, texto esse já de si marcadamente musical.
Em reportagem de 1965, José Carlos de Vasconcelos salientara este mesmo texto como eventual candidato a uma abordagem com assinatura de José Afonso (“Itinerário do Fado de Coimbra 5. De Bettencourt a Armando Goes”, in Diário de Lisboa, de 03/05/1965). João Carlos Bagão Moisés (Fig. da Foz, 14/06/1921-Lisboa, 09/12/1992), padecendo de crescentes limitações do braço esquerdo, patenteia um trabalho de acompanhamento digno, criando um prolongado efeito sonoro de desiludida amargura. Bettencourt afirma-se um questionador solitário. A “rua da solidão” é a vida que passa, espessamente controlada pelos aparelhos repressivos do Estado Novo. Mais esperançoso e vulnerável na 1ª parte, o poeta recusa o isolamento definitivo e indaga-se quanto às hipóteses de romper o confinamento em que vive. Na 2ª parte do texto, o autor enuncia os obstáculos que lhe tolhem a liberdade e propõe-se vencê-los. As palavras de ordem do estribilho atípico tornam-se mais incisivas, tanto no texto, como na prestação solística de Luiz Goes.
Com esta incursão, presentificada no LP de 1983, Luiz Goes presta sublime homenagem a um dos seus principais paradigmas inspiradores, lançando mão de um artista que lhe permitiu operar solidamente a ponte entre o Primeiro e o Segundo Modernismos da CC.
Obra de arte maior da CC, das mais notáveis da década de 1980, configura-se como excelente confluência de sensibilidades estéticas em termos de dicção, solo vocal, qualidade do texto, valor da melodia e trabalho de acompanhamento.
Reedições nos LPs "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC 2403611, editado em 1985; álbum duplo "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC 7919321, editado em 1989 (editados também em cassete).
Registo disponível também em compact disc:
-CD “Luiz Goes – canções para quase todos”, EMI 7243 5 34097 2 2, editado em 2001.
-"Luiz Goes. Canções para quem vier. Integral (1952-2002)", Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724358029727, ano de 2002, CD 4, faixa nº 4.

Transcrição musical: Virgílio Caseiro
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: Alexandre Bateiras e João Figueiredo Gomes Posted by Picasa


João Pinto Magalhães Posted by Picasa
João Pinto Magalhães, de alcunha LAGOAÇA, foi uma dos mais notáveis salatinas com actividade cultural assinalada na Alta de Coimbra entre 1900 e os anos de começo da 1ª Grande Guerra. Latoeiro de profissão, segundo a tradição oral, e não sabendo uma nota de música, revelou-se um bom excutante de violão de cordas de aço. No período que vai de 1905 a 1908 fundou, ensaiou e animou o Rancho Alegre Mocidade, activo na Rua Larga, nas Fogueiras do São João, arraiais da Rainha Santa e serenatas futricas fluviais.
Foi autor de um interessante conjunto de melodias ligeiras destinadas a serenatas e danças do pavilhão da Rua Larga (Fogueiras) que vieram a tradicionalizar-se como "populares" em Coimbra e diversas províncias. Uma dessas belas composições é precisamente o célebre "Se beijos fossem cantigas" que tem figurado nas recolhas do Grupo Folclórico da Universidade de Coimbra/Casa do Pesssoal e do Grupo Folclórico de Coimbra (orientado pelo Doutor Nelson Correia Borges).
Após a sua morte, João Lagoaça foi alvo de sentida homenagem. Nessa cerimónia singela (data?) estiveram expostos esta fotografia e o violão que habitualmente dedilhava.
Fotografia: espólio de José Lopes da Fonseca (José Trego)
Agradecimentos: Maria José Lopes
AMNunes


Serenata de Estudantes Posted by Picasa
Bilhete Postal ilustrado, intitulado "Coimbra. Uma Serenata d'Estudantes", numa edição da Papelaria Borges. Inicialmente fomos levados a situar este postal no período 1912-1916, mas num exemplar recentemente adquirido figura a data de expedição autógrafa 19 de Julho de 1906.
O cenário diurno escolhido foi o Jardim da Sereia, fronteiro ao terreiro de D. Luís (Praça da República). O grupo é constituído por 8 estudantes: 2 tocadores de guitarra (primitiva de Coimbra com voluta floral), 1 bandolim, 1 violão de cordas de aço e 4 vozes. O tocador de bandolim seria aluno do Liceu de Coimbra, sito aos Arcos do Jardim, em vizinhança com a UC. Um dos estudantes enverga uniforme militar, excepção sufragada nos diplomas da UC relativamente a alunos militares que podiam frequentar as aulas com os respectivos uniformes.
Reconstituição de tipo estúdio, feita em pleno dia, esta simulação de uma serenata académica aponta para um visual muito distanciado das poses hieráticas que só receberam consagração quando o Estado Novo ia adiantado. Salientem-se as evidentes peculiaridades do uso da Capa e Batina e os figurantes erectos, em ar de arruada oitocentista. Este tipo de visual conheceu farta consagração entre o século XIX e os alvores do século XX, tanto em serenatas clássicas de tocata reduzida, como nas aclamadas serenatas estudantinas (estilo tuna em desfile). Aplicando a esta ilustração uma frase muito em voga na época, este postal talvez pudesse subintitular-se "o passar da serenata".
AMNunes


Fernando Meireles e o Grupo de Fados Cidade Berço, esta noite, no Fórum Coimbra. Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa
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"Fernando Meireles é um artista e um artesão da mais fina sensibilidade com oficina de violaria posta na cidade de Coimbra (edifício da Associação Académica, instalações da TAUC) desde a década de 1980. Em constante diálogo com construtores e tocadores que regularmente lhe batem à porta, Meireles é sobretudo um sôfrego auto-didacta que tudo tenta experimentar, desde os segredos das madeiras, à invenção de delicadas ferramentas, às gomas e polimentos, aos embutidos manufacturados.
Estudou, construíu e divulgou como ninguém a Sanfona, um instrumento medieval muito popular na Europa, que também se tocava nas ruas de Coimbra. Tem fabricado com elevada qualidade o Cavaquinho, instrumento que está na génese do seu trabalho como construtor. Outra das suas coroas de glória é um Bandolim artesanal, com rosácea na boca e sonoridade excepcional, cujo modelo se acha definido pelo menos desde 2002.
Da Viola Toeira nem vale a pena falar. Não se conhece em Portugal quem a fabrique com mais mimo, dedicadeza, fidelidade aos modelos ancestrais e perfeccionismo requintado. Em geral, as produções Meireles apresentam acabamentos muito perfeitos e de grande requinte. Como construtor da Guitarra de Coimbra, Meireles está na linha da frente dos melhores fabricantes. Há tocadores de nomeada que preferem mesmo as guitarras da Oficina Meireles às da Oficina Grácio.
A Oficina de Fernando Meireles não é apenas uma sala comprida com um banco de carpintaria, muita ferramenta e velhos cordofones pendentes das paredes. É uma escola de vida, um recanto ecológico e apaziguador das iras do quotidiano, um local de tertúlia onde o artesão recebe de portas francas.
Não raro, Meireles recebe e vai conversando com os visitantes (quase todos eles admiradores da sua arte) enquanto trabalha. No meio da conversa pode tocar um pouco de sanfona ou de cavaquinho. Numa das vezes que passei na sua oficina fizémos uma brincadeira simpática, eu com uns acordes numa Viola Toeira do Manuel Louzã Henriques e o Meireles no Cavaquinho.
Os preços não são para todos os bolsos, mas a elevadíssima qualidade de Meireles paga-se (isto nada tem a ver com violeiros que, com pouca arte e muita banha da cobra fabricam instrumentos de qualidade duvidosa não se inibindo de praticar preços escandalosos!).
A obra de Meireles tem merecido justa divulgação, inclusivé no canal Odisseia da TV Cabo, não sendo demais as palavras que possam alargar o conhecimento público da sua arte."
AMNunes


A despedida dos Paredes Posted by Picasa
Almoço de confraternização da formação liderada por Artur Paredes que esteve presente em Coimbra nos festejos do 80º Aniversário do Orfeon Académico, em 05 de Maio de 1960.
São identificáveis na fotografia Afonso de Sousa (g), Artur Paredes (g), Condorcet (médico, sócio da AAEC), Carlos Paredes (g) e Arménio Silva (violão). Não dispomos de dados que nos permitam reconhecer a figura que ocupa o topo da mesa. Será o Dr. António Correia, emérito colaborador da revista "Rua Larga" e funcionário do Arquivo da UC? Não está presente, talvez por ser o autor da fotografia, o executante de viola de cordas de nylon António Leão Ferreira Alves.
Durante o sarau de gala realizado no Teatro Avenida, na noite de 05/05/1960, a formação constituída por 3 guitarras, 1 viola nylon e 1 violão aço, deslumbrou a assistência. Seria também a última vez que Artur Paredes e Carlos Paredes viriam a Coimbra expressamente convidados para abrilhantaram eventos culturais académicos.
Fotografia: espólio do Dr. Afonso de Sousa
AMNunes


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Luís Oliveira na guitarra e Luís Ferreirinha na viola, abriram a serenata com um instrumental. Mais tarde tocaram mais alguns, de execução difícil. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Canta João Barreiros, acompanhado por Luís Oliveira na guitarra e Luís Ferreirinha na viola. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Canta Nuno Silva, acompanhado por Luís Oliveira na guitarra e Luís Ferreirinha na viola. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Luís Oliveira toca guitarra. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Luís Ferreirinha toca viola. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. João Barreiros a cantar. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas, esta quinta-feira. Canta Nuno Silva. Posted by Picasa


Grupo Romance, no Quebra-Costas esta quinta-feira. São eles: João Barreiros e Nuno Silva a cantar; Luís Oliveira (g) e Luìs Ferreirinha (v). São também quatro bons primeiros tenores do Coro dos Antigos Orfeonistas.

quinta-feira, julho 27, 2006


"Coimbra Spaghetti" Posted by Picasa
Aproximação imagética a um cartaz promocional do controverso filme "Capas Negras", existente no acervo do Museu Académico. O cartaz foi pincelado com uma camada de verniz na década de 1950, pormenor que dificulta a reprodução fotográfica deste curioso documento iconográfico.
As imagens da película "Capas Negras", do realizador Armando Miranda, foram captadas em 1946. O filme estreou em Lisboa, no cinema Condes, a 10 de maio de 1947, e em Coimbra, no cinema Tivoli, numa 2ª feira, dia 19 de Maio de 1947.
Alvo de tremenda contestação, quer nos sectores direitistas, que nos meios reviralhistas, o protesto estudantil dos sectores que liam o enredo do filme como um afrontoso "Coimbra Spaghetti", não impediu o imenso sucesso de bilheteira registado em Portugal e no Brasil. Enquanto Amália Rodrigues catapultava o falso musical conimbricese "Avril au Portugal" nos meios franceses e norte-americanos, Alberto Ribeiro aproveitava para gravar no Brasil temas como "Feiticeira".
No reino do sonoro, o aproveitamento de motivos académicos para fins cinematográficos terá começado com o enredo de José Cottinelli Telmo para o filme "A Canção de Lisboa" (1933). A estória decorria em Lisboa, protagonizando Vasco Santana o boémio e esturdioso estudante de Medicina, mas alguns dos condimentos do "boneco" estudantil foram colhidos na tradição coimbrã.
Os motivos académicos de Coimbra pareciam constituir um filão apetecível à indústria cinematográfica voltada para a comédia musical, o ruralismo, o folclorismo e o tipicismo regional. Contrariando as prospecções de mercado, a contestação ao filme "Capas Negras" foi de tal ordem que a indústria de bens culturais recuou estrategicamente. Procurando apaziguar os ânimos, em 1948 os sectores afectos ao regime anunciaram a intenção de realizar um filme sobre a vida de Augusto Hilário, cuja parte biográfica, histórica e etnográfica seria assessorada por estudantes. O filme "Hilário" não passou de um enunciado de intenções. As apetências governamentais optaram pela transmissão de pacíficas "serenatas" em formato radiofónico, prática que se manteve até 1974.
Perante o recuo do campo cinematográfico, não é possível vislumbrar que caminhos teria tomado o uso da Canção de Coimbra após a incursão de 1947. Seria certamente uma produção do tipo "Coimbra Spaghetti", assente em temas e cenários esteriotipados, obedecendo a manipulações iconográficas para fins de entretenimento das massas.
Foi o que se verificou com os campos trilhados na época de ouro do vinil (formatos ep e lp) pela indústria de entretenimento liderada pelas casas de fados e editoras contíguas. O grosso da produção, ainda mal conhecida, ocorreu entre os alvores da década de sessenta e a transição dos anos 70 para a década de 1980. Nos anos 50 e 60 as gravações assentavam pesadamente em reportório estrófico, textos conservadores (os quais podiam ser fabricados especificamente para efeitos de montagem de espectáculos encenados por casas de fados, ou obedecer a fórmulas promocionais avançadas pelos estúdios de gravação e distribuidoras. Nestes casos, os textos seguiam fórmulas esteriotipadas), tocata típica de casa de fados (por exemplo, com guitarra de fado e violão baixo) e tentativa de reprodução da iconografia "capa e guitarra".
Nas situações mais flagrantes, a mercadoria "Coimbra Spaghetti" é imediatamente detectável pelo acompanhamento feito com tocata de fado em técnica de fado, a que acresce a vocalização muito formatada pelo estilo fado. Em cantores provenientes de sectores externos às casas de fados (corais, Emissora Nacional), a vocalização ressente-se de desempenhos que na época eram considerados como não integrando as fronteiras da "escola de Coimbra".
O trabalho de produção de capas de discos raramente ultrapassa as fronteiras do convencional virtual, podendo convocar imagens da Universidade de Coimbra (a Torre, obrigatoriamente), um cantor com capa traçada e guitarra de Lisboa ao colo, ou a clássica associação estudante/tricana (o cliché Capa+Guitarra ao colo constitui no universo estudantil uma eficaz transposição da iconografia Xaile+Guitarra da suposta imagem de Maria Severa, durante muito tempo vista como castiça cigana de xaile. Na década de 1980 ainda foi motivo de capa de disco de um antigo cantor de Coimbra)*.
Para a década de sessenta podemos indicar as vozes de João Queiroz, Américo Lima, Américo Silva, Ângelo Fernandes, Carlos Gonçalves, Jorge Lima e José Borges. Nos anos 70 são conhecidos Valdemar Vigário, Alves de Oliveira, Fernando Ventura e Frederico Vinagre. Um dos instrumentistas mais activo neste tipo de produções foi o guitarrista António Chaínho.
Há ainda produções discográficas menos pacíficas em termos de classificação, contudo não enquadráveis ipso facto na "escola de Coimbra", como acontece com Maria Teresa de Noronha (esta muito apreciada por certas figuras ligadas a Coimbra) e Loubet Bravo.
Esta matéria merece obviamente um longo e aprofundado estudo. Ao primeiro olhar/audição, e situando a questão no campo do fabrico de produtos-mercadorias para consumo das massas, não nos parece simples coincidência o facto de o grosso da produção vinil dos "Coimbra Spaghetti" ter ocorrido no ciclo de maré alta dos "Western Spaghetti" rodados em Espanha por realizadores italianos no período 1963-1977. O Tango não terá vivido na mesma época um processo semelhante, balizado entre os arrulhos do clássico feito em Buenos Aires, as mal amadas apropriações parienses/nova-yorkinas e as iconoclastias de Astor Piazolla?
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*Durante longas décadas, nada aproxima a iconografia da CC da iconografia convencional do Fado. Compare-se, por exemplo, a imagem de Augusto Hylario, de Capa e Batina e guitarra ao colo, em figurino próximo do seminarista/ou padre, com o quadro O FADO pintado em 1910 por José Malhoa.
A introdução do xaile no universo mitográfico do Fado (de Lisboa) terá começado a germinar por volta de 1901, data em que Júlio Dantas (1876-1962) editou o drama em quatro actos A SEVERA. Nesta peça de teatro, Dantas seguia uma tradição oral oitocentista recolhida por Alberto Pimentel ("A Triste Canção do Sul", 1904), a qual pretendia que a Severa fora uma cigana dissoluta.
Na peça de teatro estreada no São Luís em 25/01/1901, a actriz Ângela Pinto (1869-1925) representava o papel de Severa com trajos ciganos, nos quais se incluía um xaile. Uma aguarela de Alberto de Sousa mostra o boneco da Severa com um xaile muito garrido, "tradição" que veio a ser adoptada no filme de Leitão de Barros "A Severa" (1931).
Neste 1º sonoro português, a actriz Dina Moreira de Oliveira (1902-1985) contracena vestida de "cigana", com xaile florido e longamente franjado. O figurino tipo Severa=cigana prevaleceu em estampas de caixas de fósforos, no filme "A Severa", na capa da partitura impressa de o "Novo Fado da Severa", no livro de Sousa Costa "Severa", e em algumas fadistas como Maria do Carmo ""Alta" e Hermínia Silva (1907-1993). Nos derradeiros espectáculos gravados, em idade avançada, Hermínia Silva envergava um "manteau" de Manilla, em branco floral, com cadilhos longos e enramados, numa clara alusão à suposta veracidade da Severa-cigana.
A divulgação do xaile preto, combinado com vestido preto, parece que se deve a Amália Rodrigues. Esta imagem de marca surgiu em 1946, quando Amália integrou o elenco da opereta "Mouraria", onde interpretou o papel da fadista Cesária ou fadista de Alcântara (décadas de 1870-1880). A actriz e fadista Amália envergava vestido preto longo, lenço branco, xaile preto, com guitarra ao peito, propondo um visual hollywoodesco sofisticado. Em início de profissionalização, Amália usou xailes garridos, de tipo Manilla, em padrão negro com florinhas multicolores, que a aproximavam da lenda da Severa-cigana. Também em 8/03/1955 Amália incarnou o papel de Severa, numa reposição da obra de Júlio Dantas, tendo representando em trajos ciganos com guitarra no regaço (comparar este cliché com a mesma Amália na capa da revista "Vida Mundial", de 6/12/1945).
Em testemunho a Vítor Pavão dos Santos ("Amália. Uma biografia", 1ª edição, 1987), Amália Rodrigues informa que quando começou a frequentar as casa de fados como cantadeira estreante, à volta de 1939, as fadistas de nomeada no cartaz das casas costumavam cantar os fados com xaile pelos ombros e mãos à cinta.
Amália não precisa que tipo de xaile seria (preto, Manilla, outro), acrescentando apenas que destestava a referida pose vulgar. Tudo parece apontar para o xaile Manilla, popularizado nas casas de fados após o retumbante sucesso do filme "A Severa" (1931). Em 1946, adoptando o vestilo preto de cerimónia e o xaile negro, Amália reinventa a iconografia da fadista. Retira-lhe o aspecto vulgar e castiço da garrida Severa (que comprovadamente nunca foi cigana), suprime os ares de varina pregoeira com as mãos nas ancas e, imprime à fadista um visual austero, supostamente recebido de Cesária.
Evidentemente que se Severa não fora afinal cigana, muito menos no tempo de Cesária eram usados xailes pretos em Portugal. Todavia, a incorporação do xaile preto no universo do Fado não coube inteiramente a Amália Rodrigues. A opereta "Mouraria", de 1946, constituíu uma reposição da 1ª exibição feita em Lisboa, no teatro Apolo, a 28 de Novembro de 1926. Nessa opereta, com música do maestro Filipe Duarte, a cantadeira solista era Adelina Fernandes (1894-1983), uma notável soprano da década de 1920 que quanto a nós também interpretava excepcionalmente bem temas da Canção de Coimbra. Uma vez mais a história era falsificada. Maria Cesária, fadista de Alcântara, era falsamente domiciliada na Mouraria. Na referida opereta, Adelina Fernandes vestia xaile preto, em ilustração de um fado que então cantou, intitulado "Fado do Xaile". Temos boas razões para admitir que Amália Rodrigues se inspirou na Adelina Fernandes de 1926 para a teatratização avançada em 1946. Ainda assim, importa não perder de vista que no filme "A Canção de Lisboa", estreado em 07/11/1933, a fadista "Maria Albertina" canta no "Retiro do Alexandrino" com um xaile preto pelos ombros. Por conseguinte, antes da revolução amaliana, o xaile preto já seria usado ocasionalmente por algumas fadistas, pese embora sem a toilette cerimoniosa que passou a combinar xaile preto rico+vestido de gala preto.
Resgatadas as datações, só após a opereta "Mouraria", de 1946, é que alguns estudantes de Coimbra puderam intentar uma aproximação entre a páupera iconografia dos cultores da Canção de Coimbra e a nova imagem da fadista inventada por Amália Rodrigues. Mais difícil será explicar a sobrevivência desta aparente assimilação/fusão iconográfica na 2ª metade da década de 1980, sem perder de vista a lenta e agónica glaciação que lhe andou associada.
Aqui e ali sucedia, embora muito raramente, estudantes de Coimbra imitarem imagens fadísticas masculinizadas. Neste caso, a escolha recaía sobre Alfredo Marceneiro. Numa fotobiografia de Adriano Correia de Oliveira encontramos uma fotografia onde o cantor (Manuel Reis, "Adriano. Presente!", 1999, pág. 123) assume essa pose.
E dado que se falava de xailes: a associação do xaile floral cigano à figura da fadista Maria Severa Onofriana (1820-1846) é historicamente impossível pois Maria Severa não era cigana nem consta que tivesse ligações culturais ou musicais aos meios ciganos. No tempo da Severa o xaile ainda não fizera a sua introdução na indumentária portuguesa, usando-se à época capotes, capoteiras e mantilhas. Uma das peças mais típicas da Lisboa desse tempo, tipo "tapa-tudo", era o "josezito", um capotão com mangas pendentes, estudado e retratado abundantemente por Marina Tavares Dias; a tentativa de ligação do xaile preto à fadista Maria Cesária (décadas de 1870-1880) não é confirmável, pois no período referido tal peça de vestuário não integrava ainda a indumentária feminina portuguesa. Existiam xailes, mas nenhum deles era ainda o xaile preto de merino com cadilhos, nem seus variantes com belos enramados em relevo. Pelo que... qualquer semelhança entre o xaile preto do Fado e a Capa estudantil só pode ser fruto de imaginação fértil!
AMNunes

A Minha História de José Afonso

Havia um poema e um enigma disfarçado de canção, nessa voz atormentada e vagamente trémula que me dizia: “A toda a parte chegam os vampiros... “. Eu escutava­-o, baixinho e às escondidas, algo ensimesmado pelo acto do meu próprio entendimento, esforçando-me por decorá-lo mas não o compreendia. Pala­vra!, não o entendia porque não aprendera ainda o segre­do das suas palavras, nem isso a que hoje chamam o sentido figurado ou conotativo da linguagem que então se escondia por trás da sua música. Como compreender que o disco tivesse sido proi­bido (e creio preso ou dester­rado o seu cantor, como na altura se dizia), só por dizer que eles os vampiros, pousa­vam nas tulhas, traziam no ventre despojos antigos e nada os prendia às vidas acabadas? Ou seria simples­mente por aquilo de eles comerem tudo, tudo, tudo...
e não deixarem nada?
Assim começa a minha história pessoal acerca do Zeca. Não é verdade que todos temos uma história pessoal acerca de um homem paradigmático e superior como o Zeca? Podem ser histórias de amor ou de ódio, ou mesmo constataçães da mais plana e turva indiferença, mas nunca de um desconheci­mento diferente e distinto da pura e frívola ignorância. Por mim, que comecei por amá-lo antes mesmo de o entender, a história de José Afonso situa-se entre dois extremos opostos, os quais se tocam,de um lado, a minha inocência política, e do outro, a noção do tempo, da idade e da cul­tura. No extremo da inocên­cia, começa a memória de “Os Vampiros” e da sua proibição; no outro, colhe-me a surpresa de ter sabido ler o oculto, a alegoria dessa “Grândola, Vila Morena “, que afinal era a pro­fecia de um país, a sua espe­rança ou mesmo a sua identi­ficação. Não tinha idade para decifrar a mensagem, vinda na denúncia encoberta do tal poema que dizia: “Enchem as tulhas, bebem vinho novo/ Dançam a ronda no pinhal do rei”. Muitos anos mais tarde, soube desde o primeiro mo­mento que Grândola, na voz e na ideia do Zeca, não era apenas uma vila morena, muito plana, situada ao sul da cidade com um rio - mas a própria cidade branca e altiva da alma e da honra que muitos de nós conhecíamos...
Houve um tempo em que tínhamos apenas os nosso cantores. Hoje, temos a eter­nidade deles, que é feita à nossa medida. José Afonso continua fora do tempo e das geraçães porque nunca foi credo nem um mito, menos ainda uma lenda não compor­tada pelos sentidos da músi­ca. Ergueu em torno de si, sem nunca ter tido esse propósito, uma escola para a educação e para o sentimento do mundo. Da sua vida, é injusto dizer que pas­sou. Seria aliás ofensivo recor­dá-la apenas como um caso de fé. A única coisa que dela sei é que pode hoje estar aqui e amanhã ter-se ido ao vento, porquanto nunca teve um destino. Por andar ao vento, lhe chamaram andarilho. Por ainda agora ela, a sua música, se fazer ouvir, trovador.
João de MeIo, Lisboa, 1 de Junho de 1992
Do site da AJA.

quarta-feira, julho 26, 2006


Serenata Futrica, logo à noite, na Igreja de Santa Cruz. Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa

terça-feira, julho 25, 2006

SERENATA TRADICIONAL DOS ESTUDANTES DE SANTARÉM


HOMENAGEM AO DR. ÂNGELO VIEIRA ARAÚJO – 22.07.2006
Realizou-se com grande êxito, no passado Sábado - 22.07.2006, nas Escadarias do Largo do Seminário, a tradicional Serenata dos Estudantes de Santarém, organizada pelo Grupo “Guitarra e Canto de Coimbra” do CCRS, este ano valorizada pela Homenagem que o Grupo e os seus amigos quiseram prestar ao Dr. Ângelo Vieira Araújo, poeta e compositor dos mais conhecidos e cantados fados de Coimbra.
Pelas 18.00 horas decorreu no Forum “Mário Viegas”, do CCRS (Centro Cultural Regional de Santarém) a Sessão de Homenagem com uma Mesa de Honra constituida por: Dr. Ângelo Araújo, José Niza, Fernando Martinho (GGCC), sr.Vereador da C.M.S. e Dra Graça Morgadinho (CCRS).
Após as saudações de regozijo pela presença do Dr. A Araújo, nomeadamente pelos vários elementos da Mesa , o Dr. José Henrique Dias dedicou-lhe uma magnífica poesia em prosa intitulada “Contos Velhinhos”, passando pela sua meninice em Coimbra e pelas memórias do Ângelo, que sendo bem mais crescido o encantou pelo seu espírito jovial e ironia inegualável.
Gustavo Cerdeira e Marques Inácio apresentaram um pequeno filme e a Fotobiografia de A Araújo, cuja publicação deverá estar nas bancas em Outubro próximo. Evidenciada a sua criatividade multifacetada de músico, poeta e compositor foram recitados 3 poemas do seu livro “Amor, Amor e mais nada”: “Encontro” (gravado no Penedo da Saudade - Cantinho dos Poetas), soneto “A minha mulher” e o irónico “Ponto”.
José Niza referiu como o mercado discográfico relega a segundo plano e por vezes até esquece os compositores, salientando a importância das composições de A Araújo, enquanto renovador da Canção de Coimbra nos anos 40, penalizada pela inexistência de registos magnéticos, sequente á chamada “geração de Ouro” dos anos 20 (Edmundo Bettencourt, Menano, Artur Paredes, e outros) e percursora da geração seguinte nos anos 60 (onde se inclui), com José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luiz Goes, Manuel Alegre, António Portugal, tempo das baladas líricas, trovas e canções de protesto. Fernando Rolim recordou algumas histórias passadas e Ângelo Araújo tomou a palavra, reduzindo os elogios por modéstia e sintetizando numa só palavra, num só abraço o que sentia: Amigos , meus Amigos. E disse “ Coimbra no Coração”:

Eu não devia estar aqui...
mas estou.
Eu não queria estar aqui...
mas estou.
Eu não merecia estar aqui,
mas estou.

Pois só pelo prazer
De vos ver TODOS aqui
Me atrevi a esquecer
O não dever estar,
O não merecer estar aqui.

Porque o que vale a pena
é estarmos TODOS aqui,
é sonharmos a NOSSA COIMBRA AQUI...,
essa COIMBRA que comungamos
hoje aqui
e que sempre lá da Alta nos acena
quando NELA pensamos
e A Abraçamos mesmo de longe,
DAQUI.

Marcante de significado foi o encontro dos “jovens” Drs. Ângelo Araújo (87 anos) e Gonçalves Isabelinha (97 anos, sócio nº1 da Briosa) em pleno Largo do Seminário, numa troca de recordações emocionadas da sua Coimbra.
Pelas 22 h. a iluminada frontaria da Sé silenciou a numerosa assistência e as capas negras subiram as escadarias onde decorreu a anunciada serenata. Actuaram 3 Grupos com os seus instrumentistas, cantores e convidados:
O Grupo “Campa Rasa” com David Leandro e Valdemar Benavente (guitarras), Maranha das Neves e António Viegas Tavares (violas) acompanharam Rui Ferreira (Fado das Saudades e Fado das Andorinhas), Joaquim Mota (Fado das Águias e “Carta” de A Araújo) , Fernando Rolim (“Feiticeira”de A Araújo) e Arménio Marques dos Santos (“ Último Fado” de A Araújo ).
O Grupo de Fado de Coimbra do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) interpretou um fado inédito e outro com letra de Almeida Garrett constituindo a presença mais jovem, que assim afirma a continuidade da Guitarra e do Canto de Coimbra, deslocando-se propositadamente do Porto, solidários com a homenagem e com o convite feito pelo GGCC de Santarém.
O Grupo “Guitarra e Canto de Coimbra” do CCRS, constituído por Fernando Martinho, João Luís e António Madeira Lopes (Guitarras), Elias Rodrigues e Octávio Freitas (Violas) acompanhou Sebastião Louro em “Maria se Fores ao Baile” de A Araújo, Raúl Melo Santos em “Igreja de Sta Cruz”, José Beja no “Fado do Penedo”, Vitor Casimiro em “Senhora Partem tão Tristes”, José Dias em “Contos Velhinhos” de A Araújo, Arménio Marques dos Santos em “Santa Clara” de A Araújo, Fernando Rolim em “Balada do Crepúsculo” de A Araújo, Malha Valente em “Estrelinha do Norte” 2ª quadra de A Araújo, Octávio Freitas em “Fado Corrido”. Uma surpresa anunciada chegou quando o Dr Ângelo Araújo subiu as escadarias e nos cantou emocionado “Amor, Amor e mais nada... “ com todo o coro de cantores e amigos, em apoteose merecida e entusiásticamente aplaudida.

Para ter acesso a fotografias da serenata -----------------------------> http://www.flickr.com/photos/87306987@N00/
Texto e foto enviados po Elias Rodrigues Posted by Picasa


José Joaquim Isabelinha, Marques Inácio, João Moreira e Ângelo Vieira Araújo, no intervalo da sessão de homenagem a este último. Foto enviada por Elias Rodrigues.


Cartaz da Serenata em Santarém, no sábado passado e da homenagem a Ângelo Araújo. Enviado por Elias Rodrigues. Posted by Picasa


A Orquestra Clássica do Centro, com Paula Russo, sob a regência de Virgílio Caseiro, actua quinta-feira, na Cerca de S. Bernardo, homenageando Carlos Encarnação. Paula Russo foi a diva que interpretou a ópera O Barbeiro de Sevilha, na Via Latina, com a colaboração do Coro dos Antigos Orfeonistas. Posted by Picasa

segunda-feira, julho 24, 2006

Carlos Paredes - A magia da guitarra aliada à lúcida memória das coisas

A proposta era a de Carlos Paredes nos falar do seu album ES­PELHO DE SONS, recentemente editado e ao mesmo tempo relembrar José Afonso através da memória, das pequenas e gran­des histórias vividas em comum.
Carlos Paredes não aceitou o jogo. Quis falar e falou, quase só sobre José Afonso - “um grande amigo, um homem que marcou a sua geração” - relembrando momentos, acentuando facetas menos conhecidas.
”O José Afonso era um cantor ambulante, um músico ambulante no melhor sentido da palavra. Era um homem que oferecia a sua música aqui e além, onde era possível ter público. O José Afonso chegou a cantar em cima duma árvore, em cima dum camião. O que ele se propunha dar às pessoas não era só a sua arte de cantor. Tinha também por objectivo divulgar ideias, esclarecer as pessoas, levá-las a conversar sobre a vida”.
A guitarra portuguesa aparece quase sempre ligada ao fado. Carlos Paredes é um homem cuja tradição entronca na do fado de Coimbra. José Afonso bebeu dessa mesma fonte, como de muitas outras, mas, no dizer de Carlos Paredes, ele realizou-se muito melhor na balada.
”As apreciações que se faziam em Coimbra eram à voz, à ampli­tude da voz, à força da voz. Dizia-se que fulano tinha uma voz extensa, uma voz forte. Ora o José Afonso não era bem um cantor que correspondesse a estas características e precisamente por isso, saiu-se muito melhor nas suas baladas do que no fado. Mas as suas ligações a Coimbra eram bem fortes. Ocasião houve em que achou que havia figuras do fado de Coimbra que lhe mereciam todo o respeito e que, em certa medida, estavam na mesma linha que ele trilhara. Foi o caso de Edmundo de Betten­court do qual dizia sér um cantor progressista e inovador, e do meu pai que ele gostava muito de ouvir tocar. Acabou por gravar um disco de fados de Coimbra que foi uma forma de mergulhar nas origens, homenageando ao mesmo tempo uma tradição fa­dista que o havia inspirado, lírica mas não piegas.
O acompanhamento preferencial de José Afonso era a viola; Carlos Paredes vê nisso uma atitude inovadora, dado que a gui­tarra portuguesa limita o cantor.
”Eu não sou contra a guitarra portuguesa, como é lógico, visto que a toco, mas José Afonso tinha absoluta razão. Eu penso que a guitarra portuguesa molda o cantor. O cantor que canta ao som da guitarra portuguesa, quer queira quer não, acaba por ser in­tegrado num certo estilo. O José Afonso saíu disso. Compreendeu que a guitarra portuguesa o desviaria da busca de uma canção que correspondesse à sua própria personalidade. Suprimiu por­tanto a guitarra e sentiu-se mais liberto acompanhado pela vio­la”. E, aparentemente, mudando de assunto:
”José Afonso foi o marco de toda uma geração de cantores, num tempo em que a canção de protesto, a balada, foram bandeira e estandarte dos que procuravam a ruptura com o nacional-cin­zentismo” .
”Levou atrás de si outros cantores, e pode dizer-se que toda uma geração foi por ele inspirada. Surgiram assim nomes que dignifi­caram a canção em Portugal, a ponto de se ter criado esta divisão: os que correspondiam ao nacional-cançonetismo e os cantores de intervenção.
O nacional-cançonetismo era entendido como uma forma de comodamente se ignorarem os problemas, de se cantarem coisas que não fossem incómodas. A canção de intervenção, essa tinha uma capacidade de análise da realidade portuguesa, uma reali­dade dramática naquela altura”.
Para Carlos Paredes, em José Afonso as rotas da vida e da canção misturaram-se de forma exemplar.
”Nós nunca saberemos se foi através do percurso que escolheu para a canção que José Afonso encontrou o seu caminho da vida, ou se foi por ter escolhido um determinado sentido da vida que optou por um determinado tipo de canção. Parece-me que as duas coisas estão bastante ligadas. O José Afonso procurou a verdade e a verdade, naquela época, obrigava a trilhar esse ca­minho de denúncia com muita coragem, confrontando-se com perigos constantes. Mas ele era um homem de coragem, inteli­gente, interessado no futuro das pessoas, no mundo que o ro­deava e tudo isso traduzia nas suas canções. Algumas delas tor­naram-se autênticos símbolos que todos nós trauteávamos em determinadas ocasiões, porque tinham a ver com a existência de todos nós”.
”Penso - diz, rematando com um gesto a afirmação - que, com os anos, muitas das suas canções virão à memória a propósito de qualquer coisa”. E acrescenta:
”Ele disse-me um dia que gostava das minhas músicas, do meu reportório. Apreciava a alegria daquelas músicas, sentia profun­damente a vivacidade popular das canções.
Nesta conversa com o José Afonso pressenti que ele, já naquela altura, procurava fugir à melancolia do fado de Coimbra, àquele saudosismo a que era avesso, e fugindo da melancolia encontra­va-se com o povo, com o folclore. Talvez tenha sido por isso que a sua música se tornou tão universal.
”E Carlos Paredes dá conta do apreço com que eram ouvidas as canções do Zeca em alguns países por onde andou.Três dedos mais de conversa. Para o entrevistado já é tempo de dar a José Afonso o lugar devido, como figura nacional, ímpar na história da canção portuguesa.
”Eu participei em algumas festas de homenagem a José Afonso, mas devo-lhe dizer que essas homenagens deviam partir do pró­prio Estado, das próprias entidades oficiais. Independentemente de se ter ou não princípios idênticos aos seus, as pessoas devem reconhecer que José Afonso lutou por qualquer coisa que interes­sava a todos e que, criticando a vida nacional, estava a fornecer matéria para que se formasse uma ideia mais concreta das reali­dades. E isso beneficiou toda a gente, de esquerda como de di­reita. Nem sempre se entende assim, as pessoas estão fanatica­mente agarradas às suas idiossincrasias e não pensam que a ver­dade possa ser útil.
”A conversa flui. Um olhar ainda para “Espelho de Sons”, disco de Carlos Paredes recentemente editado, quebrando um “jejum” de quinze anos. “Espelho de Sons” é uma espécie de apanhado de ligações - diz - de circunstâncias, e sobretudo a presença do rio. “Com o meu conhecimento de Lisboa posso dizer que o Tejo é uma evidência constante na cidade (tal como o Mondego em Coimbra), que fatalmente acaba por influenciar os seus mú­sicos e que me influenciou a mim.
O “Espelho de Sons” é esta relação da guitarra ou do guitarrista com o seu mundo, o mundo em que vive, com quem convive, os seus problemas, as suas queixas.
”A conversa chegou ao fim. Uma última observação: “A obra de José Afonso é para ouvir no seu conjunto.
Cada canção corresponde a uma faceta, a uma característica diferente da sua maneira de ser. É uma obra virada para o futuro” .

Carlos Júlio in Revista nº2 da AJA, 1988

domingo, julho 23, 2006


Contracapa e capa do DVD "Movimentos Perpétuos" de Edgar Pêra.
Hoje, aniversário da morte de Carlos Paredes, o 2º canal de televisão transmitiu este magnífico filme de Edgar Pêra, em homenagem a Carlos Paredes.
É de facto um filme muito bem concebido e realizado. Há um senão, para mim: o ritmo alucinante das imagens por vezes perturba a visão e obriga-nos a desviar a vista do ecrã. O realizador escolheu a música ao vivo pelo que, em certos momentos, sentimos que já se ouviu aquilo mais bem tocado. Foi uma opção, não tenho nada a opor. As palavras de Carlos Paredes foram muito bem escolhidas. Estão perfeitamente integradas nas imagens. O som da guitarra foi bem captado. Está lá toda a magia deste grande génio da música portuguesa.
Há uma parte do texto inserido na contracapa que provavelmente não conseguirão ler, pelo que vou aqui transcrevê-lo:
*
Um dos melhores trabalhos desse singular director que é Edgar Pêra, senhor de um estilo inconfundível, aqui posto ao serviço de uma evocação e homenagem a um dos mais importantes músicos do século XX.
Manuel Cintra Ferreira . Expresso.
A câmara endiabrada do realizador funciona como uma espécie de negativo revelador da personalidade do músico: é quase um encontro predestinado entre Pêra e Paredes, ecoando através dos tempos uma mesma lusitana resistência à facilidade e à evidência.
Jorge Mourinha. Público.
A montagem de Edgar Pêra surge como um complemento livre da interpretação fluida e cristalina da guitarra, criando novas formas de percepcionar a música de Carlos Paredes.
Tiago Alves. Visão.

«O Carlos Paredes é um grandalhão»

Em carta dirigida a seus pais, datada de Faro a 23 de Maio de1964, Zeca Afonso refere-se nestes termos à sua passagem pela colectividade grandolense:

Eu e a Zélia estivemos em Grândola numa sociedade operária. Aí actuámos, eu e o Paredes (o filho é ainda melhor que o pai) no meio de uma assistência atenta e compenetrada, toda ela de operários e mulheres de xaile e lenço. Ofereci-lhes uma canção feita na véspera (16-5-64), uma espécie de evocação da terra alentejana e do seu símbolo ainda vivo na lembrança do homem do povo: a Catarina Eufémia, uma ceifeira de Baleizão morta pela Guarda Republicana em circunstâncias, que forneceriam matéria para uma cançâo de gesta. É claro, que não é isto que interessa manter nestes contactos efémeros com os «mujiks» do nosso tempo. Se alguma vez tiver de deixar esta terra é a lembrança dos homens que conheci em Grândola e noutros lugares semelhantes que me fará voltar. A sociedade grandolense é um casinhoto antigo com meia dúzia de divisões, uma orquestra, um grupo cénico e uma bibloteca. A direcçâo, toda ela constituida por operários, já promoveu a realização de palestras e concertos em que colaboraram o Alves Redol, o Romeu Correia, o Lopes Graça e o Rogério Paulo. As autoridades não só lhes têm recusado o mínimo apoío com têm entravado outras tantas iniciativas deste género. Em compensação os grupos puramente destínados a actividades recreativas (e são os que existem em maior número) funcionam permanentemente e com carta branca para realizar bailes e biscas lambidas. O Carlos Paredes é um grandalhão com aspecto simplório, mas o que esse bicho faz da guitarra é inacreditável! Nas mãos dele, este instrumento assume uma altura comparável à dos instru­mentos para música de concerto. Nada de trinadinhos à maneira do Armandinho. O exemplo do pai, o Artur Paredes, foi continuado pelo filho mas de uma forma diferente: só ouvido! O fulano consegue abranger duas séries de escalas exactamente como fazem os tocadores do flamengo e os grandes concertistas de guitarra espanhola.
Enviado por Miguel Gouveia


Grupo Quarto Crescente na Galeria Almedina, este sábado. Ricardo Dias toca guitarra. Posted by Picasa

Grupo Quarto Crescente na Galeria Almedina, este sábado. Paulo Larguesa toca viola. Posted by Picasa


Grupo Quarto Crescente na Galeria Almedina, este sábado. Patrick Mendes a cantar. Posted by Picasa

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