sábado, fevereiro 04, 2006

Bloco de Notas 24

1987 ... Em 12 de Fevereiro, novamente espectáculo no Teatro S. Luís, a favor dos refugiados de Timor-Leste, com António Bernardino e Durval Moreirinhas. A 30 de Janeiro tinha actuado para o GSAL, com Berna, Machado Soares, Durval e António Sérgio (Sérgio Azevedo, agora), tendo-se seguido Vitorino e um grupo da Nicarágua.
23 de Fevereiro – Morreu José Afonso, às três horas da manhã. Embora este desfecho fosse esperado a qualquer instante, cobriu toda a gente de tristeza. O país está de luto. Pensamento positivo: perdeu-se o Homem; ficou a sua música e a poesia.
O funeral realizou-se em Setúbal, com dezenas de milhares de pessoas a acompanhá-lo. A minha emoção aumentou ao ver tanta gente condoída, olhos lacrimejantes, no derradeiro adeus a este lutador que, mesmo sabendo da sua trágica sorte, nunca deixou de lutar. Até sempre Zeca!
Há no bloco de notas referências a várias actuações. Não as vou enumerar, pois seria fastidioso.
Encontro agora uma nota dizendo que comecei a gravar um disco, no dia 2 de Abril, a pedido da Secretaria da Emigração. Gravámos seis números, das 19 às 22 horas, no estúdio de Jorge Costa Pinto, em Belém, Lisboa. Armando Marta gravou “Amigo”, de José Afonso; Arménio Santos, “Feiticeira” de Ângelo Araújo e “Minha Mãe”, de José Afonso; António Bernardino, “Balada Açoreana” de José Afonso e “Sou Barco” de Borges Coelho e Luís Cília, com um interessante arranjo em guitarra. O conjunto instrumental, constituído por mim e António Sérgio nas guitarras, e Durval Moreirinhas na viola, interpretou “Valsa de Outros Tempos” de Gonçalo e Artur Paredes. Realço aqui o acompanhamento inovador e arrojado da guitarra de acompanhamento, efectuado pelo meu filho António Sérgio. Muita gente vai ficar chocada, mas com o tempo aprenderão a sentir a beleza de tal arranjo.
Faço aqui um parêntesis para dizer que não encontrei no Bloco de notas referência aos outros seis números gravados, apenas a data de gravação, nem sequer uma nota sobre o facto de nunca o disco ter vindo a público. Neste Blog, esta parte já foi referida, Quanto aos números gravados, foram eles: António Bernardino, “Cantar de Emigração”, de Rosalia de Castro e José Niza; Armando Marta, “Canção de Fornos”, com música de Francisco Menano e letra popular, e “Marofa”, de sua autoria; Arménio Santos, “Trago a minha vida presa”. Os outros dois instrumentais foram “Bailados do Minho” de Antero da Veiga e “Sede” de Carlos Paredes.
Seguem-se actuações no Grémio Literário, em Lisboa; Faro no Teatro Lethes, com João Gomes à viola, além dos habituais; Gavião – Casa Branca, na casa da secretária do Reitor da Universidade de Lisboa, Meira Soares. Encontrava-se lá também o Ministro da Educação João de Deus Pinheiro, que cantou Fado de Lisboa, acompanhado por mim e pelo Durval.
Segue-se agora uma breve referência, sem data, a uma ida a França, com Arménio Santos, António Bernardino e Durval Moreirinhas.
Foram tantas as viagens a este país que até me esqueci de apontar pormenores.
A 27 de Abril, Luiz Goes, João Gomes e Durval Moreirinhas estiveram na minha casa em Almada, a ensaiar. Não refiro para quê. Talvez uma futura ida à Revigrés.
A 28 de Maio, novamente no Pátio Alfacinha, com a Secretária de Estado da Emigração, Manuela Aguiar, acompanhada por uns americanos. Foram comigo, António Sérgio à guitarra e Durval Moreirinhas à viola. Cantaram Armando Marta e António Bernardino. Fomos muito apreciados.
A 2 e 3 de Maio, sábado e domingo, fui a Coimbra ao Centenário da Associação Académica de Coimbra. No sábado de tarde houve reunião de todos os intervenientes da Canção Coimbrã, em que cada um tocou ou cantou qualquer coisa. À noite houve serenata na Via Latina. No dia seguinte tocou-se para o Reitor Rui Alarcão, Vice-Reitor Jorge Veiga e o embaixador de Cabo Verde. Acompanhei Jorge Cravo, juntamente com António Moreira, na canção “Saudades de Coimbra”.
A 4 de Maio das 21 às 24 horas, gravei, juntamente com Durval Moreirinhas e António Sérgio, cinco números com Frederico Vinagre: “Ansiedade”, “Fado Triste”, “Canção das Lágrimas”, “Minha Mãe” e “O Sol anda lá no Céu”.
Mais uma actuação numa Casa de Fados, a Tágide, com Machado Soares e Durval Moreirinhas. Encontrei lá Fernando Alvim e o meu companheiro de tropa, Torre do Valle.
Mais um ensaio com Luiz Goes, na sua casa, em Cascais. Agora já tenho a certeza que é para ir actuar à Revigrés, em Águeda.
De facto lá fomos a Águeda, no dia 12 de Maio, eu, João Gomes e Durval Moreirinhas para os acompanhamentos. A segunda parte do espectáculo foi preenchida com Amália Rodrigues. Encontrei lá o Horta e Silva que tocava viola com os irmãos Nazaré.
Luiz Goes cantou: ”Saudades de Coimbra”, “Fado dos Cegos”, “Fado da Despedida”, “Amélia”, “Serra d’Arga”, “Samaritana”, “Viagem de Acaso”, “Dissonâncias”, “É Preciso Acreditar” e “Cantiga para quem Sonha”. Tocámos “Valsa de Outros Tempos” e “Bailados do Minho”. Estavam 2000 pessoas na sala.
O disco “Ecos da Canção Coimbrã” que gravei com José Mesquita, saíu no princípio de Maio.
Em 1 e 2 de Junho, novamente em estúdio com Frederico Vinagre.
A 5 deste mesmo mês acabei a gravação para a Secretaria da Emigração.
A 7 de Junho parti para os Estados Unidos com António Sérgio à viola e Frederico Vinagre a cantar. Regressámos a 15. Fomos a Cambridge, New Bedford, Boston, etc. Encontrámos Rosa Mota num dos espectáculos em Boston.
A 28 de Junho fui ao Castelo de S. Jorge com José Amaral à guitarra e Carlos Figueiredo à viola. Actuámos na Sala Ogival. Estava lá Laborinho Lúcio que fez uma prelecção que deixou todo o pessoal encantado.
A mistura do disco para a Emigração começou a 3 de Julho. No dia seguinte fui a Castelo de Vide com Machado Soares e António Bernardino, a 10 à Mobil, em Lisboa, com Marta, Berna e Durval, 22 a Cascais com Carlos Figueiredo, 9 de Agosto Oliveira do Hospital e a partir de 14 de Agosto, a habitual tournée algarvia: Vila do Bispo, Tavira e Lagos.


Boston, Estados Unidos da América, em 1987: Octávio Sérgio, Frederico Vinagre, Rosa Mota e António Sérgio Posted by Picasa


A Viola Toeira Posted by Picasa
Exemplar fabricado em Coimbra nos inícios do século XX por Augusto Nunes dos Santos, vendido a um tocador popular de Arganil. Fotografia extraída de José Alberto Sardinha, "Viola Campaniça", 2001, pág. 150. Confirma-se uma vez mais a profusa venda de cordofones fabricados em Coimbra pelas feiras dos concelhos circunvizinhos, como Montemor, Arganil, Mortágua, Mealhada, Cantanhede, Penacova, Miranda. De reparar na pouco usual escala traçada (prolongamento de 4 trastos sobre a caixa, também fabricada por Raul Simões) e a insólita aplicação da chapa de guitarra com voluta floral grosseira. Tal pormenor suscita-nos ponderosas dúvidas. Será fabrico de origem? Ou trata-se de um acrescento feito localmente (em Arganil)? Os tambores das tarrachas parecem ser da 1ª metade do século XX. Estas dúvidas justificam-se. Nas ilhas do Faial, Pico e Graciosa, continuando o uso da Viola da Terra com pá de madeira, começaram a surgir nas décadas de 1940 e de 1950 aplicações de cabeça de guitarra para evitar desafinações nas tocatas dos ranchos folclóricos. Cheguei mesmo a ver uma dessas violas, reformada na década de 1950. O braço fora serrado logo abaixo da antiga pá, com aplicação da prótese (cabeça de guitarra).
Da mesma forma que acho a aplicação da cabeça de guitarra na Viola da Terra (com chapa e voluta de caracol) uma violenta violação estética, também não aprecio o encaixe da cabeça de guitarra na Viola Toeira. A última é um cordofone de estrema delicadeza e graciosidade, que tira grande parte do seu impacto visual da singular pá de madeira com cravelhas. Há na actualidade sistemas de afinação eficazes e modernos, perfeitamente aplicáveis sem necessidade de optar pelas cabeças de guitarra, ou ainda pior, de violão.
Esperemos que a Viola Toeira, um dos símbolos de Coimbra e da Beira Litoral, venha a merecer as devidas atenções em termos de salvaguarda. Pelo sim pelo não, sublinhemos que se a Guitarra de Coimbra tem sido ensinada no Conservatório de Coimbra e no Conservatório do Porto, a Viola da Terra integra o leque de opções dos alunos do Conservatório de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada desde os alvores da década de 1980. Tendo este cordofone em Fernando Meireles o seu mais completo e fiável construtor, não se vê qualquer razão para o esquecimento a que tem sido votada esta viola regional. Além do mais, não vale a pena continuar a fingir que a História da Canção de Coimbra não passou por ela.
AMNunes


Viola Campaniça Posted by Picasa
"Viola Campaniça. O outro Alentejo", Vila Verde, Tradisom, 2001, eis mais uma execpcional e ímpar monografia assinada por José Alberto Sardinha, feita sair em colaboração com o seu inseparável editor José Moças. A investigação distribui-se por 206 páginas de textos, anotações, bibliografia, completando-se com 2 cds de recolhas ao vivo. Esta obra constitui uma espécie de corolário do LP "Viola Campaniça", Contradança, LP 86-02, ano de 1986, com 17 faixas sonoras. Os trabalhos de recolha e divulgação da Viola Campaniça originaram um importante movimento de salvaguarda deste cordofone tradicional que, ameaçado de extinção, não tem parado de conquistar apaixonados. Pena é que o referido LP tenha sido indecorosamente contrafeito por mercenário editor francês apostado em ganhar dinheiro fácil.
Agradeço a José Alberto Sardinha a amável oferta de um exemplar do seu livro. Quem nos dera que fizesse outrotanto pela Viola Toeira.
AMNunes


Guitarra de Peres de Vasconcelos Posted by Picasa
Guitarra Toeira de Coimbra, com escala de 17 trastos ligeiramente abaulada, voluta oval clássica, decoração austera, ilharga baixa (6 cms ao atadilho, 5 cms ao cepo), proveniente da oficina do violeiro Raul Simões. Cordofone tipicamente anos 20. Facto insólito, apresenta dois cavaletes.
Miguel A. Peres de Vasconcelos, antigo estudante da UC e executante de guitarra, demora um ilustre desconhecido. Após a conclusão do curso dedicou-se ao ensino liceal, tendo desempenhado o cargo de Reitor no Liceu de Viseu (inícios da década de 1930), Liceu de Lourenço Marques e Liceu de Guimarães (?).
No final da década de 1920 (ano de 1928) gravou discos para a editora Columbia, estando inventariados:
-Variações em Dó Sustenido Menor, de Peres de Vasconcelos. Solo de guitarra por P. de Vasconcelos, Columbia J 858 P 330;
-Variações em Lá Menor (referido como popular), Columbia J 858 P 229;
-Variações Sobre o Fado em Ré Menor, Columbia J 829 P 297;
-Variações em Fá Menor, Columbia J 829 P 298.
Em modo de comentário acrescentaria os seguintes dados: não deixou de constituir uma boa surpresa encontrar a guitarra de Peres de Vasconcelos depositada no Museu Académico; as primeiras duas composições, prensadas no primeiro dos discos indicados, eram conhecidas e tocadas por António Carvalhal, executante que as ensinou a José Maria Amaral; tive o ensejo de escutar as duas faixas do disco que pertenceu a António Carvalhal. Peres de Vasconcelos pareceu-me um executante acentuadamente arcaico, quando confrontado com outros tocadores da década de 1920; não está identificado o tocador de violão de cordas de aço que gravou com Peres de Vasconcelos.
Imagem: guitarra depositada no Museu Académico
Agradecimentos: Doutor Armando Luís de Carvalho Homem, Dr. Artur Ribeiro (Museu Académico), Dra. Mariberta Carvalhal, Dr. José Maria Amaral, José Moças (Tradisom)
AMNunes


Queima das Fitas em Lourenço Marques 1966Posted by Picasa
Exótico cartaz da Queima das Fitas promovida pela Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lourenço Marques, no mês de Maio de 1966.
Desta cidade terá José Vitorino Santana trazido para o seio dos cultores portuenses da CC um tema muito pimba, intitulado "Fui Moço fui Rapaz", tema esse já gravado num disco de Tavares Fortuna, sem que até hoje tenha dele colhido notícias em recolhas junto de cultores activos em Coimbra.
Imagem: cartaz do Museu Académico
Agradecimento: Doutor Armando Luís de Carvalho Homem
AMNunes


Queima das Fitas em Lourenço Marques 1965 Posted by Picasa
Cartaz de publicidade à realização da Queima das Fitas pela Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lourenço Marques, Moçambique, em 15, 23 e 25 de Maio de 1965. O cartaz, numa tiragem de 150 exemplares, anuncia um baile de gala, um rally, uma garraiada e uma Serenata Monumental nas escadarias dos Paços do Concelho. Vários foram os antigos estudantes que tomaram parte nestas serenatas, uns na década de 60, outros já entrados os anos 70, como António de Almeida Santos, Jorge Gouveia, António Bernardino, Gabriel de Castro, Alfredo Caseiro da Rocha e António José Roxo Leão. No caso de António Bernardino, a sua passagem por Moçambique ocorreu já depois de finais de 1969, pois nessa data estava no Quartel Militar de Santa Clara de Coimbra, tendo então gravado o LP "Flores Para Coimbra". Em 1961, António Brojo foi a Lourenço Marques em missão universitária, tendo gravado um ep com alguns dos antigos cultores ali residentes.
Imagem: cartaz da colecção do Museu Académico
AMNunes


"Fados com Açúcar" Posted by Picasa
Parece o título de uma telenovela mexicana de faca e de alguidar, mas não é! Como diria Isabel de Aragão a seu desconfiado esposo, "são saquetas de açúcar real senhor". Entre 21 de Maio de 2004 e 17 de Setembro de 2004 o jornal PÚBLICO editou às sextas-feiras uma luxuosa colecção de cds dedicada às celebrações dos "100 anos das primeiras gravações de discos de fado".
Até aqui nada de anormal que pudesse sobressaltar a morna historiografia. Cem anos não se celebram todos os dias. Daí a xaroposa doçura!
Pelo alinhamento anunciado em grandes parangonas publicitárias no título "O Fado do Público. Tudo isto existe, tudo isto é Público, tudo isto é Fado", em jornal PÚBLICO , de 21 de Maio de 2004, págs. 50-51, ficámos a saber que os cds nº 7 ("Fados e Baladas de Coimbra", edição a 2/07/2004) e nº 8 ("O Amigo Paredes", 9/07/2004) também integravam a colecção.
Estudada a proposta de alinhamento, ouvidos os discos, algumas perplexidades se nos assaltam. Confundido e não esclarecido, além de monumental golpe publicitário e de formidável proeza contemporânea portuguesa digna de suceder ao "Édito de Milão", perguntamos:
1 - Se em 2004 já se sabia de fonte segura que as primeiras gravações discográficas de Fado tinham ocorrido não em 1904 mas sim em 1902 no Brasil, quais os motivos que autorizaram a sustentação do embuste (e não vamos sequer perder tempo com as gravações em cilindro Edison feitas na década de 1890, pois essas são rolos e não discos!)?
2 - Se na década de 1990, a Heritage e a Tradisom já tinham lançado remasterizações de fados antigos, porque motivo só no cd 1 ("100 anos de Fado", de 21/05/2004), ocorrem algumas dessas gravações da década de 1920, num claro recuo histórico-sonoro?
3 - Se a colecção pretendia evocar primacialmente as composições antigas, como entender que das largas dezenas de fados oitocentistas impressos em fascículos de quiosque e cancioneiros, nenhum tenha sido dado a reconstituir a grupos organizados para o efeito? Se nada sabíamos dos fados primitivos oitocentistas, nada continuamos a saber. Bom, até nem será bem assim, pois o Rancho Folclórico do Porto gravou em Julho de 2000 um cd com significativa amostra de fados oitocentistas (Cf. "Fado do Porto recuperado pelo Rancho Folclórico do Porto", Porto, Fortes & Rangel, DCD 1051, ano de 2000). A comissão organizadora da colecção do Público desconhecia o referido disco, ou preferiu ignorá-lo?
4 - Não é de aceitar passiva e pacificamente a total e descarada omissão monocultural facultada pela amostragem proposta, quando o passado do Fado aponta de forma clara e inequívoca para o pluralismo de desempenhos. Por outras palavras, fenecem a esta colecção os Fados Coreográficos recolhidos e ainda hoje dançados pelos grupos folclóricos do Ribatejo, Estremadura, Beira Litoral e Açores; faltam os fados tocados pelos bandolins e acordeons; faltam os fados solados na Viola da Terra (Açores), na Viola Toeira (Coimbra) e na Viola Braguesa (Douro Litoral e Minho). Tais amostragens não são ficção: existem em recolhas musicais impressas e em recolhas sonoras de homens como Artur Santos e José alberto Sardinha.
5 - o cd nº 13 ("Fados do Porto", 13/08/2004), pretendendo centralizar a questão do Fado em Lisboa, comete uma autêntica falsificação da História ao negar a prática activa do Fado na cidade do Porto. Não é de todo verdade que o Fado não se tenha cultivado intensamente nas tascas, salões, cafés e restaurantes portuenses desde os alvores do século XIX. Não só se praticou, como se mantiveram em actividade artistas e formações com produções artísticas locais e inúmeros discos gravados. Se alguns fadistas oriundos do Porto se transferiram para Lisboa, muitos outros desenvolveram toda a sua actividade no Porto, mantendo contactos com a comunidade lisboeta. Compreende-se a necessidade ideológica de centralizar a questão do Fado em Lisboa. Ela é comparável ao insolúvel combate pelo impossível achamento da "verdadeira capital da chanfana". 2004 foi o ano da formulação larvar da candidatura patrimonial do Fado à Unesco. Mas uma candidatura não legitima fazer o mesmo que aqueles directores de ranchos folclóricos que, marcados pelo bairrismo exaltado, inventaram supostas abissais diferenças de viras e chulas entre a terra A e o local B. Por vezes, as invocadas diferenças eram apenas uma fala peculiar do mandador! Era o que acontecia na Mealhada, onde num povoado o mandador do Vira dava falas de "vira, vira" e noutro povoado se dizia "passa, passa".
6 - Muito dificilmente se poderá aceitar a inclusão da matéria do cd nº 7 ("Fados e Baladas de Coimbra", 2/07/2004) na referida colecção. Nenhuma das composições alinhadas ilustra cronologicamente o período oitocentista costumeiramente invocado como sendo o tempo das ligações entre Fado (de Lisboa) e Canção de Coimbra. As 12 faixas seleccionadas são todas cronologicamente posteriores a essa tão invocada ligação. Ora, se o objectivo da inclusão dessas faixas sonoras, como se disse, posteriores ao "tempo do fado", não serve para ilustrar a reclamada ligação umbilical, para que serve afinal o disco nº 7? Para reafirmar, uma vez mais, que quem diz a suposta "Estória do Chamado Fado de Coimbra" é o Fado de Lisboa? Por outro lado, se quisermos ser muito rigorosos, Coro dos Caídos, de José Afonso serve para documentar exactamente que movimento artístico neste disco? O único tema que pode servir de exemplificação a alguma proximidade entre os dois géneros artísticos é Fado Hylario Moderno, mais pela parte final em corrido menor, do que propriamente pela primeira parte. Os desenhos de Fernando Guerreiro mostram supostos estudantes em figurino de casas de fados, com guitarra de Lisboa. É a eterna sombra do filme "Capas Negras" com a fraude "Avril au Portugal", piedosamente tomada por tema universal da Canção de Coimbra. Aqui sim, estamos verdadeiramente confrontados com o tal espírito mexicano dos "fados com açúcar". Quanto ao cd nº 8 ("O Amigo Paredes", de 8/07/2004), mais aumentam as perplexidades. Em Coimbra jamais se chamaria o "Paredes" a Carlos Paredes, pois O PAREDES é Artur Paredes. Carlos Paredes numa colecção de fados? Mas Carlos Paredes nunca cultivou o Fado de Lisboa, como também não pretendeu confundir-se com a imagem do cultor da Canção de Coimbra tout court. Qual o critério? Integrou-se Carlos Paredes porque CP era um tocador de guitarra e a guitarra simboliza o Fado? Ou integrou-se CP porque os cultores do Fado se querem apropriar da herança de CP?
7 - Do pouco que me é dado conhecer da História da Canção de Coimbra (asseguro que não se trata de um brinde saído no pacote da farinha), ser-me-ia grato, razoável e avisado ver nesta colecção um cd intitulável "Amostra de Fados que se cantaram em Coimbra". Em 2004, data da preparação e comercialização deste projecto, já estava disponível uma lista de fados e de canções fadográficas que comprovadamente se cantaram em Coimbra. Além do arrolamento, era ainda possível disponibilizar a qualquer equipa de estudo/reconstituição fontes documentais (sonoras e impressas) com fados cantáveis e coreográficos. Os coordenadores do projecto não solicitaram este intercâmbio porque desconheciam pura e simplesmente a sua existência documental, ou porque estavam apostados em perpetuar unicamente a vulgata? A confirmar-se a 2ª hipótese, as consequências mediáticas de uma tal decisão são culturalmente gravíssimas. Vejamos, no plano da história comparada, tais atitudes irresponsáveis, correspondem à imposição da história branca dos EUA, com violento branquamento da ancestralidade da história dos povos índios anteriores a Colombo, à glorificação da gesta dos cowboys e ao triste confinamento dos índios em parques turísticos onde dançam com penachos aos domingos para os visitantes fotografarem!
Terminada esta espécie de novela adocicada, cujos folhetins agitaram jornais, deram origem a saquetas de açúcar e a canecas de louça distribuídas em pacotes de café Delta, a Canção de Coimbra viu-se respeitada na sua autonomia cultural e na sua individualidade artístico-patrimonial?
Como diria, Cunhal, "olhe que não, olhe que não..." . Quando a doçura é grande, o santo desconfia!
Post scriptum: agradeço ao Estimado Amigo e Ilustre Investigador Armando Luís de Carvalho Homem as oportunas palavras de corroboração a esta crónica que estava para sair havia pelo menos dois anos. Propositadamente não escrevi uma única palavra sobre os textos de Raul Vieira Nery, então publicados em fascículos ao longo dos vários discos. Entendendo que só tinha de me pronunciar, neste particular, em matéria de Canção de Coimbra, escrevi em finais de 2004 uma longa carta particular ao etnomusicólgo Dr. José Alberto Sardinha, carta essa onde expunha a minha indignação e profunda estranheza perante uma investigação que em 100 anos não se renovou, mais acrescentando que os invocados elos de ligação entre Fado e Canção de Coimbra jamais se comprovariam apenas com exemplificação de duas composições ("Fado de Coimbra" e "Fado dos Estudantes Açorianos!") estróficas. A verdade é que o monumental projecto foi do agrado de certos clercs, pois um Eduardo Prado Coelho não lhe poupou elogios. Em terra de cego quem tem olho é rei, lá diz o vulgo.
AMNunes

quinta-feira, fevereiro 02, 2006


O "Orfeon Académico de Coimbra", em 1917-18. Anúncio de dois espectáculos de beneficência em Lisboa. Era maestro, na altura, Elias d'Aguiar, com foto a meio da página (5). Vê-se ainda, com o nº 11, António Menano.
"Ilustração Portuguesa", II serie - Nº 636, de 29 de Abril de 1918.
Espólio de Joaquim Pinho. Posted by Picasa


"Rapazes, não canteis o Fado!". É assim que termina este artigo de Manuel da Silva Gaio, filho do célebre escritor viseense, Silva Gaio. Vale a pena uma leitura atenta deste artigo - uma exortação patriótica - escrito no ano de 1918, na véspera da malfadada batalha de La Lys (9 de Abril de 1918), nos finais da I Grande Guerra Mundial. Para este senhor o Fado estava muito mal visto!
Revista "Ilustração Portugueza", II serie - Nº 636, de 29 de Abril de 1918, uma edição semanal do jornal O Seculo.
Espólio de Joaquim Pinho.
























Artigo da revista "Passatempo", revista quinzenal ilustrada, de lisboa, com data de 25 de Abril de 1901 (I ANNO - Nº 9), escrito por E. de Aguilar e fotos de Evaristo Camões. Curiosamente, fala aqui do músico José Maurício, do qual o Coro dos Antigos Orfeonistas canta uma obra recentemente descoberta, "Aleluia", com transcrição de José Travassos Cortez.
Espólio de Joaquim Pinho. Posted by Picasa

quarta-feira, fevereiro 01, 2006


Guitarras de Afonso de Sousa Posted by Picasa
Aspecto do expositor do Museu Académico dedicado ao Afonso de Sousa. Não por acaso, enquanto o inquilino de baixo é Afonso de Sousa, o inquilino da prateleira superior é Artur Paredes.
Em 1º plano vemos a primitiva Guitarra Toeira de Coimbra regularmente utilizada por Afonso de Sousa nos tempos de estudante. É um cordofone proveniente da oficina de Raul Simões, vincadamente anos 20, com a ilharga danificada. Mais atrás figura a guitarra utilizada por Afonso de Sousa entre finais da décda de 30 e os anos 40, que em Novembro de 1989 fizemos depositar no Museu Académico. Representa um estádio intermédio de evolução entre a Guitarra Toeira e a Guitarra Paredes/Grácio. Proveniente da oficina de João Pedro Grácio, com data de 1937, apresenta ainda escala de 17 pontos. As principais modificações observam-se ao nível do tratamento da voluta e da ilharga. A voluta passou do oval clássico a lágrima em aresta agressiva, ainda afastada da fixação operada a partir de 1940. A ilharga sofreu alteamento bem visível, mostrando-se bastante próxima da altimetria que viria a popularizar-se na década de 1940. Esta 2ª guitarra de Afonso de Sousa constitui um documento organológico da maior importância para o estudo da evolução da Guitarra de Coimbra. Não podemos deixar de invocar o espanto do candidato a guitarrista Vergílio Ferreira, quando em Março de 1939 foi tocar violino com a TAUC à Casa das Beiras, Lisboa, na Quinzena dos Estudantes de Coimbra em Lisboa. Vergílio sentiu-se duplamente desvastado com a actuação de Artur Paredes/Carlos Paredes/Afonso de Sousa. De acordo com Vergílio, em Coimbra ninguém tocava guitarra daquela maneira, e além do mais, Artur Paredes dedilhava uma "guitarra enorme, os tampos à distância de um quilómetro".
Em 2006 corre o 1º centenário do nascimento de Afonso de Sousa, para sempre amado 2º guitarra de Artur Paredes.
AMNunes


Partitura de "Esperança", uma canção de Coimbra da autoria de Virgílio Caseiro. São três quadras, cada uma seguida do refrão. Peça simples mas bem conseguida, com uma harmonia fugindo do tradicional. Diz Virgílio Caseiro no livro "Novas Canções para Coimbra", que esta obra é "de perfeita consonância com a tradição composicional coimbrã". Posted by Picasa


Guitarra de Artur Paredes Posted by Picasa
Guitarra Toeira de Coimbra que pertenceu a Artur Paredes. De todos os cordofones da colecção do Museu Académico é sem margem para dúvidas o mais importante: a) trata-se de uma Guitarra Toeira de Coimbra fabricada na década de 1920, possivelmente por Raul Simões, com ilharga baixa, ornamentação austera, escala longa, voluta oval sem arestas, sistema de escoramento de tampo com 2 travessas, 17 pontos; b) foi com esta guitarra que Artur Paredes gravou as suas famosas variações, canções e rapsódias em 1927; c) foi com ela que Artur Paredes fez a gravações para a voz de Edmundo Bettencourt; d) foi com ela que Afonso de Sousa gravou as suas próprias peças instrumentais em 1929.
É a todos os títulos um instrumento fundante, revolucionário, mediante o qual Artur Paredes instaurou pioneiramente o ADN da Guitarra de Coimbra. Além dos factos notabilíssimos já referidos, acrescentemos os seguintes: o instrumento foi largamente restaurado e reconstruído em 1931 por Joaquim Grácio, confirmando cronologicamente aquilo que temos insistentemente escrito sobre o assunto quanto à parceria Artur Paredes/Joaquim Grácio nas décadas de 1930-1940; por iniciativa de Afonso de Sousa, Artur Paredes ofertou esta guitarra ao Museu Académico em 1960; estando a guitarra degradada, foi restaurada por Gilberto Grácio em 1996.
Imagem: Museu Académico
AMNunes

O Renascer da Canção de Coimbra
















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Por volta do ano de 1899 a Academia de Coimbra começou a alicerçar a Queima das Fitas com a realização do "Centenário da Sebenta". Tal tradição que animaria a cidade de Coimbra ano após ano, só viria a atingir alguma regularidade a partir de 1919, depois de ultrapassada a turbulência sócio-económica motivada em grande medida pela 1ª República e 1ª Grande Guerra.
É nesta fase das décadas de 20 e 30 e 50 que a Canção de Coimbra atravessa uma época "dourada". Segue-se novamente uma fase atribulada na década de 60 em que a Academia exige, por vezes de forma mais vincada, o respeito pelos valores que defende e que o Terreiro do Paço insiste em não reconhecer. O fado e a balada tornam-se instrumentos importantes nesta luta.
Em 17 de Abril de 1969, na cerimónia inaugural do Edifício das Matemáticas, o Presidente da República de então e a sua comitiva assistem aos violentos protestos académicos. Logo a seguir, dia 18 de Abril, há Assembleia Magna e a 22 de Abril de 1969 é decretado o "Luto Académico". Desde esse dia a Canção de Coimbra não voltou ao adro da Sé Velha com timbre das guitarras e com encanto da voz dos estudantes. Era o protesto possível.
Chegámos à Velha Academia em 1977. Pelas ruas da cidade não se ouvia a sua canção romântica e de revolta.
Tinha acontecido o 25 de Abri de 1974 e no nosso entendimento já não havia motivo para não cantarmos publicamente o que nos ia na alma. A guitarra estava na posse dos mais antigos, pois 10 anos de silêncio esbatem a tradição, mas a viola estava ali sempre à mão para acompanhar uma balada do Zeca ou do Adriano se necessário fosse.
O José António Coelho Nobre (Zé Tó) o Rui Figueiredo e o Vítor Baltasar não se faziam rogados para que depois de um petisco no "Poeta" , em Cernache, ou no "Zé Manel", da Adémia, fizessem ouvir uma balada. Também o Carlos Caiado e o Tó Pedroso (este já com guitarra) iam "arranhando" uns "fadunchos" à sombra dum copo cheio de juventude. Começámos a encontrar-nos no saudoso café Moçambique embalados pelo mesmo espírito académico e com a perfeita noção de que era necessário ir mais além, e fazer ressurgir a Canção de Coimbra. O João Moura, nosso colega da Faculdade de Farmácia, tinha comprado uma guitarra e depressa se associou ao restante grupo. Com o Xico Alte da Veiga, colega de curso do Zé Tó em Medicina, estavam reunidas as condições para a convocação de ensaios periódicos no 21 da Rua Lourenço A. Azevedo. Mais tarde haveríamos de ensaiar em casa do João Moura na quinta dos Sardões. Ressurgia, assim, a Canção de Coimbra junto dos estudantes depois de 10 ou 11 anos de luto académico.
Estávamos em Janeiro de 1978 e aparecia o 1.º convite para actuar em público, nas festas de S. João de Arcozelo da Serra em Junho desse ano.




24 de Junho de 1978 – ponte granítica sobre o Mondego em Arcozelo da Serra.
Da esquerda para a direita: Carlos Caiado, João Moura, Alte da Veiga, Zé Tó e de pé o Vítor Baltasar.

Foi uma noite inesquecível com o recinto das festas cheio de gente a aplaudir os estudantes de Coimbra.
Regressados a Coimbra, foram algumas janelas das nossas colegas a abrir-se ao som dos trinados das guitarras. Era a irreverência saudável dos saudosos 20 anos.
Avizinhava-se o novo ano lectivo 78/79. Foram muitos ensaios regulares, alguns dos quais em casa do saudoso amigo e mestre ímpar da guitarra, o Professor Pinho Brojo. Também por lá, o Dr. António Portugal evidenciava muita paciência ao mostrar como se deveria tocar e cantar. Seria injusto não realçar o papel importantíssimo que o Dr. Alfredo da Gória Correia teve na orientação e estímulo aos rapazes do novo grupo percursor da Canção de Coimbra. Lembramo-nos de algumas das noitadas de ensaio, com ele cheio de juventude, na " Real República Pyn-Guyns".
2 de Junho de 1979 - serenata – semana académica. Vítor Baltasar (canta), Carlos Caiado (de pé segura uma colher de pau), Zé Tó na viola, Tó Pedroso e João Moura na guitarra.
*
Chegou o dia 2 de Junho de 1979, depois de um jantar no "Lampião" na Av. Fernão de Magalhães, subiram às pálidas pedras da Sé Velha os novos e os "velhos". Tivemos direito a escolta policial. O largo estava cheio, como cheios de comoção se viam os olhares de muitos estudantes e futricas. Depois de 11 anos, voltava a ouvir-se o fado na Sé. Foi o "Vira de Coimbra" por Vítor Baltasar (na imagem) a iniciar e "Adeus Minho Encantador" por Carlos Caiado, a confirmar que era mesmo a malta nova que ali estava cheia de vontade e emoção. Hoje são tenores dos Antigos Orfeonistas de Coimbra.
Cantaram ainda Camacho Vieira, Luíz Goes, Machado Soares, António Bernardino, Almeida Santos, Fernando Rolim e outros, acompanhados pelo grupo de guitarras de João Bagão, como ilustra a foto que se segue:

2 de Junho de 1979 - – semana académica – serenata. "Oh tirana, saudade…" cantou o Luíz Goes

Apesar de tudo não eram tempos pacíficos, havia quem não concordasse e se manifestasse (algo violentamente) contra esta serenata que estava a acontecer com direito a transmissão pela RTP e Rádio Renascença.
No ano seguinte ressurgia efectivamente a Queima das Fitas em Coimbra onde também participámos. Nessa altura já com o grupo do Henrique Ferrão em que cantou o Cravo e o Tó Nogueira. Com o nosso grupo, cantou o Zé Neves (actualmente também tenor dos ANTORF), Vítor Baltasar e Luís Cartarío.




1.ª Queima das Fitas 1980 – Sé Velha – Carlos Caiado, João Moura, Nuno Silva e Zé Tó. Canta Vítor Baltasar

Foram muitos os pormenores que rodearam estes anos dourados das nossas vidas e que um dia relataremos mais em pormenor se a memória e o bom senso o permitirem.
*
Vitor Baltasar

terça-feira, janeiro 31, 2006


Dr. Francisco Menano Posted by Picasa
Retrato bastante raro, do tempo de estudante. Francisco Paulo Menano, executante de guitarra, compositor, 2º tenor do Orfeon de António Joyce, ensaiador orfeónico, tocador amador de pianola, fez os estudos secundários no Liceu de Coimbra (1905-1908), tendo frequentado a Faculdade de Direito da UC (1908-1912). Além de Francisco, também passaram por Coimbra, com reconhecidas ligações à CC, os manos José Menano (g), Paulo Menano (g), António Menano (voz), Horário Menano (guitarra e voz), Abel Menano (g) e Alberto Menano (g). Autor de obra vasta, grande promotor do canto coral em algumas zonas do país, FMenano chegou a gravar em 1961 com Augusto Camacho/António Brojo. Artista afamado no seu tempo e muito para além dele, a arte guitarrística de FMenano mostrar-se-ia irremediavelmente senil perante a obra de Artur Paredes. A distancia que medeia entre os dois artistas lembra-nos o fosso que vai entre o pincel de Cimabue e o de Miguel Ângelo.
Imagem: trecho da vitrina do Museu Académico dedicada a F. Menano
AMNunes


Voltuta da Guitarrilha de F. Menano Posted by Picasa
Voluta oval da Guitarrilha do Dr. Francisco Menano (1905), proveniente da oficina do violeiro local Augusto Nunes dos Santos. Merecem atenção a chapa de leque com as tarrachas de tambor cilíndrico sem pinos (muito em uso grosso modo entre 1860-1940) e a voluta oval sem corte em aresta. Neste particular, não sobra a menor dúvida quanto à herança de algumas guitarras inglesas com remate de voluta em escudete/e oval que, no caso dos tocadores de Coimbra, serviu desde cedo para embutir os monogramas feitos com letras de prata.
Imagem: grande plano da Guitarrilha do Dr. Francisco Menano, propriedade do Museu Académico
AMNunes


Guitarrilha de F. Menano Posted by Picasa
Guitarrilha de Tipo Coimbra, adquirida pelo Dr. Francisco Paulo Menano quando veio de Fornos de Algodres para o Liceu de Coimbra em 1905. Foi fabricada pelo afamado violeiro local Augusto Nunes dos Santos, ostentando na etiqueta a data de 1905.
Próxima das guitarrilhas então em voga e já claramente tipificadas em Lisboa e no Porto, apresenta ilharga a tender para o baixo (5,3 cms ao cepo; 6,5 cms ao atadilho), escala longa de orientação plana, voluta oval sem arestas salientes, contraste entre ilhargas escuras e tampo superior claro. É um cordofone de grande beleza, leve, de linhas graciosas, do período do toque em afinação natural. Contém, sintetizadamente, todas as características da Guitarra Toeira de Coimbra (cuja existência cultural e histórica continua a ser negada). Francisco Menano utilizou-a em serenatas, actuações de palco em complemento de digressões do Orfeon e nas Fogueiras de São João do Largo de São João de Almedina. Definido este primeiro modelo de Guitarrilha de Coimbra, ou melhor, de Requinta da Guitarra Toeira de Coimbra, Augusto Nunes dos Santos e Armando Neves trabalharam praticamente em simultâneo na definição de um modelo de maiores dimensões. Todavia, esta Guitarrilha não desapareceu logo, tendo persistido o seu fabrico e uso até meados da década de 1940.
O violeiro Armando Neves tinha chamado a atenção do estudioso Armando Simões ("A Guitarra", 1974) para esta recuada realidade local, realidade essa que Simões mostra conhecer e dominar. No entanto, como que paradoxalmente, tanto nos estudos de Pedro Caldeira Cabral ("A Guitarra Portuguesa", Ediclube, 1999), como na luxuosa 3ª reedição de "Instrumentos Musicais Populares Portugueses" (2000), vemos a questão pura e simplemente sonegada. Mais estranho ainda, no mundo dos insólitos em que navegamos, é constatarmos que a Guitarrilha de Francisco Menano foi fotografada no Museu Académico a pedido da FCGulbenkian para figurar na 3ª edição de "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", Lisboa, FCGulbenkian/Museu Nacional de Etnologia, 2000, pág. 186.
Imagem: Museu Académico, espólio do Dr. Francisco Menano
AMNunes













"Dois japoneses em Coimbra". Texto de Paulo Marques com foto de Octávio Sérgio, no Diário das Beiras de hoje.

DISCOGRAFIA DE JOSÉ DIAS E RESPECTIVAS LETRAS
Por José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

I – Um esclarecimento
A primeira versão deste texto foi editada no blog “guitarradecoimbra” no dia 21 de Outubro de 2005, apresentando lacunas resultantes das poucas fontes estão disponíveis. Felizmente, mercê de uma prestimosíssima colaboração, foi-nos possível suprir algumas das faltas de que o mesmo enfermava, à excepção de uma que ainda subsiste: “Quem era o cantor José Dias?”
Queremos aqui expressar e realçar os nossos especiais agradecimentos ao Dr. João Caramalho Domingues que voluntária e generosamente nos facultou uma preciosa ajuda, sem a qual não nos teria sido possível melhorar o nosso trabalho.
Aos cultores da Canção de Coimbra solicitamos, caso saibam, que nos digam, pois, quem seria José Dias.

II-Biografia desconhecida
José Dias, ou José(zito) Dias, gravou na década de 20, mais concretamente em Maio de 1927 e em Outubro de 1928, um total de 5 discos de 78 rpm. Quer na 1ª, quer na 2ª sessão, foi acompanhado em Guitarra de Coimbra de 17 pontos pelo Dr. Paulo de Sá (1891-1952). Quanto ao executante de violão de cordas de aço, sem provas definitivas, há fortes probabilidades de ter sido o habitual e anónimo acompanhante de Paulo de Sá, Prof. Doutor José Carlos Martins Moreira (Porto, 1895; Coimbra, 1977), Lente da Faculdade de Direito da UC e durante longíssimos anos Vice-Reitor da Alma Mater Conimbrigencis. Antigo orfeonista, antigo sócio da TAUC e renomado serenateiro, Moreira manteve após a formatura contactos frequentes com Paulo de Sá, em festas particulares e anualmente durante as férias de Verão na Assembleia da Praia da Granja.
Na Internet, (antigo site de José Rabaça aberto entre 1996-2005, http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra) nas biografias dos “Cantores de Fado de Coimbra”, Dias vinha erradamente identificado como sendo o bispo D. José do Patrocínio Dias “Presunto” (Covilhã, 23-07-1884; Fátima, 24-10-1965). O mesmo lapso ocorre na obra de José Niza, “Fado de Coimbra. Um século de Fado”, Lisboa, EDICLUBE, 1999.
D. José do Patrocínio Dias, o Bispo-Soldado, foi aluno do Colégio S. Fiel dos Padres Jesuítas, da Guarda, depois da Faculdade de Teologia da UC entre 1902 e 1907, ano em que concluiu a formatura e se ordenou presbítero. Cónego em 1915, foi nomeado capelão do CEP na Grande Guerra de 1914-18 e daí o epíteto de Bispo-Soldado. Em 16-12-1920 foi eleito Bispo de Beja pelo Papa Bento XV.
O barítono José do Patrocínio, de alcunha Petrónio Teológico, sabia cantar lindamente e tocar guitarra. Herlander Ribeiro (Lisboa, 1887; Paris?, 1967) refere-o numa crónica de 1906 como destro jogador de cartas, inveterado e bem sucedido namorador, dandi no vestir, serenateiro, leitor voraz, apaixonado pelo teatro, gastador em coletes de fantasia e relógios de bolso. Havia quem lhe chamasse “Presunto”, pois todas as vezes que ia à Covilhã, trazia vistosos carregamentos de presuntos (Cf. Herlander Ribeiro, “Cartas de uma tricana. Coimbra de 1903 a 1908”, 3ª edição, Lisboa, 1936, págs. 15-16).
Numa biografia de D. José do Patrocínio Dias da autoria de C. J. Gonçalves Serpa, com mais de 500 páginas, impressa na União Gráfica, Lisboa, 1959, não há qualquer referência ao assunto, numa atitude de silenciamento idêntica à observada noutras figuras da cultura portuguesa activas na CC em fase juvenil, como o Prof. Doutor António Augusto Ferreira da Cruz (cantor activo entre 1927-1935, com militância no Fado Académico; antigo orfeonista) e o Prof. José Carlos Moreira. Na dita biografia a alcunha «Presunto» também não consta, nem mesmo quando refere os nomes de seus pais que, no caso da mãe, Claudina dos Prazeres, não grafa o apelido.
Pelas informações de que dispomos, o Bispo D. José Dias não gravou quaisquer discos e nada tem a ver com o cantor José Dias que efectuou gravações com Paulo de Sá nos finais da década de 1920. Repare-se que a 2ª grande ofensiva discográfica coimbrã ocorreu na 2ª metade da década de 1920, entre 1926-1929, coincidindo no plano interno com o fim da Primeira República (1910-1926) e com a instauração da Ditadura Militar. A Igreja Católica, severamente disciplinada pelo regime republicano anticlerical, procurava reconquistar prestígio social, não permitindo aos representantes das várias hierarquias atitudes que moral e culturalmente suscitassem ambivalências. O Padre Dr. João Augusto Antunes, de alcunha Padre Boi (1863-1931), afamado boémio e serenateiro nos anos de 1880-1890, homem de comes e de filhos, bem poderia ter gravados discos. Todavia não o fez. Para tanto terá contribuído a apertada vigilância disciplinar do bispo diocesano de Coimbra que via com maus olhos as condutas “excessivas” do lendário Padre Boi. Ora, se o Padre Boi manteve aqueles traços de personalidade e de conduta que um outro seu colega de arte, Raul Moreira Dinis, haveria de cultivar até ao fim da vida, o mesmo não se poderá dizer do Bispo Dr. D. José Dias que fez por esquecer os “pecadilhos de juventude”.
Em “O Notícias Ilustrado”, II Série, Nº 44, de 14 de Abril de 1929, vem um extenso inquérito sobre «Fado», com bastantes depoimentos e várias fotografias, desenhos e caricaturas. Na parte respeitante a gravações para a His Master’s Voice, referem-se os nomes dos cantores José Dias, Elísio de Matos, Armando Goes e Paradela de Oliveira. Traz vários retratos mas, dos cantores aqui referenciados, só figuram os de Armando Goes e de Paradela de Oliveira.
O Bispo Dr. D. José do Patrocínio saberia música, sendo servido por uma boa voz de barítono que na época despertava atenções de raparigas e admiradores masculinos. O José Dias que gravou para a HMV em 1927-1928 era um barítono vulgar, com uma expressividade interpretativa semelhante às de Alexandre Rezende e António Batoque. Era aquilo a que em Coimbra se chamava depreciativamente o “cantor de urinol” ou de “refugo”.
Estaremos em presença de um estudante da década de 1920, de um já então antigo estudante, ou de um desconhecido porventura residente em Coimbra, Lisboa, Praia da Granja, das amizades de Paulo de Sá e seus próximos? A título de achegas, lembre-se que no ano lectivo de 1922 integrou a lista da Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra um José Lopes Dias Júnior, sendo Presidente Lúcio de Almeida. Foi este mesmo José Lopes Dias Júnior que incorporou uma comissão de apoio à equipa de filmagens de “A Fonte dos Amores”, em Agosto/Setembro de 1923, à qual também pertenciam os académicos Manuel Falcão Machado e Osório Machado.
Nome um pouco semelhante era o do estudante José Dias dos Santos Coelho que em Fevereiro de 1923 se deslocou a Espanha, conjuntamente com universitários de Lisboa e do Porto, por incumbência do Ministro da Instrução, com vista a estudar as residências estudantis. O aluno supra-referido, tinha bons conhecimentos musicais, era amigo de Fernando Falcão Machado, e na década de 20 fez as composições “Queixumes” e “Quando a Cabra Toca”. Terminados os estudos, radicou-se no Porto, cidade onde leccionou Português em estreita colaboração com a Mocidade Portuguesa, facto que lhe valeu penoso saneamento em 1974.
Há fortes probabilidades de José DIAS ser o José Lopes Dias Júnior dirigente associativo, acima referido, amigo e protegido de Paulo de Sá, voz muito próxima dos círculos frequentados por Alexandre Rezende, José Parente, José Carlos Moreira e o próprio Paulo de Sá. O arrolamento dos títulos gravados por Dias é significativo quanto aos autores das composições.
José Dias gravou inicialmente 4 discos de 78 rpm, em Maio de 1927, para a His Master’s Voice, acompanhado em Guitarra Toeira de Coimbra, com uso de afinação natural, pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão aço, admitimos que possa ter sido o Prof. Doutor José Carlos Moreira (Cf. «Discografia de Elísio de Mattos e respectivas letras», neste blog). A relação destes primeiros quatro discos e respectivos compositores figura no «Catálogo para Portugal de Discos His Master’s Voice», referente a 1928, edição do Grande Bazar do Porto, impresso nas oficinas de “O Comércio do Porto”, pág. 5/71.
Tais discos foram inicialmente fabricados em Barcelona pela Compañia del Gramófono mas, como já pertencem à série «E.Q.», privativa do Grande Bazar do Porto, isso significa que foram produzidos depois da implementação do acordo de 1928 estabelecido entre a His Master’s Voice e o Grande Bazar do Porto.
José Dias voltou a gravar em Outubro de 1928 mas apenas foi editado mais um disco, embora tenha efectuado outras agravações (Fado de Aveiro e Fado da Enfermeira, pelo menos).

III – Matrizes fonográficas
Gravações efectuadas em Lisboa, no Teatro D. Luís, em Maio de 1927
Disco Gramófono, E.Q. 26
Disco His Master’s Voice, E.Q. 26
2-62567 – Fado da Mentira (Ninguém conhece no rosto)
2-62568– Fado do Luar (E Há no mundo quem afronte)

Disco Gramófono, E.Q. 27
Disco His Master’s Voice, E.Q. 27
2-62569– Fado Patriótico (Meu Portugal que mais queres)
2-62570– Fado Triste (Abri uma cova na areia)

Disco Gramófono, E.Q. 28
Disco His Master’s Voice, E.Q. 28
2-62571– Fado do Mondego (O Choupal anda, coitado)
2-62572– Fado de Coimbra (Deixem-me cantar o fado)

Disco Gramófono, E.Q. 29
Disco His Master’s Voice, E.Q. 29
2-62573 – A Maior Dor (Dizem que as mães querem mais)
2-62574 – Fado da Montanha (Quem por amor se perdeu)

Gravações efectuadas em Lisboa, Teatro de S. Luís, em 31 de Outubro de 1928
Disco His Master’s Voice, E.Q. 150
-Fado da Minha Mãe (Minha mãe é pobrezinha)
-Fado do Mar Largo (Ó mar largo, ó mar largo)

Disco His Master’s Voice (??)
-Fado da Enfermeira (??)
-Fado de Aveiro (??)

IV - Letras Cantadas

FADO DA MENTIRA
(Ninguém conhece no rosto)
Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes (1886-1953)
Letra: 1ª e 2ª quadras de autor(es) não identificado(s)
Data: ca. 1907
Edição musical: Sassetti & C.ª, copyright de 1927

Ninguém conhece no rosto
O que a nossa alma inspira…
A vida é gosto e desgosto,
Mentira, tudo mentira.

A jura que me fizeste
De ser minha eternamente,
Por ser feita à beira d’água
Foi levada na corrente.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão aço, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 26 e His Master’s Voice, E.Q. 26).
A edição musical tem capa de Stuart de Carvalhais e a letra que nela consta é a cantada e gravada por António Menano. Na dita edição vem a indicação de ser música de Alexandre Rezende mas é omissa quanto à autoria da letra que nela consta e que é a seguinte:

Ninguém conhece no rosto
O que a nossa alma inspira…
A vida é gosto e desgosto,
Mentira, tudo mentira.

A minh’alma, coitadita,
Não tem vestes, anda nua:
Ó por Deus dá-lhe um abrigo,
Dá-lhe um cantinho da tua.

Embora a edição musical seja omissa quanto à autoria da letra, a 2ª quadra é garantidamente popular e encontramo-la em Jaime Lopes Dias, “Etnografia da Beira”, Volume II, 1927. Em contrapartida, a dita edição musical traz bem patente a indicação «Célebre fado cantado por António Menano».
António Menano gravou este espécime em Maio de 1927, em Paris (Discos ODEON, 136.811 e A136.811, master Og 583). Gravação disponível em vinil (Álbum de Fados de Coimbra – António Menano, 1º disco, editado em 1985). Disponível também em compact disc:
Heritage HT CD 31, da Interstate Music, editado em 1995;
Arquivos do Fado/Tradisom, Vol. V, TRAD 012, cópia do anterior, editado em 1995;
CD António Menano – Fados, Vol. II, editado em Dezembro de 1995, com etiqueta Odeon.
Anota-se que entre o 3º e o 4º versos de cada estrofe António Menano introduz o vocalizo “ai”, no seu jeito habitual.
Vários têm sido os cantores, uns de Coimbra, outros não, que cantaram e gravaram este espécime, atribuindo erradamente a música a António Menano. Alguns alteram-lhe o título e/ou a letra, indo buscar para 2ª estrofe a conhecida quadra popular “Fiz uma cova na areia”, e até uma quadra do Fado dos Beijos: “Se tu quisesses ser minha”.
Gravações de outros cantores:
-CD “Orfeão Académico de Coimbra”, Ovação, OV-CD-012, de 1991: canta António Sutil Roque. Remasterização de um registo efectuado em 1961 com Jorge Tuna/Jorge Godinho (gg) e Durval Moreririnhas (v);
-CD “António Vecchi – Guitarra chora baixinho”, Movieplay, 30.279, editado em 1992;
-CD “Melro – Janita Salomé”, Movieplay, MP 13.001, editado em 1993; outra reedição no CD “Melro. Janita”, Lisboa, Movieplay, MOV 30. 406, ano de 1999, faixa nº 10, com o título estropiado para “Fiz uma cova na areia” e atribuição errada a António Menano. Remasterização de um LP vinil Orfeu, de 1980. Vocalização e fonética não coimbrãs, sendo o cantor acompanhado por Octávio Sérgio (g) e Durval Moreirinhas (v). De destacar o criativo arranjo de Octávio Sérgio;
-CD “Fernando Machado Soares”, Philips, 838 108-2, compilação de gravações de 1986 e 1988, sem data, faixa nº 4. Remasterização a partir do LP “Fernando Machado Soares. Coimbra tem mais encanto”, Polygram/Philips, 830 37-1, ano de 1986, Lado A, faixa nº 4, com atribuição errada de letra e de música a António Menano. Cantor acompanhado pelo executante de guitarra de Fado de Lisboa José Fontes Rocha e por Durval Moreirinhas (v). Arranjo de guitarra banalíssimo, com vocalização implosiva;
-CD “Fados e Guitarradas de Coimbra”, Lisboa, Movieplay, MOV. 30.425/A, editado em 2001, disco 1, faixa nº 2. Canta Adriano Correia de Oliveira. Remasterização do EP “Noite de Coimbra”, Porto, Orfeu, ATEP 6025, ano de 1960, com António Portugal/Eduardo Melo (gg), Durval Moreirinhas/Jorge Moutinho (vv nylon). Disponível também na antologia “Adriano. Obra completa”, Lisboa, Movieplay 35. 003, ano de 1994 (CD “Adriano. Fados e Baladas de Coimbra”, 35. 004, faixa nº 1, com imputação errada de autoria a António Menano). Vocalização bastante incipiente;
-cassete “Praxis Nova. Canções de Coimbra”, Porto, Fortes & Rangel, DCS-017, ano de 1989, face A, faixa nº 4, com atribuição errada a António Menano. Canta Luís Alcoforado, acompanhado por Paulo Soares/José Rabaça (gg) e Luís Carlos Santos/Carlos Costa (vv). Remasterização no CD “Praxis Nova. Percursos”, Porto, Fortes & Rangel, CDM 003, ano de 1998, faixa nº 4;
-CD “Balada das Capas Negras”, ESPACIAL,3200097, ano de 1995, faixa nº 5, estando a música correctamente atribuída a Alexandre Rezende. Canta José Horácio Miranda, acompanhado por Fernando Monteiro/António Lopes (gg) e Nuno Figueiredo/Luís Santos (vv).

FADO DO LUAR (E há no mundo quem afronte)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: Augusto César Ferreira Gil (1873-1929)
Edição musical: desconhecemos a sua existência
Data: ca. 1911-1912

E há no mundo quem afronte
Uma mulher quando cai!
Corre água limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vai…

O meu amor, por amá-lo,
Pôs-me o peito numa chaga:
Dá-me facadas. Deixá-lo
Mas ao menos não me paga!

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Canção estrófica gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 26 e His Master’s Voice, E.Q. 26).
Ambas as quadras pertencem à poesia “A Canção das Perdidas”, inserta no livro “Luar de Janeiro”, cuja 1ª edição ocorreu em 1909. Na sua versão original, o 3º verso da 1ª quadra é «Nasce água limpa na fonte» e, na 2ª quadra, o 3º verso é «Deu-me facadas. Deixá-lo».
Não deve confundir-se este tema com outro de Francisco Menano, cujo título é "Sons do Luar".

FADO PATRIÓTICO (Meu Portugal que mais queres)
Música: António Paulo Menano (1895-1969), dedicada «Ao muito amigo Vasco Macieira»
Letra: 1ª e 2ª quadras de autor(es) não identificado(s)
Edição musical: Salão Mozart, de P. Santos & Cª
Data: 1918

Meu Portugal que mais queres,
Que mais hás-de desejar,
Se tens tão lidas mulheres
O teu fado e o teu luar?

Portugal nasce dum rio
E morre junto do mar.
Nascem águas, morrem águas,
O teu destino é chorar.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica, gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 27 e His Master’s Voice, E.Q. 27).
De notar que José Dias gravou este espécime antes de António Menano, pois este só o gravou pela primeira vez na Primavera de 1928, em Lisboa e, uma segunda vez, em Dezembro de 1928, em Berlim.
A 1ª quadra pertence à "Canção do Ribatejo" (Ó Portugal que mais queres), inserta em “Fados e Canções”, compilação de Veloso e Costa, edição de Empreza Litteraria Universal, de 1917, tendo sido também gravada por Lucas Junot no “Fado Corrido de Coimbra”. A letra gravada por António Menano, que é a que vem edição musical, é de Alfredo Fernandes Martins e é a seguinte:

Já se ouviu de serra em serra
A voz da Pátria, a gritar:
Tomai as armas, meus filhos,
Que temos de batalhar.

Erguei-vos novos e velhos,
A pé todos em geral!
Erguei-vos todos à uma
Para salvar Portugal.

Ninguém me diga que morre
A minha Pátria… ninguém!
Que primeiro que ela morra
Hemos nós morrer também!

Ó Pátria da minha mãe,
Ó minha mãe duas vezes:
São barreiras invencíveis
Os peitos dos portugueses!

A edição musical desta composição faz parte da série “Canções de Coimbra – Portugal”, impressa pela Litografia do Salão Mozart, de P. Santos & Cª., Rua Ivens, 52-54, Lisboa, cerca de 1918. A edição de que dispomos é a 4ª, publicada seguramente depois de 1922. Existe uma outra edição musical com duas composições, ambas para Orfeon, publicada também pelo Salão Mozart, com o “Fado Patriótico” e a “Balada Açoriana”.
António Menano gravou este espécime em Lisboa, na Primavera de 1928, um ano depois de José Dias (Discos Odeon 136.822 e A 136.822, master Og 656) e mais tarde em Berlim, em Dezembro de 1928 (Disco Odeon, LA 187.804, master Og 1024).
No canto, António Menano omitiu a 2ª estrofe, consequência das limitações de tempo impostas pelos discos de 78 rpm e, na última quadra, António Menano alterou o último verso, dizendo “feitos” em vez de “peitos”, julga-se que por lapso.
A gravação de Berlim encontra-se disponível em compact disc: CD “António Menano – Fados”, EMI 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995.

FADO TRISTE (Abri uma cova na areia)
Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes (1886-1953)
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de Augusto César Ferreira Gil
Edição musical: desconhecida
Data: ca. 1910

Abri uma cova na areia
Pra enterrar a minha mágoa;
Entrou por ela o mar dentro,
(Ai2) Não encheu a cova d’água.

Nós temos o mesmo fado,
Ó fonte de água cantante:
Quem te quer, pára um bocado,
(Ai2) Quem não quer, passa adiante…

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 27 e His Master’s Voice, E.Q. 27).
A 1ª quadra é popular e encontramo-la na “Colecção das Mais Lindas Quadras Populares”, da Livraria Barateira, da Rua do Duque, bem como no “Cancioneiro Geral dos Açores” e no “Almanaque Ilustrado d’O Século”, do ano de 1917. A 2ª quadra é de Augusto Gil e pertence a “A CANÇÃO DAS PERDIDAS”, dedicada a José Viana da Mota (in “Luar de Janeiro”).
Em 1926-1927, esta mesma melodia, com o mesmo título, foi gravada pelo seu próprio autor, Alexandre Augusto de Rezende Mendes, acompanhado à guitarra por si próprio e por José Parente e, no violão, por Campos Costa (Disco Parlophone, B 33.506), com a seguinte letra:

Tive um só amor na terra
Que de um engano nasceu;
De enganos foi sua vida
(Ai2) E de um engano morreu.

Eu queria e ela queria,
Eu pedi, e ela negava,
Eu chegava, ela fugia,
(Ai2) Eu fugi e ela chorava.

Esta melodia não deve confundir-se com os seguintes títulos:
- Fado Triste (Os sinos daquela torre), gravado na 1ª década de 1920 por Carvalho de Oliveira (disco Pathé, 4050, master 201008);
- Fado Triste (Envolto nos teus cabelos), da 3ª série de “Fados e Canções Portuguezas cantadas por Manassés de Lacerda, para cylindros e discos de machinas fallantes”;
- Fado Triste (Minha mãe é pobrezinha), gravado por António Menano na Primavera de 1928, em Lisboa (discos Odeon, 136.822 e A 136.8223, master Og 689), e depois em Dezembro de 1928, em Berlim (disco Odeon, LA 187.804, master Og 1018);
- Fado Triste (Ó alvor das madrugadas), de Júlio Silva, em homenagem a António Nobre, no estilo Lisboa, feito em 1902;
- Fado Triste (Tristezas e mais tristezas), letra de Vicente Arnoso, música de Alberto Sarti.
Não deve confundir-se este tema com "Triste" (Ai daqueles que só amam), de Fortunato Roma da Fonseca, gravado por Lucas Junot e António Batoque.

FADO DO MONDEGO (O Choupal anda, coitado)
Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes (1886-1953)
Letra: 1ª quadra de João Maria da Silva de Lebre e Lima (1889-1959); 2ª quadra popular
Data. ca. 1912-1915
Edição musical: desconhecida

O Choupal anda, coitado,
Num triste desassossego,
Por ter morrido afogado
Um rouxinol no Mondego.

Igreja de Santa Cruz,
Feita de pedra morena,
Dentro de ti ouvem missa
Dois olhos que me dão pena.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação disponível:
Composição estrófica gravado por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, no violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 28 e His Master’s Voice, E.Q. 28).
A 1ª quadra, da poesia “Rio Mondego”, de João de Lebre e Lima, encontramo-la na colectânea “Poetas de Coimbra”, compilação de Silvina e João Carlos Celestino Gomes, edição da Comissão Organizadora do Salão dos Estudantes de Coimbra, em Lisboa, na Casa das Beiras, 1939. A 2ª quadra é popular, já como tal referenciada por José Leite de Vasconcelos em “Opúsculos, Volume VI, Dialectologia, Parte II”, 1892.
Não confundir esta composição com as seguintes diversas:
- Fado Mondego (Quisera que tu me amasses), gravado por volta de 1926 por Luiz Macieira, (disco Odeon, 136.270, master Og 533), cuja música é a do Fado dos Passarinhos de António Menano;
- Fado Mondego (Água que passas coleante), música de Jorge Possollo de Leão e Carvalho, letra de Mário Machado, cuja edição musical remonta ao início dos anos 20.

FADO DE COIMBRA (Deixem-me cantar o fado)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: 1ª quadra de autor desconhecido; 2ª quadra de Augusto César Ferreira Gil
Edição musical: desconhecida
Data: ca. 1912

Deixem-me cantar o fado,
Não faço mal a ninguém.
Eu canto só pra espalhar
Mágoas que me dá o meu Bem.

Amas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente,
Só a mim não tens amor
Que morro por ti somente.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica gravado por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 28 e His Master’s Voice, E.Q. 28).
A 2ª quadra está muito popularizada mas é de Augusto Gil e encontramo-la no seu livro “Versos”, cuja 1ª edição é de 1898.
António Menano gravou este mesmo espécime na Primavera de 1928, em Lisboa (discos Odeon, 136.819 e A 136.819, master Og 691, já disponível em CD desde 1995), sob o título “Fado da Mágoa” (Fiz uma cova na areia), com a seguinte letra:

Fiz uma cova na areia
Para enterrar a minha mágoa;
Entrou por ela o mar todo,
Não encheu a cova d’água.

Tu de longe e eu de longe,
Tu sozinha e eu sozinho;
Ó quem pudesse, ai, fazer
Uma prega no caminho.

Cerejas, frescas, vermelhas,
Suspensas pelos caminhos,
Sois os brincos das orelhas
Das filhas dos pobrezinhos.

A música é também a de “Fado de Coimbra” (Nossa Senhora da Graça), gravado em 1929 por Armando Goes, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (disco His Master’s Voice, E.Q. 245), cuja letra é a seguinte:

Nossa Senhora da Graça,
Que tantos milagres fazes,
‘stou de mal com meu amor,
Senhora fazei as pazes.

Falas de amor só as sabem
Os cegos de olhar profundo;
Há palavras que não cabem
Em toda a luz deste mundo.

Com ligeiras diferenças, foi gravado por António Bernardino em 1967, sob o título “Um Fado de Coimbra”, acompanhado à guitarra por António Portugal e Manuel Borralho e, à viola, por Rui Pato (EP Fados de Coimbra, Alvorada, AEP 60817) e, posteriormente, em 1983, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe álbum “Tempo(s) de Coimbra”, editado em 1984, o qual desde 1992 se encontra disponível em CD, com reedição em 1995.
Gravado, em 1960, por João Barros Madeira, acompanhado à guitarra por Jorge Tuna e Jorge Godinho e, à viola, por Durval Moreirinhas e José Tito MacKay (EP “Balada”, Rapsódia, EPF 5.092, de 45 rpm); esta gravação, passados quase 20 anos, foi integrada no LP Coimbra, Rapsódia, LDF 044, editado em 1976); neste LP, além de Francisco Gregório Bandeira Mateus, como autor da letra, figura João Barros Madeira, como autor da música, o que é estranho e não está correcto. A letra que canta é a seguinte:

Teus olhos verdes, gaiatos,
São mais profundos que o mar;
Espelhos de um coração
Que escondes do meu olhar.

Teus olhos da cor do mar
São duas ondas serenas,
Duas velas do altar
Onde rezo as minhas penas.

Gravado, em 1968, com o mesmo título e letra, por Manuel Duarte Branquinho, acompanhado à guitarra por si próprio e por Francisco Dias e, à viola, por Manuel José Dourado (Disco Orfeu, ATEP 6409, de 45 rpm); disponível em long play (LP Orfeu, ST-109) e em compact disc: CD “Clássicos da Renascença – Manuel Branquinho”, Movieplay, MOV. 31.029, editado em 2000;
Nos discos de Manuel Branquinho figura o nome de Paulo de Sá como autor, música e letra, o que também não está correcto.
Gravado sob o título “Olhos Verdes Gaiatos”, por Carlos Costa, cantor activo na Região do Porto, acompanhado à guitarra por Joaquim Martins, Armando Martins e Luis de Sousa e, à viola, por José Martins e Aníbal Ramos (LP Fados de Coimbra, Ofir, AMS 324); neste disco a autoria vem atribuída a João Barros Madeira, que foi quem gravou esta versão pela primeira vez.

A MAIOR DOR (Dizem que as mães querem mais)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: 1ª quadra de Horácio Menano (1912); 2ª quadra de Alfredo Fernandes Martins (1916)
Edição musical: Livraria Neves, de Coimbra (1916)
Data: 1916

Dizem que as mães querem mais
Ao filho que mais mal faz…
Por isso eu te quero tanto
Que tantas mágoas me dás!

E pra ser mais desgraçado
No mundo do que ninguém,
Basta nunca ter andado
Ao colo da minha mãe!

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 29 e His Master’s Voice, E.Q. 29).
José Dias alterou a 1ª quadra ao introduzir o pronome pessoal «eu» no 3º verso da versão original de Horácio Menano.
A letra original de A MAIOR DOR consta da respectiva edição musical, compreende quatro quadras, todas da autoria de Alfredo Fernandes Martins, que são as seguintes:

Quando me vires passar
D’olhos pregados no chão,
Não me perguntes que trago
Dentro do meu coração.

Que a minha dor é tão grande,
Que, se eu a fosse contar,
Não haveria ninguém
Que não rompesse a chorar.

Pois, mal nasci – Ai de mim!
Leu-me a desgraça o meu fado.
Era negro, só dizia:
Hás-de ser um desgraçado.

E pra eu ser mais desgraçado
No mundo do que ninguém,
Basta nunca ter andado
Ao colo de minha mãe!

António Menano gravou este espécime na Primavera de 1928, em Lisboa, com o mesmo título mas com uma outra letra (discos Odeon, 136.820 e A 136.820, master Og 672). Nestes dois discos vem o nome de Paulo de Sá e a indicação de ser uma “canção”, contrariando o classificativo de “fado” que consta na edição musical editada em 1916. Tal gravação encontra-se disponível em compact disc: CD "António Menano – Fados", Vol. II, editado em Dezembro de 1995.
A letra cantada por António Menano é a seguinte:

Sou pobre, valha-me Deus,
Mais pobre que Pedro Cem!
Ele perdeu terras e céus
E eu perdi a minha mãe!

Vai-se a noite e vem o dia
E eu não deixo de cismar:
– Mas que mal é que eu faria
Prà minha mãe me deixar?!

Em má hora eu nasci,
Em má hora digo bem!
Porque nunca conheci
A santa da minha mãe!

Por sua vez, estas três quadras constituem também, mas por ordem inversa, a letra com que António Menano gravou, na Primavera de 1928, em Lisboa, o Fado Maria Vitória (Em má hora eu nasci), gravação presentemente disponível no CD António Menano – Fados, EMI-VC 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995, proveniente do master Og 695 (discos Odeon, 136.816 e A 136.816).

FADO DA MONTANHA (Quem por amor se perdeu)
Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes (1886-1953)
Letra: Augusto César Ferreira Gil (1909)
Edição musical: desconhecida
Data: ca. 1920

Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Que uma das santas do céu
– É Maria Madalena...

Se aquilo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse voz,
Muita gente... toda a gente
Teria pena de nós!

Canta-se o 1º dístico, repete-se; canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica gravada por José Dias em Maio de 1927, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Discos Gramófono, E.Q. 29 e His Master’s Voice, E.Q. 29).
A letra é de Augusto Gil. As duas quadras pertencem a “A CANÇÃO DAS PERDIDAS”, dedicada a José Viana da Mota (Cf. “Luar de Janeiro”, 10ª edição, Lisboa, Portugália, págs. 125 a 132). No dito disco vem a indicação de a música ser de Alexandre de Rezende. Divaldo de Freitas também refere ser a dita música da autoria de Alexandre de Rezende (“Emudecem Rouxinóis do Mondego”, 1ª série, pág. 28).
A 1ª quadra de Augusto Gil andou em moda no primeiro quartel do século XX. Além de “Fado da Montanha”, ocorria em melodias de Francisco Menano. De referir um fado corrido de Lisboa, intitulado “Maria Madalena”, gravado pela fadista Lucília do Carmo, registado na Polygram em 1986, com indicações de música popular e letra de Gabriel de Oliveira. Ora a 1ª quadra (=mote) não pode de forma alguma ser de Gabriel de Oliveira pois é transladada de Augusto Gil. Apenas as quatro quadras que constituem a glosa cantada por Lucília do Carmo é que são garantidamente de Gabriel de Oliveira. Este erro aparece repetido no CD “Um Século de Fado/Lucília do Carmo”, Ediclube, ano de 1999, faixa nº 8, com reiteração em “O Fado do Público. 100 anos de fado. 1904.2004”, Lisboa, 2004: CD nº 1, faixa nº 4.

FADO DA MINHA MÃE (Minha mãe é pobrezinha)
Música: Alexandre Augusto de Rezende Mendes (1886-1953)
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra: Horácio Menano (1912)
Edição musical: desconhecida
Data. ca. 1912-1915

Minha mãe é pobrezinha,
Não tem nada que me dar;
Dá-me beijos, coitadinha,
E depois fica a chorar.

Dizem que as mães querem mais
Ao filho que mais mal faz...
Por isso eu te quero tanto
Que tantas mágoas as me dás!

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se
Informação complementar:
Fado estrófico, com melodia ao estilo de Lisboa em tom menor, gravado por José Dias em Outubro de 1928, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Disco His Master’s Voice, E.Q. 150).
A música é a mesma do “Fado Triste” (Minha mãe é pobrezinha), gravado por António Menano por duas vezes: primeiro em Lisboa, na Primavera de 1928, e depois, em Berlim, no mês de Dezembro de 1928. Menano sabia perfeitamente que a música era de Rezende, mas optou pela indicação de “popular” na etiqueta dos seus discos. A letra que a seguir se apresenta, toda ela popular, é a da gravação de Lisboa (discos Odeon, 136822 e A136822, master Og 689):

Minha mãe é pobrezinha,
Não tem nada que me dar;
Dá-me beijos, coitadinha,
E depois põe-se a chorar!

Esta noite sonhei eu
Que morrera a minha mãe…
Acordei pedindo a Deus
Que me levasse também!

Ó minha mãe, minha mãe,
Que Deus levou para si,
Ó minha santa mezinha
Eu quero ir prò pé de ti.

Na gravação de Berlim António Menano omite a 3ª quadra e, na 2ª, altera ligeiramente o 3º verso para: Acordei, pedi a Deus (disco Odeon, LA 187804 master Og 1018).
Registo disponível em compac disc (CD António Menano – Fados, Vol. II, EMI-VC 7243 8 36445 2 0, editado em Dezembro de 1995 sob etiqueta Odeon).
Fado gravado igualmente, por volta de 1926, pela mezzo soprano D. Luiza Baharém (Disco Columbia, 1032-X, master P.147, de 78 rpm), sob o título “Fado Mondego” (Minha mãe é pobrezinha), com a seguinte letra:

Minha mãe é pobrezinha,
Não tem nada que me dar;
Dá-me beijos, coitadinha,
E depois fica a chorar.

O xaile da minha mãe,
Tão velhinho e remendado,
Onde eu me sentia tão bem
Quando nele agasalhado.

Bendita seja a pobreza,
Não envergonha ninguém,
A mãe de Deus era pobre
E Jesus pobre também.

Não dispomos de dados biográficos sobre a vida e obra desta cantora activa em Lisboa.
Não confundir esta melodia com outra diferente, "Minha Mãe" (Minha mãe é pobrezinha), com a qual partilha quadras idênticas, gravada por Carlos Leal no final da década de 1920.

FADO DO MAR LARGO (Ó mar largo, ó mar largo)
Música: Paulo de Sá (1891-1953), dedicada «Ao José Paradela».
Letra: 1ª e 2ª quadras populares
Edição musical: Sassetti e C.ª (c/capa de Stuart de Carvalhais)
Data: ca. 1926-1927

Ó mar largo, ó mar largo,
Ó mar largo sem ter fundo,
Mais vale andar no mar largo
Que andar nas bocas do mundo.

A sereia quando canta,
Canta no meio do mar;
Quantos navios se perdem
Por causa do seu cantar.

Canta-se o 1º dístico, repete-se canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição estrófica com dissonâncias, gravada por José Dias, em Outubro de 1928, acompanhado à guitarra pelo Dr. Paulo de Sá e, em violão, possivelmente pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira (Disco His Master’s Voice, EQ 150).
O título, letra, autoria da música e dedicatória constam na edição musical da Sassetti, copyright de 1927, mas a edição é omissa quanto à autoria da letra. Tudo indica que a composição foi feita no rescaldo da digressão em que o autor acompanhou a TAUC ao Brasil no Verão de 1925.
A 1ª quadra encontra-se em vários cancioneiros, no de Leite de Vasconcelos, no de Ataíde de Oliveira e no de Pires de Lima, no da Cova da Beira, nos “Tesouros da Literatura Popular Portuguesa” e noutros. A 2ª quadra é muito antiga, tem diversas variantes e provém da crença nas sereias, que enganavam os navios e desgraçavam os navegantes, ideia que já vem da antiguidade clássica. Sobre este assunto, cf. José Leite de Vasconcelos, “Tradições Populares de Portugal”, edição de 1882, a págs. 82, 83, 286 e 287; Teófilo Braga, “Contos Tradicionais do Povo Português”, II volume, págs. 36 e 37; Fernando de Castro Pires de Lima, “A sereia da história e na lenda”, Porto, 1952.
Tema gravado em 1928 com esta mesma letra e título, por Elísio de Matos, acompanhado à guitarra pelo próprio Dr. Paulo de Sá e, em violão aço, pelo Prof. Doutor José Carlos Moreira, que preferiu que o seu nome não figurasse no disco, nele apenas constando a indicação «acompanhamento de viola e guitarra por Dr. Paulo de Sá» (Disco His Master’s Voice, E.Q. 259, master 30-2379).
Gravado em 1956 por José Afonso, acompanhado por António Portugal/Jorge Godinho (gg) e Manuel Pepe/Levy Baptista (violões aço): EP “José Afonso – Coimbra”, Alvorada, MEP 60280, editado em 1971. José Afonso alterou o último verso da 1ª quadra para «Do que nas bocas do mundo» e substituiu a 2ª quadra por uma variante da 1ª quadra de Mar Alto (Fosse o meu destino o teu) que foi repescar a um disco de Edmundo Bettencourt.
Gravado também por António Bernardino, em 1967, acompanhado à guitarra por Nuno Guimarães e Manuel Borralho e, à viola, por Jorge Rino e Rui Borralho: EP “António Bernardino. Fado Corrido de Coimbra”, Porto, Ofir, AM 4.101), ano de 1967. Bernardino canta a mesma letra de José Afonso. Remasterização no CD “Recordando Nuno Guimarães. Fados e Baladas de Coimbra”, Porto, Ofir, DSA-CD-401, ano de 1997, faixa nº 9. O arranjo de Nuno Guimarães é de fino quilate, ressentindo-se a vocalização de um certo “acançonetamento” que lhe sonega as tão reclamadas dissonâncias à Paulo de Sá.
Desta melodia corre uma versão vulgar, primeiramente gravada por Augusto Camacho Vieira, com a designação de “A Água da Fonte”.

FADO DA ENFERMEIRA (?)
Música: autor não identificado
Letra: autor não identificado
Não possuímos dados sobre esta composição, cuja matriz fonográfica se encontra inacessível. Seria uma obra da autoria de Paulo de Sá, ou talvez de Alexandre Rezende. Título idêntico foi gravado por Felisberto Ferreirinha (Parlophone B 33504), por volta de 1927, acompanhado pelo guitarrista José Parente, tocador que estava em contacto com Paulo de Sá, Alexandre Rezende e José Dias.

FADO DE AVEIRO (?)
Música: Paulo de Sá (1891-1952)
Letra: ?
Data: ca. 1912
A matriz fonográfica gravada por José Dias encontra-se inacessível. A única gravação conhecida desta composição é a realizada em Lisboa por António Menano, no ano de 1928, no disco ODEON 136. 821, Og 696. Indisponível a matriz, não sabemos qual a letra cantada por José Dias. O mais certo é não serem as mesmas quadras fixadas por António Menano. Sabemos, outrossim, que “Fado de Aveiro” é um dos temas da juventude académica de Paulo de Sá, composto à roda de 1912, em homenagem ao seu cantor de serviço Agostinho Fontes Pereira de Melo. Música e letra (quadras populares) encontram-se remasterizadas no CD “António Menano. Fados”, EMI-Valentim de Carvalho, 7243 8 34618 2 0, ano de 1995, faixa nº 5, com texto de apresentação de José Anjos de Carvalho:

Se julgas que eu perco muito,
Perdes mais em me deixar
Eu perco quem me não ama,
Tu perdes quem sabe amar.

Vou-me embora, até um dia,
Desprezas meu peito amigo,
Pois olha, bem mais valia
Que fosses franca comigo.

Oh meu amor, não receies,
Eu amo-te loucamente,
Hei-de amar-te eternamente
Ainda que tu me odeies.

Desconhecemos qualquer edição musical impressa deste espécime estrófico, salvo a solfa manuscrita de Carlos Manuel Simões Caiado, “Antologia do Fado de Coimbra”, Coimbra, 1986, págs. 150-151, onde ocorre como composição de pretensa inspiração popular. O chamado “Fado de Aveiro”, verdadeiramente de Aveiro só tem o título, pois trata-se de uma obra feita em homenagem ao grande cantor académico natural de Aveiro Agostinho Fontes Pereira de Melo que se formou em direito em 1914/1915.

Agradecimentos: José Moças (Tradisom), Dr. João Caramalho Domingues, José Archer de Carvalho, Dr. Aurélio dos Reis, Dr. Artur Ribeiro (Museu Académico)

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