sábado, setembro 17, 2005

Itinerário “Fado de Coimbra”

Pelo Dr. José Carlos de Vasconcelos.
Reportagem publicada no Diário de Lisboa, edições de 26/04/1966, 27/04/1966, 28/04/1966, 30/04/1966, 3/05/1966, 4/05/1966.
Recolha e transcrição de António Manuel Nunes a partir do espólio documental Edmundo Bettencourt.
José Carlos de Vasconcelos nasceu em Freamunde, Paços de Ferreira, em 1940. Diplomou-se na Faculdade de Direito da UC em 1965, tendo colaborado nas actividades do TEUC. Com ligações ao grupo Poemas Livres, publicou em 1960 Canções para a Primavera. Integra os quadros da revista “Visão” e é director do “Jornal de Letras”. José Carlos de Vasconcelos interpela a CC, em particular os novos sentidos estéticos que passara a assumir desde os alvores dos “sixties”, para tanto efectuando uma viagem à roda da CC em seis dias. Entrevista diversos cultores vivos (que pena não ter colhido os testemunhos dos manos António, Francisco e Horário Menano, então a residir em Lisboa, e bem assim de Artur Paredes) e urde a espinha dorsal da sua narrativa a partir das vozes de António Brojo/António Portugal. Investir a dupla Brojo/Portugal na categoria de sumas autoridades da História da CC configurou um ardil do repórter, destinado a reforçar a credibilidade da reportagem. Aqueles cultores sabiam alguma coisa do seu tempo e não mais do que isso, como facilmente se desmistifica pelas declarações que prestaram em 1966 e sobretudo pela sua visão da história, publicamente exposta na monumental antologia vinil de 1984 (“Tempos de Coimbra. Quatro Décadas…”, obra que apenas mereceu críticas a José Anjos de Carvalho). Vasconcelos adopta uma postura mitigada perante as violentas tempestadades que haviam passado a sacudir a CC nesses anos sessenta. Aceita os contributos trazidos pelos agentes do Movimento da Balada e da Trova (ao contrário dos conservadores radicais que rejeitavam qualquer hipótese de incorporar as novas Baladas, Trovas e Instrumentais no universo da CC!), mas diverge da virulenta posição dos “baladeiros”, na medida em que ainda reconhece valor ao execrado repertório clássico. Eis uma muito interessante e extensa reportagem, dada a reler ao seu autor em 2002 (para efeitos de publicação na obra “Imagens e Representações da CC”), que importa descodificar contextualizadamente.

1 – Onde o Romantismo não é tudo mas é muito. Desde os Menanos aos nossos dias (Diário de Lisboa, 26 de Abril de 1966)
Quando, numa noite aromática de Primavera, o luar se espelha nas pedras polidas e morenas da velha Alta, e chega até nós a música clara e límpida, aguda, vibrátil, vibrante, de uma guitarra, e a harmonia menos nervosa, mais grave, mais repousada, de uma viola, acompanhando uma voz que canta, uma voz de estudante que atravessa a noite para se ir cravar, como uma seta, num coração feminino, ou que canta pelo puro prazer de cantar – é o próprio “Fado de Coimbra” que respira.
Este começo um pouco romântico, um pouco literário, mas também um pouco sentido, exprimirá para alguns a essência única do “fado”; e para alguns outros já nada, ou quase nada terá a ver com ele, tal como hoje o sentem e concebem. Sem dúvida que os primeiros serão muito mais numerosos do que os segundos: não talvez entre os estudantes de hoje, mas entre a legião imensa dos que passaram por Coimbra e para sempre ficaram presos ao seu sortilégio.
O facto é que qualquer uma das formas de pensar ou de sentir – como todas aquelas que colocam os problemas ao nível da inteligência ou da sensibilidade, em termos esquemáticos – nos parece errada, e se traduz num empobrecimento da realidade.

As novas formas: as baladas e as trovas
Aliás, quanto aos primeiros, há que distinguir liminarmente dois aspectos. Isto é: distinguir os que gostam das novas formas, das “baladas” e “trovas” de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou António Portugal, embora entendam que elas não podem ser consideradas “fados de Coimbra”; e os que, além de não as considerarem assim, não são sequer capazes de as apreciar, tendo a sensibilidade formada – e, enquanto incapaz de ultrapassar essas barreiras, deformada, ou pelo menos limitada – dentro de velhos cânones e moldes, e sem a plasticidade de espírito necessária para fazer evoluir, progredir, modernizar o seu gosto; e para, sem deixar de amar as coisas antigas, ter também capacidade para amar as novas.
O contraponto desta última posição é a daqueles que, por sua vez, não têm capacidade para gostar do que já hoje se chama o “fado clássico”, considerando-o ultrapassado, quando não lamechas e rotineiro. Em seu entender este “fado” já não corresponde a nada, neste tempo em que há coisas muito mais urgentes e que nos tocam muito mais intensamente as cordas da emoção do que o Mondego e as suas águas (que quase só existem na altura das chuvas e nas letras desses fados...), as tricanas (que já deviam ter desaparecido há muito: aqui também nós confessamos que nunca vimos nenhuma, e é por isso impossível a um estudante de hoje entoar-lhe loas), os lugares remansosos e líricos, desde a Lapa dos Esteios até ao Penedo da Saudade, ou as capas velhinhas a pedirem a naftalina necessária.

Os estudante de hoje e o “fado”
Ora isto só muito parcialmente é verdadeiro. E corresponde a uma lamentável atitude – que tem na sua base uma certa imaturidade, ou mesmo um certo infantilismo – que, para viver o presente, sonhando construir o futuro, parece ter necessidade de esquecer o passado. Não há dúvida – e já aqui o pusemos várias vezes em destaque – que os estudantes de hoje estão, na sua generalidade, muito mais preocupados, embrenhados na problemática do tempo que vivem – tempo em que, por sua vez, se impõe muito mais estar à altura – do que os seus colegas de épocas recuadas.
Mas isto não deve significar que deixem de gostar de outro tipo de “fado”. Se isso acontece, tal deve-se apenas a uma deformação, quiçá mais grave – ou, no mínimo, menos desculpável – do que a de sentido oposto, à qual nos referimos atrás.
Coimbra não é, na realidade, aquela cidade quase exclusivamente romântica de que falam alguns que nem a conhecem (ao menos por dentro) e outros que por ela tendo passado a vêem à luz única de um saudosismo sincero mas deformador – essa Coimbra que falam alguns dos nossos pais e avós, alguns dos velhos livros, alguns dos velhos “fados”.
Coimbra, hoje, acima de tudo – e pergunto a mim mesmo se não terá sido sempre mais ou menos assim, desde os tempos remotíssimos do génio maior da nossa poesia, até ao de Garrett e à Geração de 70, a Antero e a Eça: e que o foi, nos seus melhores momentos, não tenho qualquer dúvida – Coimbra, hoje, acima de tudo, dizia, é a terra de uma juventude que trabalha e luta, que procura ser digna de si própria. Mas que nem por isso se deve tornar, se torna, incapaz de vibrar com a beleza de um “fado” de Menano ou de Bettencourt, como com aqueles que hoje de certo modo lhe correspondem.
Por nossa parte – chamem-lhe romantismo, ou um qualquer outro ismo à escolha – confessamos que muitas vezes o velho “fado” nos emocionou: muitas noites de boémia ou de passeio, dessas vagabundagens em que um homem se mete a sonhar pela noite dentro, e, de repente, de qualquer rua ou qualquer quelho nos chega o eco vivo de uma voz anónima que canta, ou qualquer noite em que um dos seus antigos intérpretes volta ao convívio de Coimbra e do “fado”, às vezes com uma voz já insegura e tremendo de comoção mal reprimida.

Menano e Camacho voltam a cantar
Lembramos, entre tantas, duas dessas noites. Na primeira, era António Menano que voltava – o grande Menano que todos conhecem, que de um extraordinário intérprete quase passou a ser uma figura lendária. Após muitos anos de ausência em África, ele voltou a cantar numa “república”. Íamos jurar que vimos lágrimas em muitos olhos, a começar nos seus e dos velhos amigos e companheiros. As guitarras e as violas afinaram no seu ritual de sempre, e a emoção ia tocando tudo e todos. Comovido, comovente, nimbado de sonhos subitamente rejuvenescido. O seu canto envolveu-nos a todos num manto de deslumbramento, e a sua profecia dos românticos versos cumpriu-se:

Eu hei-de voltar um dia
Eu sou como as andorinhas

Na segunda, subíamos nós o Quebra-Costas, já a madrugada rondava perto, quando uma voz inconfundível rompeu lá do alto da Sé Velha. Não nos enganáramos: só podia ser ele. Augusto Camacho.
Um grupo de estudantes tinha coberto com as capas os candeeiros de iluminação pública. Só o luar desenhava aquelas sombras claras. Notava-se que Camacho tinha estado no convívio de Baco – sempre foi assim, dizem, que cantou melhor. E cantou, cantou sem cessar, quase com fúria, a sua voz potente espalhando-se por toda a Alta e enchendo as próprias entranhas da noite.
O “Fado de Coimbra”, na sua expressão mais autêntica, mais completa, mais emocionante – (a única verdadeiramente emocionante) – é esta. Lamento desiludir um pouco aqueles que só o conhecem através dos discos, da rádio, da televisão, ou até da chamada Serenata Monumental da Queima das Fitas, mas esta é de facto a verdade.

José Afonso: um marco
Pois o “fado coimbrão” conheceu nos últimos anos uma evolução decisiva, e que lhe veio abrir novos rumos e novas perspectivas, fazendo-o conquistar novas camadas de público interessado, por vezes mesmo entusiasmado. O que se ficou devendo sobretudo ao mais extraordinário dos seus intérpretes e compositores – José Afonso: que alargou sensível e revolucionariamente não só as fronteiras e o horizonte de certa música portuguesa.
Essas novas formas de expressão do “fado” – que alguns nem consideravam assim, como vimos – não vieram invalidar o interesse pelo “fado clássico”: pelo contrário, aumentavam sob múltiplos aspectos. Aliás – perguntar-se-á logo – não teria, até José Afonso, sofrido já o “fado” uma grande evolução, desde a época, não dizemos já do Hilário, mas de um Francisco Menano? E quais são as principais etapas dessa evolução?
Estas algumas das perguntas a que se tentará dar resposta nesta curta série de artigos. Mas, sobretudo, interessa-nos fornecer uma breve panorâmica histórica do fado, e arquivar neste dossier a palavra viva de alguns dos seus maiores nomes de todos os tempos: ouvindo, por fim, os seus actuais e mais representativos intérpretes e compositores.

2 – Uma visão panorâmica da sua história. Ouvindo António Brojo (Diário de Lisboa, 27 de Abril de 1966)
Para nos dar uma panorâmica “história do fado”, das suas linhas de força fundamentais, duas pessoas nos pareceram especialmente indicadas, pelo estudo que lhe têm dedicado, e pelo facto de, encontrando-se radicadas na cidade do Mondego, terem praticamente acompanhado e conhecido todos os maiores nomes do “fado”, mesmo aos antigos, que em peregrinação de saudade e em cura de rejuvenescimento aí regressam, de quando em vez, voltando a cantar como é fatal.
Referimo-nos ao Doutor António Brojo, professor da Escola de Farmácia, e a António Portugal, que ainda continua a ser estudante de Direito. António Brojo e António Portugal foram – e são – dois dos mais notáveis guitarristas de todos os tempos, e que, estudiosos atentos, interessados, não se limitaram a ser intérpretes – mas formaram uma verdadeira escola.
A conversa inicia-se e os nossos interlocutores vão-nos dando uma resenha dos principais nomes das sucessivas gerações, entrando em discussão sobre o valor deste ou daquele. E vão passando na tela da memória figuras maiores ou menores: mas todas tendo deixado marcada a sua passagem em Coimbra, de todos recordando os seus contemporâneos – e muitos que vieram depois – uma noite gloriosa, um “fado” que os emocionou, uma história para as noites de saudade ou de sonho.
E fala-se sucessivamente de Manassés de Lacerda, Paulo de Sá, Francisco Menano, António Menano, Edmundo Bettencourt, Lucas Junot, Armando Goes, Paradela de Oliveira, Roseiro Boavida, Frutuoso Veiga (Nani), Manuel Julião, Jorge Gouveia, Ângelo de Araújo, Napoleão Amorim, Augusto Camacho, Anarolino Fernandes, Mário Mendes, Almeida Santos, Alexandre Herculano, Alcides Santos, Rui Melo, Florêncio Neto de Carvalho, José Afonso, Fernando Rolim, Luís Goes, Machado Soares, Sutil Roque, Barros Madeira, etc..

As principais linhas de força
Estava-se, entretanto, a entrar numa especialização e numa dispersão incompatíveis com o teor jornalístico do nosso dossiê. Era necessário travar e orientar a conversa. Pedimos então, ao Doutor António Brojo que, com a colaboração de António Portugal, nos esquematizasse as principais linhas de força do “fado” através da sua história.
- Do Hilário quase apenas se sabe ter sido o intérprete do “fado”, a que se deu o seu nome, cujos primeiros versos são:

A minha capa velhinha
É da cor da noite escura

Manassés de Lacerda, Paulo de Sá, Francisco Menano e Alexandre Resende são os criadores de uma primeira linha, da qual vêm a ser intérpretes mais conhecidos António Menano e Lucas Junot.
Edmundo Bettencourt é o iniciador de uma outra linha, que infelizmente não tem encontrado continuidade, não obstante as corajosas tentativas de Mário Mendes e Machado Soares. Bettencourt, profundo conhecedor do “fado anterior”, revela um estilo novo – exactamente com Artur Paredes na guitarra. Aliás os dois estão indissoluvelmente ligados, e é impossível falar de um sem falar do outro.
Paradela de Oliveira está impregnado de Bettencourt, mas evoluiu para um estilo próprio mais próximo do de Francisco Menano.

Francisco e António Menano
Francisco ou António? – interrompemos.
- Francisco, extraordinário guitarrista, pois é ele que constitui a infra-estrutura do estilo do António Menano: foi ele quem criou as suas interpretações, desempenhando um papel importantíssimo na história do “fado”. Há três ou quatro anos, ouvindo cantar o António, verifiquei uma evolução num sentido de uma maior personalidade, ultrapassando o que o irmão lhe tinha ensinado. Aliás, estou convencido de que qualquer cantor ou guitarrista interpreta melhor – como expressão, embora talvez não como técnica – ao fim de alguns anos sem o fazer.
Mas regressemos então ao ponto em que tínhamos ficado.
- Na linha de Paradela de Oliveira podemos situar Augusto Camacho Vieira, Anarolino Fernandes, Fernando Rolim, o José Afonso da primeira fase, Sutil Roque e Barros Madeira.
Temos, depois, Armando Goes, que, mercê da sua extraordinária extensão ou amplitude de voz (foi o único solista simultâneo de todos os naipes do Orfeão), deu também um tom novo e pessoal ao “fado”. Dentro da sua forma de cantar – e é claro que tudo isto é relativo e subjectivo – apontam-se Ângelo de Araújo, Manuel Julião, Jorge Gouveia e Luís Goes (e dos actuais José Miguel Baptista, acrescenta Portugal).

Uma escola de fado
- Ângelo de Araújo tem uma grande influência na sua geração e na seguinte: entre os anos 40 e 50, é ele quem impera. Entre 50-55 surge Florêncio Neto de Carvalho, que, por sua vez, tem uma influência enorme na geração do Machado Soares, etc., compositor e doutrinador, ele tinha uma autêntica “escola de fado...”
À qual – interrompe António Portugal – o Doutor Brojo está intimamente ligado. Essa escola promoveu uma grande consciencialização do “fado”, num trabalho de reconstituição das grandes linhas clássicas, de revitalização, depuração e abriu as portas para novos voos.
Depois – retoma o Doutor António Brojo o fio da conversa – o Portugal, que já fazia parte deste movimento, foi o elemento de ligação, e é o homem que, por assim dizer, toma as rédeas. E é no Machado Soares e nele, por um lado, e no José Afonso (da 2ª fase) por outro, que entroncam duas novas correntes. Com as baladas do que podemos chamar a 3ª fase do Zé Afonso, é ainda uma etapa que começa.

As Baladas de José Afonso
E no que respeita às “trovas” do António Portugal e do Adriano Correia de Oliveira, onde as situa?
- Entendo que as trovas já estão muito influenciadas pelas baladas do Zé Afonso. O aparecimento das baladas rompe bruscamente com a “linha tradicional do fado”. Entre o “fado evoluído” do Machado Soares e as baladas há um fosso que as trovas vêm, de certo modo, preencher.
Aliás, as baladas podem representar um retorno às fontes muito longínquas do “fado”, se considerarmos, como eu, que ele tem a sua origem nos menestréis, nas trovas de amor medievais. Não teria o Zé Afonso levado mais longe a reconstituição das origens do “fado”? De resto, ele conhece os cantores da Provença: que podem tê-lo influenciado, até porque só sabe três ou quatro tons na viola – que são exactamente os das composições provençais.
Agora uma questão que hoje se discute bastante: para o Doutor António Brojo as baladas e as trovas podem ou não considerar-se “fados de Coimbra”?

O que é o Fado de Coimbra
- Penso que podem. A quem diga o contrário eu pergunto que semelhanças existem entre o “fado” do Hilário, do Bettencourt, do Armando Goes, do Ângelo de Araújo (ou entre a guitarra de Artur Paredes e do Francisco Menano, acrescenta António Portugal).
Para se considerar de Coimbra, acho que não importa nem a música nem a letra: mas a maneira de cantar. O António Menano interpretava a folclórica “Lá vai Serpa, lá vai Moura”, ou o “Fado Hespanhol”, que é um fado de Lisboa, tal como o “Sou ceguinho de nascença”, do Armando Goes; o Bettencourt foi buscar inúmeras composições de origem folclórica, como a “Senhora do Almortão”. Até aqui o Portugal já adaptou “Serra d’Arga”. E, no entanto, nunca ninguém deixou de lhes chamar “fados de Coimbra”.
Na verdade, entendo que toda a evolução é lícita, e que continua a ser “fado de Coimbra” desde que, insisto, o seja a maneira de cantar ou executar. Ora, a maneira de cantar do Zé Afonso está ainda integrada nas grandes linhas do “Fado de Coimbra”: na forma de expressão musical, de divisão silábica, entoação, etc..
O que acontece é haver quem não admita que o “Fado de Coimbra” seja mais do que o amor sublimado, romântico, tratado em uma introdução e duas quadras.
Com as suas palavras claras, e com as qualidades pedagógicas que tem, o Doutor António Brojo tinha-nos dado informações e opiniões que reputamos do maior interesse. Mas não resistimos à tentação de fazer mais uma pergunta ao grande guitarrista, que nesse domínio marca também uma época: se ainda gostava de tocar guitarra.
- As motivações que me obrigavam a tocar guitarra já não existem. Ainda gosto de tocar, mas para mim, sem obrigações – ou quando estou com certos amigos. É uma forma de descontrair, de desabafar quando estou preocupado. Mas quando penso no que toquei, e no que agora podia tocar, tenho pena de ter deixado de o fazer.

Os dois Paredes
Enfim fala-se só da guitarra: - nos guitarristas – dizem, agora, os nossos dois interlocutores – houve sempre a preocupação de dar à guitarra o lugar de instrumento independente, nobre – para o que muito contribuiu o Artur Paredes.
E depois: o Carlos Paredes tem uma escola retintamente coimbrã. Teve o melhor guitarrista de sempre como mestre – o pai. E a sua forma de tocar revela-o perfeitamente. E tanto assim é que ele constitui para os guitarristas de Coimbra de hoje um autêntico ideal a atingir. Mas o Carlos representa o limite: um estudante que queira estudar, só sendo um génio o conseguirá atingir.

3 – Ainda hoje gosto de cantar tanto ou mais do que no meu tempo, disse-nos Paradela de Oliveira (Diário de Lisboa, de 28 de Abril de 1966)
À nossa frente o Dr. Paradela de Oliveira. Sabia ao que íamos. E o diálogo estabeleceu-se imediatamente, sem necessidade de preâmbulos.
Há uma certa afectividade que logo se estabelece entre as pessoas que passaram por Coimbra, pelo simples facto de terem sido aí estudantes. Nem há razão para um romantismo exacerbado e exclusivo, nem para que ele se ponha de lado. É claro que tudo tem de aferir-se pelo tipo de vida de cada época. Os estudantes de hoje têm de preocupar-se, e preocupam-se, muito mais com a construção do futuro.
E antes de fazermos qualquer pergunta, Paradela de Oliveira – um dos nomes maiores da história do “Fado de Coimbra”, e o iniciador de uma das suas mais fecundas linhas de força – prosseguiu: foi no meu tempo de Coimbra que houve realmente (realmente, e não porque eu seja daqueles para quem no seu tempo é que tudo foi o melhor possível...) um núcleo mais valioso de artistas, um núcleo de facto ímpar. O Bettencourt deu ao “fado” um estilo novo, menos doloroso, mais optimista. Foi um caso à parte. E o mesmo se diga do Menano, meu contemporâneo igualmente, embora mais velho também.

Uma história no início de uma carreira
- Pouco depois de eu ter chegado a Coimbra, em 1924, mostraram-me o António Menano, no Largo de S. João. O estudantinho ido de Lamego, e que gostava de cantar, olhou para ele como para um ídolo. E no dia seguinte um meu grande amigo que tocava guitarra, o irradiante de simpatia Carlos Homem de Sá e Serpa, e o Júlio Ribeiro da Costa, um ás do futebol de então, perguntaram-me: você era capaz de cantar aí umas coisas para um amigo que vem de Lisboa? Apresentaram-mo e eu não mostrei reconhecê-lo. Começou a fazer umas observações e eu disse-lhe: o sr. Parece que entende muito disto. Já deve ter ouvido o Menano.... Bem... bem... – replicou – Afinal estou a ver que o caloiro já o conhece.
O Dr. Paradela de Oliveira continuava a falar. E era bem visível o seu entusiasmo: um entusiasmo em que a saudade e a nostalgia se confundiam.
- Daí a pouco passaram em Coimbra uns estudantes argentinos, que foram visitar a República Transmontana. O Menano não pôde cantar e o Bettencourt não o quis fazer. Um colega que sabia já eu cantar no liceu, foi-me buscar a mim. Ao princípio recusei-me, mas acabei por ir. Os guitarristas e violas acharam que tinham feito uma descoberta, e logo no Carnaval fui com a Tuna Académica numa viagem à Andaluzia. E no fim do ano – um ano de caloiro em cheio! – fui também com a Tuna ao Brasil. À Andaluzia como cantor fui só eu. Ao Brasil foram mais o Lucas Junot, o Agostinho Fontes Pereira de Melo – um cantador à moda antiga. Como guitarras os inesquecíveis Artur Paredes e Paulo de Sá.
Com tudo isto – e muito mais! – tive que vir para Lisboa no 3º ano, para concluir o curso. Senão... Mas ainda voltei, ainda fui aos Açores e participei em saraus, festas, etc..
- Na opinião do Doutor António Brojo e do Portugal, o seu estilo teria sido, no início, influenciado pelo Bettencourt. Concorda?
- Julgo que fui mais influenciado pelo Lucas Junot, embora reagindo contra certo preciosismo, certo sentimentalismo exagerado: nesta reacção tenho certas afinidades com o Bettencourt, por quem tenho a maior admiração – mas não há influência, pois até essa altura tinha-o ouvido muito poucas vezes. Por outro lado, também me preocupei sempre em escolher boas letras, com quadras que se ligassem e completassem.

A emotividade na base de um estilo
Um outro aspecto: que discos gravou o Dr. Paradela de Oliveira? Gravei pela primeira vez em 1928 ou 29, e depois de novo em 30, mais aí uns seis discos. E há quatro ou cinco anos apenas voltei a gravar, em 45 rotações, acompanhado por João Bagão, Amaral e Arménio Silva. Mas gravar é horrível para uma pessoa como eu, que canta conforme o grau de emotividade em que se encontra.
- Acha que com o tempo se ganha realmente em expressão, embora até se possa perder em técnica?
- Sim, a mim aconteceu-me isso. É que vai-se pensando melhor nos problemas do “fado”, e não se abusa dele. Eu era excessivamente transigente. Nunca dizia a ninguém que não, fazia uma serenata: passava a vida a cantar, até debaixo de chuva intensa. É claro que isso tinha de prejudicar-me a voz. Sob outro aspecto, o ambiente de Coimbra influencia um certo sentido romântico, de exagero expressivo. Ora, depois entra-se numa vida mais calma e ganha-se maturidade. Assim, vim a conseguir um equilíbrio que não tinha no meu tempo de estudante: para o que também contribuiu, devo dizer, minha mulher, que tem um grande sentido musical, de afinação, e que me “meteu um pouco nos varais...”.
Falámos depois de alguns dos mais célebres “fados” criados por Paradela de Oliveira – não só cantor, mas compositor igualmente. E mais (o que desconhecíamos): autor de algumas letras tão conhecidas como a desta quadra já clássica do “Fado de Coimbra”:

Eu hei-de voltar um dia
Que eu sou como as andorinhas
Quando as tuas saudades forem
Bater à porta das minhas.

O fado antigo e o fado novo
Entramos numa das questões agora mais na “baila”, como soe dizer-se: poderão e deverão as “baladas” e as “trovas” de hoje considerar-se “Fado de Coimbra”?
- Primeiro devo dizer que, de qualquer forma, elas me agradam. Sinto que por vezes há uma preocupação excessiva de fugir ao “fado tradicional”, o que comporta perigos que uns vencem – como o José Afonso – e outros não.
Eu suponho que é defensável este ponto de vista: o “nosso fado” é sobretudo uma síntese das influências que dos diversos pontos do País vêm ter a Coimbra; tudo isto caldeado pelo seu ambiente típico e pelo seu carácter.
Depois houve um momento em que em Coimbra, por casualidade, se encontrou uma série de gente, com bastante afinidades – para além do que cada um tivesse de pessoal – e que impôs uma certa forma, um certo estilo. Não será mais ou menos destas geração, a que pertenceram com pequenos intervalos, o Menano, o Bettencourt, o Junot, o Alexandre Resende, o Armando Goes, eu próprio, etc., que veio uma certa concepção do “fado”? Ora pode haver outros que tragam um estilo novo, e vão, desta maneira, construindo um novo “Fado de Coimbra”.

Ainda hoje gosto de cantar
Para terminarmos a nossa conversa, resolvemos mudar de rumo, e perguntámos:
- Ainda gosta de cantar?
- Sim, ainda hoje gosto de cantar, tanto ou mais do que no meu tempo. Sobretudo gosto de, quando vou a Coimbra, fazer a minha serenata – nas ruas e na Sé Velha. Até porque, agora, conseguir cantar “um fado” de maneira que agrade aos outros, e no qual haja ainda alguma juventude, é uma forma de me convencer que ainda a não perdi toda – o que é uma coisa consoladora para quem, como eu, já está a entardecer na vida. E felizmente que (e digo-o sem qualquer espécie de vaidade) ainda conservo muitas faculdades: de emotividade, gosto, entusiasmo.
E a concluir:
- Os que cantávamos, e os que tocavam, em Coimbra, no meu tempo, éramos todos muito amigos – ainda agora é um regalo encontrarmo-nos! – e amigos dos poetas, de José Régio, Bettencourt, António de Sousa, Fausto José, etc.: nós, de certo modo, tentávamos ser os seus intérpretes. Aliás, para mim, cantar é uma forma de ser poeta.
E notava-se que assim era, pela emoção, pelo entusiasmo, pelo calor humano que tinha posto nas suas palavras. Em certa altura, não resistiu mesmo ao impulso de cantar, em voz baixa, quase a murmurar, na sua voz inconfundível, algumas das suas composições. E foi como alguma coisa de Coimbra tivesse, de súbito, irrompido naquele escritório da Rua Augusta. Tínhamos falado com um homem de alma inteira....

4 – Diálogo com Edmundo de Bettencourt. O cantor em que a poesia e o fado deram as mãos para sempre (Diário de Lisboa, de 30 de Abril de 1966)
Edmundo de Bettencourt. Um nome que é uma legenda. Para muitos, o maior cantor do “Fado de Coimbra” de todos os tempos. Mas, o maior ou não – até porque afirmações deste teor dão sempre a possibilidade de se julgar que alguma vez houve entre os grandes nomes do “fado” um espírito competitivo, o que é absolutamente falso – um cantor da primeiríssima linha. E também o notável poeta revelado na Presença, a célebre revista coimbrã de que foi um dos fundadores, e de que seria mais tarde, com Miguel Torga e Branquinho da Fonseca, um dos dissidentes. Isto tudo: uma personalidade cheia de riqueza, um espírito fraterno, um criador autêntico, um homem tímido, modesto em exagero, com pudor até de falar de si.
É esse homem que temos ao nosso lado. Conversamos sobre muitas coisas, sobre a vida e a poesia, sobretudo: vida e poesia que andam sempre indissoluvelmente ligadas nos verdadeiros poetas. E depois também sobre Coimbra e o fado. Dissemos a Edmundo de Bettencourt que, na opinião unânime dos mais esclarecidos elementos da geração actual, ele tinha sido o primeiro intérprete a quebrar a linha tradicional e trazer um estilo novo para o fado.

Um estilo novo de origem popular
- O António Menano – diz-nos Bettencourt – era um extraordinário intérprete, mas procurava fazê-lo mais como as pessoas de voz trabalhada. Eu procurei, antes, aproximar-me um pouco da canção, sobretudo da canção regional – que, aliás, eu gostava muito de cantar. O “Fado de Coimbra” já se ia tornando de um sentimentalismo convencional: eu sentia-me mais um cantor popular, sem as responsabilidades de qualquer escola, e que cantava um pouco em bruto, ao sabor da intuição e da emoção. Além disso, procurava não repetir o programa dos outros, e até lancei “fados” de compositores de segunda ou terceira como o “Fado dos Olhos Claros”.
O António Menano tinha uma voz de tenorino, mas que enchia uma sala enorme, como a do Coliseu. Ainda cantámos juntos duas vezes, apesar de ele se ter formado no ano anterior à minha chegada a Coimbra.
E o Francisco Menano?
- Bem, o Francisco Menano foi o grande mestre dessa geração. Era ao mesmo tempo uma espécie de animador do sentido musical, que estimulava essa faceta da tradição coimbrã – inclusive a das Fogueiras – e compositor de grande nível.

Afinidades com Artur Paredes
Concorda o Edmundo de Bettencourt em que o seu estilo e o de Artur Paredes tem muitas afinidades?
- Há, de facto, uma coincidência entre mim e o Paredes, que foi quem me acompanhou sempre, e por quem sempre tive a maior amizade e admiração. Ele chocava muita gente, que o considerava agreste a tocar – pois ele criou, de facto, um estilo novo. Tocar à maneira de Coimbra era, nessa altura, tocar como o Francisco Menano. Paredes considerava-o um mestre, mas dizia que o seu temperamento era mais brusco, por isso tocava de outra maneira. De facto, ele é um impulsivo: quando começa a tocar, numa noite de boa disposição, nunca mais para, e vai tocando cada vez melhor. No filho, no Carlos Paredes, há a acrescentar ainda a formação artística que lhe dá uma perfeição única.
Estas palavras de Bettencourt lembravam-nos os versos de José Régio que dão, muito bem, este carácter do Artur Paredes:

Ai choro com que o Paredes
Vibrando os dedos em garra
Despedaçava a guitarra
Punha os bordões a estalar.

Um testemunho de Afonso de Sousa
E lembramo-nos também do que Afonso de Sousa – guitarrista que foi um dos companheiros de Artur Paredes, e que com ele acompanhou os grandes nomes da sua geração: e também um apaixonado da vida académica coimbrã, de que tem dado múltiplas provas – escreveu sobre Bettencourt: “(...) o mais intelectual trovador que passou por Coimbra, senão o de mais larga projecção em todo o Portugal.Na base deste intelectualismo – superioridade na visão, justeza no senso crítico – enraizou todo o seu acerto nos motivos preferidos, desprendendo-se de toadas doentias, repudiando as dolências depressivas, não transigindo com arrastamentos de frases, seleccionando, enfim, tanto a letra como a música a que a sua privilegiada garganta daria forma e expressão.E assim nasceu um cantor sadio, sugestivo e original! Mas, cousa singular! Na graça e na euforia que irradiam dos seus cantares, tudo por caprichoso sortilégio de seu temperamento – paira um fluído sentimental tão insinuante e activo que a alma se detém num transporte embriagador”.

Dez contos por cinco gravações transformados em discos para os amigos
Continuando a nossa conversa com Edmundo de Bettencourt, perguntámos-lhe que discos tinha gravado.
- Em 1929 ou 30, gravei cinco discos. Voltei a gravar em 31 ou 32, mas rejeitei as gravações. Ainda gravei uma última vez, mas já não me lembro do ano – já foi há tanto tempo! Nessa altura as gravações faziam-se em estúdios improvisados (a primeira que fiz foi no Palácio dos Carrancas, no Porto) e eram muito imperfeitas.
Pelos cinco primeiros discos pagaram-me dez contos. Com esse dinheiro comprei um gramofone e discos para todos os gostos: e na minha casa começavam, então, a reunir-se com mais ou menos frequência, para ouvir música, quase toda a gente da Presença, e mais alguns amigos. Entre os mais assíduos de que me recordo agora, contavam-se Miguel Torga, José Régio, Branquinho da Fonseca, Fausto José, Artur Paredes, José Oliveira Neves, Alves Machado, Albano de Noronha, Artur Espanha e Francisco Bugalho.

A chegada a Coimbra
Falou-se, depois, da chegada de Bettencourt a Coimbra:
- Fui de Lisboa já com os dois primeiros anos feitos. Fiquei uns dias instalado, provisoriamente, na República dos Sovietes da Matemática, e, depois, passei para a República do Funchal, onde éramos todos, ou quase todos, conterrâneos.Lembro-me que a primeira coisa que me impressionou foi ver muitas capas... e muitas barbas. E foi, sobretudo, o ambiente de camaradagem e amizade, que em Lisboa não havia. Coimbra é, de facto, uma terra única.
E Bettencourt desfia algumas recordações, falando devagar, com aquela espécie de pudor com que sempre se refere a tudo o que lhe diz respeito, a sua voz clara, um pouco metálica, levando-nos, com emoção reprimida, até ao passado.
_... mas depois, no fim do ano, tive de mudar. Éramos todos bons amigos e companheiros. Mas fazia-se ali uma vida boémia demasiado violenta para mim...

Onde se fala da poesia
Grande parte do nosso diálogo com Edmundo de Bettencourt tinha sido sobre poesia. Um diálogo cheio de interesse... mas que estava fora do nosso fim imediato. A certa altura, falou-se de Afonso Duarte esse grande poeta e grande homem: que como poeta conhecemos através dos seus versos, que tiveram o dom de se tornarem cada vez mais notáveis e mais novos, à medida que o tempo ia embranquecendo os cabelos do poeta, e como homem conhecemos, sobretudo, através de testemunhos sempre comovidos que sobre ele nos deu o Doutor Paulo Quintela, ao longo de um inesquecível convívio de todos os dias.
- Afonso Duarte, no meio do grupo da Presença, manteve sempre o seu espírito de intransigência e rebeldia. E foi o mesmo, aliás, o espírito da nossa dissidência...
Fala-se, depois do manifesto a gozar com Correia de Oliveira, quando em Coimbra lhe promoveram uma homenagem.
Manifesto um pouco maldoso – diz-nos Bettencourt – com a impetuosidade da juventude, e que foi redigido pelo Torga, pelo Branquinho e por mim.
Conversar com um artista e um homem como Edmundo de Bettencourt é um gosto. E, por isso, a conversa se foi prolongando, de tal maneira, que temos de deixar a sua conclusão para o quinto número deste nosso itinerário. Um itinerário em Bettencourt é uma longa e admirável paragem obrigatória.

5 – De Bettencourt a Armando Goes. Onde se termina um diálogo e se estabelece outro (Diário de Lisboa, de 3 de Maio de 1966)
O nosso diálogo com Edmundo de Bettencourt continuava. Fizemos referência à sua originalidade como poeta e como cantor. E a conversa encaminhou-se para esse campo:
- Sempre me agradou fazer experiências, mas nunca procuradas: antes despertadas em mim por alguma coisa de profundo. Só uma completa sinceridade, um apoio íntimo temperado por uma certa autocrítica, me levava a essas formas novas. Quando se chega a qualquer coisa de original é quase sempre sem dar por isso, e não por deliberação própria.
A nossa opinião era a mesma. E não pudemos deixar de lembrar aqueles que julgam possível ser-se original porque um dia se resolve sê-lo: e que, é claro, não passam de um vanguardismo de fachada, de um formalismo gratuito e tantas vezes ridículo.

Onde se continua a falar de poesia
Fala-se de espontaneidade, e, para confirmar que ele pressupõe sempre, ao nível da arte, uma certa elaboração posterior ao próprio momento da criação, Bettencourt dá-nos vários exemplos tirados de João de Deus, e de um velho livro seu que lhe veio parar às mãos. João de Deus, aliás, é um exemplo que já José Gomes Ferreira, um dos nossos maiores poetas, também aponta.
- Um poeta, diz Bettencourt, tem de conseguir um certo alheamento dele próprio, até chegar a uma espontaneidade que lhe dê tudo que ele é capaz de dar: deve aventurar-se, mas prudentemente.
E mais à frente:
- Ser simples é muito mais difícil, em poesia, do que ser complicado. E nas coisas que faço sinto-me muitas vezes complicado de mais.
Bettencourt faz então algumas referências muito simpáticas para os nossos poemas, e resolvemos mudar de assunto... Ou melhor: voltar àquele que era o tema central do nosso encontro. Antes do que, porém, Bettencourt ainda nos fez esta revelação:
- É perigoso dar a primazia à imaginação, pois nós vivemos cá neste mundo. Muita gente se iludiu julgando que eu fugia da realidade, quando para mim o ponto de partida sempre foi a realidade concreta. Nunca me afastei disso.

... e onde a poesia e o fado se dão as mãos
Bettencourt concordou com a observação que em seguida lhe fizemos:
- Sim: admito que haja influências do cantor no poeta, no sentido de uma certa musicalidade sobretudo.
E do poeta no cantor? – perguntamos.
- Isso é muito complicado, e nunca pensei nisso. Mas qualquer dia hei-de reflectir sobre esse ponto.
É claro que nós, pela nossa parte, temos a certeza que sim: Bettencourt é também um poeta do fado. E sobre a música dos seus poemas e as suas afinidades com a toada do fado, bastará transcrever esta bela balada – que ele bem poderia cantar, ele ou o José Afonso – do último livro de Bettencourt:

Na rua da solidão,
Sem alegria nem dores,
Habita o meu coração
À espera dos meus amores.

Meus amores onde estão?

Uns partiram sem querer,
Andam perdidos alguns,
Outros são meus sem os Ter
Como se fossem nenhuns.

Quando e como os posso ver?

Há castelos, há inimigos,
Que não os deixam passar,
Mas sei que não temem perigos
E sei que me ouvem chamar.

Quero meus os seus castigos!

Da rua da solidão,
Onde o sol mal chega às flores,
Parte, vai, meu coração,
Em busca dos teus amores.

Meus amores vencerão!

No domínio da quadra
Mas o Bettencourt nunca fez letras para “fados”?
- Fiz muito poucas, e só excepcionalmente. Duas delas, para um “fado” de um compositor que era considerado de segunda, Mário Fonseca, e que eu resolvi cantar. Como os “fados” falavam sempre de “olhos negros”, e eu achava que já era escuridão a mais... chamei-lhe “Fado dos Olhos Claros”, e as quadras, banais na sua essência, mas pareceram-me que com um certo dinamismo, eram assim: A luz dos teus olhos claros/É uma estrela a lucilar/Que eu ora vejo no céu/Ora nas ondas do mar. /Oh olhar da claridade/Olhar de luar e água/Sagrado espelho onde vejo/A sombra da minha mágoa. E algumas outras.
Entre essas outras, uma destinava-se a completar a conhecida cantiga de Monsanto da Beira – que Bettencourt canta de uma forma insuperável – “uma das mais preciosas jóias do nosso folclore”, na autorizadíssima opinião de Fernando Lopes Graça, e cuja primeira quadra é esta: Era ainda pequenina/Acabada de na(s)cer/Inda mal abria os olhos/Já era para te ver. A quadra de Bettencourt é assim: Quando eu já for velhinha/Acabada de morrer/Olha bem para os meus olhos/Sem vida ainda te hão-de ver, e já entrou também no domínio popular, que alterou o último verso para Inda são para te ver.
... e assim, com este final, é que está certa, concorda Bettencourt.

Certa noite em que parece que nem pisava o chão...
_?
- Depois de sair de Coimbra nunca mais voltei a cantar ao contrário, por exemplo, do Paradela de Oliveira, de quem sou velho grande amigo e admirador. Gosto de ouvir. O Zé Afonso, por exemplo, entre os novos. Às vezes ainda trauteio qualquer coisa, às escondidas... E tenho pena. Recordo-me do ambiente de certas noites em que parece que nem pisava o chão... Coimbra é de facto uma terra única nesse aspecto, e tem um cenário que parece ter sido feito para o fado, criando-se um ambiente que é impossível existir noutra parte.
Mas então porque nunca mais voltou a cantar, pelo menos numa das suas idas a Coimbra?
- Isso vinha-me lembrar outros tempos. Eu vivi muito Coimbra, realmente: e hoje, ir lá e cantar custar-me-ia imenso – por ter de voltar embora no dia seguinte...
O nosso diálogo tinha terminado. Antes, porém, Bettencourt ainda teve algumas palavras sobre este “itinerário fado de Coimbra” que não podiam deixar de nos alegrar, e que, sem vaidade, nem falsa modéstia, aqui reproduzimos:
- Eu estou de acordo com o que escreveu no primeiro artigo, nomeadamente sobre o romantismo, e acho que, além do mais, as suas crónicas são úteis para desfazer teias de aranha que podem existir até em pessoas com certa formação. Tanto se pode ser convencional num sentido como noutro.
Despedimo-nos. Até breve. O poeta subiu a Rua das Portas de Santo Antão, apagando-se, pouco a pouco, no meio do bulício da cidade, uma cidade de silêncio disfarçado pelo barulho de automóveis, eléctricos, discursos, motoretas. Ou, parafraseando outro grande poeta, uma cidade onde é preciso calar o canto dos pássaros para se ouvir mais alto o silêncio dos homens. E na qual, talvez, recordava com emoção aquelas noites de um sonho também necessário, noites de (conforme os versos de Régio)

Gritos de cristal e oiro
Que o Bettencourt alto erguia....

Armando Goes: “uma voz que nos fala e nos faz mal”
“Alma medieval em corpo de mouro, o da voz que nos fala e nos faz mal” – eis como Alberto de Serpa, um pouco literariamente, definiu Armando Goes. Ao que Afonso de Sousa acrescentou: “(...) mas como era doce e maleável aquela voz, moldada pela mais sóbria mas fina intuição, saindo tão quente e sugestiva que aos corações “falava e fazia mal!” “De todos os cantores que conheci foi ele o mais regular, sempre igual a si próprio (nunca se lhe notou uma desafinação), dando à frase a extensão precisa e ao auditório o suficiente para não se vulgarizar, por isso mesmo intransigente com as repetidas solicitações e convincentes aplausos.”
Fizemos a primeira pergunta e Goes lembra:
- Quando eu fui para Coimbra o António Menano estava na brecha: era o cantor das coisas maravilhosas e teve influência em todos nós. A sua voz de tenorino exercia uma atracção especial.O Bettencourt, no fundo também é um romântico. Um dia que cantámos num espectáculo do Orfeão, ele estava tão emocionado que não conseguiu dar um agudo. A partir daí nunca mais cantou em público.

Um cantor que nunca gostou de cantar
- Eu, ao contrário do Paradela, nunca gostei de cantar, parecia-me um certo exibicionismo. Sempre gostei foi de ouvir. Cantava porque era arrastado para isso. E ainda agora, quando volto a cantar nas reuniões do meu curso, acontece o mesmo: são os meus camaradas que insistem tanto comigo que eu não posso deixar de corresponder à sua amizade e simpatia.
Mas, como é que começou a cantar?
- Eu já cantava no Liceu, em Leiria. Daí fui para o Porto, e depois para Coimbra, como caloiro estrangeiro. O Menano estava no último ano e uma vez ouviu-me. Gostou e resolveu fazer-me seu caloiro. Às vezes, às tantas da madrugada, ia bater-me à porta para irmos cantar: e eu tinha que fazer a vontade ao doutor. Ele, aliás, ouvia mais do que cantava.
E mais à frente:
- Na minha geração houve realmente um grupo de cantores fora de série. Até alguns de quem já não se fala, como o Serrano Baptista, que se acompanhava ele próprio à viola, sobretudo em coisas da Beira Baixa. E, dessa geração, somos, ainda hoje, todos amigos.
E, no entanto, todos diferentes...
- Sim: eu era barítono, o Menano e o Paradela tenorinos, e o Bettencourt tenor. Cada um tinha a sua predilecção especial por “fados” diferentes. Eu – como o Bettencourt – preferia os pouco lamurientos, pouco arrastados, com extensões de voz ad libitum. Fui acusado até de uma igualdade na maneira de cantar, de ser ritmado de mais – o que não compreendo. Ainda hoje não posso ouvir longos ais em certos versos, seguidos de outros absolutamente diferentes, e sem nada que justifique essas diferenças.

Uma dúzia de gravações num ano
Quantos discos gravou?
- Gravei aí uma dúzia, em 28 ou 29, no mesmo ano do Paradela. Fui acompanhado por Afonso de Sousa e Albano de Noronha, como guitarra, e por Laurénio Tavares, como viola. No meio destes discos saíram algumas porcarias, o que se explica até pela circunstância em que as gravações foram feitas. Depois, nunca mais voltei a gravar.
Falamos ainda sobre as gerações mais recentes, em especial sobre José Afonso e Luís Goes, seu sobrinho e também grande intérprete. Mas tínhamos de terminar. Uma vez mais a enfermeira veio avisar que já havia uma série de doentes à espera. Não podíamos continuar a nossa conversa com o Dr. Armando Goes (não porquê lembramo-nos do “Mataram a Tuna”, do Manuel da Fonseca: “Oh meus amigos antigos...”.). Mas ainda nos disse:
Quem passou alguma vez por Coimbra nunca mais fica desligado dessa cidade maravilhosa. Isto não é literatura balofa, embora a frase já esteja estafada: há em Coimbra uma magia especial que toca mesmo aqueles que se dizem mais alheios a ela.

Conclusão: o fado dos nossos dias reflecte a evolução das preocupações e dos anseios dos estudantes (Diário de Lisboa, de 4 de Maio de 1966)
Entre a primeira grande geração do “Fado de Coimbra” e os nossos dias há, com certeza, nomes importantes que interessaria ouvir. É claro, porém, não podíamos ter a pretensão de arquivar aqui as opiniões e recordações de todos os grandes vultos da história do “fado”: para isso, seria necessário prolongar esta série de artigos muito para além do possível.
Daí que tivéssemos seguido o critério de ouvir, inicialmente, o Doutor António Brojo, para, com a colaboração de António Portugal, nos dar uma visão panorâmica dessa história, e tivéssemos ouvido a seguir os intérpretes mais famosos da mais célebres das gerações: da qual, infelizmente, não nos puderam responder os irmãos Menanos – Francisco e António.
Seria fundamental ouvir, depois, José Afonso, pelo papel revolucionário que desempenhou – e desempenha – na criação de formas novas: mas o autor de “Senhor Poeta” e de “Os Vampiros” encontra-se actualmente em Moçambique, pelo que também isso foi impossível.
Para finalizar, entendemos, então, ser de interesse promover um diálogo entre quatro intérpretes dos mais conhecidos dos actuais estudantes. Escolhemos António Portugal, guitarrista e compositor (da conhecida “Trova do Vento que Passa”, por exemplo) de quem – e isto com quem – já aqui falámos, Rui Pato, um viola que deu uma nova importância a esse instrumento; Adriano Correia de Oliveira, compositor de “trovas” e “baladas” e seu intérprete; e António Bernardino, cantor do “fado clássico”.
Começámos por perguntar a António Portugal se julgava que o “fado” tinha hoje mais ou menos audição no meio estudantil do que em outros tempos.

Onde se fala da guitarra
- Penso que o “fado” tem hoje menos audição do que tinha há vinte anos, quer por factores intrínsecos da própria vida académica, quer pela carência de intérpretes. Esta carência de intérpretes é, sobretudo, de cantores, na medida em que na guitarra se tem mantido um bom nível, e se tem registado até um progresso técnico, total, que se revela em guitarristas recentes de técnica excelente, como Jorge Tuna, grande intérprete e compositor, e Eduardo Melo. A este progresso não é estranha a influência dos Paredes, pai e filho, sobretudo deste último, no sentido tanto da temática como da execução, e do Doutor António Brojo, que deu à guitarra de Coimbra um brilho diferente, com interpretações espantosamente perfeitas.
- Foi com António Brojo que o Portugal começou a tocar?
- Sim, foi. Ou melhor: comecei com o Flávio Rodrigues, um barbeiro académico, que foi acompanhador de António Menano, e que até saiu com vários organismos. Aliás, tradicionalmente, ao contrário do que acontece hoje, o “Fado de Coimbra” não era só de estudantes; cantavam-no lavadeiras, tricanas, etc., o que reflectia a sua difusão na cidade.

As “Variações em Lá Menor”
Continuava-se a falar de guitarra, e foi a vez de Adriano Correia de Oliveira dar a sua achega:
- As “Variações em Lá Menor” do Portugal, de 55, representaram uma importante inovação: logo porque são as primeiras variações com dissonâncias, e, sobretudo, pela sua construção melódica. A novidade reside na existência de uma estrutura a partir de um tema que vai sendo sucessivamente tratado em cambiantes de ritmo, melodia e sonoridade. Há, portanto, uma ossatura dada por um tema reconhecível – ao passo que nas guitarradas anteriores há uma série de temas que se entrelaçam, que se vão ligando sem uma estrutura definida.
- Quando elas apareceram, interrompe António Portugal, houve uma reacção de alguns espíritos tradicionalistas, que entenderam não serem elas verdadeiras guitarradas de Coimbra. Mas houve, mesmo da velha guarda, quem logo gostasse – como o Francisco Menano.

Um lugar novo para a viola
Como estávamos em maré de falar de instrumentos, passámos da guitarra para a viola. Entrávamos no campo de Rui Pato, que nos disse:
- À viola não tem sido dado o devido relevo. Sendo a viola um instrumento de solo, em Coimbra tem sido sempre apenas de acompanhamento. E quando apareceram os primeiros discos do José Afonso, só acompanhado à viola por mim, houve uma reacção nos mesmos meios falsamente “tradicionalistas”, que afirmavam não se tratar de “Fado de Coimbra”, por não estar presente a guitarra.
- Além do mais, interrompe Portugal, esses ditos “tradicionalistas” são ignorantes, pois já há trinta anos havia “fados” de Coimbra acompanhados só à viola, como, por exemplo, o “Noites de luar” de Armando Goes, em outra linha – e até havia “ados” do António Menano acompanhados só ao piano, acrescenta Adriano Correia de Oliveira.
- O José Afonso, continua Rui Pato, preferiu ser acompanhado só à viola, na medida em que, para seu gosto, a guitarra não se coadunava com as suas composições.
- Nem com o seu modo de cantar, conclui Adriano. O Zeca usa uma série de processos expressivos que são completamente novos, e que dão às suas interpretações uma riqueza que não existia nos quadros do “fado tradicional”. Ora, a guitarra (e é por isso que para certos tipos de “fado” eu também prefiro só a viola) é um instrumento muito forte, agudo, expressivo, que esbate um pouco o canto.
- E eu, afirma Rui Pato, quando o acompanho limito-me a sublinhar a sua interpretação.
- Mas o Pato, nota Adriano, deu um grande contributo ao “fado”, ao elevar a viola a instrumento de solo.

Os solos de Rui Pato
Aproveitámos a “deixa” para fazer uma pergunta, que já trazíamos engatilhada, sobre o disco de Rui Pato, preenchido só como solos de viola sobre composições de José Afonso:
- De facto, adaptei quatro composições do Zeca (Vampiros, Meninos do Bairro Negro, Canção Longe e uma rapsódia composta por fragmentos de Pastores de Bensafrim, etc.), não me cingindo aos moldes da viola clássica, mas criando um género – que penso ter algo de meu – muito simples, não fazendo da viola um instrumento metálico, mas antes com predomínio de tons aveludados. Aliás, tento dar na viola uma interpretação semelhante à que o Zé Afonso dá cantando.
- E pensa que é possível fazer o mesmo com o “fado clássico”?
- Penso que sim, embora com mais dificuldades e, talvez, com menos interesse.
- Eu considero a viola (é a opinião autorizada de Portugal) um instrumento mais completo do que a guitarra. É impossível dar naquela a sonoridade e o timbre desta, mas julgo que seria de grande interesse o Pato pegar no “fado clássico” e adaptá-lo à viola “à sua maneira”, recompondo-o de certa forma.
- De resto, prossegue Rui Pato, a mim agradam-me mais as baladas, até porque me dão mais possibilidades. Enquanto no “fado clássico” a viola é um instrumento secundário, nas baladas tem, sem dúvida, um papel muito mais activo. Mas também gosto, igualmente, do “fado clássico”, sobretudo quando apresentado, tocado e cantado de um modo actual: com uma moldura nova”, digamos, como temos feito aqui com o Portugal.

As “baladas” ainda serão Fado de Coimbra?
Pusemos, então, a este grupo de actuais, uma questão que já tínhamos posto aos antigos: devem ou não as baladas do José Afonso ser consideradas ainda “fados de Coimbra”? E interpelámos António Bernardino, que ainda não tinha dado a primeira nota...
- Para mim devem, pois estão construídas sob uma forma semelhante. Tenho cantado só o “fado tradicional”, porque este constitui uma aprendizagem indispensável para cantar baladas, e ainda, e sinto-me mais à vontade dentro dele.
- Eu acho, diz Rui Pato, que os “cantares” do Zeca não podem ser considerados “fados de Coimbra” – e ele, aliás, não queria que fossem apresentados como tal. Eu considero-as “baladas do José Afonso”, e não “baladas de Coimbra” do José Afonso.
- Mas, responde Portugal, é preciso não esquecer: o Zé aprendeu a cantar em Coimbra, e considero-o mesmo (para meu gosto: mas colocando ao mesmo nível o Machado Soares, compositor fora de série, e Luís Góis), tirando os clássicos, o melhor intérprete do “fado tradicional”. E no Zé, para além do que haja de criador, há uma constante de Coimbra: um certo ritmo, a forma de cantar. Por isso, classifico as suas baladas, sem dúvida, como de Coimbra.
António Bernardino é da mesma opinião:
- Acho-as enquadradas no ambiente em que hoje vivemos. São uma expressão da forma de vida dos estudantes actuais.
Adriano Correia de Oliveira, voltando atrás, intervém de novo:
- Mesmo no “fado tradicional”, considero que o Zé tem mais riqueza expressiva do que qualquer dos clássicos: excepto, talvez, o Bettencourt.
- Mas – ripostámos nós – não entende que houve uma certa evolução técnica, um progresso na forma de cantar, que torna a comparação impossível?
- Apesar dessa evolução, torna Adriano, penso poder afirmar-se que o Zeca fugiu ao processo um pouco esquemático (usando os prolongamentos, os pianos, as apoggiaturas, etc..) da maioria dos anteriores, cantando de acordo com a letra e o desenvolvimento da melodia – dando, portanto, uma maior individualidade a cada “fado”. Sob o outro aspecto, julgo que são perfeitamente de Coimbra todos os temas, mesmo de poetas de fora de Coimbra e não estudantes, desde que estejam de acordo com as preocupações e a maneira de viver dos estudantes de hoje. Só dentro de uma concepção estática do “fado” se pode dizer, pois, que a temática do Zé Afonso deixou de ser de Coimbra: não é, certamente, da Coimbra de há vinte anos, mas é, de certeza, da Coimbra dos nossos dias.
Portugal, entretanto, concorda connosco.
- Na verdade, é impossível a comparação, pois, que entre esses clássicos (Menano, Bettencourt, Paradela, Armando Goes, etc.) e o Zeca medeiam quase quarenta anos; cada um tem o seu tempo, e o tempo tem um valor decisivo em cada forma de arte.

As trovas de António Portugal e de Adriano Correia de Oliveira
Perguntámos, então, a Adriano qual a possível influência das baladas do Zé Afonso nas suas “trovas” e do Portugal.
- A nossa “Trova do Amor Lusíada” é de 1961, e portanto contemporânea da nova fase do Zeca, que ainda não conhecíamos, de maneira que não há qualquer influência directa. Mas há uma influência nas coisas posteriores, na medida em que o procurei conhecer o melhor possível, e aproveitar tudo que delas me servisse para fazer as minhas coisas. E tive também influências do Machado Soares, que considero o maior compositor de sempre de “fado clássico”, e a pessoa – das que conheço – que melhor teorizou a construção e interpretação do “Fado de Coimbra”. Foi ele que deu o salto para uma nova fase, que despiu definitivamente o “fado clássico” de certa lamechice e construção simplista.
O poeta cujos versos até hoje mais têm sido utilizados por Adriano Correia de Oliveira e António Portugal é Manuel Alegre. Escolha feliz, sem dúvida, pois o autor de Praça da Canção – além do seu múltiplo interesse sob outros aspectos – é, dentro das formas tradicionais, sobretudo da quadra (a que deu uma força inusitada, um vigor ímpar: enchendo de vinho novos e velhos tonéis) o mais notável dos poetas jovens: e não só dos jovens talvez. Perguntámos, para finalizar, a que se devia essa preferência pelos poemas de Manuel Alegre.
- É que eles têm uma musicalidade, um certo paralelismo de construção que facilitam a transposição musical e a interpretação. Quanto à sua temática – a dos outros poetas que utilizei até hoje: Fiama Hasse Pais, Ferreira Guedes e o autor de Corpo de Esperança e Elegia – ela corresponde à realidade estudantil de hoje, às actuais preocupações da Academia de Coimbra.
Tínhamos terminado a conversa, e terminado este itinerário onde nem tudo foi dito – mesmo do que poderia ter sido – mas, julgamos, ainda foi o suficiente para dar aos leitores, sobretudo através dos testemunhos de alguns dos seus mais famosos intérpretes, uma ideia do que é o fado de Coimbra, de como ele é sentido e pensado pelos antigos e actuais estudantes, de quais são os mais representativos nomes das várias gerações e como eles se relacionam entre si. E, enfim, de como a evolução da mentalidade, as preocupações dominantes e os anseios vivos da população estudantil dos nossos dias também encontram expressão nas suas novas formas.

O Fado propriamente dito e o “chamado Fado de Coimbra”

Por Afonso de Sousa(*)

Hesitei se devia ou não carrear a este Seminário o meu depoimento.
Está em equação um tema melódico, musical, e eu ignoro uma nota de música.
Mas uma voz interior aponta-me uma absolvição na medida em que outros, olhando como leigos para uma pauta, nem por isso regateiam a sua achega e, sobretudo, por não ter precisado de solfejo para me ter incorporado em manifestações musicais, na minha passagem pela Academia de Coimbra.
Aliás, o tema não é erudito, propenso mais à intuição do que sujeito a regras técnicas, científicas[1]. O Fado, seja o “Fado-Fado”, seja o “Fado-Canção”, como tema essencialmente popular que é, nunca (que eu saiba) mereceu um estudo específico, à semelhança dos dispensados às clássicas produções melódicas – sinfonias, sonatas, óperas, lieds, etc..[2]
Daí, o não ter ainda assentado numa definição de “Fado propriamente dito” ou das suas derivantes – fado canção, fado balada, fado serenata, fado nocturno, fado corrido - , modalidades que encontro apontadas por Frederico de Freitas[3].
E dado o seu restrito valor no aspecto da composição musical (fale-nos ele, muito embora, ao coração e ao sentimento, naquela receptividade para o povo lusitano, geralmente contemplativo e saudosista, está fatalmente predisposto) poucos curiosos ou estudiosos desceram – ou antes, subiram – às locubrações despertadas por esta popular composiçãozinha[4]. Citaremos, entretanto, Teófilo Braga, Armando Leça, Ribeiro Fortes[5], Alberto Pimentel, este autor dum ensaio que não logrei obter.
Dentro destas limitações e à falta dum “paradigma-padrão” parece-me poder-se definir como fado: “Uma composição melódica, de estrutura musical breve; acessível à comum e normal receptividade, estilo popular, geralmente propensa à evocação, à nostalgia, à saudade ou ao queixume, mais aligeirada no sentimentalismo quando virada para a canção” - , esta enformada nas “baladas ou xácaras” de que a literatura medieval e nostalgia sertaneja revelam o balbuciar lírico ou folclórico.
É característica deste género musical (o fado) a adopção da redondilha maior, a quadra de sete sílabas, sendo de acentuar que, quando adaptada à ironia (cantar de maldizer dos nossos trovadores?), perde as suas características de “fado propriamente dito” salvo se a ironia atingir a sublimação do sarcástico, em que a dor se destila nas profundezas de uma acusação, porventura de ingratidão, de desprezo, de traição. Mas isso é atingível, creio, através da garra de um Camilo, de um Raul Brandão, quando poetas, ou do desespero de uma Florbela Espanca, se tivesse conseguido despartilhar-se do formalismo do soneto.
Estou, assim, já debruçado sobre a parte literária, isto é, sobre a “letra”, já que a letra constitui um elemento indispensável à personalização do “fado”, na medida em que a melodia (a linha ou espira musical do seu travejamento), por um lado, e a parte discursiva (a oral), por outro são nele indissociáveis.
“Fado”, olhado apenas como mera composição musical (sem adaptação a um tema literário) não será caso virgem, é certo, mas, todavia, quase esporádico. Ocorre-me, quando muito um Rey Colaço, um Rui Coelho, talvez um Júlio Silva, compondo fados sem o condicionalismo duma letra.
E é precisamente na influência da letra, na constatação entre esta e a parte melódica, que se afigura poder ensaiar-se ou detectar-se uma distinção entre o “fado propriamente dito” (que para mim é o fado lisboeta), e o “chamado” fado de Coimbra (já justificarei porque não digo somente “Fado de Coimbra”) ou, pelo menos captar um dos elementos (pois há outros), que conferem autonomia ao “fado de Lisboa” e conferem autonomia ao seu “irmão germano”, que é o da tradição coimbrã.
Tanto quanto a audição, tenha sido directa, ou seja diferida (este o caso da transmissão em discos, filmes, rádio, fitas magnéticas) me têm proporcionado apreciar; e quer no que concerne à fonte ambiental coimbrã (esta credenciada pela própria experiência pessoal na ligação ao meio universitário), creio ter motivação para ensaiar este esquema:
1º - O “fado lisboeta” (e não esqueçamos em grande parte surte dos “libretos” das revistas teatrais) é musicalmente estruturado para ser adaptado à letra, à cópia, que são preexistentes, sendo estas que vão inspirar e moldar a linha melódica.
Forçosamente que o sentido intencional e descritivo da letra vai arrancar do compositor musical a frase melódica adequada à acção e sentimento revelados nessa letra.
Se esta incorpora uma acção alegre, pois a melodia será alegre, ligeira, amável aos sentidos. E nasce a canção.
Ao contrário, se a letra se espraia numa acção de conflitos humanos (a ingratidão, o esquecimento, a traição, o desprezo) a melodia resulta sombria, carregada, tristonha, emoliente e corrosiva. E nasceu um fado.
2º - O “fado lisboeta”, na sua generalidade, navega nestas últimas situações, que o obrigam a descer mais profundamente às convulsões da alma humana. Ferindo, como efectivamente fere (muito para além do saudosismo), a tecla da catástrofe, da desgraça, do desespero que a letra condicionou, estrutura a sua tessitura musical num sentimentalismo convidativo à depressão, ao torpor – um cariz saudosista, sebastianista, fatalista.
Mas mesmo quando mais declamado do que entoado, mas interpretado por uma voz artisticamente eleita, predestinada (tê-lo-ia sido na garganta de uma Severa, de uma Cesária, perdidas na tradição), ou mais recentemente na de um João Maria dos Anjos, Carlos Ramos, Alfredo Marceneiro, Filipe Pinto, Carlos do Carmo, Ercília Costa, Maria Alice, Celeste e Amália Rodrigues, Maria Tereza de Noronha, etc.., o fado de Lisboa, dizia, quando verdadeiramente o é, faz vibrar e faz doer!
Talvez com razão (abstraindo da sua radicação no lundum brasileiro ou no saudosismo sertanejo) ela seja uma expressão medieval da nossa saudade, curtida no nosso destino atlântico ou oriental, ante a partida e a expectativa do regresso das naus catrinetas da nossa gesta marítima!
Debrucei-me um pouco sobre estas características do “fado lisboeta” precisamente para melhor poder estabelecer uma linha de diferenciação com o “chamado fado coimbrão”, uma vez que é sob esta rubrica que se anuncia este seminário, ficando em melhores condições de justificar o cuidado que tive em não utilizar a designação de “Fado de Coimbra”, antepondo ao título, cautelosa e restritivamente, o classificativo de “o chamado” – o “Chamado Fado de Coimbra”.
Porque, afinal, haverá o “Fado de Coimbra”?
Não é de agora que se me antepõe esta dúvida[6].
Num apontamento marginal de um livrito meu Do Choupal até à Lapa (quando a propósito da revelada tendência de Luís Goes para a trova, balada ou canção, afirmei não hesitar tê-lo classificado como um precursor de novas toadas, se contemporâneo de Bettencourt), já então escrevi:
E se não inculco este género de antípoda do chamado fado de Coimbra, é porque verdadeiramente em Coimbra não houve fado, mas tão somente “canção”, por vezes de reconhecida sentimentalidade, é certo, mas nunca enformada em temas trágicos ou fatalistas, tão específicos daquela efectivamente depressiva composição, em que Lisboa se louva, e a minha sensibilidade também não enjeita (final de citação)[7].
Não enjeita, mas não confunde – direi agora – ou seja numa altura em que já estabelecidas as linhas definidoras daquela toada alfacinha vou procurar as que definem a congénere toada coimbrã, para concluir por uma ausência de coincidência entre ambas, - como tentarei demonstrar.
Vejamos:
Ao contrário do que sucede com este género de entoação lisboeta – e já atrás o esbocei – os compositores de Coimbra constroem as suas composições abstractamente[8] (música, pela música), isto é, valem-se de uma fonte instintivamente criadora, dum fogo interior espontâneo, sem disporem ainda de um tema literário para ser musicado, seja a tradicional quadra, seja outro poema (seja o soneto, em que se revelou mestre D. José Pais de Almeida e Silva, infelizmente sem continuadores; excepção ainda para as reconhecidas Carta d’Aldeia e Carta de Longe, realçadas na voz de oiro de António Menano).
Não é curial, nem didáctica, a invocação do próprio testemunho. Relevem-se aqui, pois a citação: duas canções que tive a honra de ver gravadas em discos por Almeida d’Eça, António Bernardino, Armando Goes e Luís Goes – Desalento e Asas Brancas – compu-las quando não tinha inventado a letra, pelo que julgo da mesma forma terem procedido outros. Por isso e por outros motivos, que adiante aflorarei[9].
Enfim... libertos desse condicionalismo, tantas vezes prejudicial à espontaneidade criacional – e na espontaneidade é que se revela a garra, o talento ou o génio – as composições coimbrãs resultam mais leves, menos arrastadas, consequentemente mais acessíveis e perduráveis.
Na medida em que não foram vazadas numa forma, amoldam-se e adaptam-se facilmente a esta ou àquela expressão literária, sejam embora divergentes os estilos ou os agrupamentos dessas diferenciadas letras[10].
Não assim, é forçoso repetir, no ambiente lisboeta. Aí o artista musical trabalha vinculado a um tema. Amolda o seu poder criativo à intenção desse tema. Ora, neste meio alfacinha, de feição fadista, já sabemos o cariz dos temas literários versados – o apelo à comoção, ao sentimento, à lágrima. Desta forma o arranjo musical reflecte na entoação o frio tristonho, emocional, doentio – um rosário de queixumes, um leque de acusações, de revoltas – por ciúmes, por traições, por esquecimentos, etc., sempre permeáveis à solidariedade ou à comiseração!
Estamos, pois, nitidamente perante o castiço “fado lisboeta”, de manifesta inconfundibilidade, seja quais forem os quadrantes ou as latitudes em que se evole[11].
E esse – e só esse – é que assume o carácter do “fado”. Qualquer outra entoação semelhante, mas destituída das características que alinhei, nunca será “Fado” – ou, pelo menos, nunca assumirá o aspecto estrutural do autêntico, do genuíno “fado”.
Como “autêntico, como genuíno fado” está bem distanciado nas tradicionais produções musicais congéneres coimbrãs, mas a que, por erro e visão, se usa chamar “fado”, “fado de Coimbra”, quando a estas melhor caberá a verdadeira designação de “canção”, a “canção de Coimbra” ou mesmo (por condescendência a uma tradicional nomenclatura, arreigada no tempo), “Fado Canção de Coimbra”[12].
E que gravitam na órbita da “canção”, mais e mais nos convenceremos se ponderarmos que tais composições (as canções) se revestem de carácter receptivo e versátil, que precisamente encontramos no “chamado Fado de Coimbra” e não encontramos no Fado alfacinha.
Receptividade, sim, na medida em que a canção está aberta a uma gama de adesões literárias, muitas vezes não coincidentes entre si, quer na acção, quer na intenção, no argumento, portanto. Cabem na mesma melodia um tema de saudade, um tema de constância, um tema de desilusão, sem que qualquer deles desvirtue o equilíbrio ou o esplendor do invólucro musical.
Receptividade e versatilidade: o Dr. António Menano, na sua fecundidade de intérprete, utilizou letras que outros cantores substituiram, sem que a substituição fizesse oscilar o sabor da melodia, precisamente pelo condão da receptividade e versatilidade que constituem apanágio da canção ou balada coimbrã e que, insisto, considero suas características fundamentais[13].
No que particularmente respeita à versatilidade, esta vai até ao ponto de permitir, sem quebra de valor original, que as estrofes de que se componham (geralmente duas quadras) não estejam relacionadas entre si, abrangendo assuntos desconexos e díspares bem ao contrário das toadas lisboetas em que as estrofes se completam em perfeita ligação, isto é, uma acção movimentada em sequência, uma intenção proclamada em objectividade: princípio, meio e fim[14]. Tal o fado de Lisboa e não assim o “chamado fado de Coimbra”, o qual, repare-se, vive de sentimentos e não de acção. Fica pairando no ar como um fluído, com um perfume, como um apelo ao irreal, em que a linha musical sobreleva a contenção de conflitos humanos, pois que, se agentes humanos se invocam (estou dentro do “chamado fado de Coimbra”, claro), sê-lo-ão mais em espírito de que como pessoas físicas.
Poderia ainda alinhar entre os seus atributos um evidenciado aspecto contemplativo, na medida em que convida a adivinhar estados de alma e antever, mas fugitivamente, um cenário mais espiritual do que geográfico, para nele contracenarem, não criaturas mas sentimentos.
Longe dum fatalismo telúrico, a canção ou “fado-canção de Coimbra” aponta-nos uma ou outra vez, um palco terreno, não para o povoar de dramas ou tragédias (tanto do agrado lisboeta) mas propositada e idealmente concebido para mais forte resultar a emotividade interior, mais sugestionável nesse enquadramento.
Recordemos:

Igreja de Santa Cruz
Feita de pedra morena
(a predisposição geográfica)

Dentro de ti vão rezar
Dois olhos que me dão pena
(o enquadramento anímico)

Do Choupal até à Lapa
Foi Coimbra os meus amores
A sombra da minha capa
Deu no chão, abriu em flores.
(a mesma coordenação)

Ou ainda:

Eu ouvi de Santa Clara,
Gemidos de alguém que chora!
(o enquadramento espacial)

(Agora a parte espiritual):
Era a Rainha pedindo
Por mim a Nossa Senhora.

Até a própria canção de pura raiz coimbrã, que a voz privilegiada, original e intelectual de Edmundo de Bettencourt proclamou urbi et orbi, como uma saudação e entrega davidosa do burgo académico – a canção Menina e Moça, é tanto mais repousante e acessível ao nosso relicário emotivo, quanto é certo firmar-se mais num apelo evocativo (o dramazinho concebido por Bernardim)) do que um deslumbramento geográfico – o burgo do Mondego - , muito embora este, pela fortuna, seja da geral predilecção: nossa, porque em Coimbra deambulou a nossa mocidade; de outros, estranhos e distantes, porque a mensagem das nossas vozes ou dos acordes das nossas guitarras, lha fizeram vislumbrar como lendária e irreal Colina Sagrada.

Com todas estas características (receptividade, adaptabilidade, versatilidade, poder contemplativo, - portanto, abertas à acessibilidade e pronta adesão dos apreciadores – e quem o não é neste Portugal? – estas composições têm que forçosamente primar pela leveza da sua estrutura melódica, o que significa nunca mergulharem na densidade ou estertor da frase musical arrastada, reticente, soluçante, que constitui atributo específico do autêntico fado, que para mim é, como já disse, o lisboeta[15].
Ora a leveza, o pairar nas alturas – e creio estar a atingir o ponto terminal da minha humilde tese - , constitui outro elemento fundamental e irreversível duma canção.
Pode esta aferir-se pelo diapasão do sentimento, da tristeza. Mas nunca é tristonha. Será contemplativa, mas não narcótica. Poderá embalar, mas jamais corrosiva!
Insisto: o “fado” predispõe à melancolia. Faz doer. Não assim a canção, muito menos a canção coimbrã, ou de feição coimbrã.
Mesmo aquelas que se vêem rotuladas de “fados” (fado disto, fado daquilo) são na generalidade vazadas em tons maiores. (Já Armando Leça frisava que os tons menores são os adoptados pelos fadistas lisboetas).
Ora os tons maiores são os que com predominância matrizam as composições coimbrãs, de que estamos tratando – as tais canções rotuladas de “fados”.
Exemplos? Aí vão, citados pelo 1º verso da respectiva quadra:

Nossa Senhora da Graça
Igreja de Santa Cruz
Quem me dera o Senhor fora
Passarinho da Ribeira
O Choupal anda, coitado
Saudades, não as merece
Maria tu és na terra
Ao morrer os olhos dizem
Dentro de ti, ó Leiria
Ninguém conhece no rosto
Eu ouvi de Santa Clara, etc., etc..

O próprio Fado Hilário é predominantemente estruturado em tom maior. E embora a sua 3ª parte (que não é da autoria de Hilário, mas um feliz acrescentamento de Edmundo de Bettencourt e Artur Paredes), seja em tom menor, é toda desenvolta e impregnada de vivacidade – o que quadra mais ao pendor da canção do que do fado[16]. E essa perfeita adaptação coonesta mais e mais a minha afirmação de que só a receptividade (abertura a soluções sem quebra do sentido estrutural), ínsita na canção, aproxima esta ou identifica até com o “chamado fado de Coimbra” – e só assim o Fado Hilário aceitou, sem desvirtuamento, um prolongamento perfeitamente adaptável e como que sua parte integrante originária.
Enfim:

Fado de Coimbra propriamente dito, não existe, nem nunca existiu no foro musical coimbrão – sem com isto querer minimizar o valor, o encanto, a sedução das criações desse género que aqui mergulham suas raízes ou que aqui têm o seu foco de difusão, já que não receiam confronto com as congéneres do meio fadista da Capital, porventura até superando-as, lançadas que são pelo génio académico para a eternidade, numa longevidade e resistência emotivas, em que as não acompanharão as suas pares alfacinhas!
Chamemos-lhes, não “fados de Coimbra”, mas sim “canções de Coimbra”, “baladas de Coimbra”. E, se quiserem, (uma vez que a designação tradicional de “Fado” está tão arreigada e vem de longe – e só por isso) chamemos-lhe “Fado-Canção”, “Fado-Canção de Coimbra”, na certeza de que, assim, seremos mais coerentes com o seu estilo, com a sua estrutura, com a nobreza e perfume da sua intenção.
E, sobretudo, não confundir esta deliciosa toada coimbrã (canção, ou fado-canção) com outras composições musicais de intenção social, política ou revolucionária, criadas ou entoadas por artistas ligados à Academia de Coimbra, muito embora prestigiosamente credenciadas pelos talentos de um Zeca Afonso ou de um Adriano Correia de Oliveira e que, por aquelas razões, se mostraram deslocadas na última sessão televisiva[17] de um tema igual ao deste Seminário “Fado de Coimbra” (e era de Fado de Coimbra que se tratava) – em que outros erros ou omissões haveria a assinalar - , salvando-se sempre, todavia, a louvável intenção de salvaguardar e perpetuar este nosso precioso património espiritual.
O “chamado fado de Coimbra” é regional. Aquelas canções (brilhantes que são, não há dúvidas) são geográfica e intencionalmente nacionais, pois nem visam Coimbra, nem sugestionam Coimbra, dirigindo-se a movimentos sociais, sem localização definida[18].
E nos repertórios desses dois artistas, que o são, havia outras peças também válidas, essas, sim, adequadas ao tema em equação[19].
E foi pena! Porque se teria trazido a esse Programa uma preciosa achega à valorização da “Canção” ou do “Fado-Canção de Coimbra”, mais a mais estando esse programa já desfalcado na ausência de aconselháveis ou indispensáveis colaborações[20].

Regressemos, porém, à minha proposição, cujo termo se avizinha.
Expus o meu ponto de vista pessoal, trazido à barra pela meditação e experiência, num contacto duradoiro com um outro núcleo artístico-académico, a quem dediquei um modesto trabalho que intitulei “Breve actividade de uma geração artística em colaboração com o Orfeon Académico de Coimbra”[21].
Admito estar incorrendo num erro de visão e respeitarei os motiváveis reparos. Não pretendo fazer escola, nem arregimentar adeptos e não me considerarei intelectualmente inferiorizado, nem darei por mal empregado o esforço dispensado neste ensaiozinho, quando convencido da minha errónea interpretação conferida ao tema proposto, ensaio que reduzido à expressão mais simples (o que acabei de ler constitui um resumo) chegou ainda para violentar a paciência dos Exmos. assistentes.
Aos discordantes, todavia, convido-os a alinhar comigo neste teste:
Escolha-se um fado de Lisboa, enformado que seja na menos tradicional das toadas.
Entoe-se, de seguida, um dos “chamados fados de Coimbra”.
Ninguém errará na devida classificação.
Aquela é lisboeta, este é de Coimbra.
A confusão seria possível se em Coimbra as composições musicais que estamos analisando se aferissem pelos moldes, pelo tónus do fado autêntico, que é oriundo da capital alfacinha.
E não se confunde, porquê? – Precisamente porque a nossa toada melódica, o nosso fluido musical, se ajusta às, e se proclama nas estruturas vertebrais duma canção, antagónica da “fado fadista”, surto na placenta bairrista da Madragoa, da Mouraria, do Bairro Alto, de Alfama!
Nem foi gratuitamente que Alberto Pimentel, debruçado sobre o Fado o incorporou no título do seu ensaio A triste canção do sul, assim o arredando das paragens do Mondego, que pertencem ao centro (e não ao sul) do nosso país[22].
Para terminar:
Dos vários subtítulos do meu inacabado ensaio, de que extraí este resumo, fazem parte estes outros: Os cultivadores do chamado Fado de Coimbra; Os cultivadores da feição instrumental coimbrã (guitarra, viola); O soneto como módulo ideal de composições vocalistas breves (um lied nacional).
O último, simultaneamente aflitivo e esperançoso, intitular-se-á: Valorização duma tradição em crepúsculo.
Com os olhos postos nesta revalorização é que todos nos louvamos, entre outras, em iniciativas como a do programa da Regional de Coimbra, Do Coupal até à Lapa; em um outro, a que fiz alusão, e a que a TV também deu cobertura, O Fado de Coimbra; e agora na arrancada do Seminário a que estamos assistindo, sendo de felicitar, como felicitamos, todas as boas vontades que terçam armas por esta cruzada de reabilitação, numa hora em que cada vez mais se sente a perplexidade de José Régio, quando, debruçado o seu estro sobre o Fado de Coimbra, já amarguradamente deplorava a rarefacção artística que agora se pretende colmatar, através deste magoado acento, com que termina a minha intervenção:

Ai choro com que o Paredes,
Vibrando os dedos em garra,
Despedaçava a guitarra,
Punha os bordões a estalar.

Gritos de cristal e oiro
Que o Bettencourt alto erguia
Que é da roda que algum dia
Vos sabia acompanhar?

Ainda é tempo! De alguma coisa que ainda resta do tanto que se perdeu, ajudemos a salvar esta relíquia prestigiosa do Património Cultural da Academia de Coimbra.

Coimbra, Maio de 1978
(Afonso de Sousa)

(*)Pelo Dr. Afonso de Sousa, in Boletim da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, nº 13, Coimbra, Julho de 1978, pp. 19-31. Comunicação apresentada no I Seminário do Fado de Coimbra, em 20 de Maio de 1978. Advogado, poeta, publicista, guitarrista, nasceu em Maceira, Concelho de Leiria, a 24 de Junho de 1906, filho de José de Sousa e de Rosália Coelho de Sousa. Faleceu em Leiria, no dia 18 de Dezembro de 1993. Frequentou o Liceu Rodrigues Lobo entre 1915 e 1923, onde se iniciou nas serenatas, violão, guitarra, flauta e concertina. Foi aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra entre 1923 e 1930. Acompanhou os mais importantes cantores e instrumentistas conimbricenses da década de 1920, tendo participado em vários registos fonográficos com Artur Paredes, Armando Goes e Artur Almeida d’Eça. Figura incontornável da 2ª guitarra de Coimbra e autor de árias cantáveis e de temas instrumentais. Exerceu advocacia em Leiria. Culto e intelectual, percorreu inúmeros países e museus internacionais. Republicano, oposicionista ao regime de Salazar, apoiou as candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado.

O texto original não comportava notas de fim de página. Visando enriquecer este documento marcante, António Manuel Nunes tomou a seu cargo a introdução de anotações e comentários e de uma pequena biografia do autor.

[1] Afonso de Sousa não distingue, com o devido rigor, a Canção de Coimbra enquanto objecto de investigação, da Canção de Coimbra enquanto género estético praticado pelos seus intérpretes e cultores. Os discursos não são coincidentes, isto é, os relatos pessoalizados e autobiográficos dos cultores não são a História da Canção de Coimbra.
[2] Decorridos mais de vinte anos sobre o Seminário de 1978, a denúncia aflorada pelo autor continuava de pé.
[3] Frederico de Freitas, “Fado”, in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, Volume 8, Lisboa, Verbo, 1969. O musicólogo Frederico de Freitas limitava-se a corroborar passivamente a teoria monogenista, segundo a qual o chamado Fado de Coimbra derivaria, por morfogénese, do Fado de Lisboa. Freitas nunca investigou as origens da Canção de Coimbra, pelo que o seu artigo não reconhece à Canção de Coimbra qualquer autonomia conceptual, identitária ou cronólógica. Daí que a comunicação enciclopédica de Frederico de Freitas nos mereça as maiores reservas.
[4] Seria mais correcto escrever popularizada ou mesmo tradicionalizada expressão estética. O vocábulo “popular” tem sido lido como sinónimo de “folclore” e “origem popular”. Se a Canção de Coimbra não despertou a atenção mais demorada dos musicólogos foi porque estes a entenderam como expressão musical “menor”. A “menoridade” das árias e instrumentais da Canção de Coimbra, presente nos dicionaristas e enciclopedistas do século XX traduz, antes de mais, ignorância e preconceito. Na Canção de Coimbra tanto convergem composições pouco elaboradas como temas eruditos. Em alguns, forjados por executantes musicalmente iletrados, não é possível falar de menoridade.
[5] José Maciel Ribeiro Fortes, antigo estudante de Coimbra, formado em 1917. Publicou O fado. Ensaios sobre um problema etnográfico-folclórico, Porto, Companhia Portuguesa Editora, 1926.
[6] A “dúvida” veio a lume em 1952, quando o jornalista João Falcato publicou uma crónica intitulada O Fado de Coimbra é uma balada (jornal Linhas de Elvas, de 25 de Outubro de 1952). Nesta crónica, Edmundo de Bettencourt declarava que não se considerava um fadista mas antes um intérprete de canções. Induzido por Bettencourt, João Falcato avançava o termo Canção de Coimbra. Lida a crónica, Afonso de Sousa debateu longamente a questão com Edmundo Bettencourt, via telefone. Também debateu o problema com Artur Paredes, guitarrista e compositor que não se considerava nem fadista, nem praticante do Fado.
[7] Anotação datada de 1973, na sequência dos LPs de 1967, 1969 e 1972, oferecidos por Luís Goes a Afonso de Sousa. Republicação em Do Choupal até à Lapa. Recordações de um antigo estudante de Coimbra, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1988, pág. 35.
[8] Existindo embora excepções, como os sonetos musicados por D. José Pais de Almeida e Silva, e algumas baladas de despedida de quintanistas.
[9] Alusão não inocente. Jurista, Afonso de Sousa conhecia bem os direitos de autor que lhe assistiam.
[10] A primazia da letra sobre a composição da melodia não deve ser entendida como um cânone incontornável no caso lisboeta. Anteriormente a Afonso de Sousa, autores como Alberto Pimentel procuraram sustentar as diferenças por via dos padrões poéticos empregues, identificando o Fado de Lisboa com o esquema Mote/Glosa em décimas, e a Canção de Coimbra com a redondilha maior. A relativa rigidez de muitos fados ao estilo de Lisboa resulta não tanto da letra adoptada mas sim do emprego de três padrões rítmicos, melódicos e harmónicos em que se moldam o Fado Corrido (modo maior), o Fado Mouraria (modo maior) e o Fado Menor (modo menor), padrões enformadores do Fado Castiço. Porém, existem múltiplos fados que não seguem a padronização apontada. Relativamente à Canção de Coimbra, os subgéneros existentes não obedecem a padrões fixos, nem mesmo os temas ditos “clássicos”.
[11] Salvo raras excepções, de que é exemplo o Fado Sepúlveda, os fados de Lisboa transladados para Coimbra, alguns dos quais registados em discos por Manassés de Lacerda, António Menano, Armando Goes, Alexandre Resende, Ricardo Borges de Sousa, nunca perderem o cunho de origem.
[12] Em abono do rigor terminológico, não se afigura operante estabelecer uma equivalência entre Canção de Coimbra e Fado-Canção. Canção de Coimbra identifica e configura o género semântico-musical no seu todo. Fado-Canção designa e identifica, em situações pontualizadas, certos espécimes com coplas e refrão (ex: À Meia Noite ao Luar, Samaritana).
[13] Versatilidade e receptividade são apanágio de géneros musicais diferenciados, de que podemos citar o Tango, o Fado, a Canção de Coimbra, e a música tradicional portuguesa em geral. O exemplo de António Menano não é dos mais conseguidos. António Menano alterou títulos, estropiou e modificou letras originais, não respeitou autorias.
[14] O emprego sistemático de quadras desconexas em Coimbra nem sempre resulta feliz. Pensemos no tema de Carlos Figueiredo, O Sol anda lá no céu, com uma primeira quadra extraída do cancioneiro popular e a 2ª tomada de empréstimo ao Fado das Penas (também popular, com música de Silva Ramos, gravado nos anos 20 por Almeida d’Eça).
[15] Versatilidade e receptividade, conforme se disse, não são apanágio exclusivo da Canção de Coimbra. O autor poderia ter capitalizado os seus conhecimentos de prática de guitarra e violão, para traçar com relativa segurança diferenças de afinações, timbres e dedilhações.
[16] Erro do autor do texto, pois só a adaptação guitarrística da linha melódica de Fado Hilário Moderno é que é da autoria de Artur Paredes.
[17] Refere-se a uma série de cinco programas produzidos na RTP/Porto, designada Coimbra Musical. Foram transmitidos entre Janeiro e 12 de Fevereiro de 1978.
[18] Afonso de Sousa aborda um assunto de extrema delicadeza, sobre o qual os participantes nos seminários não chegaram a entendimento possível. Os adeptos da corrente tradicionalista rejeitavam liminarmente o contributo trazido pelo Movimento da Trova, objectando que as trovas e baladas protagonizadas por Rui Pato, José Afonso, António Bernardino, António Portugal, Adriano, Luís Goes, e outros, não eram “verdadeiros fados”. Algumas das figuras mais destacadas do Movimento da Trova replicavam que “o fado clássico estava morto”, tendo-lhe sucedido as baladas e trovas de intervenção sócio-política. Afonso de Sousa vivera polémicas similares na década de 1920 (embora os participantes no Seminário de 1978 ignorassem tal facto), pelo que não comungava qualquer das posturas ideológicas em confronto. Negando a teoria da “morte simbólica” da Canção de Coimbra e denunciando as confusões lexicais em jogo, Afonso de Sousa aceitava a evolução sofrida pela Canção de Coimbra, pese embora alijada do neo-estatuto de canto de intervenção político-social.
[19] José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Carlos Paredes, foram alguns dos convidados que recusaram participar no Seminário. Adriano manteve-se coerente até ao fim (faleceu em 16/10/1982). José Afonso (falecido em 1987) gravou em 1981 o LP Fados de Coimbra e outras Canções, sendo notória a degradação vocal provocada pela doença. Em 27 de Maio de 1983 cantou e gravou ao vivo no Jardim da Sereia um EP, aquando da homenagem pública que lhe foi prestada. Carlos Paredes regressou à Coimbra da infância em registos de 1993 (Canção para Titi. Os inéditos), lançados no mercado em 2000 (CD EMI-Valentim de Carvalho, Lisboa, 2000, 724353117429).
[20] O autor aponta o dedo polidamente à sobrecarga de relatos que vinham a exaltar o valor dos artistas activos nas décadas de 1950 e 1960, e à clara confusão entre tempo da história e gestas pessoalizadas, com manifesto prejuízo de outros movimentos não devidamente estudados.
[21] Primeiramente publicado em Bodas de Diamante do Orfeon Académico de Coimbra (1880-1955), Coimbra, 1955. Reedição em Do Choupal até à Lapa, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1988, págs. 17-36.
[22] Alberto Pimentel, jornalista e romancista (Porto, 1849; Cascais, 1925). Publicou A triste canção do sul. Subsídios para a história do Fado, Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho Editor, 1904. O título desta obra revela bem a intensidade dos conflitos bairristas e xenófobos vividos pelas populações do Porto e de Lisboa. Para um bairrista portuense, o sul perfilha-se do Vouga para baixo, indistintamente. Afonso de Sousa, natural de Leiria, antigo estudante de Coimbra, precisa que o Centro do país não se inclui no sul.

Antigas Coplas Populares que se vieram a usar na Canção de Coimbra
António M. Nunes

No mês de Agosto de 1989, estando a trabalhar em Ponta Delgada, adquiri a excelente reedição de "Cantos Poplares do Arquipélago Açoriano coligidos por Teófilo Braga", Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1982, com prefácio de José de Almeida Pavão. Esta importantíssima recolha foi levada a cabo na Ilha de São Jorge pelo nativo local e antigo estudante da UC, Dr. João Teixeira Soares de Sousa (1827-1882). Por razões que desconhecemos, o Dr. Teixeira de Sousa enviou o manuscrito para Coimbra, confiando a sua edição e prefácio ao micaelense Teófilo Braga. A 1ª edição veio a lume na cidade do Porto, Typographia da Livraria Nacional, ano de 1869, com o subtítulo "Publicados e anotados por Theophilo Braga", quando o verdadeiro "autor" da recolha havia sido Teixeira de Sousa. Esta injustiça foi devidamente corrigida na 2ª edição de 1982.
Neste cancioneiro, na sua esmagadora maioria relativo à Ilha de São Jorge, e do qual não constam solfas, podemos encontrar algumas coplas que mais tarde foram integradas em espécimes da CC, a par de uma versão integral da antiquíssima, linda e muito conimbricense Tricana d'Aldeia (detectada na Ilha de São Miguel, Porto, Vila Real, Brasil, a que alguns autores chamaram "o fado de Coimbra choradinho em mi menor" que se tocava na Viola Toeira):

Pág. 11:
Estrelinha do Nordeste
Que me andais alumiando
Alumiai-me de noite
Que eu de dia vou andando.

Pág. 17:
Por te amar deixei Deus
E Deus me deixou a mim
Não quero ficar sem Deus
Fica tu, amor, sem mim.

Pág. 76:
Fechei a porta à fortuna
Entrou-me pela janela
Quem nasce para a fortuna
Não pode fugir a ela.

Pág. 82:
O amor do estudante
É enquanto está presente
Vem as férias, vai-se embora
Fiem-se lá de tal gente.

Págs. 115-116:
Tricana da aldeia
Que fazes aqui
(variante recolhida na Ilha de São Miguel por Teófilo Braga antes de ter ido estudar para Coimbra).

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