sábado, abril 15, 2006


Marques da Cruz Posted by Picasa
Retrato do Dr. José Marques da Cruz (1888-1958), publicado na "ABC. Revista Portuguesa", Lisboa, 11 de Agosto de 1927, numa página dedicada ao lançamento de novidades literárias pelas mãos dos poetas nacionalistas António Correia de Oliveira ("Na Hora Incerta"), Eduardo Salgueiro ("Cantigas dum Luzíada") e Marques da Cruz ("Oração a Portugal"). Compreende-se o tom nacionalista da crónica. O 28 de Maio de 1926 tinha ocorrido cerca de um ano antes. Marques da Cruz, no Brasil estava e no Brasil continuou, afogado em saudades de um Portugal imaginado. Lá o foi encontrar o TEUC em 1951 em florilégios de exaltação nacionalista. Se eventualmente colaborou com a propaganda salazarista ou as afirmações conservantistas dos grupos emigrados no Rio de Janeiro e São Paulo, o seu nome não mereceu menção na importante obra de Heloísa PAULO, "Aqui também é Portugal. A colónia portuguesa do Brasil e o Salazarismo", Coimbra, Quarteto, 2000. Eduardo Salgueiro atravessou a vida discretamente. António Correia de Oliveira, de todos o mais elogiado nessa crónica da chic ABC de 1927, tornar-se-ia o poetastro oficioso do Estado Novo.
AMNunes


Mulheres de Coimbra Posted by Picasa
Quatro amostras de trajos de tricanas de Coimbra divulgados na popular revista SERÕES, Nº 33, Lisboa, Março de 1908. Ao arrepio das cristalizações da literatura turística, é bem vincada a evolução do porte dos lenços e do modo de lançar os xailes. Apenas uma das retratadas mantém o traçado clássico do xaile, como fora usança entre 1880-1900. Paralelamente aos modismos registados, mulheres havia que continuavam a guardar resíduos do trajar clássico das tricanas. Por seu turno, e de acordo com testemunhos oculares de Octaviano de Sá, a velha capoteira preta das tricanas menos abastadas sobreviveu pelo menos até 1914 nas manas Lucinda, Augusta e Carolina Ferreira que assim iam às dominais missas da Sé Nova.
AMNunes

A invenção dos sons


O meu pai insistiu em que eu pusesse aqui a capa do meu livro sobre a composição musical em Portugal (compositores vivos), e uma legenda.
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Então aqui vai:
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Neste livro de grande formato (625 pp) encontram-se entrevistas, catálogos, currículos e fotografias de 44 compositores portugueses (ou a trabalhar em Portugal) vivos (em 1999, data da 1º edição, um deles já faleceu entretanto), no que é um trabalho único destas dimensões, embora seja uma panorâmica e não um estudo exaustivo de quem compõe no nosso país (tarefa que exigiria só por si uma equipa e vários anos de investigação). O leitor terá assim uma ideia do que está a acontecer no meio musical dito erudito ou clássico-contemporâneo.
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O livro é entremeado por um extenso artigo que une os diversos compositores apresentados, fala e menciona outros, e tenta dar algumas pistas sobre os caminhos da moderna música portuguesa. A decisão de só incluir os vivos deveu-se a vários factores, um deles foi o facto de existir um texto ou entrevista recente do compositor, o outro foi pela quantidade de compositores existentes, assim reduzidos, e o derradeiro deveu-se ao facto de serem os compositores vivos que definem, obviamente, uma dinâmica da composição ao tempo em que o livro foi escrito.
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Todo o século XX português está porém representado no artigo que percorre o livro, e duas das figuras maiores da contemporaneidade musical portuguesa, Constança Capdeville e Jorge Peixinho são, de certo modo, dedicatários especiais do mesmo.
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Sérgio Azevedo, 2006


O rapaz dos palitos Posted by Picasa
Aguarela realista de Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) publicada no "Álbum de Costumes Portugueses", Lisboa, David Corazzi, 1888, com o título "palitos e rocas". Menino oriundo de Lorvão (?), com trajo rústico de baeta constituído por calça comprida, colete, jaleco e gorro. Apregoa nas ruas de Lisboa as habituais colheres de pau, as rocas, as vassouras de palha e os palitos de salgueiro. Mas também fazia idênticos pregões nas ruas de Coimbra.
As gravuras e fotografias relativas a actividades populares produzidas entre o século XIX e a 1ª República, sem deixarem de apelar a uma leitura romântica para deleite das elites urbanas, não ocultavam o pé descalço, a mendicidade, a extrema pobreza, os rostos duros, o trabalho infantil, os andrajos e remendos. Os dias do ocultamento destas vestimentas menos douradas estavam ainda a considerável distância. Seria necessário esperar, dobrada a fronteira de 1930, a instauração do conceito de "trajo domingueiro" como única imagem recomendável do mundo rural. Com o processo de folclorização, afirmado pelo Estado Novo a partir da década de 1930, o "trajo domingueiro" tornou-se o único aceitável. Além de fardados de igual (jamais no mundo rural existiu só um trajo masculino/feminino e jamais a pessoas se vestiram todas por igual), os figurantes camponeses foram também calçados e trajados com roupa interior.
Excluindo um reduzido grupo de estudantes liceais e de ensino superior que beneficiava do estatuto de adolescente, tal conceito não existia socialmente nos meios rurais e urbanos. A partir dos 7 anos, feita a 1ª comunhão nos meios católicos praticantes, as meninas e os meninos deixavam de ser "inocentes" para serem convertidos em "homenzinhos" e "mulherzinhas". Passavam, sem ambiguidades a pré-adultos, aprendendo ofícios "honestos" e imitando os adultos em tarefas fisicamente violentas. Nalgumas zonas de Portugal, a palavra moço/moça servia, sem eufemismos nem ambiguidades, para designar indistintamente bebés, meninos, adolescentes e casadoiros.
O vendedor de palitos e os ardinas das ruas de Lisboa e Porto aparecem nos postais ilustrados tal qual se davam a ver. Palavra fácil, por vezes descalços, olhar de cão desconfiado, palavrão na ponta da língua, pedra no bolso para as guerras de rua. Cuspiam directamente para o chão, como a maioria dos portugueses dessa época e desdenhavam do alto burguês e do fidalgo que palitavam os dentes nos salões e escarravam nos lenços de bolso. "Guardar na algibeira o que os pobres botavam ao chão", ora essa!
AMNunes


Vendedor de palitos Posted by Picasa
Vendedor ambulante de palitos de pá e de bico, colheres de pau, rocas e vassouras. Aparentemente captado nas ruas de Lisboa (?) por aguarelista anónimo, em finais da década de 1830 (ca. 1838-1840), pode muito bem tratar-se de vendedor oriundo de Lorvão, Concelho de Penacova. No trajo merecem destaque a ausência de colete e a consagração da calça comprida de alçapão. Não seria inteiramente insólito detectarmos o vendedor de palitos de Lorvão (adulto ou mesmo criança) em povoados da Estremadura e da Beira Litoral.
Anteriormente já divulgámos neste blog duas aguarelas de músicos ambulantes extraídas desta mesma obra, ligando-os à Beira Litoral costeira (Ílhavo, Ovar). Confrontando as vestimentas das mulheres do violão e da sanfona com os figurantes que Georg VIVIAN surpreendeu na Fonte de Santana, aos Arcos do Jardim, em 1839, bem se pode dizer que se essas tocadoras ambulantes não eram de Coimbra, nessa mesma época mulheres havia que em Coimbra se vestiam de igual modo.
Fonte: Ana Assunção, "Costumes portugueses. Aguarelas inéditas", Lisboa, A Nova Eclética, 1999, Figura 27.
AMNunes

sexta-feira, abril 14, 2006

COIMBRA DO MEU TEMPO*
Por João MOURA
*Adaptação do texto “Coimbra, década de oitenta”, in “Canção de Coimbra, testemunhos vivos”, Coimbra, Edição da Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra (A.A.C.), 2002, pp. 181-195; idem, CD "Coimbra, espírito e raiz", Edição Coimbra XXI, 2005.
O Autor
João Carlos Vidaurre Pais de Moura nasceu em Cantanhede no dia 1 de Novembro de 1957. É licenciado em Farmácia pela Universidade de Coimbra (1981) e doutorado em Ciências (Química) pela Universidade do Minho, onde é Professor Associado. Foi fundador da Secção de Fado da AAC e seu primeiro monitor de Guitarra de Coimbra. Enquanto guitarrista exerceu intensa actividade artística e participou na gravação de pelo menos 3 discos, o último dos quais com Luiz Goes.

Nota prévia
Este texto foi originalmente preparado na sequência do convite que me foi feito pela Direcção Geral da A.A.C. para integrar uma antologia de textos sobre a Canção de Coimbra para ser reunida em livro a publicar no âmbito das comemorações do 115º aniversário da A.A.C. Na altura, para a preparação do texto, foram-me sugeridos diversos tópicos relacionados com os antecedentes à minha geração, com as influências recebidas de gerações anteriores, com as referências do meu tempo de estudante tais como o ambiente citadino e académico, o movimento associativo e a canção coimbrã.
Assim, este texto reporta-se essencialmente a uma década em que vivi intensamente Coimbra, o tempo do ressurgimento das tradições académicas e em que alguns dos temas agora apresentados foram criados.


Coimbra, Setembro de 1976. Iniciava o meu percurso pela Universidade de Coimbra que conduziria à obtenção do “canudo” em Farmácia, em 1982. Por influência familiar, cedo criei o gosto pela música, pela guitarra e pelas serenatas. O meu avô Daniel, alfaiate em Pombal, foi um cultor da guitarra portuguesa tendo participado em algumas serenatas na Sé Velha de Coimbra, e o meu pai, que cursou Medicina em Coimbra, foi quem me deu a conhecer o fado e a Canção Coimbrã. Recordo as manhãs de Domingo, ainda em criança, em que o meu pai tocando viola me deliciava cantando fados e baladas de Coimbra intervalados com histórias da boémia coimbrã.

Em 1967, com dez anos de idade, era já um adepto confesso da Académica de Coimbra sendo habitual deslocar-me com a família ao estádio municipal de Coimbra, nas tardes de Domingo. Tenho gravado na minha memória algumas imagens desses momentos inesquecíveis: a entrada em campo da Briosa ao som da "Balada de Coimbra", as capas negras espalhadas pelas bancadas, o Formidável, e os meus ídolos, os manos Campos, o Artur Jorge, o Toni, o Rocha, o Crispim e o Rui Rodrigues, entre outros. E o meu desespero quando assisti à derrota da Académica na final da Taça de Portugal, em 1967, frente ao Vitória de Setúbal. Salvou-se, nesse episódio, a visita tradicional dos estudantes de Coimbra ao cavalo de D. José, na Praça do Comércio.
Foi meu pai quem me iniciou na viola e o pouco que aprendi servia perfeitamente para trautear alguns fados e baladas de Coimbra. Na aldeia de Febres (hoje vila), Concelho de Cantanhede, onde residi até aos dezoito anos, existia uma tertúlia de cultores deste género musical e era frequente ser requisitado para animar o grupo nas noites quentes de verão. Fados, baladas, trovas e, sempre que o Manuel Rocha estava presente, poesia da boa e da melhor, eram os ingredientes para um serão bem passado. Havia um núcleo duro, o meu irmão Carlos, o Manuel e o Fernando da farmácia, o Fresco e o Miraldo, que providenciavam o repasto pois às duas da manhã sabia sempre bem uma bucha regada com vinho caseiro. Esta actividade tinha o seu ponto alto na Praia de Mira, em Agosto, onde o meu irmão me mobilizava para as serenatas frequentes que o grupo realizava. As noites acabavam invariavelmente com fados e baladas de Coimbra, no café Mirassol.
Com quinze anos, já tinha criado o gosto pela Canção Coimbrã e, por influência familiar, tirar um curso em Coimbra fazia parte dos meus planos. Mais, alimentava o sonho de vir a tocar guitarra portuguesa, o instrumento nuclear para acompanhar o fado e que apenas conheci quando cheguei a Coimbra. A sua sonoridade já me tinha tocado quando ouvi pela primeira vez Artur e Carlos Paredes num álbum conjunto (editora Alvorada, temas gravados em 1957, 1962 e 1963) em que deixaram bem expresso as potencialidades da guitarra portuguesa como instrumento de solo. O génio da composição, da execução e da interpretação das guitarradas, e que se repetiram em trabalhos posteriores, marcaram-me profundamente.
Foi por essa altura que conheci a voz de Luiz Goes através de um trabalho discográfico intitulado “Serenata de Coimbra” (editora Philips) com a participação do Quinteto de Coimbra, e que considero um ex-libris da Canção de Coimbra, quer do ponto de vista musical quer do ponto de vista técnico. Este intérprete já fazia parte do meu imaginário quer através de meu pai, que referenciava Goes como um dos grandes, senão o maior cantor de Coimbra, quer através de minha mãe, que cursou Farmácia e que, tendo sido sua vizinha, ouvia-o frequentemente durante os ensaios do grupo.
Quando chegou a hora de frequentar o ensino superior, de entre as universidades existentes, Coimbra foi a única opção que considerei. A minha determinação em aprender a guitarra portuguesa era grande, o fado, a canção dos estudantes, tinha aqui a sua expressão máxima e Coimbra era a única cidade que me permitiria atingir, naturalmente, esse objectivo.
Na época, Coimbra era uma cidade onde não se ouvia o "Fado de Coimbra" e a Academia estava adormecida quanto às suas tradições. A Crise Académica de 1969, o luto académico e a proibição da praxe tiveram reflexos negativos após o 25 de Abril de 1974 pois qualquer actividade relacionada com a praxe era reprimida no seio da Academia pelos movimentos mais radicais e que lideravam as Direcções Gerais da Associação Académica de Coimbra (A.A.C.).
Na minha opinião, as Direcções Gerais da A.A.C., até 1978, cometeram um erro político enorme ao reprimirem o ressurgimento das tradições, em todas as suas vertentes. Não souberam (ou não quiseram) distinguir entre o que havia de positivo e de negativo nas praxes colocando no mesmo saco o "Fado de Coimbra" e o que havia de mais retrógrado na praxe académica. Recordo, nesse período conturbado da Academia, os debates nas “Engenharias” e as opiniões favoráveis de nomes insuspeitos tais como José Carlos Vasconcelos e Fernando Assis Pacheco àcerca do ressurgimento das Tradições Académicas.
A questão para mim era básica: se a Canção de Coimbra (o fado, a balada, a trova, a canção de intervenção) constituiu uma forma de resistência à ditadura, tendo a Academia banido o seu culto público, na sequência da Crise Académica de 1969 em sinal de protesto contra o regime, não seria normal que, após o 25 de Abril de 1974, esse culto fosse retomado em toda a sua plenitude? O "Fado de Coimbra", a canção dos estudantes, arma de arremesso contra um regime ditatorial, património ímpar da Universidade e da cidade, podia ser hostilizado e conotado politicamente como fascista por um grupo de estudantes radicais?

A Academia tardava em acordar...
Quando cheguei a Coimbra, em 1976, a minha determinação em aprender a guitarra portuguesa e em envolver-me no "Fado de Coimbra", levou-me a procurar os locais de ensino deste instrumento. Percorri a Associação Académica e não encontrei uma única referência ao fado ou à guitarra. Procurei informar-me junto de outros organismos universitários e a resposta foi sempre negativa. Já quase em desespero, indicaram-me que na A.C.M. (Associação Cristã da Mocidade), à rua Alexandre Herculano, havia uma classe de guitarra portuguesa dirigida por Jorge Gomes, a única existente em Coimbra. Este professor já tinha iniciado a classe de guitarra em 1972, nas Piscinas Municipais, por iniciativa do Dr. Mendes Silva, tendo transitado em 1974 para a A.C.M. A partir de 1978, esta actividade continuou no Edifício Chiado. Assim iniciei a aprendizagem deste instrumento tendo como colegas o Tó Zé Moreira, o Henrique Ferrão e o António Nogueira.
Coimbra e a Universidade têm uma dívida enorme para com o mestre Jorge Gomes pois com a sua dedicação interveio directamente no ressurgimento da guitarra portuguesa e do "Fado de Coimbra" ao ensinar ao longo de três décadas as sucessivas gerações de estudantes que frequentaram (e frequentam) as suas aulas.
Neste período, na cidade de Coimbra, o culto público do fado não existia. Excepcionalmente, em Junho de 1976, Coimbra assistiu a uma Serenata de Coimbra, nos claustros da Igreja de Santa Cruz e integrada nas festas da cidade e onde participaram, de entre outros, Pinho Brojo, Jorge Gomes, Manuel Dourado, Aurélio dos Reis, Alfredo da Glória Correia, Amândio Marques, José Mesquita e António Nogueira. Este último, proveniente da escola de Jorge Gomes, fazia a sua estreia em serenatas públicas com dezoito anos de idade.
Fui Pyn-Guyn de 1976 a 1978 e era frequente ser mobilizado para tocar guitarra e acompanhar o fado nos serões da República dos Pyn-Guyns. E alguns antigos repúblicos tornaram-se visitas frequentes fazendo questão de cantar um fado ou uma balada. Tomei então consciência de que algo estava errado pois a grande maioria dos repúblicos estavam fortemente conotados com os sectores mais esquerdistas da Academia e no entanto reviam-se no culto da guitarra e do fado. Muitos serões eram passados com debates acalorados sobre este tema e era opinião dominante que a guitarra, a Canção de Coimbra e dos estudantes, deveria estar acima de qualquer tentativa de instrumentalização e das guerras políticas entre os vários sectores da Academia.

O ressurgimento das tradições académicas…
1978 e 1979 foram anos nucleares pois começaram a surgir, no seio da Academia, diversos grupos de estudantes que usavam Capa e Batina e a ideia do ressurgimento das tradições começou a ganhar corpo. Outros grupos defendiam uma posição mais radical, isto é, o ressurgimento da praxe académica em todas as suas vertentes. O assunto era polémico criando conflitos frequentes entre as diversas facções a favor e contra as tradições.
Em Maio de 1978 realizou-se o I Seminário sobre o Fado de Coimbra onde estiveram presentes inúmeros cultores da guitarra e do "Fado de Coimbra" e que culminou com uma Serenata Monumental na Sé Velha, no dia 20 de Maio. Esta iniciativa da Associação dos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra contou com o apoio da Comissão Municipal de Turismo de Coimbra, da Universidade de Coimbra, do Governo Civil e da Câmara Municipal.
As eleições para a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra, em 1979, ficaram marcadas por uma viragem histórica pois a lista vencedora, liderada por Maló de Abreu, propôs-se apoiar o ressurgimento das tradições e promover a realização de uma Semana Académica que deveria dar corpo, nos anos subsequentes, à realização da Queima das Fitas.
É também em 1979 que aparecem ao público os trabalhos discográficos do Prof. José Mesquita intitulados “Canções de Coimbra” e “Fados e Baladas de Coimbra” (editora Vadeca) em que colaboram Pinho Brojo e Jorge Gomes, nas guitarras, e Aurélio dos Reis e Manuel Dourado, nas violas.
O Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra nasce em 1978. Encontrava-me no segundo ano de Farmácia, com quarto na República dos Pyn-Guyns, e fui contactado pelo Vítor Baltasar e pelo Carlos Caiado para fazer parte, como guitarrista, de um grupo de fados de Coimbra, recém-criado e constituído maioritariamente por estudantes da Universidade. Dele faziam parte o António Pedroso (guitarra), o José António Nobre e o Rui Figueiredo (violas) e o Vítor Baltasar e o Carlos Caiado (vozes). Por este grupo, que se mantém activo, passaram inúmeros estudantes de Coimbra: no canto, Luís Cartario, José Morgado, José Neves, Fernando Castro, António Pimentel, Rui Lucas, Fernando Silva e António Nogueira; na guitarra, Francisco Alte da Veiga, Nuno Maia Grego e Filipe Almeida. Actualmente, o grupo é constituído por João Moura, Domingos Mateus (guitarra), José Santos e Luís Veloso (viola), Vítor Barreto e Jaime Leite (vozes).
No início, o ponto de encontro do grupo era o café Moçambique, na Praça da República e, por diversas vezes, houve “problemas” com estudantes mais radicais opositores ao "Fado de Coimbra". Naquele tempo a Academia estava fortemente dividida e era arriscado atravessar a Praça da República com a guitarra debaixo do braço. Com o passar do tempo, tornámo-nos familiares do Moçambique e chegámos a fechar o café com fados e baladas de Coimbra.
O grupo iniciou as suas “serenatas” públicas por volta de Junho de 1978 e o meu baptismo foi no dia 8 de Julho, em Coimbra, na Ladeira das Alpenduradas. Logo no dia seguinte, rumámos para outra serenata, em Mata, Torres Novas, promovida pela Filarmónica local e onde aconteceu um episódio à boa maneira de Coimbra. Viajámos de comboio, de Coimbra até à estação de Paialvo e fizémos o resto do trajecto em viaturas dos elementos da organização. Só que à entrada da povoação, esperáva-nos uma recepção “oficial” digna de Primeiro Ministro. Cumprimentos feitos, lá prosseguimos em procissão até ao centro da povoação, trajados a rigor, instrumentos às costas, e com a Banda Filarmónica da Mata, alto e bom som, na rectaguarda. O melhor estava para vir! Quando nos aproximámos do largo principal, onde estava a maioria da população e que nos aplaudia entusiasticamente, estava um outro grupo de fados de Coimbra que também nos aplaudia e que era constituído por nomes bem conhecidos da Canção Coimbrã: António Portugal, Pinho Brojo, Aurélio dos Reis, Luís Filipe, José Mesquita, Alfredo da Glória Correia e Pedro Natal da Luz.
Para nós era uma situação extremamente embaraçosa pois não nos revíamos nesta ascenção súbita ao estrelato, tanto mais que à nossa frente estavam aqueles, que por direito próprio, eram os mestres do "Fado de Coimbra". O embaraço deu lugar a um pedido de desculpas da nossa parte ao que nos foi prontamente respondido que nada de anormal existia, e a recepção era mesmo para nós já que éramos o primeiro grupo de fados de Coimbra, nascido no seio da Academia após o 25 de Abril de 1974. Mais, sendo um grupo de estudantes, tínhamos sobre os ombros a responsabilidade de restaurar as tradições académicas, em particular, a Canção de Coimbra. Nem mais! Foi uma noite de convívio, memorável, que se repetiu ao longo dos anos noutras situações e que serviu para criar laços fortes com os mestres.
Em 1978 e 1979 o Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra realizou dezenas de serenatas, a maioria delas, em Coimbra. Embora na cidade, por vezes surgissem problemas com estudantes mais radicais, sentíamos um grande apoio por parte de muitos estudantes e da população, o que constituía para nós um grande incentivo. O grupo começou a ser conhecido na Academia sendo frequentemente convidado para realizar serenatas de rua e em festas de vilas e cidades e para participar nas iniciativas culturais de algumas secções da A.A.C. Recordo, entre outras, as serenatas em Seixas, Caminha, em Oliveira de Azeméis, em Pinhel e em Lisboa, no Pavilhão dos Desportos.

De Capa e Batina, os estudantes voltavam a cantar o fado...
O grupo participou em 1979, a convite da Direcção Geral da A.A.C., na Serenata Monumental da Semana Académica que teve lugar no dia 2 de Junho, sábado, na Sé Velha. A organização foi da responsabilidade dos Antigos Orfeonistas tendo participado, de entre outros, Augusto Camacho, António Portugal, Almeida Santos, Amândio de Azevedo, Cardoso e Cunha, Mário Medeiros, Jorge Biscaia e Higino Faria. Ao estrear-se na Sé, o nosso grupo interpretou o "Fado Corrido de Coimbra" (Vitor Baltasar) e "Adeus Minho Encantador" (Carlos Caiado).
O Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra, desde a sua fundação até 1987, representou a Academia em diversas ocasiões nomeadamente, nas Serenatas Monumentais, por ocasião da Queima das Fitas e Recepção ao Caloiro (ininterruptamente, desde 1979 até 1987), nas festas de cidades, nas semanas académicas de outras universidades, nas digressões ao estrangeiro integrado em embaixadas académicas, nas inúmeras intervenções na televisão, contabilizando-se em centenas de intervenções musicais.
No dia 19 de Maio de 1979 ocorreu o II Seminário sobre o Fado de Coimbra que teve o seu ponto alto na Serenata Monumental na Sé Velha e onde estiveram presentes inúmeros cultores do "Fado de Coimbra", com destaque para o grupo de alunos da “Escola de Fado”, que funcionava no Edificio Chiado e era dirigida por Jorge Gomes. Nesta Serenata, o António Nogueira teve a sua estreia na Sé Velha.
A Academia encontrava-se dividida. Paralelamente à Semana Académica, decorreu o “Dia da Flor”, uma actividade organizada pelas estruturas ligadas à Direcção Geral anterior, e onde foram comemorados os dez anos sobre os acontecimentos de 1969. Na sessão de “canto livre”, que teve lugar nos jardins da A.A.C., na mesma noite da Serenata, participaram entre outros, Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveira, Vitorino, Manuel Freire e Paulo Vaz de Carvalho.

A primeira Queima das Fitas após 1969…
1980 foi um ano ímpar para a Universidade de Coimbra. A realização da primeira Queima das Fitas após o 25 de Abril de 1974 e o início da actividade do “Grupo Dinamizador” que veio a dar origem à Secção de Fado, no edifício da A.A.C., contribuíram decisivamente para o ressurgimento das tradições académicas e para o "Fado de Coimbra" em particular.
As serenatas monumentais de 1978 e 1979, a propósito da realização dos seminários sobre o Fado de Coimbra e da Semana Académica, tiveram uma grande adesão dos estudantes e da população, enchendo por completo o largo da Sé. Ocorreram algumas tentativas de perturbação da ordem por parte de grupos radicais que foram prontamente anuladas. A serenata monumental de 1980, a 22 de Maio, excedeu todas as expectativas. Às 23 horas já todo o largo da Sé e as ruas limítrofes estavam repletas de estudantes que, nalguns casos, permaneciam no local desde as 20 horas.
Para além do nosso grupo, constituído pelo Francisco Alte da Veiga (guitarra), Carlos Caiado e José António (violas), Vítor Baltasar, José Neves e Luís Cartario (vozes), participou outro grupo constituído por Luiz Goes e Augusto Camacho (vozes), João Bagão e Aires de Aguilar (guitarras) e João Gomes e António Toscano (violas). A noite acabou com uma grande confraternização em casa do Dr. Alfredo da Glória Correia, a quem muito devemos pois sempre apoiou o grupo desde o início participando connosco em inúmeros ensaios e actuações.
É por esta altura que recebo o convite do Prof. Pinho Brojo para alguns valiosos ensinamentos, tendo frequentado a sua casa durante cerca de dois anos. Esta situação repetiu-se com o Dr. António Portugal e foi graças a estes dois mestres e a Jorge Gomes, com quem me iniciei, que desenvolvi a técnica da guitarra.

O nascimento da Secção de Fado…
Em 1980 foi dado o primeiro passo para o nascimento da Secção de Fado da A.A.C. No início desse ano, fui contactado pelo Mário Afonso e pelo Joaquim (Quim) Reis para integrar um movimento cuja finalidade seria “restituir” o "Fado de Coimbra" à Academia e à cidade. Havia a consciência, no seio do grupo, que era urgente agir propondo a criação de uma nova Secção na A.A.C. onde se promovesse o culto do "Fado de Coimbra", em todas as suas vertentes. Seria imprescindível a criação simultânea, no seio dessa Secção, de uma escola de fado onde se ensinasse a guitarra portuguesa, a viola e o canto. Só assim poderiam emergir novos cultores do "Fado de Coimbra" e manter vivas as tradições.
A Direcção Geral da A.A.C., presidida por Luís Teixeira e que apoiava de uma forma clara a criação de uma estrutura relacionada com o culto do fado, aprovou em reunião de direcção de 25 de Junho de 1980, a cedência da sala 3-18 para a futura Secção de Fado, atribuindo ao “Grupo Dinamizador” a responsabilidade de levar por diante esta tarefa que culminaria com a realização de eleições no início de 1981. Deste grupo faziam parte inúmeros estudantes que mais tarde vieram a integrar os corpos gerentes da Secção e os diversos grupos que nasceram no seu seio. Destaco dois deles, o Quim Reis e o Mário Afonso, pela mobilização que conseguiram da Academia, em suma, pela paixão à causa do ressurgimento das tradições.
Após a instalação na sala 3-18, o “Grupo Dinamizador” iniciou de imediato a sua actividade tendo em vista o arranque das aulas de música nas classes de guitarra portuguesa, viola e canto, logo a partir de Outubro, coincidindo assim com o início do ano lectivo na Universidade. Se dúvidas existiam quanto à adesão dos estudantes, cedo foram desfeitas pois o número de inscritos para cada classe ultrapassou largamente o previsto. O número de sócios da Secção de Fado rapidamente atingiu os duzentos. A ajuda pronta da Direcção Geral, que cedeu uma das suas salas para a audição prévia das dezenas de estudantes inscritos, permitiu a seriação e distribuição dos melhores pelas várias valências.
A Fundação Calouste Gulbenkian apadrinhou o projecto e atribuiu um subsídio de 50.000$00 para aquisição de guitarras portuguesas e violas. O F.A.O.J. (Instituto Português da Juventude)também ofereceu alguns instrumentos. As aulas começaram em Novembro de 1980 e eu tive a meu cargo o ensino da guitarra portuguesa, acumulado com a classe de canto e que se prolongou até 1984. Os primeiros meses foram marcados por uma actividade frenética na Secção, que era procurada diariamente por muitos estudantes que queriam aderir e tomar parte activa no projecto de restauração das tradições que ocorria na Academia e que era promovido pela Secção de Fado.
Muitos estudantes revelavam não possuir aptidões para tocar guitarra, viola ou cantar o fado, mas mesmo assim permaneciam sócios da Secção. Sentíamos a necessidade de expandir e diversificar o leque de opções dentro da Secção, não limitando a actividade ao "Fado de Coimbra". Assim nasceram, nos dois anos seguintes, a Orxestra Pitagórica, o Grupo de Cordas, a Orquestra Típica e Rancho e mais tarde, a Estudantina. Foram três anos “loucos” vividos intensamente em que alguns de nós tiveram de abraçar muitos projectos simultaneamente. Além da actividade de gestão na Secção, fazíamos parte de todos os grupos da Secção.
Em apenas dois anos, a Secção de Fado, devido ao seu trabalho, conseguiu atingir uma grande notoriedade no seio da Academia passando a ser um parceiro privilegiado da Direcção Geral e das várias Comissões da Queima das Fitas na organização de eventos aquando das festas académicas, com destaque para o Sarau Académico. Esta parceria forte com a Direcção Geral só foi possível devido ao entusiasmo do Luís Pais de Sousa (Presidente), do António Marques, do Jorge Costa, do José Américo e do Carlos Andrade, tendo os três últimos sido seccionistas activos da Secção de Fado.
A primeira direcção da Secção de Fado foi eleita em 24 de Fevereiro de 1981, sendo seu presidente o Mário Afonso, que fez mais um mandato. Foram vice-presidentes o Quim Reis e o José Seco tendo eu sido secretário nas duas primeiras direcções. Muitos outros fizeram parte da direcção nos dois primeiros anos: Artur Ribeiro, Carlos Delfim, Mário Toste, José Carlos Amaral, Carlos Andrade, Luís Serra e Silva, Paulo Serra e Silva, Carlos Caiado, Filipe Almeida, Fátima Canelas e Joaquim Diogo.
A Semana Académica de 1979 marcou o início do ressurgimento das tradições cujo processo foi consolidado com as Queimas das Fitas de 1980 e seguintes. Paralelamente, ocorreram outros eventos importantes em prol das tradições. Em 1981 teve lugar outra actividade, a Recepção ao Caloiro, que se iniciou com uma Serenata Monumental no dia 9 de Janeiro. Participaram para além do nosso grupo (Carlos Caiado, José António, Nuno Maia Grego, Luís Cartario, Vítor Baltasar e José Neves), o grupo do Prof. Pinho Brojo e do Dr. António Portugal, e o Grupo de Guitarras de Henrique Ferrão (Henrique Ferrão, Rijo Madeira, Arsénio Carvalho, Jorge Cravo e António Nogueira), que teve a sua estreia nas festas da Academia. Nos anos seguintes, estes dois grupos de estudantes participaram em todas as Serenatas Monumentais realizadas na Sé Velha aquando dos festejos académicos.
A 15 de Março de 1981, o Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra, representando a Secção de Fado da A.A.C., realizou a sua primeira actuação na TV, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, integrado no espectáculo “Censos 81”. O Mário Afonso, Presidente da Secção de Fado, acompanhou o grupo e teve a seu cargo a negociação do contrato. O cachet de 18.000$00 reverteu para a compra de instrumentos da Secção. Nessa altura, chegámos a ir a Salamanca comprar violas, por serem mais baratas do que em Coimbra.
Dois meses depois, nos dias 2 e 3 de Maio, teve lugar o IV Seminário sobre o Fado de Coimbra, organizado pela Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra e com o patrocínio da Reitoria e da Comissão Municipal de Turismo de Coimbra. O Seminário, à semelhança dos anteriores, foi muito participado e culminou com a realização de uma Serenata Monumental na Sé Velha.
Poucos dias depois, a 14 de Maio, iniciava-se a Queima das Fitas com a realização de mais uma Serenata Monumental na Sé Velha e que contou com a participação dos dois grupos de estudantes. No nosso grupo, participaram o António Pimentel (estreia na Sé) e o António Nogueira.
A Secção de Fado teve uma grande participação em vários eventos da Queima nomeadamente na Tarde de Arte e no Sarau, através da participação do grupo de Fados, da Orquestra Típica e Rancho, do Aurelino Costa (poesia) e da Orxestra Pitagórica, que fez a sua estreia. Integrado nas festividades da Queima, o nosso grupo fez a segunda intervenção em directo na TV, no átrio do auditório da Reitoria.
A Tomada da Bastilha foi comemorada em 1981, com a realização de uma Serenata Monumental no dia 24 de Novembro em que participaram os dois grupos de estudantes da Academia. Estes dois grupos participaram, durante vários anos, nas Serenatas Monumentais na Sé Velha, garantindo assim o culto e divulgação do Fado de Coimbra.
No ano de 1981 participei, enquanto discípulo do Prof. Pinho Brojo, nas gravações para a televisão, em Dezembro desse ano, de um programa sobre a sua vida e obra. Este convite, que muito me honrou, e em que interpretei uma variação da sua autoria, veio no seguimento das aulas de guitarra que eu há muito tinha com o mestre.
O ano de 1982 foi também marcado por uma actividade intensa do grupo de fados, no âmbito da Secção de Fado. Foram largas dezenas de actuações por todo o país, representando a Academia, e que contribuíram para divulgar o Fado e a Canção de Coimbra. Nesse ano, o Instituto Superior Técnico iniciava também as suas festas académicas e realizámos duas Serenatas de Coimbra nas escadarias do IST, a 15 de Janeiro e a 30 de Abril, por ocasião da Recepção ao Caloiro e da Quinzena do Técnico, respectivamente. Participámos também na Semana Académica do Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, a 28 de Maio, com a realização de uma Serenata de Coimbra.
O grupo de fados da Secção de Fados da A.A.C. integrou, em 1982, uma embaixada académica numa digressão a França e Itália, de 30 de Março a 9 de Abril, com actuações em Toulose, Montpellier, Aix-en-Provence, Veneza, Bolonha, Pádua e Roma. O grupo de fados que integrava a comitiva resultou da fusão do nosso grupo (Tó Nogueira e Carlos Caiado) com a Tertúlia do Fado de Coimbra (José Carlos Teixeira, Eduardo Aroso, José Miguel Baptista, Nuno Carvalho e Joaquim Matos).
Em Coimbra, ocorreram as Serenatas Monumentais da Recepção ao Caloiro e da Queima das Fitas, a 8 de Janeiro e a 13 de Maio, respectivamente. Nesta última, estrearam-se, pelo nosso grupo, o Filipe Almeida (guitarra) e o Fernando Castro (voz). Mais uma vez, a Secção de Fado e em particular, o grupo de fados, participou em diversas actividades da Queima: Tarde de Arte, Tarde da Terceira Idade, Sarau e Inauguração da exposição “Coimbra Antiga-Museu Académico”, no Museu Machado de Castro. No Sarau, estreou-se o Grupo de Cordas da Secção de Fado da A.A.C., que integrava os instrumentistas do grupo de fados da Secção de Fado (João Moura, Filipe Almeida e Carlos Caiado).
Na Serenata Monumental comemorativa da Tomada da Bastilha, realizada a 24 de Novembro de 1982, estreou-se pelo grupo o José Morgado (voz).
Nesse ano de 1982, a Academia coimbrã viveu as tradições em toda a sua plenitude. O Fado de Coimbra, expoente máximo da tradição coimbrã, era cantado pelos estudantes e a Secção de Fado recebia inúmeros convites para realizar Serenatas de Coimbra por todo o país. Para a televisão, em 1982, realizámos sete intervenções, com destaque para a Gala da RTP, no Coliseu do Porto, em representação da Academia, e para a série de programas “Cantos e Contos de Coimbra”, da autoria de Sansão Coelho, e em que a Secção de Fado e o grupo de fados participaram várias vezes.
Até 1987, o Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra manteve-se activo no seio da Academia, tendo participado nas Serenatas Monumentais das várias festas académicas e tendo representado a Secção de Fado, a A.A.C., a Universidade e a cidade de Coimbra em inúmeras ocasiões, no país e no estrangeiro. Em 1988 gravou um LP intitulado “10 anos...uma Serenata” onde, a par de temas inéditos, interpretou temas clássicos, procurando reproduzir o ambiente de uma Serenata Monumental ao vivo. Não cabe aqui fazer uma descrição pormenorizada da actividade do Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra, que se mantém activo, mas tenho consciência do contributo que o grupo deu, quer através do culto e divulgação da Canção de Coimbra, quer através do envolvimento dos seus elementos em todo o processo de ressurgimento das tradições académicas e do "Fado de Coimbra" em particular.

Os responsáveis pelo ressurgimento das tradições…
Importa também sublinhar as entidades e individualidades que intervieram directamente no ressurgimento das tradições e que, nalguns casos, já foram referidas ao longo do texto. A Comissão Municipal de Turismo de Coimbra, o Governo Civil de Coimbra, a Reitoria da Universidade de Coimbra e a Câmara Municipal, que deram todo o apoio à realização dos vários Seminários sobre o Fado de Coimbra, iniciados em 1978 e organizados pela Associação dos Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra. A Rádio Renascença, através da voz de Armando Marques Ferreira, e o Diário de Coimbra, que desde o primeiro momento estiveram ao nosso lado na divulgação e no apoio à Canção de Coimbra.
Merece também grande destaque o Dr. Joaquim Teixeira Santos, pelo seu envolvimento nestes eventos que conduziram ao ressurgimento das tradições. A ideia dos Seminários surgiu na sequência de uma reunião em Lisboa, em Junho de 1977, onde estiveram presentes, entre outros, Teixeira Santos, Luiz Goes, Fernando Rolim, Machado Soares, Alexandre Herculano, Augusto Camacho, Pinho Brojo, António Portugal, Aurélio dos Reis, Florêncio de Carvalho, Tossan e Condorcet Pais Mamede, e onde foi decidido lutar pela defesa de uma das mais ricas tradições coimbrãs, o "Fado de Coimbra".
O trabalho das Direcções Gerais da Associação Académica de Coimbra, no período 1979-81 e presididas por Maló de Abreu, Luís Teixeira e Luís Pais de Sousa, a dedicação de Jorge Gomes, desde 1972, ao formar sucessivas gerações de guitarristas, a paixão do Quim Reis e o empenho do Mário Afonso que, com muitos estudantes anónimos ergueram a Secção de Fado da A.A.C., os movimentos para a restauração das tradições académicas e a adesão da população de Coimbra, foram outros factores decisivos que contribuíram para o ressurgimento das tradições, em particular, o Fado de Coimbra.
A título pessoal, destaco os meus mestres, Jorge Gomes, Pinho Brojo e António Portugal, que me apoiaram e transmitiram os seus conhecimentos da guitarra portuguesa, e Luiz Goes, pelo apoio, em dois momentos importantes para o Grupo de Fados e Guitarras de Coimbra: a sua participação, com Augusto Camacho, na Serenata Monumental de 1980, um ano nuclear para a Academia no processo de restauração das tradições, e o apoio incondicional ao grupo aquando do lançamento do trabalho discográfico “10 anos...uma Serenata”.

De Coimbra até ao Minho…
Março de 1984. Ingresso na Universidade do Minho iniciando a minha carreira profissional numa Universidade nova onde as festas académicas começavam a afirmar-se, à semelhança das Academias de outras Universidades. Através do António Mingocho, conheci uma tertúlia de "Fado de Coimbra" de que faziam parte, entre outros, o Manuel Borralho e o Luís Cerqueira, guitarristas que viveram Coimbra antes de mim e cujos ensinamentos foram muitos úteis para aperfeiçoar a técnica da guitarra.
É em Braga que reencontro o Nuno Carvalho, no âmbito da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Braga. Após um ano de preparação, participámos, com o Luís Veloso, na gravação de um LP de fados de Coimbra intitulado “De Coimbra...até ao Minho” (1989), onde seleccionámos alguns temas do folclore minhoto, e onde repusémos a versão original da "Balada de Coimbra", cantada, da autoria de José Elyseu e H. M. de Carvalho e imortalizada pela guitarra de Artur Paredes.

O Grupo de Guitarra, Flauta e Poesia…
É no ano de 1984, na altura como monitor de Guitarra de Coimbra na Casa da Cultura de Braga, que reencontro o Abel Gonçalves, instrumentista de flauta do grupo Raízes e que tinha conhecido no Coliseu do Porto, durante um espectáculo comemorativo dos 25 anos de emissões regulares da RTP-Porto, que foi transmitido em directo pela TV. Decidimos explorar novos sons na guitarra e na flauta, trabalho já iniciado por Carlos Paredes e Tiago Velez. Desde 1985 existe o grupo de flauta, guitarra e poesia, com o Luís Veloso na viola e o Aurelino Costa na voz. Este grupo está inserido na ARCUM (Associação Recreativa e Cultural Universitária do Minho); esporadicamente dá recitais de música e poesia. Participou na gravação de temas inéditos nos CD´s “Viagens” (1995), “Coimbra…enCanto e Poesia” (2000) e “Na Voz do Regresso” (2001).
Dos vários temas de autoria do grupo, seleccionámos três temas instrumentais: “Crepúsculo” e “Melodia nº 2” que se reportam ao início do grupo, ainda com o António Mingocho (viola) e o Quim Né (percurssão), e “Tributo a Carlos Paredes”, composição recente contando já com a colaboração de Luís Veloso.
Dos temas cantados, “Guitarra de Coimbra” e “História Encantada”, retirados do primeiro livro do Carlos Carranca, foram musicados por volta de 1982 e foram guardados na gaveta durante duas décadas.
Foram estes dois temas que um dia, numa tarde de Outono de 2001, tive a ousadia de mostrar a Luiz Goes e que despertaram a sua atenção. Esse dia ficará para sempre gravado na minha memória: O Fado, a Vida, Coimbra, o seu encanto e o seu desencanto, foram temas para uma tarde que entrou pela noite, ficando a disponibilidade para participarmos neste projecto, no domínio da música de matriz Coimbrã.
Nesse dia saí da casa de Goes com uma energia enorme para enfrentar este desafio e nessa noite pouco dormi. No dia seguinte, telefonei ao Carlos Carranca dando conta da conversa com Goes. Tinha umas músicas guardadas há muito tempo, algumas delas feitas em 1982-83, e queria, ou melhor, exigia a sua colaboração. Desta vez era ao contrário, a partir das minhas músicas, o Carlos teria que criar a letra! E assim foi, após alguns encontros, uns retiros no Prilhão, Lousã, surgiram os poemas que fomos trabalhando com Luiz Goes em ensaios, ou melhor, em convívios, que tinham lugar em Cascais, em sua casa, duas vezes por mês.
Recordo que a primeira reacção do Carlos ao repto que lhe lancei – de criar as letras para as músicas – foi de alguma surpresa. Perguntou-me se não seria melhor recorrer aos poetas ditos consagrados (os antigos) que passaram por Coimbra. Mereceu resposta pronta: eu quero cantar os poetas do meu tempo!
Igual reacção teve o Mário Afonso (primeiro presidente da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra) quando lhe pedi para captar imagens inéditas de Coimbra que iriam dar corpo a este projecto. Ainda tentou remeter o trabalho para os “grandes” fotógrafos de Coimbra. Também não lhe valeu de nada! É que este projecto é um projecto de afectos que teve início no tempo do ressurgimento das tradições académicas, no tempo em que todos nós estivemos profundamente envolvidos e alguns dos temas aqui incluídos foram produto desse período.
A este projecto, junta-se Luiz Goes, voz eterna por dentro de Coimbra, pessoa nuclear na sua concretização. A sua grandeza, a sua generosidade, a sua disponibilidade desde o primeiro momento, permitiram que o sonho se transformasse em realidade.
No percurso destes últimos vinte anos fica este registo que só foi possível dar a conhecer graças ao Carlos Carranca e à sua paixão por Coimbra e ao entusiasmo do José Santos, do Luís Veloso, do Abel Gonçalves e do Aurelino Costa.
Este é um testemunho muito resumido acerca do meu tempo de Coimbra, e que foca de um modo muito superficial, alguns aspectos de um período que foi vivido apaixonadamente. Assim, voltei a ser estudante na minha Coimbra, salpicando-a aqui e ali de alguns episódios originais. Tendo consciência das minhas próprias limitações e também de que muito ficou por contar, resta-me o desejo de que ao ouvirem este trabalho regressem, mesmo que lá não tenham estado, à Coimbra do meu tempo.
(em nome do Blog "guitarradecoimbra" e dos seus leitores agradecemos ao Doutor João Moura a amabilidade havida na actualização e cedência deste texto para efeitos de edição on line. AMNunes)


Cortejo de Docentes UM (2) Posted by Picasa
Cortejo professoral na Universidade do Minho. No grupo da frente distinguem-se trajos oriundos (ou inspirados) no mundo anglo-saxónico, servindo de exemplo o de João de Deus Pinheiro. Nesta imagem são visíveis as insígnias de Letras e Ciências Humanas, com o ex- Reitor Lúcio Silva de Azul-Escuro. Destaque para as heterodoxias presentes nos dois lentes que envergam Borla e Capelo pelo figurino de Coimbra. O de Ciências (azul e branco), com um bem evidente sapatorro castanho, elemento que em Coimbra lhe valeria valentes bôlas; o de Direito com calça cinza-listada e capa pela meia perna (lente de Direito ou membro de alguma tuna?), também na lista dos "unháveis". Um "chefe de protocolo" reitoral não ajudaria?
Fotografia: cedida pelo Dr. João Caramalho Domingues a partir do acervo documental da UM.
AMNunes


Cortejo de Docentes UM (1) Posted by Picasa
Cortejo professoral da Universidade do Minho. Predominam os lentes com a Beca talar preta oriunda do reitorado de Lúcio da Silva (1981-1985). As insígnias doutorais são constítuídas por um Capelo de veludo inspirado no dos cónegos da Sé de Braga (cor preta, alamares), com uma espécie e romeira de cetim "na cor da especialidade científica" e uma gorra preta de veludo de corte renascentista com roseta e borla da respectiva cor científica.
Temos assim cor de "Tijolo", semelhante à da UP para Engenharia, "Azul Celeste" para as diversas Ciências, "Laranja e Verde" para Estudos da Criança, "Amarelo" para Medicina, "Azul -Escuro" para Letras e Ciências Humanas, e "Vermelho Rubi" para História e Ciências Sociais. Logo atrás dos lentes de Engenharia desfila uma doutora com a nova Beca e insígnia da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Fotografia: cedida pelo Dr. João Caramalho Domingues a partir de documentação da UM. Algumas datas e pormenores presentes nesta legenda beberam no manuscrito inédito de Armando Luís de Carvalho Homem "O traje dos lentes (sécs. XIX-XX)", 2001.
AMNunes


Gaiteiro Flamínio de Almeida, Casal da Misarela (Coimbra)Posted by Picasa
"Gaita-de-Fole em Portugal
Principais tipos, contextos sociais e distribuição geográfica aproximada
Litoral Centro
Algumas gaitas da zona de Coimbra (das aldeias em redor), exibem formatos e torneados peculiares e características únicas, marcadamente coimbrãs, no formato dos instrumentos e nos intervalos entre tons; possuem algo parecido com uma escala quase diatónica, com algumas disparidades regionais e os temas tocados revelam um repertório característico da região. É comum encontrar em documentos iconográficos (fotografias e ilustrações) do princípio do século XX, numerosas referências a gaiteiros de Coimbra, com exemplares muito interessantes e ainda hoje se podem encontrar alguns tocadores da região que continuam a tocá-los com grande vitalidade. Investigações recentes levadas a cabo pela Associação Gaita de Foles vieram revelar instrumentos de grande antiguidade muito bem preservados, o que confirma também as observações que fez a este respeito o etnógrafo Ernesto Veiga de Oliveira, no livro "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", sobre a presença de artesãos e músicos locais de gaita-de-fole em Coimbra, já na década de 60."
A fotografia e o texto entre aspas foram extraídos, após autorização, do site da Associação Gaita-de-Foles: «http://www.gaitadefoles.net/», na parte relativa à Região de Coimbra, na sequência de intercâmbio havido com o Eng. Henrique Oliveira. Este estudioso tem-se dedicado a assinalar tocadores e instrumentos na Beira Litoral, com meritória acção no campo das recolhas apoiadas em registos sonoros.
As folias de gaiteiros devem ser estudadas como património cultural digno de salvaguarda, parte integrante que são da Música Tradicional de Coimbra. Estudiosos da cultura local como Rocha Brito, José Pinto Loureiro e Branquinho de Carvalho deixaram notícia da actividade dos gaiteiros na cidade de Coimbra pelo menos desde o século XVI. José Branquinho de Carvalho, in "Coimbra Quinhentista", Coimbra, 1948, págs. 15-16, e José Pinto Loureiro, in "Coimbra no passado", Volume II, Coimbra, 1964, p. 186 e 207-213, assinalam no "Regimento da Procissão do Corpo de Deus de 10 de Junho de 1517" as seguintes ocorrências que se prolongaram até século XIX:
-em 5º lugar a partir da cabeça da procissão a FOLIA DE FORA da cidade, com gaita, tambor e tamboril;
-em 8º o grupo das Regateiras, Peixeiras e Fruteiras, cada ofício com gaita e tamboril, devendo sair na véspera da festa e desfilar na procissão;
-o grupo dos Oleiros e sua dança das espadas, gaita de foles e um tamboril;
-os Alfaiates e as Costureiras (alfaiatas) com gaita e tamboril;
-a FOLIA DA CIDADE, ou da Câmara Municipal, com gaiteiro, tambor (Zé Pereira) e tamboril (caixa) junto à estátua de S. Cristóvão dos homens do rio;
-os Sapateiros dançando a "mourisca", com gaita e tamboril;
-grupo dos Tecelões e Tecedeiras, com gaita de foles e tambor.
Gaiteiros houve-os em abundância nas franjas da cidade e nas aldeias do Concelho de Coimbra. Ribeira de Frades, junto ao Taveiro, era considerada a "terra dos gaiteiros". No Tovim de Cima, intra-cidade, há memória de uma dinastia de gaiteiros.
Agradecimentos: Eng. Henrique Oliveira, Carlos Alberto Dias
AMNunes


Fado no Café Santa Cruz, com o Grupo Guitarras de Coimbra. Diário das Beiras de hoje. Posted by Picasa


Fado de Lisboa no aCapella, com Custódio Castelo. Diário das Beiras de hoje. Posted by Picasa


Homenagem a Gilberto Grácio no Diário das Beiras de hoje. Texto de Mário Nunes.Posted by Picasa


José Afonso recordado no Luxemburgo. Diário das Beiras do dia 12 deste mês. Posted by Picasa

quarta-feira, abril 12, 2006


Os Realejo Posted by Picasa
Contracapa do CD REALEJO. SANFONIA, Lisboa, Movieplay PE 51.023, ano de 1995, 1º registo fonográfico da formação musical conimbricense Realejo liderada pelo construtor de instrumentos Fernando Meireles.
Elementos presentes na fotografia:
-Amadeu Magalhães, com gaita-de-foles, natural de Boticas, destacado faz-tudo no Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), onde executava braguesa, gaita-de-foles, bandolim e tudo quanto fosse necessário;
-Rui Seabra, natural de Coimbra, com formação em guitarra clássica;
-Fernando Meireles, natural de Penafiel, pioneiro construtor e executante de sanfona, com nome consagrado entre os melhores fabricantes de bandolins, violas toeiras e guitarras de Coimbra;
-Ofélia Ribeiro, de Coimbra, executante de violoncelo, diplomada em música e Inglês/Alemão;
-Manuel Rocha, de Coimbra, professor de violino no Conservatório de Coimbra, membro do GEFAC, da Brigada Victor Jara, com discos gravados e prestações televisivas.
AMNunes


Folia dos presos Posted by Picasa
Múltiplas foram as funções desempenhadas em Portugal pelos gaiteiros: alvoradas festivas, animação de arraiais populares, encabeçamento de procissões, participação em missas (arredores de Coimbra), visitações de presépios, abertura de cortejos festivos (Coimbra), e peditórios para festas religiosas (Espírito Santo). Faceta menos conhecida será esta da participação activa na recolha de donativos para os presos da cidade de Lisboa.
Este ingénuo óleo de Nicolas DELERIVE intitula-se "Peditório para o caldo dos presos", podendo datar-se do período 1800-1818. A actividade benemerente é publicamente anunciada nas ruas pelo menino da caixa e respectivo gaiteiro. Seguem-se dois homens que carregam aos ombros uma pesada talha com hortaliças e legumes (ou a sopa?). Um carro de bois transporta produtos hortícolas e um "irmão" recebe donativos numa cesta.
A assistência aos reclusos pobres em Portugal, no que respeita a alimentos e cuidados médicos, foi um complexo problema que se prolongou até à decada de 1850 sem honrosas soluções por parte do Ministério da Justiça. Implementado o sistema prisional com a Revolução Liberal, os serviços de Estado continuavam dependentes das Santas Casas das Misericórdias e das recolhas de esmolas por confrarias.
AMNunes


Gaiteiros de Malhoa Posted by Picasa
Satisfazendo um convite do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, o pintor José Malhoa realizou naquela instituição uma importante amostra dos seus trabalhos, corria o mês de Maio de 1906. Os preparativos da viagem e a selecção das obras a transportar de Lisboa para o Rio de Janeiro foram alvo de reportagem na "Illustração Portugueza", II Série, Nº 11, de 7 de Maio de 1906. Uma das telas reproduzidas a preto e branco nessa revista era a "Chegada do Zé Pereira ao Arraial". De acordo com o texto de apresentação, Malhoa teria colhido os apontamento de reportagem directamente num local "do Norte". O cronista conferia destaque ao povoado engalanado para o arraial popular, ao ar de festa dado pelos balões, enfeites e foguetes e à entrada dos gaiteiros. Ainda de acordo com a imaginação do cronista, os moradores da aldeia retratada levariam "vida feliz". Este quadro de cerca 1902-1903 nunca aparece nos catálogos dedicados à obra de Malhoa. A total ausência de elementos não nos permite saber a que "Norte" se quer referir o autor dessa reportagem de 1906.
AMNunes


Irmãos Gaiteiros Posted by Picasa
Dado o interesse demonstrado pelo Eng. Henrique Oliveira, da Associação Gaita-de-Foles, na edição on line de dois postais ilustrados de gaiteiros de Coimbra, damos a conhecer estes gaiteiros de uma irmandade do Divino Espírito Santo em peditório pelos finais da década de 1830. O trio é composto pelo alferes da bandeira, gaiteiro e tocador de caixa. O local de captação da imagem é de geografia incerta, podendo ser Lisboa, povoados da Estremadura ou Beira Litoral. Não cremos que possa tratar-se de evento relacionado com Coimbra, pois além da ostensiva ausência do Zé-Pereira, não há conhecimento de nas célebres festas do Divino Espírito Santo de Eiras (cuja cavalgada imperial vinha até à cidade) figurarem gaiteiros.
O gaiteiro traz chapéu de feltro com aba larga, copa troncónica, pompons e travincas, como que a remeter para Ovar ou Ílhavo. Completam o figurino um jaleco esverdeado, camisa clara e calção azul sem atilho. O caixa veste com simplicidade, sapatos escuros, meias brancas, calção avermelhado, cinta, camisa branca e gorro. O alferes traja opa vermelha com romeira verde, lenço, fraque preto e calças compridas listadas. Além do cesto das esmolas, segura o estandarte vermelho com a pomba.
A coordenadora do estudo que acompanha esta recolha sugere que este trio de gaiteiros tenha sido surpreendido pelo aguarelista anónimo algures entre Ílhavo e Ovar. No entanto, o único argumento sólido que permite sustentar tal hipótese é o chapéu do gaiteiro, chapéu que também se usou na Estremadura. A gravura pode muito bem ter sido captada em Lisboa, cidade aberta a migrantes beirões.
Fonte: Ana Paula Assunção, "Costumes Portugueses. Aguarelas inéditas. Novos contributos para o estudo do trajo popular em Portugal. Século XIX", Lisboa, A Nova Eclética, 1999, Figura 50.
AMNunes

segunda-feira, abril 10, 2006


Infantuna Posted by Picasa
O Dr. João Paulo Sousa, advogado na Comarca de Viseu, estudou Direito na UC na 2ª metade da década de 1980 e foi sócio da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra. Nessa agremiação integrou a Estudantina Universitária de Coimbra (EUC, fundada em 1985), como executante de Guitarra de Coimbra, e o grupo de Canção de Coimbra TOADA COIMBRÃ, na qualidade de 2º guitarra. Enquanto membro da EUC, João Paulo Sousa participou em incontáveis actuações em Coimbra, Portugal regional e estrangeiro. Com a EUC, na qualidade de executante de Guitarra de Coimbra, gravou os LPs "Estudantina Passa" (1988) e "Canto da Noite" (1991).
A primeira tuna académico-juvenil pós 25 de Abril apareceu no decurso de 1983, em Vila Real, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Todavia esta agremiação pautou-se por uma existência discreta: repertório popular (em todo o caso lançaram a "Mulher Gorda"), calmosas presenças em palco, Capa Mirandesa utilizada sem impacto visual mobilizador.
A Estudantina de Coimbra originou um inusitado fenómeno de tunomania que contagiou, a nível local, os públicos dos saraus académicos, estações de rádio e festivais musicais da Queima das Fitas. Na 2ª metade da década de 80 as modas da Estudantina eram furiosamente assobiadas nas ruas de Coimbra por estudantes e populares. Em palco ou em arruada, os estudantinos tudo arrebatavam com as suas cantorias, brejeirices, cantos goliardos, piropos e excessos à normalidade de todos os dias.
A tunomania rapidamente alastrou a todas as localidades onde funcionavam jovens universidades públicas, universidades particulares e toda a sorte de institutos superiores públicos e privados. A febre foi de tal ordem, particularmente na década de 1990, que por vezes não se sabia ao certo quem era quem, tanto mais que algumas tunas dos politécnicos se apresentavam como sendo "universitárias". Letras simples, entre o romântico e o brejeiro, melodias dançáveis e facilmente trauteáveis, inclusão de canções populares, faziam da Estudantina de Coimbra um grupo irresistível. O cavaquinho, o tambor, os bandolins e o acordeon conferiam-lhe um certo ar de arraial popular próximo das tradicionais chulas nortenhas e grupinhos de sol-e-dó. O frenético tamborilanço das pandeiretas, o bamboleio do burlesco estandarte, os gritos de incitamento à folia, a báquica euforia, as piadas do público, as capas atiradas ao ar ou atapetando os chãos, tudo parecia contribuir para contagiar os públicos mais renitentes.
Em ambientes portugueses menos familiarizados com os costumes estudantis, os membros da primeira geração da Estudantina eram vistos como um bando de perigosos e extravagantes arruaceiros toldados pelos aromas dionisíacos. Estudantes da Universidade de Coimbra ou bando de "bárbaros" saídos da província para tormento do pacato e desconfiado burguês, eis a perplexidade frequente. Quando a cantoria de rua puxava à recolha de donativos para a sopa bem regada dos tunantes, lá chovia o faltal "vão mas é trabalhar malandros!"
Para o sucesso da Estudantina de Coimbra contribuiu em primeira mão o estudante de Direito António Vicente, com o seu visual cinematográfico à Errol Flynn, que apostou na produção de um repertório ligeiro, recheado de sucessos que iam da balada romântica, às sentimentais modas de serenata e às canções posicionadas na esteira das gravações do Conjunto António Mafra.
Por todo o país se cantaram temas divulgados nas digressões da Estudantina como o burlesco "Afonso" (de alguma forma uma actualização das aventuras do João Fernandes do "Palito Métrico"), a "Rapariga" e o "À Meia Noite ao Luar". Em 1988 a Estudantina gravou o seu 1º disco vinil, o LP "Estudantina Passa". O disco vendeu fartamente em 1989 e foi tocado nas feiras, arraiais e nas rádios regionais. O dinheiro das vendas garantiu mesmo à Secção de Fado da AAC folgança financeira. As letras da Estudantina, com os tons do acompanhamento escritos por cima dos versos, foram entoados em festas de Natal de professores, jantaradas de cursos e convívios informais juvenis.
A 2ª metade da década de 1980 foi o tempo da emergência das tunas estudantis, um pouco por todo o Portugal continental e insular. Foram os anos optimistas do licenciamento de cursos pela mão do Ministro da Educação Roberto Carneiro. Fenómeno algo semelhante tinha ocorrido na Universidade de Coimbra, liceus e politécnicas pelas décadas de 1880-1890. Mas as proliferantes tunas estudantis da década de 1980 distinguiam-se das suas congéneres do passado:
-adoptando o visual erecto, de tipo arruada, afastavam-se do modelo clássico da tuna sentada com ar muito sério e composto, capa descaída pelos ombros, com estante e partitura à frente (na tuna clássica os executantes de contrabaixo podiam ficar de pé, na fila traseira do palco);
-em termos de repertório, optando pelos temas de tipo arraial, distanciavam-se das peças dos compositores ditos clássicos;
-o figurino escolhido a nível dos trajos e da teatralização de palco já não era o da tuna da época clássica. Proliferou a imagem da tuna erecta, directamente inspirada nas arruadas tunantes portuguesas e nos desfiles à espanhola. Os elementos das tunas erectas executavam passos de dança simples, alinhando em meio-círculo, descrevendo oitos e círculos, avançando e recuando em ondas, com os pandeiretas em acrobacias e o porta estandarte em agitação frenética.
Em certos casos, os trajos como que remetiam directamente para vestimentas envergadas pelas tunas espanholas desde meados do século XIX. De início, o fenómeno tunante ficou marcado pela produção de imagens afirmativas do monopólio da masculinidade. No entanto, a constante emergência de tunas veio abrir campo a formações exclusivamente femininas e ainda a outras mistas (fenómeno mais incisivo a sul do Mondego).
No caso de Coimbra, imperou a Capa e Batina de modelo masculino herdada do período da 1ª República. Os estudantinos apresentavam-se com a Capa traçada "à estudantina", exibindo o forro repleto de emblemas polícromos. Tamanha garridice, aliada aos fitilhos pendentes dos cordofones, conferia ao conjunto um ar festivo. Em Coimbra não se registou nenhuma invenção do trajo. Apenas foram permitidas liberalidades cromáticas. Em todo o caso não se recuperou o laçarote de ombros, estilo menino de comunhão solene, outrora exibido pelas tunas estudantis (permanece na Tuna do Liceu de Évora).
Relativamente aos estabelecimentos de ensino superior nortenhos, excluindo Braga/Guimarães (reino do Tricórnio desde 1989) e Vila Real (Capa Mirandesa), a reorganização da Tuna Universitária do Porto em 1987 ditou o figurino em termos de visual e de repertório. A TUP, revigorada como agremiação masculina, propunha a capa dobrada no ombro, tipo avental ou capa à toureador com a bainha sobre o ventre, repleta de emblemas (esta forma de dobrar a Capa não ocorre no Centro nem no Sul, mas a parafrenália de emblemas, fitilhos e crachás é idêntica), vozes masculinas vigorosas, compromisso entre a tocata clássica (contrabaixo), instrumentos de arraial e um repertório eclético onde pontuavam temas como "Amores de Estudante" (tango), "Adios Coruña", "A Luz", "Cielito Tuno", o meladíssimo "Ondas do Douro", a "Marcha Turca", a "Lezíria Verde", a versão Vitorino de "Menina que estás à Janela" e a burlesca "Capuchinho Vermelho" (Carlos Paião).
O fenómeno das tunas, contemporâneo da massificação do ensino superior português, mobilizou desde cedo as atenções da indústria dos bens de entretenimento, lembrando de alguma forma os dispositivos bem conhecidos e testados na esfera de acção dos ranchos folclóricos: organização de festivais de tunas, alojamento, gravação e comercialização de discos, gestão de convites para actuações, transportes, alimentação, palcos, material sonoro, impressão de programas, divulgação de notícias relativas a eventos tunantes, encomenda de trajos distintos do modelo clássico da Capa e Batina, constituição de júris, encomenda e atribuição de troféus.
Em finais de 1991 ermergiu em Viseu a Infantuna, cujo patrono é o Infante D. Henrique. Sobre as peripécies ligadas às origens da Infantuna, com passagem pela remota Tuna do Liceu de Viseu, ensaios, trajo, repertório, digressões, patrocínios locais, afectos, escreve o Dr. João Paulo Sousa, também ele fundador e membro daquele organismo.
O fenómeno das tunas estudantis, autêntica explosão vivida nas décadas de 1980-1990, apaixonadamente aplaudido pelos seus mais directos agentes e produtores, vituperiado por outros que nele acusam a consumação última da arte pela arte, não deixa de constituir um fenómeno sociológico merecedor de atenção.
Quanto a tunas clássicas existentes na década de 1980, são conhecidas:
1 - TAUC: Tuna Académica da Universidade de Coimbra, oficialmente fundada em 1888, mas resultado directo de experiências espontâneas multisseculares, com um crescendo de "bandolinatas" e "estudantinas" registado a partir da fundação da orquestra do Teatro Académico em finais da década de 1830. Pode dizer-se que a demolição do Teatro Académico nos finais da década de 1880 e a correlativa desarticulação da sua orquestra foram determinantes na formalização da TAUC em 1888. Outra motivação de peso foi a euforia gerada pela visita da Estudantina de Santiago de Compostela, contágio que logo alastrou aos liceus e academias polictécnicas;
2 - TUP: Tuna Universitária do Porto, integrada no Orfeon da Universidade do Porto desde a década de 1920. Não se sabe ao certo qual a data rigorosa da fundação deste agrupamento. Os dados disponíveis referem que a TUP é anterior à fundação da própria Universidade do Porto, pois resultou da continuidade da Tuna Académica do Porto, activa pelo menos desde 1890 (liceu, politécnica, Escola Médica);
3 - Tuna do Liceu de Évora, a única sobrevivente dentre as múltiplas formações liceais (por estudar), usando Capa e Batina com laçarote verde no braço, fundada em 1901;
4 - Tuna da Associação dos Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto, fundada em 1977, com visual e repertório clássicos;
5 - Antigos Tunos da Universidade de Coimbra, grupo misto, constituído em 1985, de acordo com a solução clássica sentada e repertório ecléctico em voga entre as décadas de 1920-1970.
Quanto ao surgimento de novas agremiações tunantes desde a década de 1980, sem preocupações de exaustividade, sabido que o grande boom instituinte se verificou na década de 1990:
-Tuna Académica da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real), agremiação mista fundada em 1983. Usava como elemento distintivo a Capa de Honras transmontana da região de Miranda do Douro;
-Estudantina Universitária de Coimbra (EUC), grupo masculino, com uso da Capa e Batina, repertório eclético, figurino tipo pasa-calle, fundada em 1985;
-FAN-Farra Académica de Coimbra, grupo masculino, trajando Capa e Batina. A fundação remonta a 1987;
-Tuna da Universidade Internacional de Lisboa, fundada em 1988;
-TEUP, Tuna Académica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, fundada em 1988, influenciada pelo modelo espanhol;
-MOÇOILAS, Tuna Feminina da Associação Académica da Universidade da Beira Interior, com trajo próprio, fundada em 1989;
-Tuna Feminina do Orfeão Universitário do Porto, fundada em 1989;
-Tuna Orquestra Académica Já B'UBI & TokusKopus, grupo masculino da Universidade da Beira Interior, Covilhã, fundado em 1989;
-Tuna Académica da Universidade Portucalense, Porto, fundada em 1990;
-Tuna Académica da Universidade de Évora (TAUE), fundada em 1990;
-Tuna da Universidade Católica Portuguesa, Porto, fundada em 1990;
-TAISCTE, Tuna Académica do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, formada em 1990;
-Tuna Universitária do Minho, da Universidade do Minho, Braga, grupo masculino fundado em 1990. Usa o Tricórnio com adaptações;
-VERSUS TUNA, Tuna Académica da Universidade do Algarve, criada em 1991, usa trajo próprio;
-Tuna de Medicina da Universidade do Porto, fundada em 1991;
-INFANTUNA, Viseu, 1991, juntando alunos de diferentes estabelecimentos de ensino superior;
-AZEITUNA, Tuna de Ciências da Universidade do Minho, fundada em 1992, usa o Tricórnio com ligeiras adaptações.
Principais festivais de tunas relativos ao período 1985-1995:
-FITU Cidade do Porto, lançado em 1987 pelo Orfeon Universitário do Porto;
-Sete Colinas. Certame Internacional de Tunas, organizado desde 1988 pela Tuna da Universidade Internacional de Lisboa;
-FITU Bracara Augusta, lançado em 1990 pela Associação Recreativa e Cultural da Universidade do Minho (ARCUM);
-Festival Internacional de Tunas do Instituto Superior Técnico, Lisboa, organizado desde 1993 pela TUIST.
Para saber mais, com uma palavra de agradecimento à gentil oferta do autor: João Paulo Sousa, "10 anos de Infantuna. Contributo para a memória de um fenómeno", Viseu, Palimage, 2002; revista "Tradições Académicas. Forum Estudante", 1996; portal «www.portugaltunas.com». A versão original deste texto sofreu melhorias resultantes da troca de informações com o Dr. João Caramalho Domingues. Em todo o caso, não se trata de um historial das tunas estudantis portuguesas conhecidas na década de 1980 mas unicamente de uma legenda que pretende contextualizar e apresentar ao público do Blog o livro relativo à INFANTUNA.
AMNunes

Adriano Correia de Oliveira

Há 64 anos, nascia no Porto um rapaz a quem chamaram de Adriano Correia de Oliveira, cedo foi morar para Avintes nas margens do Douro, depois foi estudar para o Porto até que em 1959 entrou para o Curso de Direito em Coimbra (que nunca chegaria a terminar). Dizem que desembarcou em Coimbra de viola ao ombro, travando conhecimento com nomes que estavam ligados à Resistência à Ditadura, a começar pela Faculdade de Direito onde travou conhecimento com o Professor Orlando de Carvalho que nas crises académicas esteve do lado dos estudantes, foi em Coimbra que viveu na Republica Rás-te-parta, foi em Coimbra que conheceu Manuel Alegre e António Portugal e elevou bem alto os poemas e músicas destes para atacar a opressão e mostrar que havia sempre alguém que diz não. Assistiu e muito cantou neste nosso país que viveu Abril de 1974, só que a doença não permitiu que ele chegasse aos nossos dias para que eu e a minha geração que admiramos as suas canções o pudéssemos ouvir de viva voz. Restam-nos as gravações ... o que quer que seja, vamos hoje ouvir qualquer coisa do Adriano.
Rui Lopes


Canto de intervenção Posted by Picasa
"Canto de Intervenção (1960-1974)", 2ª edição, Lisboa, Público, 2005, é um resumo da tese de mestrado apresentada por Eduardo Raposo à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 1998 ("O papel sociocultural e político do canto de intervenção da oposição ao Estado Novo. 1960-1974"), sob orientação de Maria Cândida Proença.
O currículo do autor consta da contracapa da 2ª edição. Adriano Correia de Oliveira preenche um capítulo que vai da página 59 à 67. A tese de mestrado de Eduardo Raposo, do ponto de vista da estrutura, da metodologia, do tratamento das fontes, da erudição, e da formulação de consistentes interpelações teórias, está muito distante de uma certa forma de fazer história que tem vindo a ser progressivamente abandonada em alguns centros de investigação portugueses. Não sendo um trabalho ideologicamente orientado, o autor tem alguma dificuldade em refrear os entusiasmos, palpáveis ao longo de uma escrita leve, como que a substituir a escrita da História pela reportagem jornalística. Há mais de descrição do que de interpretação. No fundo, os caboucos deste discurso já estavam erguidos - com veemente ideologização, é certo - por Mário Correia em "Música Popular Portuguesa. Um ponto de partida", Coimbra, Centelha, 1984. Não vale a pena virmos agora polemizar das razões que nos levam a discordar da genealogia artificiosa que pretende que a partir do "chamado Fado de Coimbra" se construíu a música de intervenção das décadas de 1960-1970. Tal argumentação replicante já está feita, de modo assaz incisivo e arguto, por João Afonso dos Santos, em "José Afonso. Um olhar fraterno", 2ª edição, Lisboa, Caminho, 2002, pág. 141, anotação 36.
Tudo isto não impede que se erga a taça dos deuses em louvor da obra artística de Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira, nado na cidade do Porto em o dia 9 de Abril de 1942, criado em Avintes, vitimado por acidente vascular esofágico a 16 de Outubro de 1982.
AMNunes


"Fotobiografia" de Adriano? Posted by Picasa
"Adriano. Presente!", Vila Nova de Gaia, Editora Ausência, 1999, com assinatura do antigo estudante da Faculdade de Letras da UC (História) Manuel António Almeida Reis, é um álbum ilustrado que nos suscita perplexidades. O autor contactou de perto com os amigos do peito de Adriano e com os seus familiares, por a forma a travejar 183 páginas de textos, fotografias, capas de discos e biocronologia.
Manuel Reis confessa que não pretendeu fazer uma fotobiografia, honestidade logo confirmada à medida que progredimos em textos de índole pouco concatenada, documentos não datados e, até insuficientemente legendados, a par de testemunhos soltos. No virar da última página resta uma insatisfação como que a confirmar aquele aviso com que o autor nos tinha brindado na badana de abertura: "Este livro não pretende ser uma fotobiografia, nem um livro de memórias". Talvez um passeio afectivo?
AMNunes


Adriano visto por Mário Correia Posted by Picasa
Ligado à revista "Mundo da Canção" (com entrevistas reeditadas em Dezembro de 2005, Adriano incluído), Mário Correia leu, entrevistou, investigou e produziu aquela que em bom rigor pode ser considerada a primeira biografia credível de "Adriano Correia de Oliveira. Vida e Obra", Coimbra, Centelha, 1987. Sendo uma obra ideologicamente militante (pecha desde logo assumida pelo autor), Mário Correia consegue assinar um texto muito sólido e rigoroso em matéria de factos, datas, nomes e inventários discográficos.
Enquadrada numa vertente didáctica, a 2ª parte desta monografia transcreve considerável amostra das letras cantadas por Adriano, disponibilizando o 1º inventário fonográfico do cantor. Os erros autorais presentes nesta biografia não são responsabilidade directa do autor, dado terem sido extraídos da discografia consultada.
AMNunes


Discografia de Adriano Posted by Picasa
Ao contrário de José Afonso, cuja obra lamentavelmente nunca foi alvo de reedição integral, a discografia vinil de Adriano Correia de Oliveira conheceu remasterização completa em 1994. Iniciativa da MOVIEPLAY, coordenada por José Niza, "ADRIANO. OBRA COMPLETA", Lisboa, Movieplay 35.003, ano de 1994, é um pequeno estojo cartonado contendo 7 cds e um livreto com textos assinados por Manuel Alegre, Paulo Sucena e José Niza.
Não obstante a meritória intenção que presidiu à feitura deste projecto, nele ocorrem vulnerabilidades que importaria colmatar numa necessária reedição:
a) a não correspondência entre as faixas remasterizadas nos cds e as matrizes originais da época vinil;
b) omissões autorais inexplicáveis;
c) erros autorais facilmente resolúveis;
d) omissão geral quanto à indicação concreta das matrizes fonográficas originais e respectivos anos de gravações;
e) necessidade de enriquecimento do livreto anexo com incorporação dos textos cantados;
f) entrega dos textos históricos e biográficos a investigadores emocionalmente mais distanciados do trajecto de vida de Adriano, de modo a abrir a estética adrianística a novos paradigmas interpretativos que permitam superar o ciclo vicioso dos fraternais depoimentos;
g) abertura a novas tecnologias que possibilitem o resgate de imagens em movimento por via dos arquivos da RTP.
De acordo com as indicações mais recentes, a referida antologia fonográfica não já se encontra disponível no mercado.
AMNunes

domingo, abril 09, 2006


Faz hoje 64 anos (1942) que nasceu Adriano Correia de Oliveira.


Tricana do Vicente Posted by Picasa
No final da 1ª Grande Guerra, um pouco por todo o mundo ocidental, o vestuário feminino sofreu assinaláveis transformações. Emergiram os "loucos anos 20", e com eles a bainha das saias e vestidos subiu do tornozelo para o joelho. Foram os escandalosos anos do corte de cabelo curto, à "garçon", protagonizado pela "Maria-Rapaz". Estas novidades não afectaram grandemente o mundo rural, cujo vestuário tradicional foi desaparecendo a um ritmo mais lento, em todo o caso irreversível.
A chamada "Tricana do Vicente" foi o derradeiro trajo tradicional feminino digno de registo em Coimbra: sapato preto de camurça, saia preta pelo joelho, blusa branca, xaile de merino preto com as famosas oito pontas, lenço preso em forma de touca e gargantilha. O xaile, consoante o modo como se cingia, indicava condição de casada ou de solteira. A gargantilha, anterior ao aparecimento deste trajo, é uma fita preta de veludo, de atar ao pescoço, designada por VICENTE. O seu inventor foi o antigo estudante, boémio, poeta, dramaturgo e namorador Vicente Miguel de Paula Pinheiro de Melo (1881-1925), 3º Conde de Arnoso, formado em Direito no ano de 1907. O facto de o seu inventor ter falecido tuberculoso em Lisboa, corria o dia 15 de Junho de 1925, pode ter ajudado a cimentar junto das mulheres de Coimbra o uso da gargantilha.
Embora este trajo constasse do guarda-roupa do Rancho das Tricanas de Coimbra, a produção turística rejeitou-o, preferindo ostensivamente, nos postais, nos barros, no cinema e nos cartazes, a tricana do período 1880-1900. Para que o processo de invenção resultasse eficaz e convincente no plano dos simulacros culturais directamente inventados pela indústria do entretenimento que se alimenta e nutre a sociedade de consumo, tornou-se necessário ficcionar que a Capa e Batina não era um uniforme mas antes um pseudo trajo popular. Nascia a parelha virtual "estudante e tricana".
Reconstituição e foto: Doutor Nelson Correia Borges para o Grupo Folclórico de Coimbra. Os trajos populares de Coimbra apresentados nesta selecção não esgotam a totalidade do extenso guarda-roupa que o Grupo Folclórico de Coimbra costuma exibir regularmente nas suas actuações com pedagógicas notas explicativas.
Nas matérias de História e Geografia de Portugal do 6º Ano do Ensino Básico (vida quotidiana oitocentista em Portugal) e no programa de História do 8º Ano (O Antigo Regime e a Sociedade de Ordens: o Povo) há lugar ao afloramento dos trajos populares portugueses.
Nos anos recentes, grupos de docentes de Educação Visual levaram a cabo na disciplina de Área de Projecto estilizações de trajos populares regionais, na técnica dos fragmentos mosaicos multicolores colados, seguindo sugestões de cartões esboçados pelo artista Zé Penicheiro. Esses painéis costumam ser assentes em fachadas e muros exteriores dos edifícios escolares, contribuindo para a humanização das escolas públicas.
As gravuras de época, os documentos escritos e as reconstituições credíveis dos trajos populares podem ser entendidos como elementos úteis à compreensão da realidade histórica, desde que não caiam em discursos imobilistas, omitam as duras condições de vida do campesinato, bem como a higiene precária, a falta de bem estar e a economia de subsistência a que andavam ligadas as gentes do povo. Em contexto escolar, a reconstituição de ambientes de época através de réplicas de trajos populares pode desempenhar um papel de relevo na ilustração do período manufactureiro que precedeu a industrialização, exemplificando os ciclos da produção artesanal do linho e da lã, as técnicas tradicionais de confeccção de vestuário, as artes da tinturaria dos tecidos e os processos de limpeza (lavar, corar, barrelar, engomar, remendar).
Uma palavra de agradecimento ao Prof. Doutor Nelson Correia Borges e ao Grupo Folclórico de Coimbra por terem satisfeito de boamente o nosso convite. Esperamos dar notícia de outros trajos reconstituídos e, caso se note alguma incorrecção nas legendas, prontamente as corrigiremos. O nosso Bem-Hajam!
AMNunes


Tricanas aguadeiras Posted by Picasa
Ao contrário de outras cidades portuguesas, como Lisboa, não se conhece em Coimbra a figura do homem da água fresca com a sua sarronca de barro e galheteiro, o galego aguadeiro com o pipo às costas (L'Èveque, 1814; álbum Corazzi, 1888), ou a popular carroça da água que L'Éveque registou em 1814. Não obstante as cantadas bicas do Largo de Sansão, o chafariz do adro da Sé Velha e do Marco da Feira dos Estudantes, e o obstruído aqueduto de S. Sebastião, a água potável escasseava no casaria da Alta. Era necessário ir buscá-la às fontes e ao Mondego.
Nestes trajos femininos, datáveis da última década de oitocentos e do 1º decénio de 1900, tricanas aguadeiras envergam trajos de trabalho. Saias compridas, de roda farta, aventais, blusas a tender para a chita barata, lenços de merino com enramados (tão apetitosos às traças), xailes traçados. Há notícia de xailes em versões "risca de seda", "orvalho" e "Primavera". Postais há, reportados a este período, que documentam versões bem mais pobres das aguadeiras: saia listada, pés descalços, avental simples, cinta meio palmo abaixo do cós, blusinha de chita com florinhas, lenço, xaile simples monocromático, cântaro de folha, ausência de ouros, rosto de linhas sofridas. Nestas versões mais humildes, um colete de lã e uma saia de baixo eram toda a "riqueza" da roupa interior. Ausentes as meias, as chinelas e os calções de linho, era famosa em todas as províncias a imagem da mulher que imóvel, de pé, ou acocorada, urinava pelas pernas abaixo. Rodilhas e cântaros eram instrumentos de trabalho: talhas de barro, asados de folha de Flandres e pipos com aduelas. Bem penosa era a viagem de regresso à Alta, as cabeças doridas, o calcorreio suado da Couraça de Lisboa e do Quebra Costas. Alguma dessa água, turva no momento da recolha, seria depois coada em finos panos ou até fervida.
Reconstituição e foto: Doutor Nelson Correia Borges para o Grupo Folclórico de Coimbra
AMNunes

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