segunda-feira, novembro 07, 2005

Carta aberta à
Direcção de Programação da Antena 1

Exmo. Senhor Rui Pego,

Serve a presente para expressar a nossa indignação relativamente à exclusão de todo o Fado/ Canção de Coimbra da playlist da Antena1. Na nossa opinião, esta exclusão insere-se num bloqueio mais alargado, orquestrado por vários agentes culturais que pretendem uma espécie de integracionismo pan-nacionalista das diferentes variantes regionais do género musical fado. Em nosso entender, esta tentativa é um atentado contra a identidade cultural de um género musical que, em muitos e variados aspectos, é diferente de qualquer outro que possa assemelhar-se a ele. De algum modo, esta tentativa de integracionismo pan-nacionalista, em nosso entender, assemelha-se à necessidade do Estado Novo de eleger a aldeia mais portuguesa de Portugal, sem atender à riqueza da diversidade e sem ter em conta o facto de cada uma das identidades ser uma singular expressão da cultura portuguesa.
Em 2004, o Grupo Canção de Coimbra venceu a primeira edição do Prémio Edmundo Bettencourt, prémio este que tem como objectivo premiar projectos inovadores no contexto do Fado/ Canção de Coimbra. O resultado prático desse concurso traduziu-se na edição do trabalho discográfico “Prospecção”, um disco de temas originais que, de algum modo, tenta romper com um ciclo de repetição dos chamados temas clássicos do Fado/ Canção de Coimbra.
No final do primeiro trimestre do presente ano, o trabalho discográfico “Prospecção” foi lançado no mercado de vendas nacional. Nessa sequência, foram enviados exemplares do CD para diversas rádios nacionais, entre as quais a Antena1. Entrados no último trimestre do presente ano, os resultados das mais diversas tentativas de divulgação deste trabalho discográfico foram, no mínimo, frustrantes.
Tendo em conta que a Antena1, pela sua especificidade no panorama radiofónico nacional, tem responsabilidades ao nível do serviço público, vimos, solicitar um tratamento de igualdade, relativamente a outros trabalhos discográficos. Obviamente que esta pretensão não tem como objectivo, apenas, o apelo em relação a um trabalho discográfico, que valerá, simplesmente, o que vale. Este apelo tem um objectivo mais alargado de apelo ao fim de um bloqueio efectivo a um género musical autónomo e independente que não pretende afirmar a sua sobrevivência através de um proteccionismo especial, como se nos estivéssemos a referir a uma espécie em vias de extinção, mas através da divulgação dos seus novos valores e através da promoção das suas actuais tendências renovadoras.
Passados mais de trinta anos sobre o 25 de Abril de 1974 e dissipadas muitas conotações e preconceitos relativamente a diversas tendências da música portuguesa, estamos em crer que o Fado/ Canção de Coimbra continua a ser alvo de descriminação e marginalização. Esta situação, em nosso entender, contraria um princípio constitucional fundamental – o princípio da igualdade – pois o Fado/ Canção de Coimbra tem sido sucessivamente prejudicado e privado do seu legítimo direito de divulgação em razão da sua origem regional ou de conotações políticas que a ele se foram, erradamente, atribuindo.
Terminamos esta exposição convidando-os a ouvir atentamente o trabalho discográfico “Prospecção” e deixamos à vossa consideração a decisão relativamente à sua divulgação ou não. O Grupo Canção de Coimbra respeitará sempre a vossa decisão, desde que esta se baseie numa audição sem preconceitos em relação à música que produzimos e não em bloqueios e «playlists» que discriminam e prejudicam a divulgação da criação artística musical portuguesa.
Sem outro assunto de momento e aguardando uma resposta tão breve quanto possível, subscrevemo-nos respeitosamente.

Grupo Canção de Coimbra


Capa do EP "Balada dos Sinos", da etiqueta Ofir, saído em 1964, em que Canta José Miguel Baptista e os instrumentos estão a cargo de Durval Moreirinhas na viola e os irmãos Melo nas guitarras. Disco gentilmente cedido pelo cantor.Posted by Picasa


Contracapa do EP "Balada dos Sinos", da etiqueta Ofir, saído em 1964, em que canta José Miguel Baptista e os instrumentos estão a cargo de Durval Moreirinhas na viola e os irmãos Melo nas guitarras. Este grupo instrumental utilizou harmonias tão inovadoras que até hoje ninguém o ultrapassou nesse campo. António M Nunes fez o favor de me enviar a data do lançamento deste EP, acrescentando que o disco foi preparado e ensaiado em 1963, gravado no convento de S. Jorge, na beira do Mondego, que agora passou a ser uma universidade privada.Posted by Picasa

domingo, novembro 06, 2005


Encerramemnto das Jornadas da AATUC, com o Grupo "Os Quatro Elementos", em novas composições. Notícia do Diário de Coimbra de hoje. Posted by Picasa


AATUC instala-se em Santa Clara. Notícia do Diário de Coimbra de ontem. Abriu a sessão das Jornadas o Grupo de Guitarras de Coimbra. Posted by Picasa

José Alberto Sardinha, os sons e as vozes da Música Tradicional Portuguesa
Por António M. Nunes

Advogado na Comarca de Torres Vedras, o Dr. José Alberto de Morais Sardinha (JAS), nasceu em Angola vai para 50 anos. É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa. Jovem estudante, ainda membro do Coro da Juventude Musical Portuguesa, encetou as primeiras experiências de campo como recolector de música popular, instigado pelo maestro Francisco D’Orey. E não mais parou, desde esses anos já “remotos” de 1972-1973, tendo percorrido incansavelmente Portugal Continental e Insular em campanhas de recolhas ao vivo junto de cantores, cantadeiras, tocadores, violeiros, compositores e improvisadores populares. Os seus arquivos ascendem a milhares de horas de música gravada, complementados por entrevistas e fotografias.
Paralelamente, JAS, enriquece e actualiza permanentemente os seus estudos práticos com intensas pesquisas arquivísticas, aquisição de fundos documentais impressos e sonoros em Portugal e no estrangeiro. Além de investigador, cultiva complementarmente a divulgação didáctico-pedagógica por via da sua participação frequente em exposições, colóquios, jornadas e seminários. A este propósito, efectua regularmente conferências sobre a música tradicional portuguesa por todo o país a convite do INATEL, das Câmaras Municipais e dos mais variados organismos e associações culturais e tem participado em vários congressos de etnografia e folclore. Foi Coordenador do ciclo “Sons da Tradição” da EXPO98. É membro do CIOFF de Portugal.
Não foi seguramente como advogado que comecei a ouvir falar da obra de JAS. Foi antes como membro do Grupo Folclórico Ilha Verde, quando me achava a frequentar o Liceu Antero de Quental, em Ponta Delgada, pelos anos de 1983-1985. Estava bem longe de sonhar que JAS em breve passaria por Ponta Delgada, com propósitos de gravar o excepcional tocador de Viola da Terra Miguel Pimentel, bem como a voz da cantadeira do Ilha Verde, Maria José Vitória (e não canta ela soberbamente o “Tanchão” no Cd Portugal. Raízes Musicais Nº 6. Algarve e Ilhas, de 1997?). O movimento folclórico na Ilha de São Miguel vivia então estagnado em pressupostos totalmente ultrapassados, que haviam sido herdados passivamente do período do Estado Novo. A viola da terra ainda se tocava, tendo mesmo entrado no currículo do Conservatório local em 1982, mas quanto ao resto eram os trajes adulterados tipo fardeta de teatro de revista, as coreografias modificadas pelo engenho dos ensaiadores, os lentos ritmos das antigas danças progressivamente acelerados, a retirada da viola da terra da roda onde outrora correra, e a omissão de praticamente todo o repertório que escapasse à programação turística. Vivia-se mesmo a “guerra dos tambores” entre alguns ensaiadores puristas da cidade o controverso director do Grupo Folclórico de Santa Cecília (Fajã de Cima) João Vieira Jerónimo que, extrapolando abusivamente dos ranchos de Natal e das Folias do Divino Espírito Santo, decidira correr arbitrariamente todas as modas do folclore micaelense a toques de tambor. Esta inverdade era tão escandalosa quanto todos os velhos tocadores e bailarinos vivos se lembravam de sempre se terem tocado os ritmos das danças nos tampos das violas da terra e não em tambores nem em pandeiretas.
No meio destas querelas (mal estar afinal comum a todo o país no que ao folclore respeitava), começara a afirmar-se no mundo da música tradicional local a Dra. Maria Antónia Esteves, professora de Físico-Química, nativa da Ilha das Flores, que nas horas vagas ia recolhendo, reconstituindo e editando, amostras consideráveis de um outro folclore que não era conhecido nem falado. Maria Antónia Esteves conhecia então muito bem a obra de JAS e em meio da década de 1980 já o indicava como nome maior e incontornável da etnomusicologia portuguesa. Curiosamente, ao longo dos anos de Coimbra, e sem conhecer JAS, continuei a contactar com o exemplo da sua obra. Assim aconteceu com aquisição do notável trabalho de recolha e salvaguarda da Viola Campaniça Alentejana (Cf. “Viola Campaniça. O outro Alentejo”, Miratejo, Contradança, 1986, trabalho que foi criminosamente plagiado em França), com produções da formação Ronda dos Quatro Caminhos (caso do LP “Fados Velhos”, Contradança, PL 87-01, 1987, o qual apresenta reconstituições de recolhas efectuadas na Beira Litoral e interpela de forma inovadora a clássica e revelhada teoria das origens da Canção de Coimbra), ou mesmo em intervenções a que andei ligado como os textos que serviram de apresentação ao Grupo Praxis Nova no LP “Coimbra em Canções”, de 1991. Quiseram os acasos da vida que só tenha vindo a contactar pessoalmente com JAS em 2000, na sequência do lançamento da obra “Tradições Musicais da Estremadura”.
Que lugar para corredores solitários como JAS e Maria Antónia Esteves, num tempo tão ávido de capelanias corporativas e até mesmo de confinamento académico de certas temáticas ciosamente vigiadas e guardadas pelos “orientadores” científicos?
Parece já não haver lugar para uma etnomusicologia à margem da institucionalização universitária. Daí o mal estar e os engulhos com que vai sendo acolhida a monumental e especializada obra de JAS. Na falta de argumentos consistentes, há quem tente desvalorizar-lhe o trabalho, objectando que não é professor universitário. Outros refugiam-se no argumento técnico, esgrimindo que não é músico. O caso protagonizado por JAS não é nem único, nem novo. No campo da investigação historiográfica, o melhor exemplo continua a ser o de Alexandre Herculano, cuja obra se construiu inteiramente à margem de qualquer universidade ou politécnico de oitocentos. Por vezes, o saber académico é de tal maneira formatado pelo corpo de investigadores detentores do monopólio discursivo, que a investigação sobre um determinado campo em vez de avançar e abrir-se, fecha-se sobre si mesma, com recurso a inqualificáveis artimanhas que passam pela não renovação do corpo docente, pela contratação daquele assistente que de antemão garante a ortodoxia investigativa do seu mestre, pela não publicação de novos trabalhos, pela não aceitação das propostas investigativas de alunos de seminários de licenciatura ou de temas destinados a teses de mestrado. Quantos e quantos alunos de licenciatura perseveram e desesperam em tentar mostrar aos seus formadores de seminários que vale bem a pena investigar o tema A ou B, temas esses que sendo desconhecidos do professor titular da cadeira, ou considerados de valia menor pelo mesmo professor, dificilmente reúnem hipóteses para vingar. Que o diga, o Dr. Fernando Marques, guitarrista laureado na 1ª edição do Prémio de Inéditos da CC Edmundo Bettencourt 2004, quando pretendeu concretizar como seminário de licenciatura em Sociologia um trabalho inédito sobre a história e economia da Queima das Fitas. Sempre seria melhor uma estatística sobre o trabalho feminino das cerâmicas do Concelho de Coimbra, ou o grau de satisfação dos reclusos em relação às actividades de oficina. E isto porque não havia favelas para estudar em Coimbra, pois em as havendo, bem iriam os licenciandos de Sociologia para as favelas.
Aceite a etnomusicologia nos estabelecimentos de ensino superior em Portugal, após 1974, ainda não apresentaram aquelas instituições trabalhos sólidos, extensos e credíveis, aptos a ombrearem com a obra de JAS. Não há comparação possível entre a monumental e exaustiva obra de uma vida, “Tradições Musicais da Estremadura” (2000) e o colectivo “Vozes do Povo. A folclorização em Portugal” (2003). Produzido por alunos e investigadores ligados ao Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa, os artigos singulares ressentem-se quase sem excepção de linguagem e pressupostos teóricos decalcados nas aulas do formador académico, do abuso de uma grelha comum destinada a preencher itens previamente estipulados e da imposição de uma visão urbana sobre o que resta dos fenómenos rústicos. O trabalho de campo limita-se muitas vezes a uma visita acidental e epidérmica.
Definitivamente ligado à editora Tradisom, de José Moças, JAS tem vindo a questionar alguns dos aparentemente inabaláveis pressupostos sobre o “folclore” herdados da Monarquia Constitucional, Primeira República, Estado Novo e Movimento esquerdista de recuperação da música “popular”. A sua investigação, além de especializada em matérias como a Estremadura, as tunas rurais, a viola de arame alentejana, tem entrado progressivamente em campos minados como os conceitos de “autenticidade”, “antigo”, genuíno”, “sem autor”, “criação colectiva”, interpelando ainda a presença da guitarra em Portugal, o Fado, e até aquelas modas que o Estado Novo, por intermédio da FNAT, declarara sem apelo nem agravo características de certas regiões.
JAS tem realizado diversas campanhas de recolhas em concelhos da Beira Litoral, alguns limítrofes de Coimbra, como Sertã, Pampilhosa da Serra, Figueira da Foz, Mealhada, Montemor-o-Velho, tardando infelizmente uma incursão de fundo à Música Tradicional de Coimbra. Alguns dos seus trabalhos podem ser lidos proveitosamente como bons contributos teóricos para estudos comparativos sobre os diferentes papéis que a guitarra foi assumindo em Portugal, a exemplo do extenso capítulo dedicado à “Guitarra” (“Tradições musicais da Estremadura”, 2000, págs. 409-444, onde ocorrem fotos sobre a guitarra de tipo conimbricense. O autor defende a teoria da fusão Cítara/Guitarra Inglesa, optando por uma presença territorial e artística mais remota daquele instrumento, à semelhança do que também defende Pedro Caldeira Cabral), e do artigo apresentado no simpósio sobre a guitarra, promovido pela Universidade de Évora em 7-9 de Setembro de 2001 (“A Guitarra Portuguesa na tradição rural”, Actas, 2003, pág. 117 e ss.).
Da “Viola Campaniça. O outro Alentejo”, Vila Verde, Tradisom, 2001, de que JAS gentilmente me ofertou exemplar autografado, saliente-se a exaustiva recolha sonora de campo, a conseguida salvaguarda/recuperação do cordofone a nível regional, a investigação densa, o percurso historiado das violas de arame em Portugal e Brasil, os arquivos sonoros anexos e o trabalho didáctico de construção integral de um exemplar do cordofone por Pedro Caldeira Cabral.
Com interesse para a história da Tuna Académica da Universidade de Coimbra e até para a paisagem musical coimbrã académica oitocentista, destaquemos o belíssimo estudo monográfico “Tunas do Marão”, Vila Verde, Tradisom, 2005, com 4 cds anexos de recolhas ao vivo, e capítulos notáveis pelo pioneirismo com que são abordadas questões como a origem histórica e percurso das tunas em Portugal, tipo de instrumentos utilizados, caracterização do repertório, produção e circulação de composições musicais.
Se no campo do “folclore” José Alberto Sardinha se distancia a passos largos das visões engajadas de homens pró-Estado Novo como um Armando Leça e um Mário de Sampayo Ribeiro, também não afina pelo diapasão do glorificado à esquerda Michel Giacometti, denunciando-lhe tiques como a instrumentalização ideológica do património recolhido e a invenção de “folclores puristas” em regiões aparentemente imaculadas como Trás-os-Montes e Alentejo (sobre esta e outras utopias românticas, veja-se João Pedro Oliveira, “Tradição popular erudita. Fenómeno esquecido da etnomusicologia, as tunas são objecto da última obra de recolhas de sons da tradição portuguesa. Uma proposta de José Alberto Sardinha”, Diário de Notícias, 12 de Setembro de 2005, págs. 36-37).
De José Alberto Sardinha esperamos nós muitas e boas surpresas, algumas delas para breve, e também colaboração neste Blog.

Obras publicadas:
-“Recolhas musicais da tradição oral” (ano de 1982. Antologia nacional em três discos, acompanhados da respectiva análise etnográfico-musical);
-“Por uma etnomusicologia portuguesa” (ano de 1982);
-“Viola campaniça - o outro Alentejo” (1986. Monografia sobre uma das mais arcaicas violas populares portuguesas);
-“Modas estremenhas” (ano de 1989. Recolhas musicais da tradição oral da Estremadura);
-“Música da tradição oral na região de Torres Vedras” (ano de 1991. Artigo na revista Torres Cultural);
-“A propósito de Folk-lore” (ano de 1995. Boletim Cultural da Câmara Municipal de Loures);
-“Romaria da Senhora do Almurtão” (ano de 1995. Prefácio a livro de António Silveira Catana);
-“Sobre a funcionalidade do adufe” (ano de 1995. Artigo no Jornal do Fundão);
-“Idanha-a-Nova - toques e cantares da vila” (ano de 1995. CD editado pela EMI -Valentim de Carvalho);
-“Em busca de um mundo perdido” (ano de 1996. Artigo de homenagem a Ernesto Veiga de Oliveira);
-“Armando Leça e o primeiro levantamento músico-popular em Portugal” (ano de 1996);
-“Contribuições para o estudo do fandango” (ano de 1997);
-“Portugal, raízes musicais” (antologia de 6 CDs com recolhas musicais de todas as províncias e ilhas, editada pelo Jornal de Notícias em 1997);
-“Corais polifónicos em Esmoriz” (ano de 1997);
-“Falando da viola portuguesa” (ano de 1997. Boletim Cultural da Câmara de Loures);
-“A obra etnomusicológica de Virgílio Pereira” (ano de 1998. In Cancioneiro da Covilhã e outros concelhos);
-“Almanaque - um pouco de história” (ano de 1998. Texto para para a EMI - Valentim de Carvalho);
-“Sons da Tradição Rural” (Diário de Notícias, 1998. CD inserido na série Sons da EXPO);
-“A guitarra portuguesa - origens e tradição rural” (artigo na revista do jornal Expresso de 24/12/1998);
-entrada “Música Folclórica” para a actualização do Dicionário de Portugal de Joel Serrão, Suplemento 8, Tomo 2, Porto, Livraria Figueirinhas, 1999, páginas 583-585, coordenação de Maria Filomena Mónica e António Barreto;
-“Música de tradição oral no Fundão e na Cova da Beira” (colaboração no livro do 250.º centenário do concelho do Fundão, no prelo);
-“Tradições Musicais da Estremadura”, Vila Verde, Tradisom, 2000 (monumental trabalho de recolha e de pesquisa documental, cuja envergadura, arcaboiço teórico e questionamento do objecto valem tanto como a tese de doutoramento de Fernand Braudel sobre “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Filipe II, defendida em 1947. Tem 800 páginas, 100 fotos, 120 partituras e 3 CD´s, sobre as tradições musicais naquela região, sendo prefaciado por Fernando Lopes Graça, e que conta com apoio do Instituto Português das Artes do Espectáculo, Instituto Português do Livro, Governo Civil de Lisboa, Associação de Municípios do Oeste e de várias Câmaras da região);
-“A Guitarra Portuguesa na tradição rural”, Actas A Guitarra Portuguesa, Lisboa, ESTAR, 2003 (palestra lida na Universidade de Évora, no Simpósio Internacional sobre a Guitarra, nos dias 7 a 9 de Setembro de 2001);
-“A Viola Campaniça – o outro Alentejo”, Vila Verde, Tradisom (estudo monográfico e de salvaguarda patrimonial sobre uma das mais arcaicas violas populares de arame portuguesas, edição em capa dura com 208 páginas a cores, complementada com 2 discos compactos com 74 m cada);
-“Braga na Tradição Musical – a Rusga de S. Vicente”, Vila Verde, Tradison, 2002 (estudo sobre um dos grupos mais representativos da região do Baixo Minho, com um capítulo dedicado aos ranchos de representação folclórica e suas origens. O livro é uma edição com capa dura e 144 páginas a cores, contendo um CD com 37 faixas);
-“As Tunas do Marão”, Vila Verde, Tradisom, 2005 (na continuidade dos seus estudos, José Alberto Sardinha aborda o fenómeno das tunas rurais, documentando a sua história desde as suas origens. O livro, contém informação inédita sobre um campo tradicionalmente desprezado. Edição em capa dura, 354 páginas a cores, contendo quatro CDs, num total de 90 faixas).
Agradecimentos: José Moças (Tradisom), Dra. Maria Antónia Esteves, Dr. José Alberto Morais Sardinha


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Emblema da Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Eduardo Aroso, ladeado por Polybio Serra e Silva, está a ler um texto elaborado pelo Grupo "Os Quatro Elementos", que a reguir se reproduz, com os agradecimentos dos leitores do Blog.:
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UM CAMINHO ENTRE CAMINHOS[1]
Os Quatro Elementos

Que fruto nos dá aquela árvore?
Pode essa mesma árvore dar sempre e exactamente o mesmo fruto?
Mais ainda: se com o passar dos anos minguar o fruto, debruçar-nos-emos então sobre o problema da raiz?

Nesta imagem podemos ver o clássico problema da tensão entre a tradição e a renovação, entre passado e futuro. Se nos referirmos àquele tipo de árvore imortal de que nos fala a Bíblia, essa árvore de eterna sabedoria, então podemos estar tranquilos: a raiz nunca seca e haverá sempre fruto.

De um ponto de vista culturalmente amplo, podemos dizer que se a árvore se refere àquela Tradição (com T maiúsculo), ou seja a Tradição das Grandes Idades de que nos fala, por exemplo, Corbin, Guénon ou Lévi-Strauss, então temos uma problemática que foge ao nosso tema, sendo certo que todos vivemos mais ou menos imersos num vago e grande inconsciente colectivo, como diria Carl Jung.
Noutro contexto, falamos da tradição coimbrã, tradição que embora com t minúsculo, porque de um ciclo de tempo bem menor, ainda assim preenche a nossa vida, deslizando em nós como o caudal de um rio. Herança cultural do chamado fado e da guitarra de Coimbra, onde o estudante de antanho, que à parte uma ou outra circunstância não se mesclando com outros estratos sociais, partilhava contudo da mesma paisagem, do mesmo canto dos rouxinóis, e que acabaria até por assimilar esse peculiar jeito de cantar das antigas lavadeiras do Mondego. E o resto era a vida académica, fosse no estudo ou na diversão. Com o tempo estruturou-se, inquestionavelmente, um modo de cantar e tocar próprios na Lusa-Atenas.

Quem cria faz sobre algo ou alguma coisa, esse algo que parece ser um reduto, não só para manter a continuidade, mas para garantir a alegria de caminhos novos entre os velhos, ou caminhos entre os caminhos.
No entanto, não devemos esquecer a expressão “vinho novo em odres velhos”. Infelizmente, têm-se verificado, em maior ou menor grau, provas da sua validade. No entanto, haverá sempre vinho feito a partir de alguma coisa. Aliás convém não esquecer as sábias palavras de Santayana “aqueles que não conseguem recordar o passado estão condenados a repeti-lo”.
De vários modos e diversas sensibilidades tem sido feita alguma história das andanças do canto e da guitarra. Disso não iremos tratar. Tentaremos, isso sim, equacionar, no que for possível, o problema de uma encruzilhada que se nos deparou e ainda depara. Encruzilhadas que aliás têm surgido a outros que andam por idênticos caminhos.
Dum modo muito breve, pelo condicionalismo do tempo, vamos tocar alguns tópicos que, noutros momentos, já foram por nós mais ou menos desenvolvidos, e continuarão (deverão) sê-lo noutras circunstâncias:
1) O paradigma do chamado fado clássico de Coimbra;
2) A questão da menor ou maior universalidade do canto e da guitarra;
3) A questão poética;
4) A problemática da continuidade na criação musical, nomeadamente se o problema é de seguir no tempo em linha recta (onde poderá surgir o perigo, por exemplo, do “tal vinho novo em odres velhos”), ou se poderá haver uma espécie de paralelismo ou convergência, isto é, caminhos que recolham motivações e outros elementos culturais e estéticos que possam ser tangenciais ou mesmo convergentes à tradição de Coimbra, mas também alicerçados noutro tipo de tradição.

Quanto ao paradigma do fado clássico, não nos parece desejável continuar a compor fados onde se pode “enxertar” qualquer agradável redondilha, às vezes até com sentido bem diferente do inicial. Também já não é possível a habitual introdução que muitas vezes não sugere a melodia do canto, bem como o desajuste do próprio interlúdio entre as quadras. E ainda a repetição igual, ou quase igual, de dois em dois versos, bem como um certo modo de acompanhamento instrumental pouco cuidado.
Descontando os poucos sonetos que foram musicados (coisa estranha num país de grandes sonetistas!), o fado clássico, de indubitável valor histórico, coloca hoje ao compositor um problema. Para nós, aquilo que deve ter continuidade é mais o sopro do que a forma.
Analisando o processo histórico do que pode ser continuidade, verificamos que ninguém anula a arquitectura do Mosteiro dos Jerónimos ou da Sé Velha para justificar algumas construções de arrojado ou atrevido pós-modernismo; ninguém anula um soneto de Sá de Miranda para justificar o lirismo moderno de uma Florbela Espanca ou do ainda mais recente Ary dos Santos; ninguém anula os mais-que-perfeitos concertos brandeburgueses de J.S. Bach para justificar a contemporaneidade de um Stockhausen.
A “libertação” desse modelo apertado de fado clássico foi tentada por alguns, e conseguida nalguns casos, mais por sensibilidades pessoais que por diferentes ou até radicais estruturações musicais. Duas ou três excepções poderão ser assinaladas. Esta circunstância coloca o problema do objectivo e do subjectivo, sendo que na arte também há a indubitável objectividade, ou seja, o adquirido e o implantado.
O que marca cada época é difícil de ser ignorado na concepção de quem se propõe criar alguma forma de arte.

Pensamos que a procura de um outro modo de compor para canto, e o respectivo acompanhamento, coloca desde logo a questão poética, isto é, a procura da grande poesia, da melhor poesia. Esta atitude não garante o que se pretende, mas pode conduzir mais naturalmente à unidade da obra de arte. Uma linha melódica que siga o desenvolvimento de um poema, e que não se force a frases excessivamente simétricas e repetitivas, pode tornar mais variada a composição, não em forma de manta de retalhos, e dar-lhe autonomia, no chamado princípio, meio e fim. Um bom poema tem música em si mesmo.
Assim, há que buscar a nossa melhor poesia como móbil desejável para uma composição autónoma, onde a introdução instrumental abra o horizonte para a atmosfera musical vindoura, e o seu desenvolvimento seja feito de modo a tornar a obra irrepetível, onde não possa, em circunstância alguma, haver separação do desenvolvimento do poema, da música e dos acompanhamentos. Dir-se-ia até, em várias circunstâncias, a escolha do próprio tom, que confere sempre uma peculiar sonoridade, sobretudo nos instrumentos de corda, não só pelos harmónicos mas pela subjectividade das vibrações inerentes ao poema. Esta insistência é já histórica em muitos compositores da chamada música erudita, e não só.
Autonomia estética que, privilegie a questão da prosódia, ou seja, o respeito pela acentuação da palavra e logo da frase poético-musical, sem atropelos para o encaixe, a qualquer custo, no discurso melódico.
Autonomia que deve conter, tanto quanto possível, conhecimentos de harmonia e composição, que valem também, é certo, se assimilados pela intuição e sensibilidade pessoais.
Unidade musical que possa recorrer às mudanças de compasso que forem necessárias, sem concessão a facilidades, bem como a modulações, se necessárias.
Unidade também que pode requerer (ou não) alguns acordes menos vulgares.
Neste contexto, apenas um pequeno parêntesis para dizer que temos tentado incursões para criar algum discurso musical que possa, com alguma coerência, contemplar, por exemplo, acordes de sétima maior e de nona, e que na composição procuram ter uma lógica de aglutinação do todo. Para esses acordes, invulgares na tradição musical coimbrã, contribui, no nosso grupo, a presença do baixo acústico, que empresta um indispensável colorido e equilíbrio harmónicos, numa formação de três instrumentistas e um cantor. Do maior ou menor êxito deste critério, di-lo-á o futuro.

Seria interessante, se tempo houvesse, trazer a questão do que é ser letrista e do que é ser poeta. É certo que os que criam versos a um jeito mais fácil de serem musicados, os letristas, nem são poetas propriamente ditos, mas também poderão sê-lo. Verdade também que grandes poetas nunca tiveram inclinação para letristas. Mas certamente que todos os versos sonham com o que disse o poeta castelhano António Machado: “a maior glória de um poema é ser cantado”. E, com raras excepções, grandes poetas portugueses não nos deram a alegria de serem cantados na Lusa-Atenas, antes que o chamado fado de Lisboa o fizesse pela voz dos seus cantores.
Paradoxalmente, o ribeirinho fado das vielas e das tabernas começa, mais cedo do que o seu congénere coimbrão, a despontar para poetas como Guerra Junqueiro (recorde-se que, deste autor, Amália gravou, no Brasil, em 1945 um poema). Mais muitos outros: Camões, Pessoa, Cesário Verde, Pedro Homem de Melo, David Mourão-Ferreira, e até para o surrealista Alexandre O’Neill ou o inconformado Ary dos Santos. Ainda outro paradoxo: se é certo que o espírito da Presença tinha, instrumentalmente, irrompido com Artur Paredes, afirmando-se e depois ultrapassando-se com Carlos Paredes, na poesia despontado com Bettencourt e outros, sobretudo nos seus já surrealistas Poemas Surdos, o que é certo é que essa ímpar voz de cristal canta sobretudo canções populares. Resolve o paradoxo, mais tarde, Luiz Goes que, pelo modo de cantar, de compor e de ser acompanhado, vem afirmar definitivamente o espírito da Presença, enquanto José Afonso nos mostra uma sensibilidade bem diversa, que incarna muito mais no espírito da corrente do neo-realismo.
Com estas figuras a que poderíamos juntar outras, chegados aqui, coloquemos a pergunta já formulada por muitos: qual o grau de universalidade da música de Coimbra? Miguel Torga disse que “O universal é o local sem paredes”. A dificuldade é saber quais são essas paredes que podem impedir de se ser universal. Sim, porque Coimbra tem melodia, tem timbre, e é bom pensar assim em tempos de normalizações e formatações europeias e mundiais. Mas as paredes, são paredes de instituições, são paredes de rijos preconceitos, são muros feitos de amadorismo (no mau sentido) de algum não-saber, ou serão mesmo paredes de apatia por não termos sonhos para sonhar?
Porém, quando se dá o salto mágico, quando se equaciona o mundo, quando o nosso acto é já descobri-lo, a partir do lugar onde se está, então a História diz que aquilo que é muito local pode (com alma, muita alma) ser universal, como o foi o caso dos castiços D. Quixote de la Mancha e de Sancho Pança, que de tão castelhanos se tornaram universais, ou do nosso Camões que pôs o lusitano Velho do Restelo a perder, não impedindo este a universalidade da Gesta dos Descobrimentos.

Quase a finalizar voltemos à ideia inicial de encruzilhada. Prosseguimos em espiral ou queremos o eterno retorno, isto é, voltar exactamente ao mesmo sítio? Quando assim é, a natureza prega-nos a partida, e induz-nos na tentação de pôr o tal “vinho novo em odres velhos”. Se é indiscutível que há uma tradição musical coimbrã, com momentos marcadamente decisivos, acompanhada de uma tradição poética às vezes excessivamente académica, quanto a nós há que, para novos caminhos, procurar dum modo mais dinâmico, através de um pensamento reflexivo sobre o que é a tradição portuguesa num sentido mais amplo e profundo.
Há que ser como Jano: olhar o passado e o futuro com o mesmo rosto. A raiz temo-la na Renascença Portuguesa, na filosofia de um Sampaio Bruno, na poesia de um Teixeira de Pascoaes, no espírito histórico e lusíada de um Jaime Cortesão, numa utopia de um Agostinho da Silva, na força popular de um António Aleixo. Temos, enfim, uma tradição lírica dos cancioneiros, que se expressa numa linha de continuidade até aos dias actuais; na épica que faz com que, no dizer de Pessoa, “possamos ir às Índias dentro de nós” ou sem marcação no mapa; cancioneiros satíricos também dos quais herdámos a veia para as canções chamadas de intervenção social.
E temos sobretudo (porque as saudades são do futuro) o presente ansioso e talvez desconhecido, daqueles jovens que hão-de ficar nas páginas da história e a quem ainda ninguém deu atenção, mesmo que não tenham currículo, pois a criação artística não se alimenta de currículos. Esses que trazem o poema iniciado ainda na luz dos olhos. É preciso não esquecer o que alguém disse: “quando aparece um bom poeta não há ninguém para dar por ele.” E quem diz poeta, diz músico, ou artista plástico. Hoje é mais verdadeiro, porque aquilo que é falso subiu ao poder e inundou o nosso gosto, à hora marcada na televisão.
Terminamos com a ideia anteriormente citada relativa à procura de um caminho próprio. Na encruzilhada surge o problema: prosseguimos numa espécie de eterno retorno, em linhas que com o tempo tocam o mesmo ponto? Avançamos de um modo diferente, já em espiral, numa sobreposição vertical de possibilidades, mas numa realidade nuclear, numa base de tradição coimbrã?
Perante estas duas vias, temos vindo a optar por uma outra escolha. Preferimos, com os riscos inerentes, linhas de outras proveniências culturais e estéticas susceptíveis todavia de serem convergentes num ponto comum, já definido, da nossa sensibilidade. E a nossa sensibilidade é também a do lugar onde estamos. Mas o lugar é a lente através da qual se procura a visão e não aquilo que é visto.
Se é certo que o fenómeno da mundialização da cultura merece reflexão, também é certo que julgamos desnecessários enxertos estilísticos exóticos ao nosso modo de ser, enxertos de qualquer ordem, roupagens ou posturas engagés que murcham muito depressa no tempo. O sol é o mesmo em qualquer espaço do planeta, e no entanto, o que dele colhemos é aquele que nos chega ao local onde vivemos. Legitimamente procuramos um caminho próprio. Aproximamo-nos desse fogo que tanto pode queimar como redimir quem dele se abeira. O futuro dirá se ficámos no átrio ou avançámos mais.
Ainda acreditamos nas camonianas musas que continuam a segredar o nosso destino maior, ao invés de tantos projectos efémeros de pequenos e desperdiçados ciclos da História; as camonianas musas vestem-se de muitas maneiras, o seu beijo de fogo faz estremecer qualquer um, quando lança a sua voz ou pelos acordes da guitarra e da viola.

Os Quatro Elementos
José Santos Paulocantor
Álvaro Arosoguitarra portuguesa
Eduardo Arosoguitarra clássica (“viola”)
José Carlos Teixeira baixo acústico

Coimbra, Casa da Cultura, 5.11.05

[1] Comunicação apresentada pelos Quatro Elementos nas III Jornadas Temáticas Musicais organizadas pela AATUC, a 5 de Novembro de 2005, na Casa da Cultura de Coimbra.

sábado, novembro 05, 2005


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. José Paulo canta, acompanhado por Eduardo Aroso, Álvaro Aroso e Carlos Teixeira. Este grupo deu, como título à sua actuação, "Um caminho entre caminhos - a guitarra e o canto". Foi um momento alto na música de Coimbra. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. António Arnaut ouve um dos seus poemas musicados pelos irmãos Aroso. Vêem-se ainda Alcides Gouveia com a esposa, Gomes Pereira e Maria Antonieta. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Avelino Correia, moderado por Heitor Peixoto, vai usar da palavra. Segue-se o texto da sua conferência, amavelmente cedida para este Blog.
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TAUC
UMA QUESTÃO DE CONCEITO ENTRE AS ORIGENS E AS MEMÓRIAS

As memórias que os finais da década de 70 e princípios da de 80 me trazem são, por um lado a razão de continuar parte deste emblema, por outro a necessidade de procurar respostas ou simplesmente questionar o conceito.
Os Festivais de Tunas na Huesca de 1980, Sevilha de 1982 e iguais certames em Santiago, por exemplo, mantêm a imagem da inquietação que me tem acompanhado neste percurso em que ainda escuto a crítica embuçada acerca da austera diferença tantas vezes pseudo, pseudo, pseudo... com que nos apresentávamos no seio daqueles que sim, nunca perderam a goliardia; transformaram-na, no sentido da acção dinâmica que a evolução social impõe e em que a música pode igualmente sofrer mudanças.
Sobre o pouco que se sabe acerca da origem histórica das Tunas é consensual que, sobretudo nos estudos de investigadores espanhóis, este fenómeno de importante relevância como movimento sócio-cultural tem as suas raízes na prática de alguns clérigos medievais que, tendo abandonado a vida religiosa e portadores de excepcionais dotes poéticos e musicais se entregavam a uma vida de boémia e prazeres mundanos de toda a espécie. A estas personagens, cultivadoras da contrafacção da música religiosa, tantas vezes a transformando directamente em signos de verdadeira leviandade moral, era dado o nome de Goliardos.
O séc. XII, com a criação de Estudos Gerais nas principais cidades europeias desencadeia uma forte movimentação de estudantes que, tal como os referidos clérigos, percorriam as povoações tocando, cantando, comendo e bebendo num divertimento polvilhado de não menos desacatos e provocações amorosas.
“Foram, na verdade, os estudantes os sucessores, os herdeiros, os continuadores da goliardia, quando, por finais da Idade Média, se esbateu o fenómeno dos clérigos refractários errantes e permaneceram apenas, na vida boémia e ambulante, os escolares, que durante tantos séculos com aqueles se confundiram, quer na vida boémia propriamente dita, quer na essência conceptual”. (Sardinha 2005: 83)[1]
Grande parte destes escolares, de reduzidas capacidades económicas e à semelhança dos referidos clérigos, andava de terra em terra cantando e tocando, normalmente em pequenos grupos, animando as gentes, fazendo serenatas, namorando solteiras e casadas, e pedindo para seu sustento dinheiro ou géneros. Sendo a sopa o prato vulgarizado e principal sustento das gentes rurais, era também uma dádiva comum levando a alcunhar os estudantes (pobres) de Sopistas.
A Península Ibérica conviveu durante séculos com estes grupos de estudantes boémios e galanteadores tendo a partir de certa altura passado a designá-los por tunas. Razões para esta nova designação, embora sem um justificado fundamento, só podem prender-se com o significado de Tuna mais ou menos consensual em vários dicionários, como tendo a ver com vida ociosa, vadiagem e mais recentemente a referência directa aos grupos musicais de estudantes. Tome-se como exemplo o Vocabulário Português e Latino do padre Bluteau que, em 1713 dá o significado de “andar à tuna” como “andar maganeando”.
Num texto de princípios do séc. XIX citado em Cancionero de Estudiantes de la Tuna pode ler-se: “Podían contarse entre los más osados y impertinentes de la raza humana, llenos de andrajos, rebosantes de buen humor, retozones y licenciosos, com su guitarra al hombro. Son gregários y generalmente circulan en pandilla, y uno de ellos, el gracioso del grupo, pide una dádiva en verso, acompañando sus improvisaciones con la guitarra. Si les permite por ley vagabundear y ayudarse a terminar los estúdios pordioseando por las calles. Muchos llegaram a ser ministros”. (in Sardinha 2005:91)
Outras teorias há que tentam encontrar mais rebuscadas justificações etimológicas mas, no fundamental, entende-se por Tuna neste contexto, um grupo de estudantes boémios deambulando ociosamente por ruas e tabernas, tocando e cantando, com a noite como fim em rondas diversas e serenatas às amadas.
O nascimento da TAUC é registado, em 1888 (Março), como fruto da visita da Tuna Compostelana a Coimbra no início desse mesmo ano. No entanto, e à semelhança das Universidades espanholas onde, como já ficou claro, muito antes da institucionalização das tunas como entidades com personalidade própria já existiam vários tipos de agrupamentos musicais, assim em Coimbra acontecia com os grupos espontâneos de cordofones sem qualquer preocupação em cumprir formalidades oficiais. Em Breve História da Tuna Académica da Universidade de Coimbra, de António José Soares[2], pode ler-se: “Muitos desses agrupamentos (que se apresentavam, mais ou menos espontaneamente, na Capela da Universidade, na Sala dos Capelos, no teatro académico, nos desfiles pelas ruas da Alta em ocasiões festivas) actuavam, simplesmente, com propósitos musicais, sem intenção de continuidade e sem qualquer preocupação da sua vida se inscrever nas páginas da História...”.
Pode daqui inferir-se que, sem a força da referenciada tradição musical espontânea e o importante papel de instituições como a Assembleia Académica Philarmónica criada no ano lectivo de 1844-45 e a Sociedade Dramático-Musical (1870-1875), não teria possivelmente bastado o sucesso da Estudantina de Santiago para o nascer da então Estudantina de Coimbra.
Não cabendo neste pequeno apontamento fazer a história das tunas ou particularmente da TAUC, fica no entanto a curiosidade, referenciada em “A Academia de Coimbra 1537-1990” (pág. 146) de Alberto Lamy, de esta ter sido conhecida por Jacto e cada um dos seus componentes por Jacobino.
Não obstante terem as responsabilidades e obrigações institucionais levado a uma substancial perda de espontaneidade por parte das Tunas estudantis, apresentando-se num formato do que pode chamar-se expressão codificada do ócio, é um facto que as Tunas espanholas nunca deixaram de, paralelamente ao concerto de salão, manter a o selo goliardo nas actuações de rua com passacalles e rapsódias de cantares populares.
Sei também, por testemunho de alguns a que as décadas de 40, 50 e 60 algum glamour devem, que algumas vezes, em recepções principalmente de vilas e cidades menos habituadas a incursões de artistas Drs, os mesmos, (aproveitando a máxima de que todos que chegavam a Coimbra logo eram Drs.) se passeavam tocando e cantando, pontualmente, pelas artérias principais para deleite das donzelas. No entanto, a nossa TAUC, ainda Estudantina e sob a orientação do Dr. Simões Barbas, realizou a sua primeira exibição em casa do Dr. Joaquim Martins de Carvalho, aquando da festa do seu capelo de Medicina!
Em Saudades de Coimbra, de António José Soares, e com 50 anos de informação mais ou menos pormenorizada, apenas se encontra em Maio de 1901 uma notícia que relata o facto de a Tuna ter tocado pelas ruas da cidade mas, neste evento, acompanhada pelo “Grupo Musical José Maurício” formado por elementos futricas.
Pad’Zé, em 1903 na “Revista do Civil”, escreve numa quadra, em que não é difícil aceitar a carga crítica pela conhecida personalidade do autor, o seguinte:

Não há coisa mais galante
Que um tuno a tocar viola
Para músico ambulante
Só lhe falta ter sacola.

Desde o seu nascimento até hoje, nunca dispensou um maestro, mesmo no tempo, o meu, em que a principal preocupação era discutir se sim, usar calças de ganga como traje, ou quiçá dar um toque à boca de sino às calças do traje clássico e encurtar a batina em jeito de jaqueta ribatejana, o maestro era indispensável mesmo para dirigir o que não precisava de ser dirigido.
Em 1929, estreia em Leiria o Momento Musical de Schubert, que se tornou o indicativo musical da Tuna (50 anos mais tarde eu toquei o Momento Musical como indicativo).
Sobre este pequeno pormenor de repertório apetece-me transcrever, em tradução livre, um excerto de John Blacking da sua obra de referência “How Musical Is Man?”: “A evolução da tecnologia e o aumento do tamanho das sociedades não podem ser tomados como sinais da evolução da cultura em geral ou do potencial intelectual do homem. Uma canção tradicional (africana ou portuguesa) não é necessariamente menos intelectual do que uma sinfonia: a aparente simplicidade dos sons produzidos podem ter subjacentes processos complexos de criação; pode ter sido estimulada para um avanço intelectual no qual o seu compositor viu para além dos limites da sua cultura e foi capaz de inventar uma nova e poderosa forma para expressar no som a sua visão das possibilidades ilimitadas do desenvolvimento”.
Será a tentativa de interpretar, tantas vezes no limiar do penoso para alguns e na descaracterização do conjunto, Bach, Vivaldi, Mozart, Schubert, Kurt Weil, Shostakovich entre outros, o grande objectivo da valorização social e cultural de uma minoria?
A função da música é reforçar, ou relacionar mais as pessoas com certas experiências que tenham sentido na sua vida social. A música não pode mudar as sociedades como as mudam a tecnologia ou a politica. Não pode fazer com que as pessoas ajam sem que elas estejam já social e culturalmente dispostas a agir.
Em 1949 é reorganizada a célebre Orchestra Phitagórica e, num comentário de então, ouve-se: “... pelo entusiasmo dos executantes poderia concluir-se que não era a música “séria” que mais interessava os elementos da Tuna”.
Nos anos 40-50, ao regressar a Tuna duma digressão pelo Oriente, concedeu-lhe o Papa audiência e regista António Rodrigues Lopes em “A Sociedade Tradicional Académica Coimbrã”: “Porém, em certo momento, os rapazes pediram autorização para tocar e cantar. Sua Santidade acedeu mas, alguém, advertiu que seria apenas “uma interpretação”. “Soaram as guitarras, ergueu-se a voz do cantor e tudo se modificou. Sua Santidade ouve, surpreendido, transportado. Há olhos comovidos, rostos atentos”. Finda a interpretação o Papa levantou-se, abraça o cantor, segura entre as suas mãos as dos guitarristas e deseja ouvir mais. O papa quer ver as guitarras de Coimbra, abraça-as, tange levemente as suas cordas”.
É a Tuna, diferente de todas as outras, que emociona Sua Santidade com o brilho e interpretação delicada dos seus executantes? Certamente no F R A final!
Ainda sobre a Tuna, e não sou eu que o digo, é um prospecto da Universidade:
“Em termos de apresentação e postura em palco não é comparável às conhecidas “Tunas Académicas”.
E porque gosto da Tuna me interrogo desta forma frontal e pública:
Será que esta nobre velhinha nunca teve humildade suficiente para se assumir como verdadeira Tuna, nem coragem que bastasse para se impor como a Orquestra que a Universidade de Coimbra não tem tido?

[1] Sardinha, José Alberto – Tunas do Marão. Vila Verde: Tradisom, 2005
[2] Coimbra : Bib. Municipal, 1962


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Fausto Pureza, moderado por Heitor Peixoto, vai proferir as suas memórias. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Pereira da Graça, moderado por Heitor Peixoto, vai proferir as suas memórias. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. A sessão continua com o depoimento de Rui Pato. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. A sessão terminou com a história da AATUC contada por Polybio Serra e Silva. Posted by Picasa


Segundo sia das III Jornadas de Temática Musical, promovidas pela AATUC. Desenho de Fernando Jorge, filho de Polybio Serra e Silva. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Desenho de Fernando Jorge, filho de Polybio Serra e Silva. Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical organizadas pelaAATUC. Desenho de Fernando Jorge, filho de Polybio Serra e Silva, com o título "Ele de lira e ela de lira". Posted by Picasa


Segundo dia das III Jornadas de Temática Musical organizadas pela AATUC. Desenho de Fernando Jorge, filho de Polybio Serra e Silva. Posted by Picasa


Segundo dia das Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Convívio final, no hall da Casa da Cultura. Daniela Machado, com uma bela voz, canta "Ai quem me dera", acompanhada pelo marido, Normando Machado. Mário Rovira escuta atentamente. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Abertura dos trabalhos com António Pedro Pita, Delegado Regional da Cultura, Carlos Encarnação, Presidente da CMC, Silva Afonso, Presidente da AATUC, Paulo Valério, Assessor do Governador Civil e Polybio Serra e Silva, antigo Presidente da Tuna. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Fernando Rolim, Normando Machado e André Granjo, actual maestro da TAUC, moderados por Polybio Serra e Silva, vão contar estórias relacionadas com as suas vivências enquanto Tunos. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Os três maestros da Tuna, Virgílio Caseiro, João Rodrigues e Augusto Mesquita (maestro actual), moderados por Jaime Gralheiro, vão usar da palavra. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Normando Machado em momento de boa disposição, cantando acompanhado pela sua viola. Na mesa, os dois oradores, Flávio Pinho e Augusto Mesquita, com o Presidente da AATUC, Silva Afonso. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Os dois oradores, Flávio Pinho e Augusto Mesquita, com o Presidente da AATUC, Silva Afonso. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Parte da Orquestra da AATUC em plena actuação, na Casa da Cultura. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. Parte da Orquestra da AATUC em plena actuação, dirigida por Augusto Mesquita. Posted by Picasa


Primeiro dia das III Jornadas de Temática Musical promovidas pela AATUC. A Orquestra da AATUC em plena actuação, dirigida por Augusto Mesquita. Posted by Picasa

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