Manuel de Arriaga
(1840-1917),recém-eleito Presidente da República, de visita ao Curso Superior de Letras (Agosto-Setembro de 1911)[1], Escola prestes a iniciar o seu primeiro ano lectivo (1911/1912) como Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
1.ª fila, da esq. para a dir.: José Leite de Vasconcellos (1858-1941), Joaquim Maria da Silva Cordeiro (1850-1914), Manuel de Arriaga, José Maria Queiroz Vellozo (1860-1952) e Alfred Apell (?-?);
2.ª fila, da esq. para a dir.: Manuel Maria de Oliveira Ramos (1862-1931), Francisco Adolpho Coelho (1847-1919) e Agostinho José Fortes (1869-1940);
3.ª fila, da esq. para a dir.: Sebastião Rodolfo Dalgado (1865-1922), Francisco Xavier da Silva Telles (1850-1930), David de Mello Lopes (1867-1942) e José Maria Rodrigues (1857-1942).
FONTE: SERRA (João B.[onifácio]), Manuel de Arriaga, Lisboa, Museu da Presidência da República, 2006, p. 38
[2] (col. «Presidentes de de Portugal – Fotobiografias»).
COMENTÁRIO:
Em 16 de Fevereiro p.p., no final de um «comment» a um
post do Dr. António M. Nunes no presente
blog, declarei cessar nessa data a minha intervenção em tal
forum em matéria de vestes professorais, isto pelo menos até à publicação do meu livro
Traje (O) dos Lentes: memória para a História da veste dos universitários portugueses (séculos XIX-XX), Porto, Fac. Letras/UP [no prelo
[3]; col. «flup e-dita»]. Mas se portanto, e no imediato, aqui não falarei do traje dos lentes, em contrapartida nenhuma razão ficará para sobre uma outra situação – à partida não entrevista – deixar de escrever, a situação dos
lentes sem traje, i.e., imagens de Escolas Superiores onde, por qualquer razão, só tardiamente se tenha criado tradição de porte de traje académico e insígnias (doutorais ou de cátedra) por parte dos Mestres respectivos: foi o caso, aqui patente, do Curso Superior de Letras (1859-1911) e da subsequente Faculdade de Letras / UL até, pelo menos, à década de 1940; foi também o caso da Escola Politécnica (EP) da Capital (1837-1911) e da subsequente Faculdade de Ciências / UL até momento que não saberei datar mas que cairá igualmente pelos meados de Novecentos. Quer dizer: nas Escolas do «Studium Generale» (re)estabelecido em Lisboa pelo Governo Provisório da República, um contraste irá manter-se durante décadas:
a) Os lentes da Escola Médico-Cirúrgica (1837-1911) e da subsequente Faculdade de Medicina / UL – bem como da anexa Escola de Farmácia, autonomizada em 1914 e ganhando estatuto de
Faculdade em 1921 – eram utentes da beca para eles criada em 1856; por seu turno, Direito – Escola criada em 1913, inicialmente como «Faculdade de Estudos Sociais e de Direito» – configurou em larga medida o seu Corpo Docente com Mestres transferidos da UC ou com carreira – pelo menos ao nível da obtenção de graus académicos – lá iniciada; donde, a migração para a Capital também do
hábito talar com borla-e-capelo.
b) Ao invés, a EP, como se disse, não criou qualquer tradição nesta matéria
[4]. E o mesmo aconteceu – repito-o – com o Curso Superior de Letras (CSL), ainda que lá ensinassem desde o último quartel de Oitocentos dois drs. pela UC: Teófilo Braga (Direito) e José Maria Rodrigues (Teologia). Mas o CSL desde cedo terá tido uma
filosofia ‘laica’, de menor comprometimento com a Instituição monárquica e com a Igreja Católica e de pouca simpatia para com as práticas vestimentais, rituais e cerimoniais coimbrãs; a hostilidade de um Teófilo, por exemplo, quando já lente em Lisboa, foi manifesta. E daí que os
lentes sem traje da foto que aqui se comenta sejam algo perfeitamente explicável e enquadrável.
c) Acresce que as Escolas federadas em 1930 na Universidade Técnica de Lisboa (UTL)
[5] terão em 1945
[6] uma toga e uma insígnia (
epitógio) próprias.
E será tempo de voltar à foto em causa, para pormenorizar alguns tópicos.
1. A data[7] – «Curso Superior de Letras» e «1912» sem mais, como na flébil legenda aposta por João Bonifácio SERRA na reprodução da foto,
é uma impossibilidade: o CSL já fora – ainda que em funcionamento terminal, até 1914, a orgânica curricular de 1901 – e o que existe nesse ano é a FL/UL, em estreia de funcionamento como tal; acontece que – como veremos em
3. – a imagem nos patenteia os lentes da fase final do CSL, tão somente acrescidos dos dois limitados ‘reforços’ do ano lectivo de 1910/11: José Leite de Vasconcellos, ao tempo já senhor de uma Obra vasta e multímoda (
Linguística, Arqueologia, Epigrafia, Antropologia Cultural, Antroponímia, Culturas Regionais...)
[8] que dele viria a dar imagem de um
SÁBIO no panorama cultural português das primeiras décadas de Novecentos; e Agostinho José Fortes, aprovado em mérito absoluto mas classificado em 3.º lugar num concurso realizado em 1904, de que resultara o ingresso de Queiroz Vellozo e Oliveira Ramos; foi depois logo recrutado em 1910, perante as imediatas perspectivas de crescimento e transformação da Escola; já regeu cadeira em 1910/11. Por outro lado, a partir de 1911/12 ingressam na Escola novos nomes, à medida que vão arrancando as licenciaturas criadas na Primavera do primeiro destes anos (reforma universitária de António José de Almeida, Ministro do Interior do Governo Provisório): num primeiro momento, Jean Jablonski (
Filologia Românica, 1911/12 ss.) e Gustavo Cordeiro Ramos (
Filologia Germânica, 1912/13 ss.). Por último, está ausente um dos ‘ícones’ da Casa: Teófilo Braga (1843-1924); o que poderá significar encontrar-se ainda em funções o Governo Provisório da República, a que presidiu
[9]. Por tudo isto, a datação que criticamente se propõe para a foto é:
entre 24 de Agosto de 1911 – eleição presidencial de Manuel de Arriaga pela Assembleia Constituinte e sua posse imediata –
e 4 de Setembro do mesmo ano – investidura do
I Governo Constitucional, presidido por João Chagas. O que direi no ponto seguinte só reforça a convicção com que proponho tal cronologia.
2. «A toilette de um Presidente da República» (Eça de QUEIROZ)[10] – Antes ou enquanto PR, Manuel de Arriaga sempre primou pelo apuro no vestir. O «corpus» fotográfico patente na Obra citada mostra-o invariavelmente de chapéu alto – tal como, aliás, parlamentares e membros do Executivo que o rodeiem – e envergando, nas mais das vezes, sobrecasaca – com bandas parcialmente de cetim – e calça e colete na cor, com complemento de laço preto e colarinhos altos; tudo isto em tecido também negro ou, pelo menos, cinzento muito, muito escuro
[11]. Em ocasiões de especial solenidade (v.g. nas mensagens de Ano Novo de 1912 e 1914, lidas no Parlamento), Arriaga veste casaca com colete preto. Nos meses invernosos, casaca ou sobrecasaca levam por cima um
sobretudo – na plena acepção... – invariavelmente de
cerimónia, também preto ou cinza-antracite, umas vezes ornamentado com gola de veludo, outras com bandas – aqui completamente – de cetim. Apenas uma vez enverga um fraque, enquanto noutra parece ter a sobrecasaca (ou, eventualmente, a casaca) recoberta por uma capa com aparência de cinzento-escuro
[12]. A sobrecasaca é portanto, repito, a opção claramente predominante. Mas, em 4 anos de mandato, não usará sempre a mesma peça concreta... E na foto em questão a peça é nitidamente a «dos primeiros tempos», das primeiras «aparições públicas»; a somar a isto, o significado do elenco dos Mestres de Letras presentes (ou ausentes; ou ainda não chegados à docência na Escola...), conforme se viu no ponto anterior.
3. O estabelecimento da legenda – Ao deparar-me pela primeira vez com a foto, eram-me já familiares algumas figuras (sete, mais concretamente), por prévio visionamento de outras imagens das mesmas:
3.1. Era o caso de Leite de Vasconcellos, Queiroz Vellozo, Oliveira Ramos, Adolpho Coelho, Silva Telles, David Lopes e José Maria Rodrigues; para além, obviamente, de Manuel de Arriaga.
3.2. Sobravam quatro, a cuja identificação consegui chegar conjugando os dados apresentados por Oliveira Marques na distribuição e cronologia das regências de disciplinas
[13] com os dados biográficos constando de entradas de
enciclopédias. Assim, o segundo a contar da esquerda na 1.ª fila afigurou-se-me logo, entre estes quatro, o mais idoso;\\\\\\\\\\ teria que ser Silva Cordeiro, Mestre do CSL desde 1901
[14]; a figura alta e com o seu quê de
germânica da 5.ª individualidade a contar da esquerda na mesma fila seria obviamente o alemão Alfred Apell, Mestre da trienal
Língua e Literatura Alemã e Inglesa desde 1904; a 3.ª individualidade a contar da esquerda na 2.ª fila afigurava-se-me com nitidez a mais jovem: tal condição cabia indubitavelmente a Agostinho Fortes, que em 1910/11 regera
História antiga, da idade média e moderna; faltava identificar o 1.º à esquerda na última fila: uma vez mais pelos dados de Oliveira Marques, só poderia ser Sebastião Rodolfo Dalgado, lente de
Língua Sânscrita desde 1907.
O apurar do que aqui deixo deveria ter cabido ao Autor. Mas é evidente que a colecção em que a Obra se insere, para além da desigual qualidade dos volumes, está a publicar ilustração inédita e do maior interesse... com legendagem não raro incompleta ou mesmo inexistente !... No volume sobre Arriaga isso é bem nítido, em fotos cuja legendagem deixa em claro a presença, inclusivamente, de Chefes do Governo e de Ministros... Quando, afinal, um pouco mais de trabalho chegaria para preencher tais silêncios
[15]. Mas a
Senhora Dona Preguiça não será propriamente a
companheira ideal para um historiador...
Texto de
Armando Luís de Carvalho Homem